Change Of Heart escrita por Sak Hokuto-chan


Capítulo 31
Patience


Notas iniciais do capítulo

Verdade que serei perdoada pela demora se contar que esse é praticamente um capítulo duplo, já que tem quase o dobro do tamanho convencional? S2 Como ele é longo, vou pedir pra vocês terem atenção, pra que não deixem passar nenhuma explicação, pois estamos na reta final =3

Agradecimentos pela hexarevisão ao Orphelin, o carneiro-beta, que falou pra avisar que este aqui é o antepenúltimo capítulo, galere! D:



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Capítulo XXXI

Houve um tempo em que eu não tinha certeza
Mas você acalmou minha mente
Não há dúvida de que você está no meu coração agora
Tudo que precisamos é de um pouco de paciência
Patience - Guns N' Roses

Aiolia odiava tanto verbos no imperativo que seu primeiro impulso foi responder Shura com alguma insolência. Não era possível, afinal, ser ferido com facilidade pela espada de esgrima que o outro segurava. E se, por acaso, o espanhol resolvesse jogá-la para o lado, disposto a socá-lo ou algo assim, seria um tanto melhor. O leonino bem que gostaria de uma briga para extravasar com toda a tensão que vinha alimentando nos últimos dias.

No entanto, sabia que tal atitude não seria lá muito madura de sua parte. Nem muito esperta, se pensasse bem.

Por que Shura queria saber uma coisa daquela? Aiolia cogitou fazer essa pergunta ao mais velho, mas, como se previsse seu próximo passo, o capricorniano afastou um pouco a espada e tornou a pressioná-la sobre seu coração. O efeito da estocada, em si, não foi muito forte, porém a mensagem por detrás dela em compensação... Sim! Shura o alertava para responder à pergunta que tinha feito o quanto antes, já que não teria paciência para as suas tentativas de esquivas.

O leonino bufou arreliado. Tinha muito orgulho a zelar. Droga, nunca havia parado para pensar em nada daquilo! Mordeu o lábio inferior e desviou o olhar para cima, perdendo-se em pensamentos por um longo momento.

– Ué, acho que o Mu é incrível também – respondeu enfim, aproveitando o que o capricorniano dissera sobre Aiolos antes. – E é óbvio que eu quero o bem dele. Por que não ia querer? – perguntou mais para si mesmo do que para o outro.

Shura permaneceu em silêncio, apenas observando o mais novo bagunçar os próprios cabelos e morder o lábio com mais força ainda – parecia vermelho a ponto de sangrar a qualquer instante –, demonstrando estar em um estranho estado de confusão mental pelas expressões que exibia.

– Hey! – e essa foi a voz de Kanon, distraindo-os com sua aproximação. – Por acaso vocês viram o Sa-...? Whoa! – exclamou ao notar a posição agressiva do espanhol em relação ao leonino. – Cheguei numa hora ruim?

– Só estamos conversando – Shura replicou, sem desviar o olhar do grego mais jovem. – E não, não vimos o Saga.

Com um okay!, o geminiano virou-se para partir, mas voltou-se outra vez para os outros dois quando captou o olhar de Aiolia em sua direção, como se quisesse lhe dizer algo e não pudesse por causa da situação em que se encontrava. Colocou a mão perto da boca e perguntou em voz baixa, embora clara o suficiente para o espanhol ouvir também:

– Ele ficou sabendo sobre você e o Muffin, foi?

Kanon! – Aiolia ralhou, inconformado. – Cai fora, vai!

Shura e Kanon se entreolharam. Em seguida, sem nenhum motivo aparente, o capricorniano explicou para o recém-chegado – com poucas palavras, óbvio – que estava esperando que Aiolia lhe dissesse justamente qual era o verdadeiro interesse dele no tibetano.

– Essa é uma boa pergunta – Kanon aprovou, indo parar ao lado do espanhol. – Eu também estou curioso há eras. Conta pra gente, Ai-chan!

Aiolia encarou-os estarrecido. Como se não bastasse um, agora dois iriam ficar lhe pressionando? Como assim? O desgraçado do Kanon sorria de lado, com certeza achando graça. O maldito realmente gostava de colocar lenha na fogueira.

– A conversa não era só de homem pra homem, Shura?

– Eu também sou homem, oras, e você sabe muito bem disso, não sabe? – insinuou todo voluptuoso, causando um violento rubor no rosto do leonino. – E aposto que o ShuShu não vê problemas em ser uma conversa de homem pra homens, certo?

Sem se dar ao trabalho de contestar o apelido sem-vergonha, Shura deu de ombros, indicando que, para ele, pouco importava. Por sua vez, Aiolia cruzou os braços e fechou o semblante, como se os desafiasse a obrigá-lo a falar alguma coisa.

– Hmm... – fez Kanon, coçando o queixo de modo pensativo. – Acho melhor chamar meu irmãozinho. Sabemos que ele consegue arrancar coisas de você, né, Taradólia?

Assim que ouviu tal comentário sobre Saga, Aiolia arregalou os olhos e voltou a enrubescer, só que de maneira furiosa. Quando viu Shura estreitar os olhos em sua direção, bastante desconfiado, ele procurou disfarçar clareando a garganta.

– Cala essa boca, Kanon! – ordenou, esquecendo-se de que o outro grego nem sabia onde o irmão estava no momento. Afastou a espada de Shura de cima de si, com uma das mãos, a irritação começando a fazê-lo falar sem pensar: – Nem eu sei o que vocês querem saber, ok? O Mu é atraente pra cacete e, sempre que eu o vejo, meu cérebro trava e a outra cabeça só fica sexo, sexo, sexo...

E era verdade. Não conseguia focar em outra coisa porque o ariano teimava em não ceder às suas investidas. Se já tivessem feito, tinha certeza de que sua mente conseguiria raciocinar direito sobre tudo o que implicava em estarem saindo. Com tantos hormônios prestes a explodirem estava difícil, poxa!

– Então, não é platônico de sua parte – Shura constatou secamente. Estranhou que alguém como Mu fosse se envolver com um adolescente genioso daqueles.

– Pois é! Vai lá perguntar pra ele qual o interesse dele em mim... – Aiolia resmungou. Aí, arqueou uma sobrancelha desconfiada para o outro: – E você não acha que tá incomodado demais, não? Só falta dizer que ainda tem algum interesse nele...

– Opa! Tem mesmo, Shuralicious? – Kanon também quis saber, dessa vez indo parar ao lado do leonino.

Shura nem piscou. Antes de ser seu ex, Mu era seu amigo. Sempre iria querer o melhor para ele, não permitindo que alguém o magoasse à toa.

