Change Of Heart escrita por Sak Hokuto-chan


Capítulo 32
Peace of Mind


Notas iniciais do capítulo

Notinhas antes do capítulo~

1. Se um dia eu fizer outra longfic, só vou começar a postar quando tiver vários capítulos prontos. Talvez não pareça, mas eu sei que é chato esperar atualização, desculpem por isso ._.'

2. Não tem um único personagem original nessa fic. Podem ver que até os gatos são alguém no universo Saint Seiya (que tem trilhões de personagens, que eu prefiro usar). Logo, mesmo quando eu não citar nomes, podem ter certeza de que tal personagem não é original e eu tinha alguém em mente ;)

3. Sabem aquela oneshot que fiz há um tempinho com os irmãos Ai-Ai, que se passa no mesmo universo de CoH, chamada "Bad Hair Day"? Em teoria, ela se passa em algum ponto entre o capítulo anterior e esse '-'

4. Por motivos de força maior (vulgo, meu TOC), excepcionalmente nesse capítulo a imagem foi feita por mim. Então, favor não usar em outras fics, tá? =3

5. Esse penúltimo capítulo ficou ainda maior do que o anterior, então preparem-se pra não perderem nadinha '-'

6. Assim, vocês sabem que não tem lemon, a fic é +16 e talz, maaas... melhor avisar que tem uns momentinhos um tantinho mais "fortes e emocionantes" nesse capítulo. Entendedores, entenderão! ;D

Orphelin, le carneiro-beta, obrigada pelas trocentas revisões S2



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Capítulo XXXII

Gostaria que alguém esvaziasse minha cabeça
Enquanto eu estou tentando encontrar
Um pouco de paz de espírito
Leia nas entrelinhas
Apenas me dê algo real
Peace of Mind - Black Sabbath

Mu estava atônito. À sua frente, Aiolia seguia indignado, resmungando que não era tão lerdo assim para que o outro dissesse a mesma coisa, duas vezes, com palavras quase iguais. Espera, espera, tinha algo errado!

– Se você entendeu da primeira vez... – o ariano começou, confuso, afastando-se do alcance dos braços do outro. – Por que disse que gosta de mim também, como se fosse recíproco?

O grego arregalou os olhos, embasbacado. Até chegou a abrir a boca para dizer algo, mas nada saiu a princípio. Aí, ele franziu o cenho, com leve desconfiança, e perguntou num tom que não deixava dúvidas a respeito da sua falta de paciência para lidar com aquele tipo de coisa:

– Deve ser porque é recíproco, não?

Foi a vez de Mu abrir a boca à toa. Ele a fechou rápido e passou a pentear os cabelos para trás das orelhas de um jeito meio nervoso; os dedos deslizando pelo couro cabeludo como se isso pudesse estimular seu cérebro a alguma coisa que ele não fazia a menor ideia do que seria.

– Isso... – o tibetano balbuciou, olhando de viés para o rapaz. – É impossível...

Aiolia só não riu porque uma suspeita intrigante lhe ocorreu:

– Sem ofensas, mas... Você se drogou enquanto eu estava dormindo? – observou o mais velho negar com surpresa. Porém, teve que insistir: – Ahn, é que essa sua reação tá muito absurda... – explicou com gracejo. – Olha, vamos tentar de novo! Você vai dizer que gosta de mim e eu direi que gosto de você, aí a gente vai rolar aqui pelo escritório como duas doninhas felizes numa só vibração... Que tal?

Mu fitou aquele rosto adolescente, lindo e cheio de expectativas, sem saber o que dizer ou fazer. Não podia ser tão simples assim, podia? Não esperava admitir seus sentimentos e ser correspondido sem a menor sombra de hesitação. Não! Até para o leonino, que era um eterno imprevisível, aquilo já seria exagero.

– Está brincando? – perguntou com cuidado, resgatando a expressão mais calma que conseguiu, porque se tudo aquilo fosse uma brincadeira, seria cruel e de mau gosto.

– Como assim brincando? – Aiolia quis saber, indignação permeando sua voz. – Você acha o quê? Que eu disse isso pra te arrastar logo pra cama? Se fosse, eu teria dito há muito tempo, pra não ficar nessa seca toda!

O argumento era válido, Mu ponderou, encolhendo os ombros sem saber o que pensar. Seu coração batia com muita força, aceitando com alegria que aquilo era verdade. No entanto, sua lógica estava tendo dificuldades em aceitar também. Quer dizer, o grego mudava tanto de atitude e era tão indecifrável que...

O leonino respirou fundo, controlando a chateação emergente, e levantou-se da mesa. Levando em conta todo o histórico que tinha com o tibetano, sabia que não podia culpá-lo por não dar muita credibilidade às suas palavras.

– Saca só, Mu – começou, aproximando-se ao ponto de levantar o rosto do outro com uma das mãos. – Geral sabe que eu sou muito orgulhoso e que eu não desisto de um desafio, mas... Isso não quer dizer que eu sou masoquista.

O tibetano assentiu, entendendo o que Aiolia quis dizer. Sabia que o rapaz não teria ficado tanto tempo unicamente consigo por puro orgulho, sofrendo por estar na tal seca. Fechou os olhos ao sentir os lábios do grego pressionarem os seus, mas não conseguiu se render de vez. Não por enquanto.

– Aiolia, não é que eu não queira acreditar em você... – sussurrou, encostando o dedo indicador sobre os lábios do rapaz.

– Prevejo um mas...

Mu esboçou um sorriso ínfimo. Será que o leonino sabia de fato o que estava sentindo? Ele era impulsivo, o que, por consequência, fazia com que não parasse para pensar antes de falar e agir. Tampouco costumava se perder em pensamentos sobre ele mesmo, na tentativa de compreender-se... Ou compreender o que suas ações significavam.

Aiolia deu as costas para o mais velho e voltou para perto da mesa, apertando os punhos. Estava ficando complicado não se irritar. Por que era tão difícil acreditar? Poxa, tinha aprontado bastante desde aquela noite longínqua no Meikai, mas tinha se redimido, não? Quer dizer que Mu não o havia desculpado de verdade? Será que a resistência dele era por vingança?

