Começa a amanhecer na cidade de Kugoya. A mesma casa do capítulo anterior continua a ser mais destacada do que as outras, por abrigar nosso protagonista. Protagonista, aliás, que dorme em um sono profun...

                - ACORDAAAA!!! KENTAAAA!!! - O grito costumeiro da mãe de Kenta, Satoru Nanao, acorda a vizinhança na bela manhã. - ACORDAAAA!!! OU VAI SE ATRASAR PARA A ESCOLAAAA!!!

                - Já vou, mãe! - Grita em resposta Kenta.

                Kenta levanta da cama e anda pelo quarto bagunçado. Ele empurra a porta aberta e sai pelo corredor do segundo andar, indo em direção ao banheiro.

                - Mas que ressaca... Nunca mais bebo... Ainda tive um sonho com gnomos...

                Kenta empurra a porta entreaberta do banheiro e entra nele. O banheiro tem apenas um vaso sanitário e uma pia alta, com um espelho. Kenta pára de repente, pensativo.

                - Estou encolhendo? Por que não alcanço mais a pia?

                Ele tenta dar um pequeno pulinho, alcançando a borda da pia e se erguendo para se olhar no espelho.

                - Meu Deus, o que houve comi...

                Kenta arregala os olhos ao se olhar no espelho e grita. Encarando ele mesmo está um pequeno gnomo igualzinho aos da noite anterior: pele enrugada e botas verdes, com uma roupa verde comum cobrindo o corpo e uma pequena touca na cabeça, cobrindo os cabelos negros.

                - EU NUNCA MAIS BEBO NA MINHA VIDA!

                A mãe de Kenta, Nanao, está alegre fazendo o café da manhã. Ela cantarola uma canção enquanto frita ovos.

                - Pé ante pé, no campo das tulipaaas! - Ela coloca os ovos em um prato com bacon e coloca na mesa. - KENTAAAA!!! O CAFÉ DA MANHÃ TÁ PRONTOOOO!!! DESCE LOGOOOO!!!

                Passinhos são ouvidos descendo a escada que é ligada com a cozinha.

                - Kenta...? - Kenta aparece na cozinha, finalmente descendo as escadas. - MEU DEUS!!!

                Ela encara o pequeno gnomo Kenta com os olhos arregalados.

                - Meu Deus... Meu filho... - Uma lágrima escorre do olho dela.

                - Mamãe, eu posso explicar.

                - MEU FILHO ESTÁ CADA VEZ MENOR, MEU DEUUUUS!!! COMO EU QUERIA QUE ELE JÁ FOSSE GRANDINHO E TRABALHASSEEEE!!!

                Nanao começa a chorar sem razão aparente, voltando aos seus afazeres na cozinha, enquanto Kenta sobe na cadeira com esforço e começa a comer seu café da manhã. “Velha louca, não percebeu que eu virei um gnomo...”, pensa Kenta, comendo o bacon.

                Minutos depois, Kenta se arruma e já pega uma pequena bolsinha da mãe para colocar nas costas, pois a mochila é muito grande. A mãe dele dá uma moedinha para ele.

                - Tome filhote, 50 ienes. Para comprar algo legal, sabe.

                - Obrigado, mãe.

                Kenta, andando pela rua, observa a Loja Alpha e a máquina de amendoins baratos.

                - Palheta para o Shiro-chan ou amendoim...? - Murmura Kenta para si mesmo, parando na calçada. Ele quase é pisoteado por um homem de terno, que grita: “Sai da frente, pirralho!”. - Ah, amendoins é claro! - Kenta vai na máquina e gasta seus 50 ienes com um saquinho de mini-amendoins.

                Comendo amendoins, Kenta continua o caminho para escola, sendo xingado de baixinho e pirralho diversas vezes. Ele quase é pisoteado por uma mulher e, por fim, chega na frente da escola e começa a procurar Shiro.

                Meninas riem bobamente do pequeno Kenta, que passa irritado por elas.

                - Maldição, aquele gnomo disse que era só um dia assim...