Dessa vez, o impulso de Aiolia foi perguntar ah, assim como você fez?, mas mordeu a língua a tempo. Não sabia nada sobre as condições em que aqueles dois haviam terminado. Considerando que eles ainda saíram algumas vezes depois, duvidava que o ariano tivesse sido magoado de fato.

– Portanto – Shura prosseguiu, deslizando a ponta da espada na frente do rosto do grego mais novo –, é bom você começar a analisar a situação sob uma perspectiva que não seja unicamente a do sexo.

– Pensa nas pessoas que você já pegou, mas sem a parte das safadezas – Kanon tentou ajudar, achando graça, e voltou para o lado do capricorniano. – Sobra algum outro interesse?

– Você é um vira-casaca, hein, Kanon! Cadê o companheirismo?

O geminiano pestanejou com inocência. Qual o problema em ficar do lado de quem estava ganhando? No mais, não era muito divertido nem saudável pentelhar alguém tão circunspecto quanto o espanhol ali...

Aiolia franziu tanto as sobrancelhas, tentando compreender aquilo, que começou a ter dor de cabeça. Era muita pressão repentina para que pudesse pensar com clareza.

Enquanto o leonino queimava os neurônios, Kanon inclinou-se na direção de Shura, murmurando alguma observação no ouvido deste. O capricorniano umedeceu os lábios secos, considerando o que lhe foi sugerido, e baixou de vez a espada.

Contudo, quando voltou a falar com Aiolia, sua voz cortante soou infinitas vezes mais perigosa do que a arma que carregava:

– Vejo que está confuso. Tudo bem, desde que você pense direito no que está acontecendo e lide com as consequências disso. Mas...

O leonino ficou com raiva de si mesmo quando Shura avançou um passo em sua direção e seu corpo, automaticamente, deu um passo defensivo para trás.

– Se eu souber que você está apenas de brincadeira com o Mu... Ou, pior, que pretende magoá-lo por um capricho qualquer – o espanhol prosseguiu, a mão se fechando na jaqueta do mais novo –, você estará encrencado mesmo sendo irmão do Aiolos.

– É justo – Aiolia assentiu sem pensar duas vezes, apertando o pulso do outro com uma das mãos –, e já que ainda não confio muito em você com meu irmão, pode se considerar encrencado também se fizer algo de ruim pra ele.

E ficaram se encarando fixamente por alguns instantes, que pareceram intermináveis para Kanon, até esboçarem sorrisos ínfimos um para o outro, satisfeitos com o acordo mútuo.

– Ah... – o geminiano suspirou exagerado, após toda aquela cena. – Triste saber que se eu dependesse do meu irmão pra defender minha honra assim, eu acabaria...

– Acabaria o quê? – Saga perguntou aborrecido, assustando o trio com sua aproximação silenciosa. – Eu estava te procurando há horas, Kanon.

A mera aparição do gêmeo mais velho fez o leonino dar um pulo assustado e ir parar atrás do espanhol.

Eu é que estava te procurando, Saga–man! – replicou ligeiro, sem dar chances ao outro de questioná-lo acerca do que falara antes, voltando sua atenção para Aiolia: – E você, por que está encoxando o Shurinha?

– Hey, encoxando não! – Aiolia reclamou, envolvendo os ombros do capricorniano com os braços. – Só... Abraçando meu cunhadinho aqui e... Ahn, o Saga tá normal, né?

– Oh sim, sem kryptonita vermelha no momento – Kanon afirmou e envolveu a cintura do gêmeo com um braço, comentando sem discrição: – Acho que o Ai-chan não superou ainda ter sido controlado pelo Dark-Saga...

– Culpa de quem mesmo? – Saga acusou com seriedade, iniciando uma breve discussão com o irmão em voz baixa.

Nesse meio tempo, Shura lançou um olhar de soslaio para o cunhadinho, como se perguntasse qual o real motivo daquilo. Aiolia apenas o soltou e mudou de assunto, dizendo que nada daquela conversa amigável que tiveram deveria chegar ao conhecimento de outras pessoas. E isso valia, sobretudo, para Aiolos.

– Não que eu ligue, mas o Mu é cheio de neuras e tal – o leonino fez uma careta, balançando a cabeça com inconformismo. – E como eu não sei qual é a dele, é melhor deixar quieto por hora...

***

Para Camus, a opção de deixar quieta a sua atual situação com certo escorpiano não parecia mais viável, tampouco agradável. Perguntava-se – entre uma página e outra do livro que folheava distraído – como tinham chegado àquele ponto. Nunca imaginou que o grego fosse ser tão complicado.

– Camus? – Hyoga chamou, assim que terminou a tarefa que o outro tinha lhe passado, que consistia em escrever um breve texto em francês.

O aquariano não ouviu. Seus olhos vagavam desinteressados pelas prateleiras da biblioteca repletas de livros. Considerava uma evolução o fato de Milo querer ficar consigo, por mais que aquela história de relação aberta não o convencesse.

– Camus? – o rapaz tentou de novo, ousando tocar nas costas da mão do professor, para lhe chamar a atenção. – Allô?

Pardon – disse o ruivo, voltando a si.

Hyoga sorriu, afastando a mão após um segundo além do necessário. Foi o suficiente para que Milo aparecesse a tempo de ver a cena, num daqueles momentos de coincidência inconveniente da vida.

Todavia, para a surpresa tanto de Camus quanto de Hyoga, o escorpiano não disse nenhuma grosseria. Aliás, ele nem ao menos lançou um de seus olhares sombrios para Hyoga. Observando bem, o francês concluiu que Milo parecia estar se esforçando para não sorrir.

Salut! – o grego os cumprimentou com um aceno, indo direto ao ponto: – Tenho uma pergunta pra você.

– Pra mim? – Hyoga inquiriu chocado, trocando um olhar rápido com o francês.

Milo conteve o impulso de rolar os olhos. Preferiu apoiar uma das mãos na mesa e perguntou se Hyoga já tinha pensado na possibilidade de ensinar russo a alguém.

– Pensando bem... Eu nunca cogitei isso... – Hyoga reconheceu, ignorando o desconforto por ver que o outro sabia algo sobre ele. Sua nacionalidade, no caso. Camus devia ter comentado algo do tipo. Isso era meio injusto, considerando que o ruivo nunca lhe falava nada sobre o rapaz ali.

– Seria legal, não? – Milo prosseguiu, ignorando o olhar atento do francês. – É que eu tenho um amigo que gostaria de aprender. O que acha?

Antes que um Hyoga confuso terminasse de processar a pergunta, o grego se afastou rapidamente para a entrada da biblioteca. Voltou logo depois, empurrando um rapaz baixinho pelas costas.