– Você está sempre mudando, Aiolia... – pontuou com uma voz serena, que contrastava com seu atual estado de espírito. Chegou a levantar uma das mãos para tocar o braço do grego, mas desistiu no último instante. – E é claro que eu te desculpei, tanto que minha resistência é por gostar de você.

– Isso é surreal! Tá vendo, Reg? – perguntou, nitidamente emburrado, pegando o felino no colo. – Daí, quando as pessoas espancam as outras, ninguém entende o motivo... – bufou, passando a observar o teto com total inconformismo. – Aqueles yaois da Shina estavam todos errados...

– Eu apenas gostaria que você pensasse em tudo o que eu disse antes de nos envolvermos mais seriamente – o ariano explicou com gentileza, interferindo no quase monólogo alheio. – Porque se um dia, mais tarde, você cair em si sobre o que quis fazer e se aborrecer com a situação... Vai ser muito pior...

No fundo, Mu sentia que talvez fosse melhor deixar tudo quieto e ver no que ia dar. Era notável que o rapaz estava prestes a ficar furioso de vez. Se isso acontecesse, sabia que as coisas ficariam bastante complicadas.

Mas não conseguia. Seria pelo medo de sair machucado? Lembrou-se de uma das perguntas que Dohko havia lhe feito, tentando ajudá-lo a perceber o que estava sentindo pelo mais novo: se acabasse o que havia entre eles, se sentiria da mesma forma como se sentiu quando terminou com Shura?

A resposta era não. O término com o espanhol havia sido muito tranquilo, de modo que continuaram bons amigos. Continuou tudo bem e, inclusive, até saíram algumas vezes sem maiores problemas. Em contrapartida, somente a possibilidade de terminar com Aiolia, mesmo que não estivessem em um relacionamento de fato... Nossa! Com certeza doeria muito.

Pensar nisso? Você tá achando que é curiosidade? Que eu vou fugir assustado, ou algo assim, na hora que eu confirmar que você é homem também? – Aiolia questionou, franzindo as sobrancelhas numa confusão gigantesca. – Ué, já deu pra notar isso, ainda mais depois daquele dia no banho, lembra? Antes de você, como sempre, ter um ataque de consciência e me deixar na mão, literalmente...

Mu enrubesceu, recordando-se da cena. Nunca conseguira ter certeza se tinha esquecido a porta do banheiro destrancada ou se o leonino tinha perícia em infiltrações. Pelo menos estava na banheira, com muita espuma, quando o rapazinho audaz resolveu aparecer mais cedo, com seus beijos exigentes e suas carícias ousadas.

Naquele dia o ariano tinha chegado muito perto de ceder de vez. Não tinha como fugir, encurralado na banheira como estava. Sua sorte foi que Aiolia, ao vê-lo se retrair – depois dos sons constrangedores que fez, antes de conseguir pedir, sem fôlego, para que parasse –, refreou-se com certa dificuldade e não insistiu com as investidas.

– Ehrm... – Mu clareou a garganta, tornando a se aproximar do mais novo ao recuperar o controle de suas emoções. – Não acho que você fugiria. Só queria que você tomasse conhecimento do que implica gostar de alguém que, além de ser mais velho, é do mesmo sexo que o seu. Tem certeza de que está pronto pra tudo? Não é nada fácil... E você é tão jovem...

O leonino bufou de novo, alisando a pelagem de Regulus com tanta impaciência que o gatinho começou a ficar inquieto. Era outra daquelas discussões de relacionamento? Pelo pau relampejante de Zeus! Mu parecia um disco furado!

Se bem que, o tibetano não deixava de estar certo em um ponto. Não tinha ficado se perscrutando ou algo assim. No final, somente reunira um punhado de evidências que lhe pareciam o suficiente para concluir que gostava, sim, do outro.

Aiolia mordeu o lábio inferior, a preocupação de Mu passando a fazê-lo duvidar de suas próprias convicções. As coisas poderiam não ser tão simples quanto pareciam. Talvez ele nem tivesse maturidade para gostar de alguém o suficiente para assumir um compromisso sério. E se suas conclusões fossem precipitadas por causa dos hormônios insatisfeitos por tanto tempo? Será que, na verdade, o que gostava era de pensar que estava gostando do ariano? Como era complexo pensar nessas coisas...

– Aiolia? – chamou, preocupado, percebendo que o outro estava se enveredando por um caminho perigoso.

O modo como o grego o ignorou, por sequer ouvi-lo, fez Mu perceber que a situação estava mais grave do que imaginava. Assim como daquela vez, em seu quarto, quando o leonino disparou a falar consigo mesmo como se pensasse em voz alta, sem se dar conta de que não estava sozinho.

Ok! Era importante, para o mais novo, colocar todos os prós e contras sobre a balança – como o próprio Mu aconselhara –, mas, de repente, o ariano pegou-se receoso acerca daquilo. Queria que Aiolia bufasse arreliado e dispersasse toda aquela tensão que pairava no ar para longe, dizendo que tudo era simples enquanto o beijava e ponto final. É, não estava com uma sensação muito boa sobre o que iria acontecer a partir daquele momento.

Contrariando sua suposição – como era de se esperar, por sinal – Aiolia não se perdeu em pensamentos complexos. Apenas lhe lançou um olhar aborrecido e colocou Regulus sobre a mesa outra vez. Em seguida, num movimento brusco, dirigiu-se para a porta do escritório com passos pesados. Sem falar ou fazer nada além de acenar um tchauzinho.

– Aonde você vai? – Mu perguntou sentindo, pela primeira vez em um bom tempo, aquele frio quase esquecido se espalhar pelo estômago.

– Pra casa – o leonino respondeu, girando a maçaneta. – Meu instinto me diz pra te jogar em cima dessa mesa e te pegar na marra até você se convencer das coisas que eu falo. Com porrada e tudo, se precisar – balançou a cabeça e abriu a porta de vez. – Só que além de parecer um estupro, eu sei que essa sua cabeça dura iria voltar a ser assombrada pelas mesmas bobagens, alguma hora.

E saiu, batendo a porta. Sem esperar algum comentário. Sem olhar para trás.