                Kenta localiza Shiro do outro lado, parado com o violão nas costas e olhando para os lados como se o procurasse.

                - Ei, Shiro! Sou eu, Kenta!

                Shiro começa a olhar para os lados.

                - Ouvi uma voz fininha. Será que é o Kenta?

                - EI BABACA! AQUI EM BAIXO!

                Shiro olha para baixo e dá de cara com Kenta o encarando.

                - Meu Deus Kenta, você está tão baixinho. O que aconteceu? Caiu dentro da máquina de lavar e encolheu?

                - Há há, que engraçado Shiro.

                Ambos entram na escola juntos, com muita gente rindo do tamanho de Kenta.

                - Deixaram essa criança se matricular aqui? Que horror!

                - Esse pirralho tem que voltar pra 1ª série!

                - Olha o tamanho dele, que fofo! - Diz uma voz conhecida, ou não, dos dois.

                Parando no pátio da escola, Kenta e Shiro olham para duas garotas que se aproximam, uma com mechas rosas e a outra com mechas roxas.

                - Ai meu Deus, Midori! Olha lá! Aquele baixinho com o Ryogaku Shiro!

                Aika Midori e Mizuki Naomi se aproximam. Aika ignora os dois, apenas olhando para o céu. Mas Naomi mostra interesse até demais em Kenta.

                - Meu Deus, que lindo! Esse anãozinho é tão lindo! - Ela aperta as bochechas de Kenta, que dá um tapinha nelas e protesta com sua voz fininha. Naomi olha para Shiro. - Trouxe seu irmãozinho, Ryo-kun?

                Shiro dá uma risadinha.

                - Na verdade, ele é o...

                - EU SOU O KENTA! - Kenta pula na cabeça de Naomi, fazendo-a cair de cara no chão. Ele encara Midori, que mostra interesse nele pela primeira vez.

                - Satoru Kenta, que não nos conhece mesmo sendo colega nosso? Não reclame se não o conhecermos também. - Diz Midori, com a voz áspera.

                - Maldita rosada, pegou ódio de mim... - Kenta é jogado longe por Naomi que se levanta. Ele acaba caindo de costas no chão duro.

                - Então é aquele abusado do Satoru Kenta! Se eu soubesse nem teria vindo aqui! - Naomi o encara feiamente. Shiro pega Kenta e o coloca no ombro para ele poder encarar as meninas melhor.

                - Cale a boca, roxuda! Você e a rosada são duas fracassadas que vivem...

                As duas começam a se aproximar de Shiro e Kenta com olhos demoníacos.

                - Roxuda...?

                - Rosada...?

                - CORRE, SHIRO!

                Mais tarde, no último período do dia, Kenta está sentado ao lado de Shiro, conversando com ele.

                - Aquelas duas são bizarras, olha elas lá! - Cochicha Kenta, apontando para Midori e Naomi. As duas os encaram com olhares ferozes. Naomi cochicha algo para Midori.

                - Deixa elas, Kenta. - Murmura Shiro, distraído, escrevendo notas musicais no caderno de partituras.

                - B-Boa tarde, turma! - Um homem entra tropeçando na sala, soluçando e cheirando fortemente a vinho.

                - Isso! Nosso último período é com o Yukio-san! - Kenta pula em cima da carteira e começa a dançar, enquanto o professor entra na sala tropeçando.

                Ele tem cabelos negros e caídos nos ombros, junto com olhos negros, com pupilas dilatadas e veste um terno branco manchado de vinho. Aparentemente, está bêbado.

                - Hoje teremos aula! - Diz o professor, deixando um casaco preto e uma maleta em cima da mesa dele. Uma garrafa de vinho tinto sai do casaco, rolando e cai no chão, manchando o chão. - Que desastre!

                - Esse professor bêbado não tá com nada! - Grita um aluno.

                - Lá vem esse beberrão achar que consegue dar aula! - Grita Midori, do fundo da sala.

                - É mesmo, Midori-chan! Esse bêbado só me ensinou que beber vinho causa manchas roxas no terno! - Grita em conjunto Naomi, arrancando risinhos da sala.