– Este é o Shun! Troquem algumas ideias aí porque eu preciso falar com o Camus, ok? – Milo praticamente jogou o menor sobre Hyoga e deu a volta na mesa, puxando o ruivo pelo braço para que este se levantasse e o acompanhasse.

Enquanto Shun sorria para Hyoga, cumprimentando-o direito, o escorpiano se embrenhou pelas estantes repletas de livros, arrastando Camus consigo. Parou quando chegaram à parte mais distante e isolada possível, aquela em que sempre ficavam.

– O que vo-...? – Camus tentou perguntar, mas foi interrompido pelos lábios de Milo, que tomaram os seus em um beijo impaciente, tudo ao mesmo tempo em que era pressionado contra os dorsos dos livros mais próximos.

O grego deslizou as mãos pelos quadris e a boca pelo pescoço do aquariano, alcançando o lóbulo da orelha deste para mordiscá-lo de leve. Sorriu satisfeito quando Camus o abraçou pela cintura.

– O que está aprontando, Milo? – perguntou baixinho.

A princípio, uma risada foi a única resposta que obteve. O escorpiano achava que apenas estava fazendo algumas boas ações, como, por exemplo: ajudando Shun a encontrar um professor; dando uma ocupação para o tal Hyoga; deixando a biblioteca bem mais interessante para Camus...

– Certo – o francês assentiu, sem a menor confiança no que ouviu. – Por que está empurrando o Shun pra cima do Hyoga? Ele não tem uma namorada ou algo assim?

– Sei lá! Vive pra cima e pra baixo com uma tal de June da classe dele, mas e daí? O importante é que o Hyoga se interesse por ele e tire os olhos de você... E não adianta me encarar assim porque é evidente que ele quer seu corpo nu...

Sem contar que era um favor que fazia à Shina. Não, ela não conseguia se conformar com a ideia de que Shun, com aquele jeitinho de uke, gostava de garotas. Para a italiana, aquilo soava como uma heresia contra os bons costumes yaois.

Assim, mal soube que o irmão de Ikki estava pensando em estudar um novo idioma, Milo decidiu pelo outro que russo seria perfeito e ponto final. Com certeza, Hyoga se interessaria pelo rapazinho e – voilà! – tudo se resolveria. Afinal, de uma maneira ou de outra, todo mundo gostava do Shun. Não tinha como dar errado.

– E se o Shun não se interessar por ele?

– Problema deles! O importante é que ele pare de ficar sondando você...

Camus balançou a cabeça diante do que ouviu, como se reprovasse as atitudes de Milo. Além do mais, o próprio Milo havia dito para manterem um relacionamento aberto, o que significava que poderiam sair com outras pessoas, não?

– Ahn, é sobre isso que eu quero falar com você... – o escorpiano admitiu, soltando-o. – Mas não aqui, chega de biblioteca, pelo amor de todos os deuses!

Sendo assim, eles foram para a casa do francês, que estaria vazia naquele horário. Era fim de tarde e, a cada passo dado, Camus constatava que Milo parecia mais nervoso, por mais que não fosse bom em analisar emoções alheias. Entretanto, depois de anos observando os comportamentos do outro, para ele tornou-se quase impossível não conseguir perceber até as nuances mais complexas do estado de espírito do loiro.

O que não significava que o entendia. Bem, nem o próprio Milo parecia se entender...

Será que Aiolia entendia o pior melhor amigo?

De qualquer forma, sendo uma pessoa racional e prática, Camus pretendia acertar as coisas de uma vez por todas. Já havia dado bastante tempo e espaço para que o escorpiano pensasse no que havia entre eles. Havia sido muito, muito paciente. Tinha chegado, inclusive, a concordar com aquela ideia de relação aberta por um tempo, para ver se a partir daí o grego se resolveria de vez... E, ainda assim, não conseguiram avanço nenhum.

– É o seguinte... – Milo principiou a falar, após respirar fundo, tão logo se sentaram frente a frente sobre o tapete no chão do quarto do ruivo.

Era evidente que Aiolia nunca fora muito ajuizado e que dificilmente pensava antes de agir, mas Milo concluíra que a sugestão dada pelo seu pior melhor amigo era extremamente válida: sentar-se com Camus para conversarem sobre suas preocupações. E, para sua própria surpresa e alívio, conforme foi explicando tudo para o francês, acabou perplexo por não ter feito aquilo antes, já que tinha sido uma mão na roda.

– Que seja – Milo concluiu, massageando as têmporas. – Eu falei pra gente ficar nessa relação aberta, mas nem fiquei com mais ninguém desde então...

– Com exceção do Aiolia, você quer dizer.

– Aquilo não conta! – o escorpiano protestou com veemência, batendo a mão no tapete e esperando não estar corado. Não era como se tivesse escolhido por livre e espontânea vontade... Como o francês passou a fitá-lo com total descrença, teve que ceder: – Tá bom! Já foi mesmo... O que eu quero dizer é que eu só me interesso por você, mas não consigo ver como fazer isso funcionar...

Com o rosto impassível, Camus afastou uma mecha de cabelo de cima dos olhos. Se a grande preocupação de Milo era acerca de como a sociedade reagiria a um relacionamento entre eles, não havia muito a se fazer. Não se o loiro não estivesse disposto a lidar com as consequências de suas escolhas.

– Hey, espera aí! – o grego esticou um braço, mostrando a palma da mão para o outro. – A sociedade que se dane! Não estou nem aí pro que um bando de gente que nem conheço vai pensar de mim. Só me preocupa a reação dos meus pais. Não da minha família toda, como tios, avós, primos... Não! Só dos meus pais, okay?

– Ok.

– Olha, eu gosto de você, mas...

Em silêncio, Camus esticou o braço também, encostando a palma de sua mão fria na do escorpiano.

O gesto repentino fez o loiro piscar admirado. Lá estava o aquariano, sempre tão fechado, demonstrando que estava disposto a ficar ao seu lado, para enfrentar o que quer que fosse, caso decidisse levar o que havia entre eles adiante. A expressão séria indicava que aquele momento era definitivo.

Mas...? – Camus incentivou com sua voz monocórdia habitual.

O francês não parecia apreensivo ou algo assim. Talvez estivesse conformado. Mas conformado com quê? Milo expirou o ar com força e sorriu, entrelaçando os seus dedos aos do outro.

– Mas... Paciência, quero que meus pais gostem de você também, antes de te apresentar como meu namorado.

Com os olhos claros muito abertos, Camus abriu e fechou a boca rapidamente. Precisava parar de se esquecer da capacidade que o grego possuía para surpreendê-lo.

– Você nem conhece eles, né? – o loiro prosseguiu, desviando um olhar pensativo para o lado.

