Os Jogos De Annie Cresta escrita por Annie Azeite


Capítulo 14
XIII — Armadilha


Notas iniciais do capítulo

“— Estou com Peeta. Não. — diz ela. — E Finnick também votaria se estivesse aqui.
— Mas ele não está, porque os bestantes de Snow o mataram — Johanna a lembra.” Annie sobre a votação dos Jogos, em A esperança. Página 396.
Annie sempre boazinha e Johanna, destruidora :(



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As árvores persistem folheadas até o momento, mas algumas folhas castanhas se desprendem dos galhos e flutuam devagar até alcançar o chão. Caem uma a uma como a areia de uma ampulheta demarcando as horas... Em pouco tempo, o solo estará completamente coberto de folhas secas e as árvores serão apenas galhos sem vida. Os abrigos ficam cada vez mais limitados à medida que a vegetação vai se tornando escassa e encaro isso como um aviso: o tempo está correndo na arena.

— Fechar os olhos é pior — alega Noah enquanto anda ao meu lado. Talvez minha expressão de confusão tenha me entregado porque, imediatamente, ele se explica: — As mortes... Às vezes, é melhor assisti-las do que imaginá-las em nossa cabeça.

Agradeço o conselho e caminhamos de volta para o acampamento após mais um dia de caçada. Estou ansiosa para fechar os olhos em meu saco de dormir e me desligar de tudo isso. É claro que minha noite não será tranquila após ter presenciado outro tributo morrer, porém qualquer coisa é melhor do que permanecer uma expectadora impotente. Pesadelos são menos assustadores do que a realidade e, ao não fazer nada para impedir as mortes que assisto, me sinto tão errada quanto quem empunha a lâmina. Não posso negar que cada tributo a menos é um passo no meu caminho de volta e a culpa me atormenta.

 

Mais tarde, já no acampamento, eu fico encarregada de tecer as redes. Sou a melhor em fazer nós dentre os carreiristas e, embora não entenda tanto de armadilhas, as sessões de treinamento vieram a ser úteis. Estendo um dos lados da rede terminada na altura de minha cabeça e a outra extremidade toca o chão. Puxo as pontas opostas da malha que se comprime sobre os nós, diminuindo os vãos entre as cordas até serem do tamanho do meu punho. Nem mesmo um esguio peixe-trombeta poderia escapar por eles, penso orgulhosa do meu serviço. Entretanto, essa rede não é de pesca e a armadilha não é para peixes... Balanço a cabeça com o pensamento.

Levanto-me para guardar o emaranhado de cordas com as demais na pilha de suprimentos e me afasto do resto do bando. Meus aliados sequer erguem o olhar quando passo por eles e me sinto invisível novamente, como nos primeiros dias de treinamento. Ao alcançar a pilha de suprimentos, avisto um paraquedas prateado caindo do céu e rapidamente me viro para onde estão meus aliados. Uma árvore entre nós bloqueia a visão e acredito que nenhum deles possa ver. Corro rapidamente até a dádiva e descubro se tratar do mesmo saquinho que recebi no primeiro dia, contendo três cubos de açúcar. Sinto em meu bolso a minha primeira dádiva ainda preenchendo seu interior. Por que Finnick me mandaria isso? Levo um dos torrões à boca e o gosto é normal. Apenas açúcar.

O que está tentando dizer, Finnick? pergunto mentalmente. Parece um alerta. Mas sobre o quê? Seria o sinal para eu me afastar do bando? Avalio a possibilidade... Meu mentor ficou de me avisar quando chegar a hora de fugir, mas ainda está muito cedo. Existem mais tributos lá fora do que carreiristas e eu não sobreviveria sozinha. Além do mais, ele me enviou a mesma dádiva no primeiro dia da arena. Um sinal para me afastar está fora de cogitação.

Nós temos a vantagem de nos conhecermos bem, isso ajuda na comunicação” Lembro-me de suas palavras antes de nos despedirmos. Isso reforça meu palpite de que essa dádiva tem algum significado.

Caminho de volta para minha barraca, ainda tentando decifrar a mensagem de meu mentor. Estou tão absorta em pensamentos que me sobressalto ao encontrar Noah parado em meu caminho. Suprimo um gritinho.

— Você me assustou!

Meu companheiro de distrito estica o pescoço para ver atrás de mim e pergunta:

— Recebeu alguma coisa? — Ele me empurra devagar para fora do campo de visão dos nossos aliados e, ao ver minha preocupação, acrescenta: — Ninguém mais viu a dádiva, eu conferi.

Como nem eu mesma compreendo o significado, não vejo empecilho de mostrar a ele.

— Apenas isso. — Levanto o pequeno saco transparente.

Meu aliado não contém a frustração e ri de forma discreta.

— Ah sim, entendi a referência. Aquele papo filosófico sobre o verdadeiro propósito do açúcar ser adoçar — debocha, parafraseando a conversa que tive com Finnick. — Poético, mas por que ele mandaria isso?