                - Essas vadias... - Kenta parece irritado. Shiro o olha.

                - Kenta? - Pergunta Shiro, enquanto Kenta pula para o ombro do professor e encara todos da sala.

                - SEUS MALDITOS! COMO OUSAM TIRAR SARRO DO NOSSO PROFESSOR? - Grita ele, fazendo todos se calarem.

                Yukio ajeita o crachá no terno manchado escrito “Professor Nomukyoshi Yukio” e pega Kenta com as duas mãos.

                - E temos aqui uma fada! Peçam um desejo! - Grita o professor, abrindo um sorriso alegre.

                - Seu bobão... - Murmura Kenta, vermelho. A sala toda tira sarro.

                - Olha, é o fadinha!

                - Cadê suas asinhas, Kenta!?

                Kenta encara Midori e Naomi, que riem mais alto do que todos.

                - Essas vadias... Eu mato elas...

                - Limpe o chão, fadinha. Esse é meu desejo. - Murmura o professor, colocando Kenta no chão.

                Na saída, Kenta anda com Shiro pelo pátio da escola, sofrendo com as risadas incessantes de todos.

                - Quando eles vão parar de rir de mim? - Pergunta Kenta com a voz fininha, enquanto Midori e Naomi passam por eles rindo e dando tchau bobamente. - Essas vadias...

                - Não sei, Kenta. Mas não liga não. - Ele e Kenta saem da escola para a rua, que está apinhada de estudantes no portão do lado de fora, rindo e apontando para Kenta. - Olha, tenho que estudar a Escala Pentatônica de Fá, então vou indo. Até logo.

                Kenta assiste Shiro sair correndo.

                - Maníaco da música... Me deixou aqui. - Ele olha chorosamente para Shiro, que já sumiu virando a esquina. Todos ainda riem de Kenta, fazendo piadinhas com o tamanho dele ou o chamando de “fadinha”. O professor Yukio passa por ele, cheirando a bebida.

                - Obrigado, Fada-kun! Me ajudou muito na aula! - Ele soluça e tropeça na calçada, caindo de cara no chão, arrancando ainda mais risos.

                - Bobão... - Murmura Kenta, saindo correndo e virando a esquina.

                 Poucos minutos depois, Kenta caminha por uma rua deserta, espumando de raiva.

                - Aquelas vadias só tiram uma com a minha cara! E ainda por cima aquele bêbado acha que sou uma fada! Todos me zoam por isso, que droga! Essa droga de maldição ou sei lá o quê não vai sair nunca? Droga!

                Alguém aparece nas costas de Kenta, saindo de um arbusto. Ele pára de andar e arregala os olhos de medo e temor.

                - Quem é? - Pergunta, virando para trás. Ele se assusta e pula para trás. - É o... É o... Kirashi Toshiko!

                Um garotinho muito mais jovem que Kenta, vestindo o mesmo uniforme que ele e com cabelos negros e longos que caem no rosto ocultando os olhos, está parado na frente dele com um sorriso de demente estampado na cara.

                - Olá, jovem fada. Ouvi falar de você na escola. Não falam de outra coisa. Keke. - Ele sussurra teatralmente, enquanto mexe no bolso e tira uma faca de prata dele, com um buraco no lugar aonde é segurada. Ele encaixa o dedo indicador no buraco e começa a girar a faca.

                - O-Oi, Ki-Kirashi Toshiko, ouvi falar de vo-você também... - Kenta dá alguns passos para trás para recuar, mas Toshiko também dá um passo para frente. Um colar de prata brilha no seu pescoço quando a luz do sol das 13 horas bate nele.

                “Meu Deus, esse é o famoso Kirashi Toshiko da Escola de Kugoya! Dizem que ele mata e tortura animais, além de ser totalmente psicopata! E isso tudo com apenas 11 anos de idade!”, pensa Kenta, suando.