Nas poucas vezes em que o fracês fora em sua casa, seus pais não estavam. Se bem que, quanto mais ponderava, mais achava que eles acabariam gostando do aquariano. Tudo bem que eles eram briguentos e implicantes, mas eram legais de modo geral. Nunca haviam demonstrado nenhum tipo de preconceito ou opinião negativa, por mais que não se mostrassem a favor também. Eram absolutamente neutros. Talvez desse certo e... Pelo cão de Hades, como eles eram geniosos! E se...

Okay – Camus interrompeu, levantando o queixo de Milo com a outra mão.

Estava satisfeito pelo escorpiano estar mais esperançoso, porém, sabia que se não cortasse a linha de pensamento do outro naquele exato instante, ele continuaria falando sem parar, dando voltas e mais voltas sem chegar a lugar nenhum. Isso se não travasse com as possibilidades...

– Milo? – chamou, estreitando os olhos ao se lembrar de um pequeno detalhe dito pelo outro. – Namorado?

– Sim, Camus – afirmou, puxando-o consigo ao se levantar. A seguir, estreitou os olhos e completou: – E se discordar, eu te espanco aqui mesmo...

– Tem certeza do que está fazendo? – o aquariano prosseguiu, ignorando a ameaça.

– Não, mas eu gosto de você. Acho que é o suficiente... – e adicionou diante do silêncio alheio: – Suponho que essa é a parte que você diz que gosta de mim também...

Camus não pôde evitar rir. Mais por surpresa do que pelo que havia ouvido. Foi uma risada breve e contida. Ainda assim, para Milo era muita coisa, considerando que presenciar um sorriso do ruivo era algo bem raro.

Não disse nada, mas o escorpiano não se incomodou. Não quando foi beijado com determinação. Milo ficou tão entretido com o beijo, sentindo as costas serem arranhadas de leve enquanto puxava os quadris do francês de encontro aos seus, que levou um susto ao ser empurrado sobre a cama.

– Agora, precisamos resolver suas preocupações menores – Camus explanou, apoiando as mãos no colchão e de ambos os lados do pescoço do loiro. – Aquelas sobre semes e ukes, correto?

O escorpiano hesitou, meio sem graça diante do ar tão sério com que o outro falava sobre aquilo. Sua atenção se voltou brevemente para a janela aberta. Nossa, tinha escurecido. A noite estava começando e... Ora, a quem queria enganar?

– Uhum... – concordou de súbito, exibindo seu sorriso mais sexy e carregado de más intenções, ao inverter as posições.

Os longos cabelos vermelhos de Camus se espalharam sobre os lençóis brancos. Uma explosão de cor quente que Milo sempre achou controversa ao temperamento do francês. Menos naquele momento. Combinava com o fato de que cada pedacinho de pele pálida que se revelava, conforme lhe afastava as roupas, estava quente sob seus dedos e seus lábios...

***

Imóvel e pálido como uma estátua de gesso, Afrodite parecia vagamente consciente do frio que fazia naquela noite. E somente porque seus longos cabelos não paravam de balançar, chicoteando seu próprio rosto como se ele merecesse algum tipo de punição.

Frequentava o Meikai há meses, mas só descobrira a existência do lago à sua frente há alguns poucos dias. Era amplo, profundo e ficava numa parte mais afastada e precariamente iluminada do local. Suas únicas companhias pareciam ser as árvores que o circundavam. O frio que fazia perto dele à noite devia espantar a maioria das pessoas. Os poucos corajosos que se aventuravam por aqueles lados pareciam ser alguns casais de bêbados, o que era raro de acontecer.

Observando a superfície da água ondular sob o vento, Afrodite se perguntou como seria o lago durante o dia. Duvidava que fosse uma visão tão bela quanto era à noite, isolado no escuro de sua própria existência... Mas esses eram apenas pensamentos desconexos que o pisciano tinha quando estava entediado, como naquela ocasião.

Tão absorto como estava, ele não ouviu o barulho de passos sobre a grama – nem poderia, porque não houve o menor ruído –, mas sentiu o cheiro de fumaça e um olhar fixo em suas costas. Não se deu ao trabalho de virar para confirmar quem era sua nova companhia.

– Por acaso pretende se afogar aí, Narciso? – Máscara da Morte perguntou com deboche, parando atrás do mais novo com um cigarro entre os dedos. – Que puta desperdício, hein...

Afrodite revirou os olhos azuis, sorrindo com o mesmo tom de deboche:

– Assim você subestima minha inteligência. Além de que, eu sou muito superior a Narciso – e completou, enfadado: – Seria um fim medíocre demais pra uma existência tão magnífica, não acha?

O italiano precisou concordar. Mas por qual motivo o fedelho estava isolado num canto como aquele em vez de estar desfilando sua preciosa beleza pelo Meikai – para ser contemplado pelos pervertidos de plantão –, como costumava fazer?

Afrodite deu de ombros. De vez em quando, até mesmo para ele era cansativo ser tão belo. Nessas horas procurava se guardar para, mais tarde, voltar aos holofotes e resplandecer mais ainda. Enfim! Deixou que o silêncio caísse sobre eles, sendo cortado apenas pelo ruído das folhas das árvores provocado pelo vento.

Tinham terminado de novo na semana anterior, para variar. A propósito, desde que começaram com aquela coisa era assim, idas e vindas o tempo todo.

– Você está fedendo a álcool e vadia... – o pisciano constatou, franzindo o cenho com desprezo.

Máscara da Morte piscou – como se pego de surpresa pelo fato de o outro saber o que andara fazendo – e começou a rir, agradecendo o elogio.

A risada de Afrodite preencheu a noite também. Não com escárnio, apenas uma risadinha lacônica e vagamente sincera. Depois de todo aquele tempo enrolados, era óbvio que identificava de longe as libertinagens do ex-soldado.

– Quer saber de uma coisa? – o pisciano perguntou ao acaso, sem esperar por qualquer comentário. – Estive pensando bem em tudo o que passamos até hoje... – explicou, somente então se virando para ficar de frente para o outro. Tinha um leve sorriso no rosto. – E cheguei à conclusão de que me equivoquei a respeito de algumas coisas... Finalmente, eu compreendi a situação.

Levantando uma sobrancelha, o italiano levou o cigarro aos lábios e deu uma tragada, preferindo não atrapalhar a linha de raciocínio alheia.

Afrodite suspirou cansado, fitando os olhos azuis-escuros do mais velho. Eles o miravam com a mesma intensidade de quando haviam se conhecido, sem um pingo de pudor e repletos de fascínio. Fora por causa daqueles olhos que sua atração começou, lembrava.