Regulus pulou da mesa e correu até a porta fechada, miando frustrado por não conseguir sair também. Observando-o, Mu se perguntou se o gatinho queria ir atrás de Aiolia ou se essa era uma impressão causada por sua própria vontade de ir atrás do rapaz.

Droga! O que significava aquela partida intempestiva? Aiolia iria pensar, como havia sugerido que fizesse, ou aquilo indicava que tinha se cansado e que estava tudo acabado?

Estava massageando os sinais que possuía na testa dolorida quando a porta abriu de novo, fazendo Regulus correr assustado para a parede oposta, e Aiolia inclinou metade do corpo para dentro do escritório:

– Ah! Você tá proibido de ficar se enchendo com mais preocupações! – afirmou, apontando um dedo insolente para o ariano. – Não sei se vou reafirmar o que tinha dito ou se vou me desculpar por ter me enganado, mas garanto que eu volto pra te contar.

E tornou a sair, exclamando um e você fica aí! para Regulus, que já se aproximava da porta todo sorrateiro.

Mu soltou um suspiro repleto de alívio, sentido, aos poucos, o cansaço tomar conta do seu corpo até então tensionado. É, o rapaz teria que voltar de todo jeito, pensou, ao reparar que o ele tinha se esquecido de levar a mochila. Deitou-se sobre a cadeira e inclinou o encosto para trás, fitando o teto como Aiolia costumava fazer. Era impressionante que sua incapacidade de prever as atitudes do outro fosse proporcional à capacidade que este possuía para prever as suas. Impressionante e injusto.

Não se sentiu muito bem pela hora seguinte. Evitar cair num labirinto de preocupações era exaustivo. Seu coração parecia estupidamente frágil diante da espera indefinida que teria pela frente. E, para piorar, Regulus não parava de miar com uma insistência aflitiva.

Como não conseguiria se concentrar nos estudos, resolveu dormir cedo naquela sexta-feira.

Foi uma noite sem sonhos.

***

Afrodite não se lembrava do que se tratavam seus sonhos ao acordar na manhã daquele sábado. Permaneceu deitado por um momento, encarando o ambiente pouco familiar. Também, estava acostumado a acordar no quarto de Máscara da Morte. Bem, o lugar mudara, mas não o fato de que se viu sozinho na cama.

O que era muito bom, claro!

Não precisaria dar de cara com ninguém enquanto estivesse todo desalinhado. Ele se levantaria e levaria o tempo que fosse necessário para cuidar da higiene pessoal e recompor o visual. Por fim, sairia do quarto com sua beleza resplandecente.

Por hábito, Máscara da Morte estaria na janela da sala, fumando os primeiros cigarros do dia. O primo de Shura sempre acordava muito cedo – resquícios do tempo no exército, quem sabe – e, por isso, costumava chamar o pisciano de Bela Adormecida assim que o via.

Dessa vez, assim como nas últimas anteriores a essa, Afrodite não encontrou o desgraçado assim que saiu do quarto. Óbvio! A casa era diferente. Nada de comentários insolentes, que acompanhavam a maldita risada sem sentido do italiano, em meio àquela fumaça horrível.

Havia um aroma doce e... Dois gatos grandes, um branco e um preto, correndo por todos os lados, o que era bem mais agradável, disse para si mesmo.

E encontrar Kanon desfilando pela cozinha, apenas de roupa íntima sob um avental infame, era uma visão e tanto. Sentado à mesa, totalmente vestido – mas nem por isso menos interessante –, Saga ralhava com o irmão pela falta de pudor deste.

– Eu sou o gêmeo prendado aqui, continue reclamando e vai morrer de fome – Kanon avisou, abanando a mão com descaso para as reclamações do irmão. Animou-se ao ver o recém-acordado: – Bom dia, Dite-Winky! O que você acha?

Afrodite deu uma boa olhada no físico esculpido do outro, que estava à mostra ali na sua frente, encarando o desenho de um cavalo-marinho no avental. Concluiu que Kanon era o único que conseguia continuar sexy numa situação como aquela.

– Não o incentive – Saga recomendou com seu ar de irmão mais velho aborrecido, concentrando-se no próprio café da manhã.

Kanon sorriu de lado, expondo o torso nu ao retirar o avental a fim de oferecê-lo para o irmão. Era lógico que Saga também ficaria o máximo vestindo aquilo, já que tinha o privilégio de ser idêntico a ele.

Enquanto Saga recusava a oferta solenemente, Afrodite sentou-se à mesa, observando a interação entre aqueles dois com curiosidade. A complexidade de tentar entender como eles funcionavam, Saga em especial, era incrível.

No modo Bad–Saga – como Kanon chamava – nem tanto, porque o mais velho preferia agir a conversar, de maneira que o pisciano não tinha muito a dizer sobre isso. No modo normal, entretanto, Saga parecia desconfortável, tanto que nunca tinha ousado encostar um dedo sequer no adolescente.

Não que Afrodite quisesse algo sério com qualquer um dos dois. Jamais! Eles eram superatraentes e divertidos, mas não eram muito mais dispostos do que Máscara da Morte para se manterem na linha. Saga, pelos motivos supracitados. Kanon, por fazer o estilo de não gostar de se prender a ninguém.

Mas era interessante estar ali. Sentia-se valorizado, por mais que não tivesse a exclusividade de nenhum deles – e como poderia, visto que nem ele mesmo era peça exclusiva de ninguém? Pelo menos distraía sua cabeça daqueles meses enrolados em que esteve com o italiano problemático.

Afrodite voltou a si ao sentir uma mecha dos seus cabelos ser enrolada pelos dedos de Kanon. Ele tinha se sentado ao seu lado, ostentando o famoso sorriso enviesado, meio libertino e meio perigoso.

– Você não tinha que ir resolver alguma coisa do seu estágio hoje? – Saga perguntou ao irmão, soando como se o estivesse mandando se afastar.

– Opa, valeu por lembrar, Saga-boy! – agradeceu, pressionando um beijo no pescoço do sueco antes de se levantar. – Em pleno sábado de manhã! Estagiário vive se ferrando... – e correu para o quarto se arrumar em tempo recorde.

