Sem Dizer Adeus escrita por Jaque de Marco


Capítulo 10
Capítulo 9 - Doce ilusão, amarga realidade




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Ronald Weasley mal conseguia trabalhar com tantos pensamentos em mente. Mais tarde, ele e Hermione fariam uma recepção para oficializar o noivado. Havia tempo que ele não se sentia assim, eufórico como um menino. O dia só não era perfeito, pois estava de plantão no serviço. Tentara de todas as maneiras trocar de turno com alguém, mas parecia impossível; todos tinham algum tipo de compromisso programado. Por sorte, não havia muito o que fazer, estava há horas jogando xadrez bruxo com Harry. Apenas algumas batidas a bruxos suspeitos, apoio em notificações de magias leves sendo usadas por menores ocorreram durante todo o dia, mas nada que mobilizasse nem um terço do Quartel dos Aurores.

Rony trabalhava no Ministério da Magia há apenas alguns meses. Adorava o que fazia. Ficara extremamente feliz quando fora chamado para trabalhar como auror em um dos locais mais cobiçados por bruxos corajosos em todo o mundo mágico. No fundo o que mais o deixava feliz é saber que conseguira aquela vaga por merecimento próprio. Rony saíra de Hogwarts direto para a Escola de Aurores. Foram três anos de muito estudo. Na grande maioria das disciplinas, tinha que admitir, não ia exatamente bem... pelo menos não comparado a seu melhor amigo, Harry Potter. Mas no segundo semestre do curso se surpreendeu pelo desempenho que estava obtendo em uma matéria chamada Conceitos Básicos de Disfarces Mágicos, na qual alguns truques para passar o mais desapercebido por inimigos eram ensinados.

Já em suas primeiras tentativas, conseguira mudar a cor da sua pele; fato raro para bruxos comuns. Seu professor na época, Sr. Jones, ficara extremamente surpreso com seu feito. Dissera que da mesma maneira que muitos bruxos estudavam para conseguir ser animago, ele poderia estudar para se tornar um metamorfomago (apesar de alguns especialistas da área discordarem desta opinião). Rony pouco ouvira sobre esta prática antes, apenas conhecera uma pessoa com este poder em toda sua vida, para quem pediu ajuda algumas vezes em seus anos de estudo. Com os conselhos de Sr. Jones, de Nimphadora Tonks, livros e MUITA prática, Rony já conseguia se passar por outra pessoa sem nenhum problema. Divertia-se com cabelos loiros, roxos, orelhas pontudas, sobrancelhas grossas e até sem sobrancelha. Já passara diversas vezes por Harry na rua, o cumprimentava e ele jamais sabia que era Rony por de baixo do narigão e o cabelo verde.

Apenas o amigo e seus tutores sabiam do seu poder. Nem mesmo Hermione desconfiava que era capaz de fazer tamanha magia. Não que não confiasse nela, mas não havia encontrado oportunidade de conversar sobre o assunto. Sempre queria fazer melhor e, para mostrar para Hermione seu talento, deveria mostrar o melhor. Ainda precisava praticar mais. Queria que ela tivesse orgulho dele como ele sentia orgulho dela. Assim que fizesse uma metamorfose perfeita poderia mostrar a ela e ela ficaria feliz por ter como noivo um bruxo poderoso.

“Oh, Rony, presta atenção!”.

Rony estava tão entretido em suas memórias que até esquecera da partida de xadrez que estava jogando com Harry há quase uma hora.

“Está sonhando acordado?”.

“Mais ou menos”. – Rony não conseguia parar de sorrir, bastava lembrar de Hermione e lá vinha o sorriso em seus lábios. – “Prometi a Mione que não demoraríamos hoje. Bem que podiam nos dispensar, nada acontece no mundo!”.

“Acredite, melhor assim. Aliás, vamos terminar logo esta partida que, mesmo não tendo serviço, não seria agradável sermos pegos aqui jogando xadrez”.

“Está falando como a Mione”.

“Por que será que você sempre toca no nome dela?” – Harry soltou um sorriso malicioso ao terminar a frase.

Rony, ligeiramente constrangido com o comentário, achou melhor não responder. Nem que quisesse conseguiria disfarçar o quão apaixonado era por Hermione. E Harry mais do que ninguém sabia disso.