Não sabia o nome verdadeiro do outro, ou a razão de uma alcunha tão sinistra. Sinceramente, não sabia quase nada a respeito do italiano. Não que se importasse. Todo aquele mistério chegava a ser instigante.

O problema era a falta de exclusividade. Afrodite era perfeitamente consciente de sua beleza. Quantas pessoas não gostariam de ter uma migalha que fosse de sua atenção? Um olhar rápido ou um ínfimo sorriso? Máscara da Morte conseguira de si muito mais do que essas coisas e parecia não compreender a sorte que possuía. Caso contrário, não ficaria se esfregando naquelas mulheres vulgares de beleza inferior.

Beleza inferior!

Ele era um tolo. Pior! Era um cínico, pois sabia muito bem o quanto era insultante ser tratado daquele jeito. Para o pisciano, tudo devia ser belo. E sua vida, há um bom tempo, não lhe parecia nada bela.

– Acho que você tem razão quando diz que devemos aproveitar as oportunidades – Afrodite continuou, seu sorriso ganhando uma sombra de escárnio –, não nos prendendo a nada nem a ninguém.

Máscara da Morte soprou círculos de fumaça para o lado, uma expressão falsamente pensativa desenhada em seu rosto:

– Oportunidades sobram pra você. O seu problema é aquela frescura de oh, sou muito exigente pra sair com qualquer um... Precisa ser digno de me atrair, nhenhenhen...

O sorriso do mais novo ganhou novas projeções.

Apesar de o vento continuar agitando as ondas dos cabelos de Afrodite, fazendo com que as mechas deste escondessem seu rosto durante alguns segundos, o italiano passou a observá-lo com uma atenção renovada: desde a sobrancelha loira arqueada em desdém; passando pela pintinha característica, abaixo de um dos olhos que brilhavam em satisfação, e pela curva aveludada da maçã do rosto; até parar no pescoço pálido.

Havia algo de diferente ali. Ele sentia.

– Hmm... – fez Máscara da Morte, envolvendo a nuca do mais novo com uma das mãos ao mesmo tempo em que lhe puxava parte do cabelo para trás, de forma que pudesse enxergar direito aquela pele. – Ah, parece que encontrou alguém interessante pra se distrair... – concluiu diante da marca arroxeada que viu.

Aquilo não podia ser obra sua porque há eras parara de deixar hematomas na garganta do outro, de tanto ouvi-lo reclamar. Não que não deixasse marcas piores em outras partes, é claro!

– Ora – Afrodite replicou, desvencilhando-se do mais velho com graciosidade. – Seria estranho se meu corpo reagisse somente a um cara comprometido e um... Bem... Você... – comentou com pouco caso. – Descobri que existem outras pessoas potencialmente interessantes por aí...

O ex-soldado fez uma careta, como se sentisse alguma dor, e lamentou com sarcasmo:

– Ahh... Assim você quebra meu coração, belezinha...

– Se você tivesse um, garanto que sobreviveria – o sueco contestou no mesmo tom, aproveitando as palavras que tantas vezes ouvira do outro: você sobrevive. Deu alguns passos para o lado, tentando enxergar algo ou alguém ao longe.

Talvez estivesse bêbado demais – Afrodite não saberia dizer com certeza –, mas quando Máscara da Morte gargalhou com gosto, acendendo um novo cigarro com sua típica displicência, ele pareceu quase orgulhoso de si mesmo:

– Acho que criei um monstrinho...

O pisciano apertou os lábios avermelhados por um momento.

Mea-culpa talvez, pois quando se olha muito tempo para o abismo, o abismo olha para você – citou, esboçando um sorriso enviesado por vê-lo umedecer o lábio inferior do jeito inconsciente que gostava tanto. – Nietzsche – esclareceu diante da expressão duvidosa do outro.

Ser comparado a um abismo fez Máscara da Morte rir de novo, antes de se inclinar sobre o sueco:

– É? E sabe o que faz um abismo ser tão perigoso?

– Tenho muito amor-próprio pra poder descobrir... – Afrodite respondeu, desviando sua boca doce e debochada do alcance da boca do outro. – Ah! – exclamou de forma despropositada, voltando a olhar para o lado assim que identificou dois velhos conhecidos à distância. – Hora de colher os frutos...

Com o cigarro preso entre os lábios, Máscara da Morte estreitou os olhos e assistiu ao fedelho se afastar altivamente, após se despedir com uma piscadinha cúmplice. E não é que ele parecia mais lindo do que nunca, apesar de estar descabelado e pálido demais sob a luz fraca da lua?

Afrodite não olhou para trás nenhuma vez. Talvez fosse melhor assim. Não viu que antes de alcançar os gêmeos, a mulher da vez aproximou-se rapidamente do italiano, pelo outro lado, e pulou sobre as costas deste.

Não chegou a ver, também, que ele a ignorou e continuou a acompanhar seus passos com um olhar no mínimo intrigado.

***

Mu andava contente demais – ou um bobo apaixonado demais – para ficar intrigado. Continuava dividido, sim, o que fez com que começasse a entender um pouco melhor a situação de Aiolos a respeito da época em que este estava enrolado tanto com Pandora quanto com Saori.

Sem dúvidas, o sagitariano havia ficado incerto sobre como resolver a situação complicada em que tinha se metido, uma vez que havia vários fatores a serem levados em consideração.

Agora que se via numa situação similar – embora o que lhe dividisse fosse diferente –, Mu começava a achar que precisava se desculpar por ter sido tão rígido com o melhor amigo sobre a falta de decisão deste naquela época.

Algumas coisas eram complexas demais. Contaria ou não o que estava acontecendo para Aiolos? A demora era tanta que, com certeza, ainda que reagisse bem à notícia, o outro ficaria chateado por terem escondido o fato dele por tanto tempo.

No mais, Aiolia havia mudado de atitude de novo. Aconteceu depois que ele se entendeu com Shura – Mu ficou sabendo desse acontecimento porque Aiolos lhe contou, animadíssimo –, mas era difícil saber se havia relação entre tal fato e a mudança. Semanas e mais semanas haviam se passado e o tibetano ainda não tinha certeza do que pensar sobre a nova situação.

O leonino tinha parado de insistir em aprofundar as coisas, em querer maiores intimidades.

Simplesmente passou a se conformar quando Mu interrompia seus toques mais ousados e escapava de seus braços. Ele respirava fundo, fazia um muxoxo e deixava para lá. Não insistia. Não reclamava. Era muitíssimo estranho.

