Olhos De Sangue escrita por Monique Góes


Capítulo 31
Capítulo 30 - Cidade de entrada


Notas iniciais do capítulo

Reta final! Isso mesmo pessoal, esse é o último grande acontecimento antes de Olhos de Sangue terminar de vez! ^^



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            - Devido a morte de todo o grupo de caça mandado ao norte comandado pelo número 7, Raimundo, foram-se tomadas medidas drásticas...

            Apertei o botão para desligar a voz de Adramalec com um suspiro. Raimundo, o número 7, fora em missão para o norte, e todo seu grupo de caça fora morto por vários Despertados. Sua morte foi o estopim para que a Ordem tomasse uma decisão. O norte era um local de perigo devido ao exército de Despertados da Abissal Anastácia, chamada de Rainha do Gelo ou Rainha do Norte. Por algum motivo, esse exército estava se movendo, acabando com muitas cidades no caminho, a população do norte sendo dizimada para virar alimento.

            Então, metade da Ordem estava indo em missão conjunta para o norte, 34 guerreiros. O que possuir o menor número estará no comando da missão.

            Não poderia existir o número 0 ou -1?

            Sim, eu estava como comandante geral do que já chamavam de Guerra do Norte.

            Aliás, estávamos numa nave enorme que nos levava em direção à Legoi, a cidade de entrada do norte. Entrada?

            Significava que, para entrarmos no norte, tinha que se passar obrigatoriamente por ela.

            Segundo o que Adramalec dissera, todos os moradores sobreviventes do norte estavam sendo retirados de lá levando somente o necessário (roupas para a viagem, pertences pessoais) e sendo movido para qualquer local fora do norte. A Ordem fizera mais um pacto com todas as cidades de Darneliyan, com exceção de Sacraelum, a cidade sagrada que era a única que não tinha contato com a Ordem. Todos os moradores seriam espalhados pelas cidades, ganhariam uma casa e indenização até repor todas as perdas que tiveram no norte. Até que era uma boa.

            Olhei por cima de meu ombro, mirando a câmera que estava no recinto. Vigiados 24 horas por dia.

            Eu estava sentado no sofá numa espécie de sala dentro da nave, a qual possuía oito portas. Quatro dígitos únicos foram mandados para comandar trinta e quatro. Apenas quatro.

            Iríamos lidar com o maior grupo de nossas vidas.

            Havia dois grupos de sete, um de seis e um de oito. Eu iria cuidar do de oito pessoas, Anita e Hideo iriam pegar um grupo de sete cada um, Dante iria cuidar de um grupo de seis. Seu temperamento explosivo não era o melhor do mundo, então acredito que foi por isso que ele ficou com o menor.

            Havia quatro salas na nave quatro salas espalhadas. Uma com oito portas, duas com sete e uma com seis. Esses seriam os dormitórios, mas decidiram já deixar todo o grupo junto num alojamento para que fosse se familiarizando para não ter confusão antes da missão.

            Estávamos lá havia 10 dias, estávamos quase chegando. Em meu time, por assim dizer, estava Hilda, que talvez por considerarem que estava psicologicamente abalada pela morte de Raimundo, já que os dois eram um casal, não iria comandar nenhum grupo. O número 17 – que seria Alec, o número 23, Ferser, número 26, a Raquel, número 34, Larry, número 52, Liloel – que raio de nome é esse? –, número 64, Miranda e número 68, Maurice. Era um grupo com números bem variados.

            Olhei pela vidraça com vista panorâmica para a porcaria da turbina. Um grande círculo com as hélices girando dentro. A sorte é que eu não escutava o barulho do motor.

            O céu já se tornara completamente branco e cinzento, a vidraça estava manchada com pequenos pontos brancos. Neve.

            Aproximei-me da janela e dei uma olhada. Só via nuvens abaixo de onde estava, nada mais. Nada de chão, nada de árvores, nada. Só a imensidão branca.

            Que me dava arrepios por algum motivo. Era como se algo me dissesse que a neve seria a última coisa que veria na vida.

            Balancei a cabeça para afastar aquele pensamento tenebroso da minha mente, e senti alguém tocando em meu braço.

            Estava tão distraído que acabei me assustando, e ao olhar para o lado, me deparei com Raquel me encarando com curiosidade.

            - O que foi? – perguntei.