A partida de xadrez estava evidentemente ganha. Harry era realmente um fracasso no jogo! Rony já pensara diversas vezes em dar umas dicas ao amigo, mas, no fundo, adorava ganhar dele. Rony, com um comando, moveu sua rainha em direção ao rei de Harry, mas antes que pudesse dizer “cheque-mate” a porta da sala onde estavam se abriu repentinamente. Mal deu tempo de cobrir o tabuleiro com uma toalha e os dois viram entrar na sala Daniel Fiennes, chefe da 2ª divisão de aurores, bruxo hierarquicamente superior a Harry e Rony no Quartel.

“Ia perguntar se estavam ocupados, mas pelo visto não estão”.

“Desculpe, senhor. Mas é que não há muito serviço hoje”.

“Na verdade no momento não há serviço”. – Assim que terminou a frase, Rony achou melhor não ter dito nada.

“Agora tem”. – Daniel Fiennes era um bruxo respeitado entre os aurores. Tinha feitos enormes no currículo, mas, apesar de ter ajudado durante um tempo da Ordem da Fênix, nunca aliviava a barra de Rony e Harry. Tratava-os como qualquer outro. Rony achava que na verdade ele até exagerava na divisão dos serviços para eles, mas nunca comentara o assunto com Fiennes, é claro. – “Fomos notificados de uma movimentação suspeita aos arredores do God’s Acre e, como sabem, as leis mágicas proíbem certos tipos de feitiços em cemitérios trouxas. Além disso, temos fortes motivos para acreditar que há bruxos das artes das trevas por lá”.

“Quer que vamos até lá averiguar o que está acontecendo?”.

“Na verdade, Potter, gostaria que formasse uma equipe com uns quatro bruxos e ficasse encarregado de verificar o caso para mim”. – Fiennes virou-se para Rony e completou – “O Sr Weasley tem um outro assunto para resolver”.

Em poucos minutos Harry já havia formado uma pequena equipe para ir ao local da averiguação. Os melhores serviços sempre eram dados a Harry e Rony entendia muito bem porque, sua vitória sobre Voldemort calaria qualquer crítica a eficácia dele contra as artes das trevas. Enquanto Rony via seu amigo sair com a equipe, ele esperava Fiennes voltar à sala, assim como ele mesmo ordenara. Não podia imaginar qual seria o assunto que teria que resolver. Nunca Daniel Fiennes falara com ele naquele tom. Algo grave havia acontecido.

Sozinho na sala, Ronald ouviu a porta se abrir novamente, mas desta vez além de Fiennes, também entrou um bruxo com longos cabelos grisalhos e óculos meia lua. Rony nunca vira Alvo Dumbledore no Quartel de Aurores antes.

“Sr. Weasley”. – cumprimentou de maneira cortez, mas visivelmente agitado.

“Professor”.

“Vamos até a minha sala. Lá poderemos conversar melhor”. – Fiennes indicou o caminho por entre as mesas espalhadas pelo cômodo.

A sala de Daniel Fiennes ficava afastada das outras seções do Quartel. Um lugar extremamente reservado. Local adequado para se discutir algo com discrição, Rony pensou.

Ao chegarem na sala, Fiennes se sentou em uma das pontas de sua mesa e indicou com as mãos duas cadeiras à frente para Rony e Dumbledore, que, assim que se sentou, começou a falar.

“Como sabe, Sr. Weasley, mesmo com a morte de Voldemort, muitos de seus seguidores mantém seus planos de acabar com os trouxas” - Rony poucas vezes vira seu antigo diretor tão sério e das poucas vezes em que isso aconteceu sempre fora por motivos nada agradáveis - “Pois bem, estamos investigando seus atos há alguns meses em uma operação ultra secreta”.

Muita coisa agora fazia sentido para Rony. Realmente era verdade que havia comentários no quartel sobre uma operação secreta, mas como qualquer coisa secreta: todos sabiam que existia. Só que Rony nunca imaginara que Dumbledore estivesse envolvido.

“Receptamos, há alguns dias, contatos entre comensais da morte e bruxos do sul do estado. Logo percebemos que seus planos não eram apenas manter contato, pois eles estavam envolvidos com ninguém menos que Hugh Harris”.

“Pensei que estivesse morto há muito tempo. Não ouço falar dele desde que era criança”.

“Harris era metamorfomago. Ele deu muito trabalho para o Ministério, eu me lembro, com seus saques a lojas, a residências de bruxos importantes... Infelizmente sempre era achado o local do crime, nunca ninguém conseguia identificar o criminoso. Nunca conseguimos prendê-lo. Um verdadeiro caos”. – Fiennes parecia divagar sobre o assunto – “Mas não igual ao que Você-sabe-quem causou”.