No início, o ariano achou que o mais novo estava perdendo o interesse nele. Quem sabe sua resistência o estivesse vencendo pelo cansaço... E Mu quase ficou chateado com essa suposição. Contudo, logo reparou que Aiolia se mostrava tão entusiasmado quanto de costume, ao começarem a se beijar em algum canto isolado qualquer. Quando se afastava, era nítido o esforço que o mais novo fazia para refrear o impulso de tentar agarrá-lo de novo. Sem falar que ele era orgulhoso demais para desistir de um desafio...

Mu concluiu que, por mais estranho que aquilo fosse, ao menos estava sendo algo bom. As chances de acabar não resistindo aos apelos do outro e do seu próprio corpo diminuíam. E talvez tivesse sido isso, a confiança de que o rapaz não insistiria contra sua vontade – isto é, sua lógica –, que tenha feito com que o tibetano passasse a demorar cada vez mais para se esquivar dos ataques que recebia.

Ágil, Aiolia aproveitava direitinho suas oportunidades. Deslizava as mãos pelo corpo do ariano, como se estivesse explorando e fazendo o reconhecimento de uma área. Tocava e apertava o outro, com curiosidade, como se este fosse algum brinquedo novo a ser testado. Tudo sempre atento às mínimas reações do mais velho.

Como estar apaixonado ia muito além de estar atraído, Mu se surpreendeu querendo mais do que simplesmente dar uns pegas no grego, como costumava ouvi-lo dizer. Queria... Bem, não sabia exatamente o que queria.

Conversar mais? Oito anos de convivência haviam lhe dado conhecimento sobre vários gostos do rapaz, embora não tivessem lhe dado quase nada de entendimento. Queria conhecer e compreender o máximo que pudesse sobre o outro. Incluindo as coisas mais bobas.

Abraçá-lo sem parar? Estar entre os braços do leonino, o rosto escondido no pescoço deste, aspirando seu perfume enquanto o ouvia respirar, era reconfortante em qualquer situação. Seu lugar favorito, sem dúvidas.

Observá-lo melhor? Descobrir os mínimos detalhes que o compunham, da aparência aos gestos, porque sim.

E tantas outras coisas.

Não era simples conseguir o que queria. Mesmo que houvesse dias em que se vissem várias vezes, ainda era pouco o tempo em que podiam ficar a sós. Precisavam ser rápidos porque, apesar de certas exceções, a coisa toda continuava escondida. Ou seja, quando estavam juntos era mais proveitoso partirem logo para os beijos e amassos.

Começou a conseguir algumas coisas que queria após ter a certeza de que Shion e Dohko tinham descoberto, acertadamente, por quem estava apaixonado. Contou para Aiolia que o seu irmão e cunhado estavam cientes do que eles faziam e, desde então, ao menos em sua casa podiam ficar em paz, sem a pressa e a adrenalina pelo risco de serem surpreendidos a qualquer momento.

Por algum motivo obscuro, o leonino nunca parecia confortável na presença de Shion, mas, como geralmente ficavam no quarto de Mu, tudo estava bem.

– Está ficando sério? – o tibetano mais velho perguntou ao irmão certa vez, numa hora em que estavam sozinhos.

Mu sabia que a pergunta não era simples curiosidade. Se Shion queria saber algo assim era porque estava ficando preocupado. Balançou a cabeça devagar, numa negativa incerta. Ainda não revelara nada para Aiolia, já que não fazia ideia do que se passava naquela mente tão inquieta.

– Todas essas semanas e você ainda não consegue sentir se seu sentimento é recíproco... – Shion pontuou com um sorriso gentil. – Tem certeza?

Mu enrolou uma mecha do cabelo entre os dedos. Para ser sincero, não tinha certeza nenhuma. Algumas vezes sentia que sim, seu sentimento era recíproco. Contudo, Aiolia era sempre tão imprevisível, mudando de atitudes tão de repente, que não era sensato afirmar nada.

Pois é! Até quando ponderava que o grego devia ao menos gostar um pouquinho de si, porque continuava consigo apesar das limitações, logo ficava em dúvida por achar que poderia ser apenas uma questão de orgulho.

Então, houve aquele dia tão especial quanto estranho. Aquele em que Aiolia apareceu em sua casa todo lindo, perfumado e com uma novidade mais que inesperada.

– Ahn... – fez Mu, assim que abriu a porta, olhando com atenção para o outro. – Isso no seu ombro é um gato de verdade?

Aiolia assentiu, sorrindo daquele jeito que fazia o azul-esverdeado de seus olhos brilharem – tão lindo que deveria ser crime em algum lugar –, e colocou a criaturinha minúscula nas mãos do ariano.

– Ele se chama Regulus.

O tibetano fitou aquela bolinha cheia de pelos dourados e arrepiados em suas mãos. Grandes olhos azuis o miraram de volta e um miado baixinho soou como se fosse um cumprimento.

– Uma graça! – Mu comentou, sorrindo porque seu carinho fez o filhote fechar os olhos e curvar a cabeça em apreciação.

Aiolia encostou a porta e puxou o mais velho para seus braços, abraçando-o pelas costas, antes de lhe dar um beijo no pescoço e dizer:

– É um presente pra você.

Foi necessário um segundo para que Mu processasse a informação.

– Presente? Tem certeza? – perguntou duvidoso, virando-se de frente para o mais novo sem chegar a desfazer o abraço.

Era de seu conhecimento que o grego não podia ter animais de estimação em sua casa por causa da alergia crônica da mãe. Pelo que Aiolos contara, o irmão vivia aparecendo com diversos gatos e cachorros em casa quando era criança, mas eles invariavelmente acabavam tendo que ir para a casa de algum parente deles.

– Verdade! Eu vou sentir um pouquinho de culpa se minha tia astróloga se tornar uma velha solteirona cheia de gatos...

Aí, Aiolia revelou que encontrou o gatinho por acaso, quando o pequeno apareceu do nada em seu jardim e ficou se esfregando em sua perna. Assim que teve certeza de que não pertencia a ninguém em particular, pensou ok, é meu!, mas como não podia ficar com ele em casa...

– Muito espertinho da sua parte...

– Não é assim, Mu... Eu podia deixar o Reg com minha tia também, mas resolvi te dar de presente!

– Porque eu moro bem mais perto do que ela e, deste modo, você pode vê-lo todo dia, não é?

O leonino bagunçou os próprios cabelos, falhando em não parecer culpado.

– Naah... Continua sendo um presente. É a primeira vez que te dou um, aceita aí e não reclama.

Mu semicerrou os olhos verdes, mas estava sorrindo.

– Certo – concordou, levantando Regulus à altura dos seus olhos. – Mas só porque eu gostei dele... – justificou, lançando um olhar de viés para o grego.

Aiolia sorriu satisfeito e coçou a cabeça do gatinho, ouvindo-o miar de novo.