Saga esboçou um sorriso para o pisciano, que sorriu de volta um tanto quanto intrigado. Seria a primeira vez que ficaria somente na companhia do geminiano mais velho. Pensou em sair também, mas ficou interessado em saber como o outro se comportaria em sua presença. Não o preocupava a possibilidade de o dark side aflorar. Afrodite gostava do perigo.

Kanon voltou a aparecer, todo arrumado, sem parar para alguma despedida elaborada. Ouviu Afrodite perguntar o que ele fazia no estágio e respondeu em voz alta, já cruzando a porta da entrada:

– Em geral, eu faço sexo com minha chefa e bebo café o dia inteiro... – deu uma gargalhada com gosto e saiu.

O pisciano olhou para Saga como se perguntasse, sem palavras, sobre a veracidade daquilo.

– O excesso de café explica muita coisa... – o grego resmungou, começando a retirar a mesa. – Já você... – chamou a atenção da visita. – Sinto que não é ingênuo o bastante para não saber onde está se metendo.

Afrodite estreitou os olhos azuis. O comentário fez ele se lembrar de Aiolos, que havia lhe dito algo naquele sentido certa vez, sobre aparentemente ter amadurecido muito rápido. Considerou apropriado repetir as mesmas palavras que afirmara ao sagitariano na ocasião:

– Eu sei me cuidar.

Esperava que aquilo fosse tudo, que seu tom definitivo deixasse claro que não daria brecha para aquele tipo de conversa, mas Saga não se mostrou disposto a aceitar sua imposição. Pelo contrário, apoiou as costas em um armário e cruzou os braços, fitando o mais novo com um olhar sério e compenetrado.

– A vida é sua, portanto, é você quem deve fazer suas próprias escolhas baseadas em seus próprios princípios – disse após um longo momento em que o rapazinho sustentou seu olhar com orgulho. – Mas, eu já passei por muita coisa nessa vida, então, talvez eu possa dizer uma palavra ou outra que te ajude a refletir acerca de suas atitudes.

– E por qual motivo eu iria querer algo assim? – Afrodite quis saber, afastando a franja, que lhe caía parcialmente sobre os olhos, com sua típica altivez.

Apesar disso, ele tinha captado a sugestão implícita para que ouvisse e aprendesse com os erros dos outros. Era uma atitude esperta, concordou, embora continuasse tendo sérias dificuldades em aceitar conselhos e sugestões.

– Você deve saber melhor do que eu – redarguiu, observando o mais novo sorrir com deboche. – Que você tem noção de que continua fissurado pelo Máscara da Morte, eu sei, pois é perceptível... Mais até do que fissurado, eu diria...

O pisciano tamborilou os dedos sobre a mesa. Sim, era frequente se pegar pensando no italiano maldito ainda. E o desgraçado não ajudava, sempre aparecendo ao alcance de sua vista e sendo atraente daquele jeito rude tão característico dele. Não que Afrodite considerasse ceder, lógico! Agora, dizer que sentia algo mais profundo por aquela criatura doentia era um absurdo. Teria que gostar muito de sofrer para isso. Preferia ser quem causa sofrimento, se tivesse que escolher. Mas, infelizmente, o ex-soldado não parecia estar nem ao menos incomodado...

– Sempre que vejo o Máscara da Morte pelo Meikai, ele lembra um viciado em abstinência... – Saga murmurou com um ar distante, como se pensasse alto.

Aquilo não era o suficiente, mas Afrodite empertigou-se um pouco, satisfeito consigo mesmo. De repente, ficou curioso com o que o geminiano poderia dizer de útil:

– Conte seu plano pra mim, Saga...

Considerando o jeito como o grego gargalhou, o mais novo percebeu que ele já tinha outros planos em mente, por ora. Interessantíssimos, com certeza.

Irritante foi constatar que o movimento brusco que Saga fez, puxando-o para si com a intenção de marcá-lo com vontade, voltou a lembrá-lo do italiano abusado. Um mero pensamento fugaz.

De qualquer forma, Afrodite sabia que não se incomodaria em ouvir o que o geminiano tinha para sugerir. Depois.

***

Mu andava devagar, ouvindo os ruídos que causava ao caminhar sobre as folhas secas espalhadas no chão. Ruídos que pareciam altos demais. Era manhã de sábado e ele andava em círculos, sem rumo...

Até que seus passos o guiaram para o lado da casa do melhor amigo – o que não lhe pareceu nenhuma novidade –, em vez levá-lo para o lado oposto, como seria apropriado. Porém, ele só se deu conta de onde estava quando viu Aiolos caminhando em sua direção.

Não que o sagitariano tivesse demonstrado tê-lo visto, distraído como estava. Andava de braços dados com uma mulher que, por um segundo desconcertante, o ariano achou ser Saori. Não poderia ser, claro! Era apenas a mãe dele. Foi ela quem notou Mu primeiro, chamando-o, com um sorriso, ao se aproximarem.

Provavelmente, Aiolos era a última pessoa que o tibetano gostaria de encontrar naquele momento. Além do óbvio motivo de fazê-lo se recordar do último momento com Aiolia, fazia com que ficasse apreensivo por ainda não ter contado nada sobre eles. Bem, talvez logo nem tivesse nada para contar... Só a sombra de um relacionamento que acabou sem nem chegar a começar.

– Hey, Mu! – o grego exclamou, dando-lhe um tapinha no braço à guisa de cumprimento. – Se você estava indo lá pra casa, não vá. Nós estamos fugindo de lá – e explicou diante da expressão confusa do amigo: – Meu irmãozinho está fazendo uma barulheira danada, na bateria dele, desde ontem. Parou tarde da noite, quando eu pedi porque os vizinhos começaram a reclamar, mas recomeçou hoje cedo com toda a energia.

– É o melhor jeito de ele descarregar os sentimentos negativos... – a mãe justificou pelo caçula, exibindo um sorriso de desculpas pela ideia da bateria ter partido dela, anos antes. Olhando com atenção para o ariano, seu sorriso se desvaneceu em uma expressão consternada: – Você está bem?

Mu assentiu sem atenção, pensativo. Como imaginara, Aiolia estava irritado e... Sentiu um toque sobre o coração e teve um pequeno sobressalto por ver que era uma das mãos da mulher.