“Nada poderia ser igual, Fiennes” - Dumbledore falou de súbito, fazendo o auror voltar sua atenção aos dois ali presentes. Encarando novamente Rony, Dumbledore continuou - “Hugh Harris há muitos anos percebeu que mais lucroso que roubar no mundo mágico, seria roubar trouxas”.

“Além disso, o velho Harris percebeu que era mais seguro roubar quem não tem magia. Armas não podem revidar varinhas” - Daniel Fiennes completou.

“Tudo bem, mas, me desculpe perguntar, o que eu tenho haver com isso?” - Rony não conseguia fazer uma ligação entre o que estava acontecendo. No que ele poderia ajudar nessa situação?

“Interceptamos um contato entre antigos comensais da morte e Harris marcando um encontro para hoje à noite” - Daniel Fiennes parecia realmente preocupado com tudo o que estava dizendo - “Pode imaginar que presumimos não ser boa coisa”.

“Hoje cedo conseguimos capturar Harris assim que chegou a Londres, mas, em uma briga, infelizmente o perdemos”.

“Ele fugiu?”.

“Não exatamente” - Daniel Fiennes falou rapidamente e pela visível satisfação em seu rosto Rony presumiu que Harris só poderia estar morto.

Novamente ele se perguntava por que estavam lhe contando tudo aquilo. Resolveu não perguntar. Imaginou que no fim não ia adiantar em nada, não agilizariam o assunto nem se soubessem que naquele dia seria seu noivado. O jeito era ouvir.

“Agora temos um Harris morto. E o encontro dele com os comensais será hoje”.

Dumbledore pareceu perceber a confusão no rosto de Rony e continuou a falar num tom de voz mais ameno e calmo.

“Soube que você descobriu ter um poder muito raro, Sr Weasley. Pouquíssimos bruxos são metamorfomagos e menos bruxos ainda conseguem fazer isso da maneira que o senhor faz” – e encarando Rony profundamente, completou - “Gostaríamos que você, Sr Weasley, nos ajudasse hoje à noite”.


“Rony...” - Hermione engasgava em suas próprias palavras enquanto soluçava de tanto chorar - “... você está aqui. Aqui!”.

 

Não sabia se realmente já estava acordada, se tudo aquilo não passava de um sonho, mas, se fosse, era um sonho bem real, pois sentia o corpo dele ali, quente, junto ao dela. Sentia o peito dele subir e descer no ritmo de sua respiração forte. Aquele braço com curvas bem formadas, aquele queixo com furinho, aquele peitoral quase sem pêlos e aquela barba mal feita que ele costumava deixar crescer por desleixo na época do namoro. Cada detalhe lhe mostrava que não podia estar sonhando, era ele, era Rony!

Hermione afastou-se do bruxo o suficiente para ficar com o rosto a alguns centímetros do dele. Precisava olhá-lo, senti-lo, segurá-lo para ter a certeza que não escaparia novamente. Não tinha mais controle próprio de seu riso e seu choro, só sabia que lágrimas grossas escorriam por sua face e embaçavam sua visão, mas ainda sim o via ali a sua frente.

Passou a palma da mão com os dedos abertos nos fartos cabelos que agora voltaram a ser de um vermelho vivo, inconfundíveis. Encarou o rosto do bruxo, que ainda olhava para o chão. Não podia ver seus olhos.

“Eu sabia... sabia que era você o tempo todo...” – sua voz saia entrecortada pelo choro – “meu coração me dizia... eu que nunca quis acreditar porque... era impossível. É impossível!... Rony... céus, você morreu... Mas, mas está aqui agora... comigo novamente”.

Abraçou-o fortemente de novo e pretendia ficar assim para sempre se o destino permitisse. A bruxa continuava abraçada a ele quando Rony afastou o corpo e falou ainda sem encará-la.

“Precisamos conversar”.


Participar de uma missão ultra-secreta no dia de seu noivado não é algo muito agradável, mas Rony acreditava que quando Hermione soubesse o motivo não acharia ruim. Estava certo naquela noite que, após tudo sair como planejado, contaria toda a verdade a Hermione. Ela ficaria tão orgulhosa dele! Inicialmente ela ficaria furiosa. Rony podia até ouvir seus sermões sobre confiar um no outro, mas após saber o que acontecera ela se acalmaria e diria que o amava. Assim Rony esperava, mas Mione sempre fora imprevisível, às vezes ele ficava pasmo com as atitudes dela.

