Meu pai era como uma proteção para todos lá em casa. Minha mãe parecia forte, mas só fisicamente, ela era muito transtornada por dentro e eu estava começando a entender o porquê. Os Jogos Vorazes.

Eu ainda não entendia muito sobre e meu pai disse que um dia me mostraria alguma das duas edições que participou, quando eu estivesse madura, não sei. Ele também me disse que ele e minha mãe foram os únicos a participarem duas vezes seguidas dos Jogos, por isso eu deveria ser paciente com minha mãe quando ela precisasse de espaço.

Então sempre o fiz.

As nossas coisas que iriam conosco na viagem estavam prontas e logo sairíamos do Distrito 12 por alguns dias, semanas ou meses...Não sei dizer.

Anualmente meus pais têm que fazer essa viagem em toda a Panem para a comemoração do fim dos Jogos e da restauração da república. Eles passam de Distrito em Distrito para falar sobre os Jogos, sobre a Revolução e sobre como todos têm que sempre cooperar para a continuidade da paz em Panem.

Esse ano decidi ir.

Os filhos e descendentes dos vitoriosos, podem participar dessas viagens por serem conhecidos em todo o país como os Filhos da Revolução. Já eu e meu irmão temos um apelidinho especial, os Pequenos Tordos, já que minha mãe foi o Tordo, o rosto da rebelião.

Mas isso ainda é meio confuso para mim. Minha mãe pode ser o rosto da rebelião, mas a forma que cada Distrito e até mesmo a Capital se comporta quando meu pai esta presente é quase assustadora. Ele é como um herói para esse país.

Meu tio Haymitch diz que o povo o ama pela sua simpatia e também porque meu pai enfrentou coisas que pessoa nenhuma em toda a Panem enfrentou. Ele foi telesequestrado e programado para matar minha mãe, mesmo a amando desde criança. Tio Haymitch diz também que se ele não a tivesse amado demais desde o inicio nunca teria se recuperado.

Agora eu estava me preparando para conhecer pessoalmente todo esse mundo com o qual tenho contato apenas pela TV. Tenho um pouco de medo de tudo, pois não conheço nada e só de pensar que foi ali, na Capital, que meus pais quase morreram varias vezes não ajuda.

Mas Effie chega falando em um tom super alegre que está na nossa hora de pegar o trem.

Meu irmão de apenas 11 anos irá conosco, porque diferente de mim ele está super ansioso para conhecer todos os Distritos e finalmente a Capital, onde ele diz que ouviu falar que há a melhor comida do mundo, mas desconfio que alguma coisa da Capital chegue aos pés dos bolos, tortas e pães que meu pai faz, eles são apenas deliciosos demais.

– Onde está Haymitch? – minha mãe grita do fundo da casa.

– Eu o busco. – grito de volta.

Caminho apenas alguns passos até a casa de tio Haymitch e o encontro com os cabelos penteados pela primeira vez em muito tempo. Ele está muito elegante se olhando no espelho da pequena salinha de visitas de sua casa e quando me aproximo ele esconde um pequeno vidrinho no bolso, provavelmente uma de suas melhores amigas, a bebida.

Meu pai diz que desde que eu nasci a quantidade de bebida que tio Haymitch bebe diminuiu drasticamente, já que minha mãe o proibiu de chegar perto de mim ou de meu irmão cheirando a álcool. E bem, ele a obedeceu.

– Que cheiro bom é esse? – digo chegando perto dele para verificar se o cheiro está realmente saindo dele.

– Eles chamam de perfume, quando eu estiver na Capital vejo se te compro algum, docinho. – ele respondeu e se virando para mim e deu uma boa olhada. – Sua mãe pode não ter os melhores modos do Distrito, mas ela te deixa a coisinha mais adorável de toda a Panem quando te faz usar esse vestidinhos.

Reviro os olhos. Todos sabem muito bem o quanto prefiro minhas calças velhas a estes vestidos, mas sempre que minha mãe me pede os visto porque ela sempre se emociona ao me ver neles, eles a lembram minha falecida tia, que tem o mesmo nome que eu. Primrose Everdeen.

Meu nome foi inspirado pelo dela, mas todos dizem que não somos muito parecidas, não quanto meu irmão é. Meu pai disse que mamãe chorou bastante quando Finnick nasceu, porque ele tinha os olhos doces e cinzentos que minha tia também tinha, que são bem diferentes dos meus, que todos dizem serem iguais aos de meu pai.

Ela morreu ao fim da revolução.

Desde que se voluntariou para os Jogos minha mãe teve que lidar com inúmeras mortes, as mais significativas para ela inspiraram meu nome e o de meu irmão, ao todo são quatro nomes diferentes que se transformaram em dois compostos: Finnick Cinna, e claro Primrose Rue.

Mesmo com todas essas mortes sinto que a de minha tia foi a única que minha mãe nunca superou completamente. Ás vezes vou para a floresta observá-la caçar e vejo seus olhos se encherem de lágrimas quando se depara com a flor que deu nome a minha tia e a única coisa que a consola depois é quando chegamos em casa e os olhos sorridentes de meu irmão olham nos dela.

Tio Haymitch estende o braço me tirando de meus pensamentos. Saímos lado a lado da casa dele.

– Você quer mesmo ir? – ele me olha preocupado. – Eu não me importo de pedir a Effie que ela diga as autoridades que estou doente ou algo assim para que eu fique com você.

Faço sinal positivo com a cabeça.

– Eu não sou mais criança, em alguns dias terei 18 anos e quero finalmente conhecer o povo pelo qual meus pais lutaram quase que até a morte. Eu quero conhecer as coisas. Eu...eu preciso. – eu disse quase que gaguejando pateticamente no final.

– Se é o que você quer. – ele me olha uma ultima vez antes de irmos em direção aos meus pais. – Também tenho certeza que o rosto de dois Pequenos Tordos é o melhor presente que Panem pode receber em seu aniversário de 25 anos sem os Jogos.

Meus joelhos tremem um pouco, mas seguimos para minha casa onde um bando de Pacificadores nos espera para nos levar até a estação de trem.