– Você parece tão abatido – ela constatou com preocupação genuína.

Pior, ela parecia chateada por pura empatia. Era como se estivesse se sintonizando com os sentimentos do tibetano, espelhando-os no rosto bonito da forma como o próprio rapaz não fazia. Sim, Mu tinha aprendido muito bem a se manter neutro e a se mostrar calmo, não importasse a situação.

No entanto, lá estava ele, praticamente tendo a alma decifrada sob a linguagem corporal. Pelos céus! Eles se viam tão poucas vezes, por ela e o marido viverem viajando a trabalho, e, mesmo assim, ela conseguia fazer aquilo de um jeito que lembrava Shion.

Diante do silêncio desconcertado do ariano, Aiolos disse à mãe para que não se preocupasse, beijando-a no topo da cabeça, e prometeu que cuidaria direitinho do amigo. Isto é, se ela não se importasse em deixá-los sozinhos naquele momento e tudo o mais.

Antes que ela se virasse para voltar para casa – sob a recomendação veemente do filho para que não chegasse perto de Aiolia –, Mu a observou com curiosidade. Fisicamente, os filhos não haviam herdado quase nada dela. Só um pouquinho do verde dos olhos.

E agora estava sozinho com um Aiolos intrigado... Que ótimo! Era como se os deuses estivessem conspirando contra.

– Acho que ela desenvolveu esse dom esquisito de tanto meu irmão discutir com ela... Pra evitar os conflitos... – Aiolos comentou, por mais que aquilo fizesse sentido apenas para si mesmo. – Vamos à confeitaria? Você sabe que não precisa me falar nada, se não quiser.

Sim, Mu sabia daquilo. Tanto quanto sabia que aquele era o momento ideal para explanar sua situação para o sagitariano, por mais que não quisesse admitir isso.

Mal chegaram à confeitaria e o tibetano se recordou do primeiro encontro que tivera com Aiolia ali. Como naquele dia, não havia muitas pessoas no local. A diferença era que Aiolos não se interessou pelo cardápio de doces, como o irmão. Preferiu apoiar um cotovelo sobre a mesa, o rosto na mão, para ficar olhando ao redor sem interesse.

– Estou okay com o Shura – comentou aleatoriamente. – Apesar de ele resistir a largar os cigarros de propósito...

– Deve gostar de te ver emburrado. Apesar de cortar seus dramas sem remorsos... – Mu redarguiu, com um sorriso ínfimo. Revirou o próprio menu entre as mãos, acrescentando com cuidado: – É uma pessoa interessante, não é?

O termo era proposital. Com certeza, Aiolos entenderia a referência.

– Muito. E pensar que já foi sua pessoa interessante... – o grego replicou, quase como se tivesse um script certinho da conversa em mãos. – Canso só de me lembrar do trabalho que tive pra descobrir, na época.

Mu exibiu um sorriso de desculpas, os dedos automaticamente buscando os próprios cabelos, e admitiu baixinho:

– Eu... Encontrei outra pessoa interessante...

Ao contrário da vez anterior, Aiolos não se agitou em curiosidade, apertando a mão do amigo enquanto sugeria diversos nomes. Não! Ele endireitou-se na cadeira, com uma expressão inquietante de tão séria, e capturou o olhar do ariano com o seu.

– É o meu irmão, não é?

Houve uma pausa preenchida por um ofego surpreso de Mu. Ele se recuperou rápido, sabendo que não seria nada inteligente enrolar.

– É ele, sim... – confirmou, tentando ler o amigo sem sucesso. Era assim, o sagitariano sabia ser tão indecifrável quanto o irmão caçula, quando queria.

Aiolos balançou a cabeça, visivelmente decepcionado e aborrecido.

– Me desculpa por não ter contado! – o ariano pediu, sentindo-se angustiado ao tentar tocar nas costas da mão do outro, sobre a mesa, em vão. – Aiolos... Eu...

O sagitariano desvencilhou-se do toque e ficou olhando para a mesa, sem parar de menear a cabeça negativamente. Não conseguia saber quem era pior: seu irmão caçula ou seu melhor amigo. Como eles podiam esconder algo daquele nível, achando que seria estúpido o bastante para não perceber?

– É tão complexo – Mu tentou explicar, mexendo tanto nos cabelos que alguns fios começaram a se soltar em suas mãos. – Ele é seu irmão, sete anos mais novo, que eu vi crescer. Nem sei explicar como fomos chegar nesse ponto.

– ...

– Não faça isso comigo... – o ariano balbuciou, escondendo o rosto entre as mãos, respirando fundo. – Já estou tão preocupado...

Num movimento rápido, Aiolos esticou um braço por cima da mesa, inclinando-se para frente, e puxou Mu pelo colarinho, deixando seus rostos próximos. O tibetano tornou a arquejar, com o dobro de surpresa, e fitou aqueles olhos azul-esverdeados que teimavam em reprová-lo.

As pessoas nas mesas ao redor lançaram olhares indiscretos para eles, curiosos com o que acontecia. Esmeralda, a garçonete, chegou a abafar uma exclamação por detrás da bandeja que segurava.

– Eu estava preocupado também – o grego disse, após mordiscar o lábio inferior e revirar os olhos, falando baixinho: – Meu irmão pode ser bastante imprudente... Eu bem quis preservar você de alguma possível decepção, mas não soube como intervir...

– Como você...? – Mu perguntou ao ser solto, endireitando-se na cadeira sem desfazer a expressão espantada.

Aiolos estalou a língua e deu de ombros. Começou a desconfiar de que havia alguma relação entre os comportamentos de Aiolia e Mu desde a época do campeonato. Os dois andavam estranhos antes que partisse, mas já haviam voltado ao normal assim que retornou. A partir daí, começou a reparar que aquilo acontecia várias vezes. Se via o irmão estranho, era quase certeza de que encontraria o amigo num estado parecido.

Porém, achava que aquilo indicava que eles estavam se afastando. Possivelmente se desentendendo, como na infância do leonino. Nunca perguntou nada a nenhum deles porque sempre pareciam se resolver sozinhos. Tinha demorado um pouco para notar que, na realidade, os dois estavam era se aproximando.