 

Se ela o visse agora não acreditaria. Rony não era mais um jovem de cabelos ruivos, agora ele era um bruxo idoso, com cabelos de um branco brilhante na altura dos ombros. Estava extremamente parecido com a foto do cadáver que Dumbledore lhe mostrara a pouco, somente a altura continuava a mesma, mas o ex-diretor de Hogwarts dissera que este detalhe não faria muita diferença, já que Hugh Harris nunca aparecia em público e as poucas pessoas que já mantiveram contato com ele nunca sabiam identificar a sua real aparência. Tudo graças à Metamorfomagia, claro.

“Perfeito” - disse Daniel Fiennes assim que viu Rony – “O senhor é praticamente uma poção polissuco em pessoa”.

Passara muito tempo naquela sala sendo orientado por Alvo Dumbledore e Daniel Fiennes a como se comportar como Hugh Harris, mas o ruivo tinha quase certeza que não aprendera muita coisa.

“Ao sair daqui o senhor e os capangas de Harris serão levados por um Comensal da Morte ao local marcado para o encontro, que presumimos ser no cemitério God’s Acre” - Dumbledore começou a dizer e Rony tentou imaginar como ele sabia de todas aquelas coisas, mas logo depois desistiu ao lembrar que o ex-diretor de Hogwarts era um bruxo praticamente onisciente, ele sempre sabia de tudo.

“Quando vocês chegarem ao cemitério tudo já estará grampeado, então poderemos ter provas suficientes para prendermos a todos” - Fieenes acrescentou novamente com visível euforia em seu rosto.

Rony entendeu que provavelmente Harry tinha sido ordenado a seguir para God’s Acre com esta missão, preparar tudo para a “chegada” dos Comensais. O bruxo também imaginou que provavelmente Harry teria (e queria) ficar de tocaia para pegá-los assim que fosse possível.

“Só peço cautela, Sr. Weasley” - Dumbledore acordou Rony de seus pensamentos - “Não temos como prever todos os passos que um bruxo das artes das trevas toma. Quero que veja o que consegue descobrir e saia de lá. Se houver qualquer problema aparate aqui, não tenha receio em fugir”.

“Não há o que dar errado, Dumbledore! Estamos trabalhando nessa ação há meses! Sabemos cada passo destes malditos comensais” - Dumbledore encarou Fiennes com um olhar de quem não estava confiando plenamente no que no bruxo dizia - “Hoje nós os pegaremos!”.

Apesar de Fiennes afirmar categoricamente que tudo daria certo, Dumbledore encarou Rony com um olhar que, a primeira vista, lhe pareceu de preocupação, mas logo em seguida parecia mais firme.

“Confio no senhor, Sr. Weasley” – Dumbledore afirmou e Rony teve a impressão que uma onda de coragem lhe tomou o corpo. - “Colocarei sua real varinha no bolso de sua capa e no momento combinado lhe será entregue a varinha de Hugh Harris”.

Rony se despediu de Dumbledore e saiu da sala escoltado por Fiennes. Nada poderia dar errado. Enquanto caminhava por um longo corredor chegou à conclusão de que devia ter procurado Hermione. Se tivesse aparatado em casa e dado um beijo nela estaria muito mais confiante nesta hora.

No fim do corredor havia uma porta. Os dois bruxos pararam em frente a ela e, após se entreolharem por um segundo, Daniel Fiennes a abriu.

No mesmo instante em que os dois entraram na sala, Rony sentiu a horrível sensação de estar do lado oposto à lei. Vários bruxos que trabalhavam no ministério passavam olhando de rabo de olho para eles. Rony evitou olhar para estas pessoas, era como se todos pudessem reconhecê-lo. Foi escoltado por Fiennes até a ala onde se encontravam as lareiras para viagens à pó de flu.

“Pronto, o sr. está livre. Desculpe-nos pelo mal entendido” – falava Daniel Fiennes enquanto lhe entregava a varinha do verdadeiro Harris.

“Ah... tudo bem” – Rony sentia-se sem jeito, aquela situação toda o incomodava. Pegou um punhado de pó de flu de um vaso acima de seu ombro e entrou na lareira.

“Boa sorte, Weasley” – sussurou Fiennes pouco antes de se afastar.

Sorte, isso era realmente o que Rony precisava.

“God’s Acre!” – a voz do ruivo quase não pôde ser ouvida quando um alto rugido veio da lareira, pouco antes das chamas ficarem verdes-esmeraldas.