– Isso é superlegal, mas e o agradecimento? – perguntou com malícia, aproximando o rosto até estar com a boca quase colada à boca do ariano.

– Obrigado... – Mu sussurrou, fechando os olhos ao deslizar a língua rapidamente entre os lábios do leonino. Distanciou-se antes que o rapaz pudesse aprofundar o beijo, rindo ao ser encarado com aborrecimento. – Preciso ir a um pet shop. Não estava preparado pra ter um gato, sabe?

– Claro, vamos lá! – Aiolia animou-se outra vez, puxando o tibetano pelo pulso para que o seguisse.

Fazia um bom tempo que Mu se acostumara a ser puxado pelo leonino. Ele o puxava pelo pulso quando queria levá-lo para algum lugar, a espontaneidade fazendo o ariano sorrir; puxava pela cintura quando o queria entre os braços, a possessividade fazendo o coração de Mu bater mais forte; sem falar na bendita puxada nos cabelos, quando queria enfraquecer sua resistência...

E como não se incomodava com aquelas puxadas todas, estranhou o instante em que Aiolia se deu conta da forma como o levava pelo pulso e parou de andar, parecendo surpreso com o que fazia.

– Caramba! Como você me deixa ficar te arrastando assim? Parece que estou puxando um cachorro pela guia... – constatou, começando a soltá-lo.

– Não acho – Mu replicou, exibindo um sorriso assim que o outro desistiu do que estava prestes a fazer. – É engraçado...

Foi a vez de Aiolia o olhar com estranheza. Engraçado? Que tibetano doido... Resolveu escorregar um pouco a mão, envolvendo a mão do mais velho com a sua, e ficou satisfeito com o resultado. Ah, bem melhor!

Era um mero detalhe estarem de mãos dadas. Algo que não mudava o fato de que o grego continuou a puxá-lo independente do local em que segurava. Algo que se perdeu assim que atravessaram a porta e saíram andando pelas ruas. Mas Mu ficou feliz de verdade com o gesto simples.

Na sequência de acontecimentos amenos como esse, veio o período repleto de provas e trabalhos complicados na universidade.

Estar no escritório de Shion – o local mais propício para estudar na casa inteira – não ajudava. Mu olhava para as palavras embaralhadas, nos livros e em suas anotações, mas não conseguia compreender os significados.

Seu horário livre para estudar era o mesmo em que se habituara a estar com Aiolia, fazendo qualquer coisa ou nada entre um beijo e outro. Estando muito mal acostumada, sua mente não parecia ter entendido ainda que não poderia estar com ele enquanto estudava.

Insistia em se perguntar o que o leonino estaria fazendo até ceder à vontade de enviar uma mensagem para o rapaz, perguntando um como você está? – o que, por consequência, dava início a uma longa conversa aleatória. Alegrava sua mente, sim, mas não era o suficiente. Só conseguia se focar nos estudos por pouco mais de uma hora depois disso.

As horas iam se passando e, por fim, o ariano apenas conseguia se lembrar de ter visto Regulus correndo de um lado para o outro no escritório, divertindo-se com algum de seus brinquedos para gatos.

Mu retirou os óculos e massageou os sinais que possuía na testa. O acessório era uma aquisição recente que ele usava apenas para estudar. Não pôde evitar sorrir para as lentes porque se lembrou de Aiolia rindo na primeira vez que o viu de óculos, dizendo-lhe que parecia mais nerd do que já era. Um nerdzinho sexy, foram suas palavras exatas.

Nossa, como sorria à toa!

Precisava mudar sua estratégia de estudos. Será que renderia mais se o leonino estivesse por ali, sob seu campo de visão? O difícil, imaginou, seria fazê-lo ficar quieto e longe de seu corpo por tanto tempo.

Por sorte, Aiolia também entrou em época de provas no colégio. E, então, Mu percebeu que seu inconsciente era mais sábio do que seu consciente, porque ele encontrou um jeito de fazer o rapaz estudar ali – deitado no chão de barriga para baixo e mordiscando uma ponta do lápis, concentrado nos próprios estudos enquanto Regulus brincava ao seu redor –, bem ao alcance de sua vista. Mesmo sendo assediado entre uma pausa e outra, a estratégia se mostrou mais produtiva para o ariano.

Naturalmente, o grego não possuía paciência para estudar por longos períodos de tempo. Não era raro ele perder o foco e fechar os livros, passando a brincar com Regulus da maneira mais silenciosa que conseguia. Caso o pequeno felino se cansasse, o que era um verdadeiro milagre, Aiolia se distraía lendo algum mangá, ou ouvindo músicas com fones de ouvido, ou jogando Pokémon no mudo.

De vez em quando, Mu se sentia culpado pela situação. No entanto, o mais novo abanava uma das mãos com descaso, dizendo que estaria fazendo a mesma coisa se estivesse em casa, com a óbvia desvantagem de não poder bolinar o ariano de hora em hora.

As coisas andavam tão tranquilas que, na maior parte do tempo, Mu se esquecia dos detalhes complexos da sua relação com o grego. Quando analisasse tudo mais tarde, concluiria que havia demorado bastante para acontecer uma reviravolta.

O fato de Aiolia chegar tão cansado naquele dia poderia ter sido algum sinal, se prestasse mais atenção. O leonino mal o beijou e sequer tentou abrir os livros. Deitou-se perto da janela e dormiu por lá mesmo, seu ato sendo logo imitado por Regulus.

Antes de começar seus próprios estudos, Mu observou a cena por um longo tempo. Aiolia e Regulus estirados lado a lado sobre o assoalho, parecendo dois leões preguiçosos sob o sol que entrava pela janela. Tanto os cabelos do rapaz quanto os pelos do gato brilhavam avermelhados devido à luz do pôr-do-sol.

O som do próprio suspiro fez com que o tibetano se repreendesse mentalmente, sentindo-se tolo, e começasse a estudar de verdade. Uma hora ou, quem sabe, duas se passaram até que Mu levantou os olhos do livro que lia por pura intuição.

Aiolia estava de barriga para cima, o rosto sério virado em sua direção e os olhos cintilando, como se estivesse planejando algo impróprio.

– No que está pensando? – Mu perguntou baixinho, aquela seriedade tão atípica o deixou vagamente inquieto.

– Hmm, coisas que envolvem você usando nada além desses óculos... – respondeu no mesmo tom, levantando-se languidamente.

Desde que compreendera os próprios sentimentos, Mu não se constrangia mais com tanta facilidade por causa das brincadeiras do mais novo. Porém, naquele momento ele corou de leve por vê-lo caminhar em sua direção com um ar predatório quase sufocante.