– Eu estava muito ocupado, me entendendo com o Shura, pra ter certeza... Mas diria que foi após o aniversário do meu irmão que percebi que tinha algo a mais aí.

Mesmo constrangido, Mu admitiu que tinha sido no dia dezesseis de agosto que as coisas entre Aiolia e ele tomaram novas dimensões.

O sagitariano tornou a dar de ombros. Daí em diante não havia sido difícil. Conhecia muito bem o melhor amigo. Mu podia ter um domínio admirável sobre as próprias emoções, sempre se mostrando muito tranquilo, mas ficava ligeiramente inquieto ao lado do leonino. Passado algum tempo, acalmou-se de vez, como sempre fora...

– Mas o que nunca muda é que seus olhos sempre brilham quando você sorri pra ele. Acho que nunca tinha te visto tão sorridente...

– Ehrm... – Mu balbuciou, sentindo o rosto esquentar.

– Quanto ao meu irmão – Aiolos prosseguiu, agitando a perna de um jeito exasperado. – Eu o conheço melhor ainda...

Todavia, Aiolia era de uma complexidade notável. No início era frequente vê-lo saindo com garotas diversas. Tão logo parou de fazer isso, a natural energia excessiva dele atingiu níveis estratosféricos e ele conseguiu ficar mais elétrico do que já era. Aí, o leonino passou a ficar mais tempo na casa do próprio Mu do que costumava ficar na casa do gêmeos, tempos antes.

– O que me deixa ressabiado sobre o que ele tanto fazia com aqueles dois. Espero que não tenha sido o mesmo que deve fazer com você, enquanto diz que joga Pokémon...

O tibetano franziu o cenho. Esperava que não também.

O caso era que Aiolia andava muito menos genioso nas últimas semanas. Com a mãe, por exemplo. Ele podia protestar bastante quando Aiolos o enchia de abraços e beijos – ou, pior, tentava pegá-lo no colo como se ainda fosse pequeno –, mas sempre deixava. Por outro lado, caso a mãe sequer sonhasse em tratá-lo da mesma forma... Nossa! Discussão na certa. O leonino rosnava que era meio tarde para ela dar uma de mamãe atenciosa e ela se magoava com tal rebeldia, apesar de nunca comprar as brigas. Atualmente, Aiolia não andava tão arisco com as demonstrações de afeto da mãe. Parecia mais receptivo.

– E você acha que isso tem a ver com nós estarmos... Ehrm... – Mu titubeou, lançando um olhar perdido ao redor. Lembrou-se de que não estavam fazendo mais nada, até porque duvidava de que iriam continuar saindo depois do último desentendimento.

– Claro! Tem tudo a ver com vocês estarem aí apaixonadinhos...

O quê? Não, Aiolos... Digo, eu estou, sim... – suspirou, baixando o olhar para a mesa. – É que ele... Ah, ele...

Pelo visto, as coisas eram mais enroladas do que supunha, Aiolos pensou surpreso.

– Esse foi o motivo pra vocês se desentenderam dessa vez? Porque, né, está na cara que teve algum problema de ontem pra hoje.

Mu assentiu desanimado, explicando a situação para o amigo sem entrar em grandes detalhes.

– Chega a ser engraçado. Eu vivia querendo que ele fosse menos genioso. Que parasse pra analisar nossa situação complexa. E agora que ele mal começou a ficar pensativo, eu já estou sentindo falta do jeito despreocupado...

Aiolos sorriu para o ariano, dizendo para que acatasse a sugestão do irmão sobre não se encher de preocupações precipitadas.

– Você já tem uma a menos aqui – comentou, piscando um olho com cumplicidade e apontando para si mesmo. – Continuo um pouco inconformado por terem escondido tudo de mim tanto tempo, mas... Quem melhor pro meu irmãozinho do que meu melhor amigo e vice-versa, né? Eu só espero que vocês tenham usado camisi-...

Ah! – Mu exclamou, interrompendo-o no mesmo instante, dominado por um rubor violento. – Nós ainda não... Quer dizer... Ehrm...

– Ahh, agora tudo faz sentido...

– Olha, vamos... – indicou a saída com discrição, porque as pessoas se mostravam outra vez curiosas ao vê-lo ficar vermelho daquele jeito.

Respirou aliviado quando o grego se levantou, comentando apenas sobre o fato de nem terem consumido nada. Mu não se importou, surpreso como estava por Aiolos ter descoberto tudo observando de longe. Não que o considerasse muito desatento ou algo desse tipo.

– Veja bem – o sagitariano rebateu, bagunçando os cabelos. – Admito que passei a prestar muito mais atenção quando o Shura deu umas indiretas e tal... Mas não deixe meu irmão saber que ele fez isso, ok?

O tibetano anuiu, animando-se. Era evidente que não adiantaria nada ficar se preocupando com algo que não havia acontecido e que, talvez, nem fosse acontecer. Não podia ter o controle de tudo. A vida, como sempre, seguia tomando diversos caminhos inesperados. Se, por fim, Aiolia lhe dissesse que havia se enganado, paciência! Teria que seguir lidando com o coração partido até que tudo fosse apenas uma lembrança amarga.

Por outro lado, se o rapaz reafirmasse os sentimentos dele, seria um tanto mais complicado. Mu tinha pensado que talvez o outro não estivesse pronto, quando percebeu – tão tarde! – que talvez também não estivesse pronto para, no seu caso, descobrir-se correspondido.

Mas... Nada de se preocupar com hipóteses.

***

Milo e Camus andavam sendo alvos de burburinhos dos amigos por serem evasivos quanto aos detalhes do novo relacionamento. Não que aquilo fosse novidade para Shina. Bom, ela ficou um pouquinho surpresa por não ter demorado ainda mais, considerando as dificuldades do escorpiano. Contudo, o que a deixava inconformada era serem mantidas no escuro as coisas que eles andavam aprontando pelos cantos.

– Depois de tudo o que minha alma fujoshi sofreu, acompanhando a saga de vocês até esse desfecho inevitável, eu mereço saber todos os detalhezinhos sórdidos... Melhor! Eu mereço ver tudo!

– Você é louca! – Milo exclamou, abraçando o francês. – E, se o desfecho era inevitável, você sofreu porque quis...