Fora como um balde de água fria sendo jogado na cabeça de Hermione. Ela acordou de seu devaneio e só então se deu conta que Rony era Joshua, ou melhor, Joshua era Rony e ambos (se fosse possível falar no plural) mentiram. Como pudera agir como outra pessoa por tanto tempo? Como teve a coragem de fazer todos acreditarem que estava morto? Terríveis lembranças vieram à mente de Hermione ao pensar no velório de Rony. Realmente precisavam conversar!

 

Hermione demorou alguns segundos até se restabelecer por completo. Afastou-se do bruxo, sentando-se na beira da cama. Rony continuava encarando o chão, o que inconscientemente fez com que a raiva de Hermione aumentasse gradativamente.

Secou as lágrimas do rosto com o lençol no qual se cobria e só então se lembrou que estava nua. Relembrando o que acontecera na noite passada, Hermione chegou à conclusão que tinha plena consciência que fizera amor com Rony e não Joshua. E então não conseguia mais pensar algum momento em que não sabia que Joshua não existia. Sempre soube! Só tinha medo de admitir e ser obrigada a ir a fundo no assunto e ficar sem Rony novamente. Uma doce ilusão muitas vezes é muito melhor que uma amarga verdade.

Ajeitou o lençol em volta do corpo mais discretamente possível, era como se não conhecesse mais aquele Ronald Weasley que estava a sua frente. Endireitou-se na ponta da cama, ficando a meio metro de distância do bruxo. Era incrível como em alguns segundos um sentimento de alegria podia ser substituído por raiva. E esses foram os segundos mais longos de toda a sua vida.

“Como pôde?” – ela perguntou para um Rony que não a encarava e após alguns segundos sem resposta, Hermione continuou – “Por que você mentiu? Eu sofri tanto com a sua ausência, com a sua morte. Por que, Rony? Só me diz por quê?”.

“Eu só quis te proteger” – o som que saía da boca de Rony era quase como um sussurro, sem forças.

“MAS ME PROTEGER DO QUE AFINAL?”.

Neste momento Hermione não media mais seu tom de voz. Gritava! Tremia tamanho nervosismo! Por que ele simplesmente não era direto com ela e lhe contava tudo o que acontecera? Mas ele continua ali sentado, encarando o chão.

Hermione não pôde mais se controlar. Levantou-se e se abaixou na frente de Rony.

“FALA COMIGO! FIQUEI MUITO TEMPO SEM SABER!” – Hermione segurou o rosto do bruxo em suas mãos e o ergueu. Rony estava em prantos, o rosto inchado de tanto chorar. Soluçava como um bebê agora e, sem ter força para falar qualquer coisa, abraçou Hermione novamente.

Aquela situação a desconcertara. O que havia acontecido de tão grave? Nunca, em toda sua vida, vira Rony daquele jeito.

“Por tudo o que é mais sagrado, Rony, o que aconteceu com você?”.

Contendo o choro, Rony falou... falou como se contasse um segredo guardado há muito tempo.


Rony tinha a sensação de estar sendo sugado por um enorme ralo, parecia estar girando muito rápido e então caiu em um velho chão de madeira. Antes que pudesse olhar ao redor para entender onde estava, viu uma forte luz vindo em sua direção.

 

“Quem está aí?” – ouvia uma voz feminina, em um tom de selvageria, perguntar – “Diga logo!”.

Rony não conseguia enxergar quem estava falando por detrás daquela luz esverdeada que emanava a sua frente.

“Ah... Harris, Hugh Harris”.

Depois de alguns minutos sem dizer nada a bruxa abaixou a varinha, diminuindo a intensidade da luz que emanava dela. Rony reconheceu na mesma hora Bellatrix Lestrange. A bruxa estava diferente da última vez que Rony a vira. Seus traços, que um dia já poderiam ter sido belos, estavam marcados com cicatrizes feias, ferimentos abertos e no canto de sua boca havia um hematoma. Não era só isso que notara, ela estava mais velha. Bem mais velha do que na última vez em que a vira, no mesmo dia em que Harry matara Voldemort. Desde então, ninguém mais a vira. Ouvira dizer que depois disso reunira um grupo de ex-comensais que ainda praticavam artes das trevas, mas só ouvira falar.

“Hugh Harris” – Bellatrix Lestrange falou mais em tom de interrogativa do que afirmação.