            - Eu entrei aqui e você não pareceu escutar nem notar. Eu achei estranho e vim ver se estava tudo bem.

            Apenas sorri e disse:

            - Não, está tudo bem. Estava apenas distraído.

            Ela assentiu e tirou a mão de meu braço. Apesar de estar usando uma camisa de mangas compridas, eu poderia jurar que o local onde ela tocara estava formigando. Por que eu tinha essas reações?

            Yudai, você é tão ingênuo que me dá nos nervos. – Hideo bufou em minha mente.

            Balancei a cabeça para ignorá-lo e Raquel me olhou com curiosidade. Tenho que aprender a fazer somente minha mente responder a isso, não meu corpo também.

            -... Não tem mesmo nada errado? – perguntou.

            - Não, é sério. – afirmei, enquanto sentia Hideo dando – literalmente – um tapa em minha mente. Minha cabeça rodou um pouco com aquilo. – Sério mesmo.

            Raquel olhou pela vidraça. Deuses, porque eu às vezes me pegava pensando que ela era bonita ou coisa parecida? Minha vontade era de bater em mim mesmo nesses momentos. Tendo conhecido-a desde que era criança, para mim, aquilo parecia simplesmente... Errado. Se eu estivesse sozinho, eu provavelmente bateria com minha testa na vidraça. Hideo, somente para me ajudar, ficava cutucando minha mente.  

            Você não pode cuidar de sua própria vida?!

            Sinto muito, eu simplesmente não resisto.

            - Você acha que já estamos chegando? – Raquel perguntou.

            - Acho que sim. – respondi. – Estamos aqui há mais de uma semana, não é possível que não estejamos chegando.

            Ela ficou em silêncio durante algum tempo, e reparei nela, novamente. Hideo deu outro tapa em minha mente, dessa vez para me acordar antes que ela percebesse que eu estava reparando nela. Antes que eu o agradecesse por me acordar, Raquel disse, com um ar pesado:

            - Minha cidade era perto daqui.

            Ah... Crimstor. Uma das últimas cidades antes do norte. Não sei se estavam reconstruindo-a novamente ou se deixaram-na do modo que estava.

            - Minha cidade não. – falei.

            Raquel riu diante a bobagem que falei, o ar pesado desaparecendo de suas feições. Seus dedos perambularam pelo vidro frio, como se estivesse pensando em alguma coisa.

            - Yudai, você está com um mal pressentimento quanto a esta missão?

            Então não era só eu...

            - Estou. – suspirei. – Mas espero que seja apenas pressentimento ruim, e não algo ruim.

            Ela assentiu, ainda com o olhar perdido no nada que estava além da janela.

            - Olha, desculpa interromper o namorico de vocês, mas vocês não vão comer não?! – Hideo exclamou, abrindo a porta estrondosamente, fazendo-nos pular.

           Eu realmente quis matar Hideo nesse momento, e vi que Raquel ficou incrivelmente vermelha.

           - Não estávamos namorando. – falei, passando por ele e batendo em sua cabeça.

           - Não, imagina. – disse irritado. – Só estavam os dois sozinhos, juntos, sem nem lembrar de nada.

           - Isso não significa nada. – falei em minha defesa enquanto Raquel passava rapidamente por entre nós dois, ainda vermelha.

           - Você sozinho consegue me irritar mais do que o Alec e a Nina juntos. – bufou e baixou a voz. – Talvez seja porque eu acompanhe cada mísero pensamento seu.

           - Crie seu próprio muro em vez de ficar vendo o que não quer. – falei, começando a andar.

           Andei por alguns corredores, para então descer a escadaria que dava para o refeitório da nave. Não era tão cheio quanto o da Ordem, aliás, o lugar chegava a ser vazio se comparado a lá. Fui até o bufê, pegando qualquer coisa aleatória para comer e fui sentar na mesa onde estavam sentados Alec, Nina, Larry e Alma, a colega de quarto – na Ordem ao menos – de Nina. Ela era negra, com o cabelo encaracolado e branco, bem volumoso. No momento que ela me viu, falou alto o suficiente para que muita gente escutasse:

           - Se bem que eu tava notando a falta de alguém! Ei gatinho 2, o gatinho 1 teve que ir atrás de ti!