Shina entrelaçou as mãos, perdendo o olhar no horizonte. Ah, a emoção que fazia parte do yaoi! Mesmo sabendo que eles se resolveriam, seria emocionante descobrir como isso aconteceria, ora essa!

– Tá na cara que o Maçã-do-Amor é o uke... – o leonino se manifestou entediado, flexionando os braços para se alongar.

Estavam os quatro na casa do escorpiano e Aiolia olhava, através da janela da sala, para a tarde de sábado nublada que fazia lá fora. Carregava um ar pensativo, entre um suspiro e outro. Queria ter passado o dia inteiro tocando bateria, mas seus amigos se mostraram empenhados em distraí-lo por razões que ele desconhecia.

No fundo, continuava indignado com tudo aquilo. Não bastasse até Shaka, o loiro azedo, fazer sexo, agora Milo, o enrolado indeciso, também fazia! Os dois improváveis se divertindo e ele lá, à espera de um milagre da parte de Mu. Vai ver era algum castigo divino por ter desiludido tantas garotas...

Milo protestou que não tinha nada na cara, não. Ele vinha tentando fazer Camus demonstrar alguma reação, digamos, adorável – por pura precaução, para não ser o único a ser cogitado como uke em potencial –, mas era difícil. O ruivo era uma geleira no quesito demonstração pública de afeto, além de não se constranger à toa.

Shina lançava mil e uma teorias sobre tudo, em geral apostando que eles revezavam, mas o escorpiano desconfiava de que ela tendia a crer que Camus era o seme daquela relação. Milo ainda estava numa fase de se aborrecer com a ideia de ser encaixado num estereótipo. Ele assumiria uma posição infinitamente mais segura e despreocupada com o tempo. Por enquanto, não apreciava ser considerado um uke – o que isso significava afinal?

Camus, é claro, desconsiderava tudo aquilo. Dizia que os tais termos só denominavam as posições que cada um assumia na cama, não influenciando nada em suas personalidades e comportamentos – não, Milo, você não vai trocar seu gosto musical de rock por alguma cantora romântica por causa disso.

No frigir dos ovos, as coisas estavam indo muito melhor do que o escorpiano havia esperado. Tinha que aguentar as piadinhas – sobre finalmente e finalmentes – dos amigos, mas fazer o quê? C’est la vie, como o aquariano dizia.

– E como vão as coisas com seus pais? – Shina perguntou, desistindo um pouco de pentelhar o loiro. – Já contou?

– Não, mas tá tudo ok – Milo respondeu, cutucando a bochecha do namorado. – Meu pai adora o Camus. Diz que parece um garoto que ele conheceu.

– Meu pai disse algo similar quando te viu pela primeira vez, lembra? – o francês comentou, desviando o rosto para o lado.

– Verdade! Já pensou que louco se nossos pais se conhecessem e a gente não soubesse disso?

A empolgação de Shina foi instantânea:

– Talvez eles gostassem um do outro, mas a vida, essa vadia ingrata, os separou por algum motivo! E aí...

Enquanto ela seguia viajando nas ideias, Milo e Camus se entreolharam.

– Não é por nada, não – disse o escorpiano, fazendo careta –, mas meu pai teria sido o seme...

O ruivo ignorou aquele comentário, sem a menor intenção de continuar tal conversa insensata. Preferiu indicar Aiolia para os outros dois. Ele estava muito quieto e, pasmem, pensativo, o que não era nada comum.

– Ah é! O assunto! – Shina exclamou, sentando-se no braço da poltrona em que o grego de cabelos curtos estava, perto da janela. – Você anda estranho há tempos... Sinto que tem yaoi nessa história...

Aiolia soltou uma risadinha culpada. A italiana tinha algum radar excelente, pelo visto. Não que ele pudesse contar qualquer coisa, por causa de Mu. Sendo assim, ele desconversou, alegando que não estava estranho coisíssima nenhuma.

– Fala sério! – a ariana pediu, inconformada. – A gente não te vê mais flertando com meio mundo. Não ouço mais garotas sem-vergonhas cochichando no vestiário, trocando impressões depois de alguma ter ficado com você.

– Em outras palavras – Milo complementou –, você não anda pegando ninguém. O que há?

– Nada, e daí? Tenho cara de tarado, por acaso? – Aiolia inquiriu, indignando-se porque eles acenaram que sim. Porém, percebeu a tempo que, se ficasse aborrecido com aquilo, a curiosidade dos amigos só aumentaria. Melhor seria mudar de atitude. – Sabe o que é? – piscou, puxando a italiana para que se sentasse em seu colo. – As garotas ficaram desinteressantes depois de você...

Milo quase engasgou com a própria saliva. Como assim? Quando aqueles dois tinham se pegado que ele não ficou sabendo?

– Ah, na mesma noite que ele te deu uns pegas lá no Meikai... – Shina replicou distraída, envolvendo o pescoço do leonino com os braços. – Mas se não tem garota mais interessante do que eu e você não anda atrás de mim... Imagino que você tá interessado em algum garoto...

– E ele tem coragem de dizer que não é tarado... – o escorpiano estava comentando com Camus, mas parou e correu para o lado do pior melhor amigo assim que ouviu a suposição da italiana. – Opa, conta essa história direito, Estrela da Manhã!

Aiolia riu de novo. Que amigos espertos!

– Desembucha logo – Milo insistiu, gesticulando para que o francês se juntasse a eles. Seria improvável que o leonino conseguisse fugir com três pessoas o segurando, ou melhor, duas, já que o aquariano não fez menção de se mover para colaborar. – Olha... O Afrodite não tá aqui pra soltar o veneno dele... O Shaka também não, pra te chamar de tolo selvagem, como costuma fazer... E nem a Marin, pois não sabemos se ela já superou você e tudo o mais... Então, pode falar sossegado...

O comentário sobre a ruiva teve o efeito oposto do que o pretendido. Aiolia retesou-se, a tensão tomando conta dele. Marin! Ainda tinha essa... Passou um braço pelas costas de Shina, o outro sob os joelhos dela, e levantou-se com ela no colo. Ele a colocou de volta no sofá e correu porta afora, dizendo qualquer coisa que soou como um putz, depois a gente se fala, galera!