Rony cumprimentou mexendo levemente a cabeça. Levantou-se com cuidado do chão e então deu uma rápida olhada ao redor. Definitivamente não estava no cemitério como Dumbledore e Fiennes haviam lhe falado. Teve impressão que todo o plano do Quartel de Aurores de alguma maneira havia fracassado. Provavelmente ele seria a única chance dos aurores descobrirem alguma coisa, ou ele simplesmente morreria àquela noite. Mas Rony não queria pensar nesta possibilidade.

O único cômodo que podia ver era extremamente grande e elegantemente decorado. A luz que vinha da lareira iluminava fracamente o local. Poucas poltronas se dispunham perto desta, não tendo nada além de alguns tapetes no chão.

Havia pelo menos uns dez bruxos vestidos com capas pretas, alguns com o capuz erguido (não dando para ver seus rostos), outros não. estavam de pé e com varinhas em mãos.

“Não ouço falar de você desde que resolveu se envolver com os malditos trouxas”.

“Não sabe o quanto isso é lucrativo para os negócios” – Rony não acreditava de onde estava tirando tanta frieza ao dizer aquelas palavras. Sentia-se frágil, receoso, até amedrontado com todos aqueles comensais da morte ao seu redor, mas não demonstrava isso. Por fora estava duro como uma rocha, mesmo que por dentro estivesse tremendo.

“Nunca me sujaria desta maneira” – Lestrange falava com cara de nojo – “Mas isso não vem ao caso” – E mudando o tom, continuou – “Soube que você teve um probleminha com o Quartel de Aurores ontem”.

“É, você sabe, minha ficha está suja no mundo mágico”.

“Sorte sua não ter nada que o prove. Você deve ser realmente muito bom em feitiços de memória”. – Rony gelou na hora que ouvira isso. Tudo parecia estar indo fora dos planos. Dumbledore não falara nada desta casa. E afinal, porque não estavam no cemitério trouxa como fora informado? Se houver qualquer problema aparate aqui, não tenha receio em fugir: Rony lembrou-se das falas de Dumbledore, mas não iria desistir. Hermione tinha de ficar orgulhosa dele e ela nunca ficaria feliz com alguém que foge.

“Não íamos nos encontrar no God’s Acre?” – Rony perguntou instintivamente.

Assim que terminou sua frase, Rony gelou, pensou ter feito besteira quando sentiu quase todos os olhares da sala em sua direção, sinal, é claro, de que muitos estavam ouvindo conversa alheia.

“Decidimos que aqui seria mais seguro” – Bellatrix aproximou-se assustadoramente levando as mãos na lateral do corpo, na qual Rony imaginou ser onde ela guardava a varinha – “Após a sua rápida prisão, percebemos que o quartel de aurores estava na nossa cola, então, desviamos a conexão de pó de flu do God’s Acre para cá”.

O bruxo tremeu com a possibilidade de ter que reagir a qualquer momento e repassou mentalmente a localização de sua varinha na veste, só por precaução. Era grifinório e iria até o fim!

“Fomos informados que o quartel mobilizou praticamente todo o seu contingente para o cemitério. O ministério está à mercê de muitos perigos, não acha?” – Bellatrix falava mais animadamente agora, com um sorriso sinistro nos lábios enquanto pronunciava as palavras – “Vamos invadir o Ministério da Magia hoje, Hugh Harris”.

Pela primeira vez, Rony sentiu a responsabilidade de ser a única chance do Ministério.


“Eles estavam planejando há muito tempo tomar o Ministério. O Quartel de Aurores achou que estava preparado para um possível ataque, mas não estava” – Hermione mantinha-se sentada afastada de Rony enquanto ele falava. Ela o olhava incrédula – “Harris mantivera-se infiltrado no Ministério há meses, a serviço dos comensais. Ele passou informações importantes para o ataque que eles fariam aquela noite”.

 

“E você foi ajudá-los?” – Hermione não sabia de onde a sua voz saia. Não saberia explicar se somente pensara ou realmente fizera a pergunta, tamanho o transe em que se encontrava. Queria saber mais do que acontecera.