           Ah, só comentando. Alma nunca chamava a mim e a Hideo pelo nome. Era só de... Sim, argh, gatinho, e quando queria se referir a um de nós separadamente, ela usava o termo “gatinho 1” e “gatinho 2”. Eu odiava aquilo com todas minhas forças, e talvez fosse isso que a impulsionasse a utilizá-los. Ah, e o “1” era o Hideo – provavelmente por ser o mais velho – e o “2” era eu.

           - Fale mais alto Alma. – falei, me sentando. – Acho que o motorista do outro lado da nave não escutou.

           - Tudo bem! – disse animadamente e começou a puxar o ar teatralmente para falar alto, mas Hideo a interrompeu.        

           - Tá bom, sossega o facho! – exclamou, se sentando ao meu lado enquanto eu começava a comer sem nem prestar atenção no que comia.

           - O que você estava fazendo para demorar tanto? – Alec perguntou reprimindo o riso.

           Olhei de esguelha para Hideo que fez uma expressão inocente antes de responder secamente:

           - Nada que lhe interesse.

           - Namorando a gatinha? – Alma perguntou rindo.

           Hideo, você abriu essa sua boca grande?! – perguntei.

           Só comentei que você poderia estar namorando quando saí da mesa para ir atrás de você. ­– disse de maneira divertida. – Ah, e por que você fez logo essa analogia?

           Vá-te catar. – falei rapidamente.        

           Ele riu em voz alta e todos na mesa o olharam como se perguntassem se ele estava ficando louco.

           Bom, assim como Raquel, Larry também crescera. Ainda usava dreadlocks, ainda continuava um crianção, ainda continuava elástico, mas agora estava quase da altura de Alec – que era pouca coisa mais baixo do que eu ou Hideo -, e não era mais tão magrelo.

           Apesar de comer rapidamente, mas foi o suficiente para que Alma e Larry irem embora, mas sem antes ela chamar novamente em alto e bom som eu e Hideo pelo apelido que adorava usar para nos irritar. Alec ficou quieto, assim como Nina, porém ela logo levantou e disse que ia dormir. Alec a seguiu com os olhos, até que, para minha surpresa, Hideo disse:

           - Ela é bonita, não é?

           - É... – Alec disse distraidamente, só se tocando depois de ter dito aquilo.

           Juro que engasguei com minha comida.

           - Há! – Hideo exclamou, e Alec jogou-lhe uma colher, seu rosto ficando incrivelmente vermelho, quase da cor de seus olhos. – Te peguei!

           - Fica... Quieto!

           - Bom Alec, há certas coisas que todos percebem. – falei, tossindo, e Hideo bateu em minhas costas para que eu não me entalasse.

           Alec bufou, e fez menção de começar a se levantar.

           - Ei, fica sentado aí. – Hideo disse num tom falsamente autoritário.

           Alec o encarou de olhos cerrados, então se sentando.

           - Você já se entregou, não ache que vai sair tão fácil dessa.

           Alec bufou, enquanto eu continuava comendo, mas obviamente escutando a conversa. Interrogatório prestes a começar? Tinha certeza. Era meio óbvio, mas quanto a Alec se entregar... Hideo não iria deixar isso passar em branco.

           A vida é dele, ele se apaixona por quem quiser. – falei.

           Eu sei que você quer saber tanto quanto eu.

           Maldita ligação de mentes...

           - Não é nada não. – Hideo disse. – Só que esse chove e não molha de vocês me irrita.

           - Cala a...

           - Sinto muito Alec, mas irrita mesmo. – falei, e ele me fulminou com o olhar.

           - Vocês dois são os irmãos mais velhos que eu jamais desejaria ter. – murmurou. 

           - Não há de quê. – estupidamente, acabamos por responder em uníssono, fazendo Alec fechar a cara.

           - Olha, você já se entregou. – Hideo continuou. – Por que não faz alguma coisa?

           Pelos deuses, esse ia ser o dia em que eu ia me engasgar até a morte. Dessa vez engasguei de novo e a comida não queria descer. 

            Alec armou uma carranca, antes de falar:      

            - Você acha que eu já não fiz?

            Se eu já não estivesse engasgando, eu juro que teria me engasgado novamente. Senti a surpresa de Hideo em minha mente enquanto eu tossia como um condenado.

            - Bom... E...?

            Alec desviou o olhar, pensando um pouco antes de falar.