                - Olha... Toshiko, certo? Tenho que ir pra... pra casa, sabe? Estudar, he he. - Kenta dá mais um passo para trás e cai de costas. Toshiko se aproxima, empunhando a faca.

                - Eu vou matar você... É tão pequeno que deve ser cortado... Como será o gosto de um gnomo, keke?

                Toshiko corta o ar com a faca, mas algo pára a faca no ar. Toshiko arregala os olhos ao ver a figura do mesmo tamanho de Kenta defender o golpe com a faca com o próprio punho. Uma luva de ferro brilha na mão de...

                - Gnomo! - Grita Kenta, se levantando. Toshiko recua, observando o gnomo salvador de Kenta. O gnomo, vestindo botas verdes e com um olhar superior, se vira e olha Kenta.

                - Boa tarde, humano. Ou melhor, gnomo.

                - Q-Quem é você!? - Pergunta Kenta, se apavorando ao ver o gnomo falar com ele.

                - Não lembra de mim? Ah, você estava muito bêbado para lembrar. Eu sou Brownnie, o gnomo.

                - Keke, parece que aqui temos alguém que eu não poderei cortar. - Sussurra suavemente Toshiko, que encara as costas do gnomo. Brownnie se vira.

                - Vá embora, Kirashi Toshiko. Tenho negócios a tratar com Satoru Kenta. - Diz com a vozinha fina, mas intimidadora.

                - Vou indo, então. Cortarei você mais tarde, Satoru Kenta. Kekeke...

                Toshiko guarda a faca e desaparece no arbusto mais próximo.

                - Quem é você!? Brownnie? Gnomo? Meu Deus! - Kenta desmaia.

                Brownnie o encara friamente.

                - Parece que a maldição ainda não acabou. Eu devo ter feito alguma besteira...

                Nanao está sentada no sofá da sala vendo TV. Ela parece preocupada.

                - Aquele Kenta já devia ter voltado... Será que foi arranjar um emprego? - Ela pergunta para si mesma, roendo as unhas. A campainha toca. - Eu atendo! - Grita ela, mesmo sendo a única moradora da casa no momento.

                Ela corre para abrir a porta, dando de cara com Brownnie, segurando Kenta nas costas.

                - Boa tarde, madame.

                Nanao observa Kenta desmaiado.

                - Meu filho! O que você fez com ele? Não me diga que... - Ela arregala os olhos, pondo a mão na boca. - ... O Kenta começou a trabalhar?

                Brownnie faz que sim com a cabeça.

                - E ele trabalhou tanto que desmaiou? - Pergunta Nanao, ainda com a mão na boca e encarando Brownnie.

                Brownnie faz que sim com a cabeça.

                - Entre, farei um chá! - Convida Nanao, abrindo a porta para ambos.

                - Com licença.

                Nanao conduz Brownnie pela casa, que ainda segura Kenta nas costas.

                - Quer um chá com biscoitos, senhor...?

                - Brownnie. E não, obrigado. Só preciso subir para o quarto de Kenta e conversar com ele.

                - É a respeito de salário e essas coisas? - Pergunta Nanao, sentando no sofá. Brownnie pára no primeiro degrau da escada e olha para Nanao.

                - Claro, salário...

                Segundos depois, Brownnie coloca Kenta na cama e pula em cima dele.

                - Acorda, Satoru Kenta!

                Ele dá um tapão na cara de Kenta, que fica vermelha.

                - Acorda, Satoru Kenta!

                Ele dá outro tapa, fazendo Kenta acordar gritando e pulando, fazendo Brownnie cair suavemente no chão, de pé.

                - O que houve? Meu Deus! É o gnomo! - Kenta pega as cobertas e se esconde nelas, tremendo de medo.

                - Bobão, você também é um gnomo... Pelo menos agora... - Brownnie ajeita a touca e pula na cadeira do computador do lado da cama, ficando na mesma altura que Kenta, que coloca a cabeça para fora do cobertor.

                - Gnomo...? - Pergunta Kenta, encarando Brownnie perplexo.

                - Satoru Kenta, eu acabei te transformando em um gnomo para sempre!