“Naquele momento, eu era o único auror que sabia dos reais planos dos comensais. Eles queriam acabar com a resistência do Quartel e tomar o Ministério”. – Rony levantou-se e seguiu em direção a Hermione receoso. Pareceu esperar alguma reação adversa dela, mas como nada acontecera, sentou-se na cadeira a seu lado – “Fui com eles e na primeira oportunidade procurei Dumbledore. Conseguimos juntar o máximo de bruxos quanto foi possível para resistir, mas o incêndio foi inevitável. Dezenas de pessoas morreram nas chamas enfeitiçadas. Nada podia deter o fogo. Eu vi muitas pessoas morrendo queimadas, Hermione. Eu fiquei perdido, desnorteado... não pude ajudá-las. Senti-me inútil. Sabia de tudo, mas, mesmo assim nada pude fazer”.

Hermione sentia seu coração bater rápido, em contrapartida aos seus pensamentos. Demorava para digerir as palavras de Rony.

“Por sorte, os comensais não sabiam que Harris era eu. Quando percebi isso, vi então a possibilidade de ajudar. Dumbledore entendeu também que a situação era única. Quando mais teríamos a chance de saber onde estariam os causadores da maior tragédia mágica de todos os tempos? Ele me ajudou muito quando aceitou mentir para vocês ao dizer que eu havia morrido no incêndio”.

“Você não pensou na dor que isso nos causaria?” – as palavras saíram sem emoção de Hermione. Como se ela estivesse funcionando em câmera lenta.

“Eu juro que seria temporário, mas a história foi se estendendo tanto que chegou um momento em que percebi que colocaria todos vocês em perigo se me revelasse” – Hermione tirou as mãos do colo quando Rony tentou acariciá-las.

“E então por que voltar agora? Por que fingir ser uma outra pessoa todo esse tempo?” – Hermione lembrou-se de todos os momentos em que Rony passou-se por Joshua. Tudo agora parecia irreal.

“Bellatrix e os demais comensais estão no apoio de Malfoy para ministro. Você não faz idéia como o meu sangue gelou quando ouvi dizer que você seria o novo alvo dos seguidores das artes das trevas agora que sairia como oposição na próxima candidatura. Precisava te proteger!”.

“E ENTÃO RESOLVEU MENTIR!” – Hermione levantou-se, saindo do transe que a surpresa lhe causara.

“Não podia deixar eles te machucarem! Se voltasse a ser Ronald Weasley eles saberiam de todo o disfarce e viriam atrás de mim, de você e de minha família” – Rony levantou-se também, mas a bruxa esquivou-se, afastando-se ainda mais – “Você não entende, Hermione, não quis te envolver! Não era nem para nos esbarrarmos, eu estava conformado em te amar a distância! Estava conformado em te proteger para sempre e assistir resiguinado você reconstruir a sua vida com outra pessoa... seguir o seu caminho se essa fosse a sua vontade”.

Grossas lágrimas teimosas insistiam em cair dos olhos de Hermione. Por um momento sua visão ficou turva. Abaixou o olhar e tentou por um segundo lembrar de algum momento em que pensara reconstruir sua vida com outra pessoa que não Rony, mas não encontrava este momento em sua mente.

“Naquele dia, em seu escritório, que os comensais tentaram te matar, eu juro, senti um dos maiores medos de minha vida... Venho te protegendo como Joshua desde então... até por que hoje não é mais seguro ficar entre os comensais. Eles sabem que não sou Hugh Harris”.

“Como?”

“Lembra-se do noticiário que falava das mortes de Victor Dorough e Isabelle Fow no caminho da entrega do prêmio de Bruxo do Ano?” – e após o aceno de Hermione, Rony continuou – “Pois bem, como te disse, eram ex-comensais da morte que há alguns anos trabalhavam como informantes. Não tinham muito a confiança de Bellatrix e outros comensais como eu tinha, mas eram uma nova tentativa de desmembrar o grupo. Eles sabiam que eu era um auror, Hermione. Com a morte deles, creio que nem posso mais voltar”.

“Mas eles sabem que você é Ronald Weasley?”.

“Não sei. Mas não posso mais voltar como se nada tivesse acontecido. Ronald Weasley não existe mais” – Hermione sentiu uma dor incômoda no peito ao ouvir esta frase. Rony levantou o rosto de Hermione segurando o queixo da bruxa com as mãos – “Eu não tenho mais vida, a minha é a sua, por isso te perder é como a morte para mim”.

Um misto de sentimentos tomavam o corpo e a mente de Hermione. Apesar de estar feliz por ter Rony de volta e saber que sua intuição acertara quanto a Joshua, havia também um sentimento de mágoa por ter sido enganada por todos estes anos. Quão mais pessoas sabiam daquela história toda? Quão mais pessoas a viram chorar por tanto tempo, sem nunca dizer a verdade.