            - Toda vez que... Eu... – ele parecia sem graça. Não que eu pudesse repreendê-lo por isso. – Tento alguma coisa, ela se afasta.

            Ah...

            - Bom, teve um dia... Vocês sabem que ela e o Denis são irmãos?

            - Desde quando você sabe?! – exclamei. Eu não sabia que ele já sabia disso.

            - Desde que vi uma discussão e que ela saiu correndo. – suspirou. – E...

            - Se você foi tirar satisfação com ele, você é louco. – Hideo bufou, mas Alec sorriu de um jeito que minhas esperanças de que ele não ser louco foram por água abaixo.       

           Hideo não disse nada após, estava pensando, então peguei um copo de água porque eu ainda estava com aquela sensação estranha na garganta por ter entalado. Quando estava quase para por o copo na minha boca, uma borboleta de água saiu voando de dentro dele.

           - Ih, sua água fugiu. – Alec disse num tom jocoso.

           - Alec. ­– falei entre dentes.

           Ele desfez aquela porcaria na minha cabeça.

           - Seu...! – exclamei, balançando a cabeça, sentindo o líquido escorrer pelo meu cabelo enquanto Hideo ria.

           - Yudai. – alguém chamou atrás de mim.

           Me virei e vi um curador entre muitos outros da Ordem que viera naquela nave, ele era ruivo e tinha os olhos verdes. Apenas indicou que eu o seguisse, e com um suspiro, o fiz. Ele andou por vários corredores e subiu três escadarias, chegando a um enorme corredor prateado com apenas uma porta ao fundo, e quando nos aproximamos, ela abriu-se automaticamente.

           Era uma sala enorme que em vez de ter uma parede em seu fundo tinha um enorme vitral com vista panorâmica para o nada, e haviam ali dezenas, se não centenas, de humanos trabalhando em computadores, cada um com uma função da nave. Havia uma tela holográfica em frente ao rosto de cada um e teclados hipersensíveis, com cada tecla acendendo-se no momento em que seus dedos encostavam-se nela.

           O curador desceu as pequenas, andando na plataforma que ficava na altura da cabeça do pessoal, e eu o segui. Quando olhei para cima, vi que havia outro andar, com uma espécie de passarela também, e várias vidraças, onde eu via várias cabeças humanas andando de um lado para o outro.

           O homem apertou um botão e uma espécie de escada em espiral abriu-se no interior do chão, bem em frente à vidraça, e começou a descê-la. Com um suspiro, continuei a segui-lo, e logo que passei, o buraco se fechou acima de mim, deixando o local na mais profunda escuridão. Ao menos havia apenas um caminho, mas apenas por precaução, ativei minha visão noturna.

           Quando meus olhos começaram a doer, percebi que havia claridade no local, mesmo que mínima. Desativei minha visão, e quando chegamos ao fim da escada, quase pensei que não havia mais piso. O piso era um imenso vitral sem qualquer demarcação, o qual eu poderia pensar ser muito bem o nada, se não houvesse humanos andando ali. E mais: haviam dois homens controlando um painel de controle holográfico, com um mapa com um pequeno ponto vermelho, que acreditava eu, era a nave.

           E para meu desgosto, Undine estava lá.

           Eu começava a me perguntar o que havia de errado com aquela velha, por que ela simplesmente não envelhecia mais do que seus aparente 60-70 anos. Ela já não deveria ter se aposentado?

           - Olá. – falou num tom despretensioso.

           Não respondi e ela simplesmente pegou uma sacola e me jogou-a. Por reflexo a peguei antes que caísse no chão, e vi que era minha armadura para missão. Logo depois ela me jogou outra coisa. Uma... Pulseira?

           - Estamos prestes a chegar em Legoi, e então precisaremos que o comandante geral da missão seja reconhecido de algum modo.

           Juro que não gostei do tom que Undine usou para falar “reconhecido”.

           - Isso é apenas uma armadura e uma espada diferenciadas do resto. Qualquer um saberá que é você no momento em que o vir.

           Assenti e olhei para baixo, mas tive uma sensação estranha. Era como se estivéssemos descendo. Pisquei, e percebi que estávamos descendo. Pontos negros em meio à neve, dispostos em círculos envolta de algo que parecia-me uma praça. Casas.

           Havíamos chegado a Legoi, a cidade de entrada.     


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Notas finais do capítulo

Aí o desenho q eu prometi ^^



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