Sinto a queimação em minhas bochechas e não sei se estou corando de vergonha ou raiva. Pensei que Noah não estivesse prestando atenção em mim e Finnick naquele café-da-manhã antes dos treinos. Estou incomodada por ele, não apenas ter me ouvido, como recitado em voz alta para toda Panem.

— Sua mãe não ensinou que é errado escutar a conversa dos outros? — indago com uma pitada de acidez.

— Ah. Era isso ou ouvir aqueles dois palhaços da Capital conversando sobre maquiagem. — Não sei se o termo “palhaços” é uma boa escolha no momento, principalmente se tratando das pessoas que podem nos patrocinar. — Desculpa se me intrometi.

— Ok — aceito suas desculpas, não desejando discutir. Mal ou bem, estamos na arena e nunca é bom irritar alguém cujo o dever é matar você. — Está tudo bem.

É... Está tudo bem... — Noah repete descrente, mas apreciando a sonoridade das palavras.

O hino de Panem atrai nossa atenção e o aerodeslizador preenche a noite escura, mais uma vez, com os rostos dos que padeceram. O número de sobreviventes está em doze, metade deles pertencendo à aliança. Além de nós, estão vivos ambos do distrito seis e do sete, o garoto do dez e — inusitadamente — a garota do três. Não sei como ela persiste até o momento, isenta de habilidades e detentora de uma nota quatro, mas provavelmente não está sozinha.

Revezamos a guarda durante a noite e todos saímos à procura de tributos pela manhã, exceto Noah que fica de vigia no acampamento. É o meu segundo dia de caça e, nunca imaginei que fosse pensar isto, mas a rotina está bem monótona e repetitiva. Como carreiristas, temos todas as chances a nosso favor e não precisamos buscar comida, água ou abrigo. Possuímos uma represa só para nós enquanto os demais competidores extraem a umidade da seiva das frutas escassas. Todo trabalho que temos se resume a procurar vítimas dispersas e distribuir armadilhas pelo percurso.

Caminhamos por horas de forma automática pela vegetação desbotada. Bebo do meu odre de vez em quando para aliviar a sede enquanto o sol nos atinge incisivo, tornando o ar ainda mais seco e os passos mais pesados. De repente, toda a atmosfera monótona se extingue quando nos deparamos com dois grandes felinos pardos que imediatamente notam nossa presença. O maior deles — com pelos volumosos circundando o pescoço — se levanta e solta um rugido estrondoso. Tem a cabeça arredondada e curta, com a face larga e orelhas suspensas. Eu reconheço aquele animal ainda que nunca tenha visto um de verdade. Chama-se leão.

O predador se aproxima devagar e o seu companheiro — menor e desprovido da juba castanha — se envolve a um filhote. Percebo não se tratar de bestantes, mas animais protegendo sua cria. Todos sacamos nossas armas para nos defender. O tributo do um — recém recuperado do ferimento e ansioso para demonstrar suas habilidades — se posiciona na frente da fera maior, que flexiona as pernas dianteiras em posição de ataque.

— Aqui, gatinho! Aqui!

Ele agita uma de suas espadas, atraindo-lhe a atenção, ao mesmo tempo que afunda a outra na lateral de seu ventre. A besta solta um grunhido de dor e recua. No entanto, o carreirista continua a desferir golpes na extensão de suas patas até ela tombar para o lado em renúncia. A criatura agoniza no chão, se debatendo, enquanto seu agressor se diverte com o fio da lâmina repetidas vezes sobre a carne. Tiras do músculo exposto se abrem no couro bege e o sangue colore o solo arenoso de vermelho.

— Já chega! — interrompo a sessão de tortura. — Você já deu o seu showzinho.

Encontro o animal e penetro minha faca próximo ao focinho, dando fim ao sofrimento desnecessário. Quando a outra fera — a fêmea — acelera para nos enfrentar, instintivamente me lanço sobre ela. Não abro oportunidade para meus aliados insensíveis lhe conferirem uma morte lenta. Sendo assim, invisto direto contra seu pescoço. As unhas afiadas deslizam sobre a minha pele, cortando-a como manteiga, mas executo a besta no ato. Os demais integrantes do grupo trocam olhares de surpresa e me orgulho da atenção recebida. Sou mais forte do que eles pensavam. Mais forte do que eu pensava.

Regulo a minha respiração descompassada e comprimo o ferimento em meu braço. Resta somente o filhote que caminha lentamente em nossa direção. Não oferece ameaça, tampouco teme os assassinos de sua família, ronronando próximo à minha perna. É gracioso, sem transmitir a imponência e arrogância dos pais. Contudo, Bagiot nos alcança e esmaga a pequena criatura com a marreta, formando uma mancha vermelha ao redor de onde a superfície metálica encontra o solo.

— Por que fez isso? — pergunto perplexa. — Era só um filhote!