“E Harry? Ele sabia?”.

“Ele soube ontem, pouco antes de seu depoimento no quartel. Precisava da ajuda dos aurores na sua proteção e Harry sempre fora como um irmão”.

“Eu vi você conversando com Dumbledore neste evento”.

“Eu tenho passado informações para ele por todo esse tempo. Os comensais têm ganhado força nos últimos anos e o poder será maior com a vitória de Lúcio Malfoy nas eleições para Ministro da Magia”.

“É isso o que eu tento impedir”.

“Mas eu queria muito que não fosse você a candidata. Eles não vão sossegar até terem acabado com você”.

Rony estava diferente, pensou Hermione. Não só na aparência, mas principalmente na personalidade. Estava mais maduro, falava com a convicção de um homem solitário por muitos anos. Por um segundo Hermione percebera que Rony vivera como ela, abdicou de prazeres pessoas pelo serviço. A diferença era que enquanto Hermione lutava por direitos de elfos domésticos, Rony lutava para não descobrirem seu disfarce.

“Por algum momento pensou em voltar?”.

“Todo o tempo isso foi o que mais queria. Provavelmente por isso não resisti em me envolver com você enquanto fingia ser Joshua. Estar novamente perto de você,” – Rony abraçou Hermione, não se importando com a relutância inicial da bruxa – “sentir o seu abraço, o seu beijo... Foi como se pudesse ter você de volta”.

“Foi só uma ilusão, Rony” – Hermione afastou um pouco o bruxo de seu abraço, ficando com o rosto colado ao dele. Podia sentir a respiração forte dele perto de si. O peitoral descoberto, o cabelo molhado de suor.

“Então foi a ilusão mais real que já vivi” – Rony falou num sussurro, pouco antes de beijá-la. Seus lábios eram macios. Suas mãos, fortes, ásperas, roçavam em suas costas fazendo-a sentir um arrepio gostoso.

Hermione sabia, sempre o amara. Era estranha a sensação de ter a certeza que sempre soubera sobre Joshua. O beijo, o cheiro, o toque... era Rony desde o início e ela sabia. Sabia desde o primeiro olhar, a primeira fala. Hermione tinha certeza que mesmo depois de muitos anos, Rony sempre fora seu grande amor, a razão de sua vida.

Aos poucos o beijo foi se acalmando. Rony ainda beijou levemente os seus lábios antes de se separarem.

“Preciso te tirar daqui”.

“Mas para onde vamos?” – Hermione perguntou enquanto imitava Rony ao recolher as roupas espalhadas pelo quarto.

“Vou deixá-la na casa de Gina. Lá será seguro até pensarmos num plano melhor” – Rony vestia agora a camisa que antes cobria o corpo do moreno Joshua.

“Mas e você?”.

“Preciso resolver algumas coisas antes...” – Rony não pôde terminar a frase, pois Hermione, já vestida, parou bem perto dele, com as duas mãos na lateral de seu rosto.

“Já te perdi uma vez e não vou te perder de novo, entendeu?”.

Rony olhou fixamente a bruxa por alguns segundos, então deu um leve sorriso e a beijou de leve. Hermione sabia que ele ainda era completamente apaixonado por ela.

“Vamos!” – Rony falou e então, desaparatou de mãos dadas com Hermione.


Hermione abriu os olhos e se viu em frente a uma casa branca, ladeada por altas e imponentes árvores. No final de um caminho de chão cimentado, a porta com a plaqueta das iniciais H & G estava escancarada. Tudo estava escuro, como se todas as luzes da residência tivessem sido queimadas. Instintivamente, Hermione pegou a varinha do bolso da calça e ao olhar para o lado, viu que Rony havia feito o mesmo.

 

“Tem algo estranho acontecendo aqui”.

Rony entrou primeiro na sala. Hermione o seguiu, mas não conseguia enxergar um palmo a frente. No caminho tropeçou em um objeto grande, fazendo um barulho inesperado. As sombras do freste da porta aberta projetavam o contorno da mobília revirada da casa.

“Gi...” – Rony tentou chamar pela irmã, mas neste instante um jorro de luz veio em sua direção, jogando-o barulhentamente contra a parede.

Hermione demorou alguns segundos para entender o que havia acontecido, mas então sentiu uma varinha ser encostada no centro de suas costas.

“Não pense em fazer nada, sangue ruim!” – o tom de selvageria na voz de Bellatrix fez o sangue de Hermione gelar.


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