Aiolia empurrou o material didático do tibetano para o lado e se sentou em cima da mesa, de frente para a cadeira giratória em que o mais velho estava sentado. Sem pressa, estendeu uma das mãos e retirou os óculos do outro, colocando-os em si mesmo:

– Que tal?

– Parece um nerdzinho adorável... – Mu analisou com um sorriso. Não lhe soava apropriado dizer que, além disso, ficava muito sexy, por mais que achasse isso.

– E sem os óculos? – Aiolia perguntou, retirando o acessório e colocando-o de lado sobre a mesa. – Adorável sem ser nerd?

O ariano enrolou uma mecha de cabelo entre os dedos, desviando o olhar para os livros. Aonde o grego pretendia chegar? Já deveria saber que era muito mais do que somente adorável.

– E sei mesmo – Aiolia confirmou, empertigando-se com todo o orgulho. – O que eu não sei é qual o motivo pra essa sua resistência de adamantium...

Mu olhou para o leonino como se não pudesse acreditar no que acabara de ouvir. Pensando bem, concluiu que talvez seu motivo não fosse tão claro. Mudara desde que tudo havia começado.

– Não é por causa daquela neura de idade, né? – o grego especulou um pouquinho irritado. – Você sabe que depois dos quinze anos não dá nada...

– Sim, já superei isso – o ariano respondeu devagar. – Mas admito que continuo me sentindo um ancião perto de você... Ter te visto crescer não ajuda...

– Aff... – Aiolia bufou e fez uma careta, perdendo a postura séria de vez. – Então, qual é o problema? Não me diga que... – parou e arregalou os olhos claros só de pensar na hipótese: – Você quer ser o seme?

– O qu-...? – Mu piscou três vezes e, em seguida, riu: – Não, eu... Nossa! Nunca me ocorreu nada disso.

– Certeza? – o leonino insistiu desconfiado. Bufou de novo e encolheu os ombros com resignação: – Eu já estou chegando num estágio que tanto faz, desde que aconteça. Pode aproveitar, se for isso... – ofereceu, tentando fazer um beicinho inocente e inclinando-se para mirar o outro com seus olhos brilhantes.

Entre risos, Mu deu um peteleco na testa do mais novo e dispensou a oferta:

– Sua suposta carinha de uke não me convence – informou, olhando ao redor de repente: – Cadê o Regulus?

– Na mesa, atrás de mim – Aiolia replicou distraído, vasculhando o cérebro atrás de outras hipóteses. – Hmm, você não tá com medo, né? Dizem que eu fico meio selvagem, mas nunca agredi ninguém, viu?

– A partir de hoje vou começar a me preocupar... – replicou com uma piscadela cúmplice, num primeiro momento. No segundo, sentiu o gosto amargo do que identificou como sendo ciúmes. Dizem...?, pensou, que história era aquela?

– Opa, esquece o que eu falei! – o grego tratou de exclamar rapidinho, emendando outra pergunta: – Você acha que vai me decepcionar ou algo assim?

– Ahn, espero que não – Mu suspirou cansado, apoiando o punho sob o queixo. O mais novo não estava nem perto de entender...

– Acha que eu vou te decepcionar?

O tibetano franziu o cenho. Por que acharia uma coisa dessas?

– Vai que sei lá, né? – Aiolia mordeu o lábio inferior e começou a parecer levemente corado na altura das bochechas. – Eu ainda estou em fase de crescimento e... O Shura é famoso...

Famoso? – Mu repetiu desnorteado. Gargalhou com gosto quando compreendeu. – Pelos céus, Aiolia, eu não ouvi isso... Por que eu ficaria comparando? Você está ficando paranoico. Olha... – respirou fundo, levantando-se. – O caso é que você não está pronto.

O leonino inclinou a cabeça para um lado. Não estava pronto? Inclinou para outro lado. Como assim não estava pronto?

– Se eu ficar mais pronto do que isso – espaçou as pernas e indicou o próprio baixo-ventre – ele vai trincar ou algo pior! Eu vivo pronto, Mu!

– Céus! – exclamou o ariano, afastando-se ligeiramente do grego para se recuperar do constrangimento. – E pronto pra quê? – perguntou com a voz suave e a expressão séria, recompondo-se ao ponto de dar um passo para frente, acomodando-se entre as pernas do outro.

Tudo.

– É mesmo?

Nem deu tempo para Aiolia repetir sua afirmação da forma mais enfática possível. Não! Mal abriu a boca e Mu o beijou com suavidade, apoiando as mãos em seus joelhos. E o leonino bem que tentou acompanhar o ritmo, sem aumentá-lo como de costume, abraçando o tibetano pela cintura.

Vagarosamente, Mu percorreu a mandíbula do mais novo com os lábios até alcançar o ouvido deste e sussurrar:

– Eu gosto demais de você, Aiolia.

Por um instante, o grego pestanejou confuso, uma sobrancelha arqueada. Parecia estar se perguntando a razão para uma obviedade daquelas e justo naquela hora:

– Eu sei, também gosto de você, e daí?

Mu esboçou um sorriso paciente e encostou as mãos no rosto macio do rapaz, erguendo-o o suficiente para ficarem cara a cara:

– O que eu quero dizer é que... – respirou fundo e expirou lentamente, achando incrível como seu coração permanecia tão tranquilo. – Eu estou realmente apaixonado por você.

– ...

Houve silêncio enquanto eles se encararam por algum tempo. Aos poucos, o coração de Mu foi ganhando um novo ritmo.

Poderia jurar que falhou de vez no momento em que o leonino envolveu seus pulsos com as mãos, apertando-os um pouco para afastá-los de seu rosto.

Aiolia exibia uma expressão indignada quando resolveu dizer algo:

– Eu entendi da primeira vez, Mu!

Continua...


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Notas finais do capítulo

Será que agora vai? '-' E todo mundo falando "aleluia!" pro Milo! /o/

Eu sei, a participação do Saga foi pequena, temos que compensar isso s2 Por sinal, esqueci de falar antes, mas aquele bafon no Meikai envolvendo o Aiolia, o Milo, a Shina e os gêmeos é coisa pra uma side ;3

E a citação inteira de Nietzsche é: "Aquele que luta com monstros deve acautelar-se para não tornar-se também um monstro. Quando se olha muito tempo para um abismo, o abismo olha para você".

Meu obrigada pelas reviews e mensagens aos queridos: G Rodrigues, Kiba-Ino, reneev, Angel Ártemis, HitoriDe, Suh, Kass, Leo Saint Girl, Juliabelas, Juniper Cronos, arianinha, ivyvi, Orphelin, sam chan, Svanhild e katsu s2

Que tal esse capítulo imenso? '-' Já estou nostálgica pelo fim iminente... =~