— Carne, você quer dizer — responde indiferente. — Seria uma presa fácil para nossos inimigos.

Inimigos, repito mentalmente. Estou rodeada deles. Pessoas que causam sofrimento a vidas inocentes e não hesitarão em retirar a minha. Em breve, a aliança terminará. A cada disparo do canhão, estamos mais próximo do momento e parte de mim anseia por ele.

Queimamos os corpos dos animais — para que nenhum desesperado se alimente deles — e seguimos o caminho em silêncio. Sinto a ardência do corte em meu braço e a dor, antes reprimida pela adrenalina, começa a incomodar. A arena é vasta demais e a distância acaba sendo um empecilho. Não podemos nos afastar muito do acampamento ou os outros podem render Noah e usufruir da nossa água e suprimentos. Retornamos, assim, pela mesma trilha em que viemos, verificando as armadilhas no decorrer dela. Estão todas intactas, vazias, exceto por uma que curiosamente não é nossa. Eu mesma teci cada rede e a que eu vejo absolutamente não foi feita por mim. A malha é frouxa e os nós tão amadores que não compreendo como a vítima permanece presa.

— É toda sua, Distrito um, você estava ansiosa por isso — Taurus concede a honra.

— Ah! Não faço questão. — Gretel desprende um punhal da cintura e o estende na minha direção. — Vamos lá, Cresta, você precisa praticar mais! Quero ver matar uma pessoa como derrotou aquele bestante!

Eu não respondo, apenas a encaro de forma agressiva. Recuso sua faca — sacando a minha própria do coldre — e me aproximo da garota erguida pela rede. Ela não se debate ou tenta se desvencilhar das cordas, continua imóvel com os olhos fixos num ponto acima de minha cabeça. Não identifico seu distrito, no entanto, sei que pertence ao seis ou sete, visto que são os únicos a ainda possuírem tributos femininos além do três.

Junto-me à garota suspensa e a imobilizo contra uma possível reação — mesmo desacreditando essa possibilidade —, antes de aplicar um corte fatal. Pescoço ou coração? O que é mais rápido? Ou menos doloroso... Não sei se os outros reparam minha hesitação em retirar a vida de alguém vulnerável. Ainda assim, tento parecer indiferente, não só para eles como para as câmeras: não há espaço para piedade na arena.

No braço dela, bem abaixo de onde eu posiciono a mão, existe um corte tão recente que o sangue ainda escorre entre meus dedos. A garota percebe minha presença, mas se movimenta de forma letárgica, como se estivesse em algum estado de torpor induzido. Retomo meu plano de abatê-la, não reconhecendo o medo em suas feições. Isso me inquieta. Ela está ali, estática, apenas existindo. A morte iminente não a preocupa. Minha faca para no ar enquanto observo seus olhos vítreos e sem foco. As pupilas tão dilatadas que o preto ocupa quase toda a íris. Aquilo chama minha atenção, porém nenhum dos outros parece se importar.

— A Quatro não vai conseguir — O garoto do um arqueja em descrença. — Vou acabar com isso de uma vez. Não temos o dia todo!

Ele me empurra para o lado e perfura a espada exatamente no coração da garota. No mesmo instante, toda sua estrutura se enrijece. Os ombros paralisam contraídos e a mandíbula, trincada. Ninguém entende o que lhe atingiu, tampouco é algo visível. Ele chacoalha os braços em espasmos — cuspindo uma espuma translúcida — e despenca, ainda ereto, para frente. Gretel grita seu nome e, pela primeira vez, eu o escuto, ainda que tarde demais para chamá-lo.

— Hansel — repito num sussurro.

Dois canhões são disparados em sequência. Um para a garota imobilizada e outro para meu aliado.

 — Era uma armadilha — conclui Gretel, ainda perplexa. — Para nós.

Recordo-me de ter, outrora, assistido a algo parecido em uma edição passada dos jogos, exatamente igual a quando se encosta nas cercas de alta tensão do distrito quatro. Não consigo decifrar como isso acabou de acontecer nem descobrir o responsável, mas de uma coisa eu tenho certeza: Hansel foi eletrocutado.


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Notas finais do capítulo

O nome Hansel , de origem Hebraica, vem da história de "Hansel e Gretel" (João e Maria).
Tentei descrever a eletrocussão de maneira mais fiel possível, assisti inclusive um vídeo de execução por cadeira elétrica ( o que não recomendo, sério, foi horrível). Espero que tenha ficado bem explicadinho.

OBS: Eu só rio de voces que shippam Noannie. NUNCA. NEVER. JAMAIS. Escrevam voces mesmos fics sobre eles em que o noah diz " talvez TUDO BEM seja o nosso OKAY" e sejam felizes hahahahahaa Mas aqui não vai rolar... ODESTA é meu amor, minha vida, minha senha do wi-fi !!! E noah já tem a namoradinha ruiva dele.