Sem compreenderem nada, os demais ficaram encarando a porta por algum tempo. Ora, quem é que entendia o Aiolia?

***

Provavelmente ninguém, Mu responderia, se lhe perguntassem. Tinha passado o fim da manhã e boa parte da tarde na companhia de Aiolos, o que tinha sido ótimo. Um peso havia saído de suas costas por, enfim, esclarecer tudo com o amigo. Estava se sentindo melhor.

Lembrando-se de que era sábado e, por esse motivo, o sagitariano deveria ter coisas mais interessantes para fazer com Shura, despediu-se do amigo decidido a voltar para casa. Não demoraria a anoitecer e ele precisava prosseguir com os estudos, que tinham sido negligenciados no dia anterior.

Qual não foi sua surpresa ao passar por uma praça e ver o leonino por lá, conversando bem pertinho de uma garot-... Marin? O gosto amargo do ciúme não foi nada perto do gosto ainda pior da culpa. Em meio àquela história toda com Aiolia, tinha se esquecido de que a ruiva gostava do rapaz também.

Mu não teve a mínima vontade de permanecer ali, assistindo aos dois. Apesar disso, antes que se afastasse o bastante, chegou a ver a garota impulsionar-se nas pontas dos pés e dar um abraço apertado no grego.

E eles pareciam um casalzinho adolescente tão normal e saudável que... Vê-los juntos fez o ariano se sentir um completo estranho... O cara mais velho esquisito que estava atrapalhando algo tão bonito como aquilo...

– Aff, qual é a dele, né? – Milo perguntou, sobressaltando o tibetano por aparecer de supetão. – Fui obrigado a procurar o safado e veja o que encontrei...

Como Mu não entendeu nada, o mais novo contou que estavam em sua casa quando, num dado momento, o leonino decidiu ir embora do nada. E a condição de pior melhor amigo tornou-se o argumento de Shina para fazer o escorpiano seguir atrás de Aiolia, na tentativa de descobrir o que estava acontecendo.

Sem ânimo de ir lá interrogar o outro grego, Milo seguiu caminhando junto com o ariano ao longo da praça, conversando coisas aleatórias.

– Hmm... Posso fazer uma pergunta pessoal? – Mu questionou, após ouvir o mais novo reclamar das piadinhas e coisinhas bobas que andava aguentando dos amigos desde que começou a namorar Camus. Vendo o rapaz consentir, prosseguiu: – O que te levou a assumir um relacionamento sério assim, se estava tão receoso?

– Caramba! Até você ficou sabendo das minhas dificuldades?

– Ah, desculpa! É que o Aiolia chegou a comentar algumas coisinhas, reclamando da sua, ahn, aparente enrolação...

Milo resmungou qualquer coisa, mas não estava aborrecido. Cruzou os braços atrás da cabeça, olhando para cima por um momento, e respondeu que sabia que as coisas não seriam fáceis muitas vezes. Camus e ele eram diferentes em diversos aspectos. Porém, tinha decidido assumir as responsabilidades que viriam com aquela relação, lidando com os problemas ao seu tempo. O que importava é que estava ao lado de uma pessoa que lhe fazia bem, de quem ele gostava.

– Pode parecer cafona, e eu sei que muitos iriam morrer de rir de mim por isso, mas... O que eu sinto por ele vai me dar forças pra resolver as coisas da melhor forma possível. É nisso que eu acredito – afirmou com uma piscadela do tipo sacou?

Um pouco depois, eles se despediram, pois Mu havia alcançado sua casa e Milo ainda tinha uma boa caminhada a seguir – agora, em busca de Afrodite. Mas aquelas palavras do escorpiano ficaram gravadas na mente do tibetano por um longo tempo.

Tinham sido impressionantes. Milo, apesar da fama de enrolado, demonstrara já saber muito bem o que queria e como faria para lidar com as adversidades do dia a dia, conforme elas aparecessem.

Será que conseguiria agir da mesma forma, caso chegasse naquele nível de relacionamento algum dia? Seu desconforto devia estar notável em seu rosto, pois, assim que entrou em casa, Shion o chamou da cozinha com uma expressão para lá de desconfiada.

– Tudo bem, Mu? Não vejo o Aiolia desde ontem à tarde... – foi logo dizendo, estreitando os olhos ao empunhar a faca que usava para picar alguns legumes. Sim, aquela era uma postura ameaçadora.

Dohko, que estava por ali mexendo com outros ingredientes, tratou de segurar o pulso do ariano mais velho, fazendo com que este abaixasse a faca de volta.

Mu encolheu os ombros, fitando as frutas em cima da mesa como se pretendesse escolher alguma para comer. Não chegou a dizer nada. A campainha soou antes, fazendo seu estômago gelar.

O libriano se prontificou a atender, supondo, com razão, que não seria apropriado que Shion atendesse. Se fosse o jovem grego, o seu companheiro seria capaz de nem deixá-lo entrar... Já Mu não parecia nada disposto a atender, tanto que subiu para o quarto com pressa.

– Olá – Dohko cumprimentou o recém-chegado, chamando-lhe a atenção da forma mais discreta possível, fazendo um gesto para que subisse em silêncio. Em seguida, voltou para a cozinha, já que sua tarefa seria manter o namorado ocupado por lá.

Mu estava sentado na beirada da cama, acariciando Regulus no colo, quando ouviu uma batidinha na porta. Achou estranho. O leonino sempre entrava direto, sem se anunciar. Não era ele?

– Entre – disse, franzindo um pouco o cenho por constatar que era ele sim.

Aiolia entrou com passos leves e sentou-se ao lado do ariano, fazendo carinho em Regulus assim que este pulou para cima do seu colo. Ele não disse nada e Mu tampouco, o quarto carregado de um silêncio sufocante.

Menos de vinte e quatro horas tinham se passado, o tibetano notou. Não era cedo demais para Aiolia ter chegado a alguma conclusão? No mesmo dia em que estivera com Marin... Significava que tinha escolhido ficar com a ruiva e que viera lhe contar? Ele havia garantido que voltaria de todo jeito, independente do que concluísse. Ah, talvez tivesse ido buscar a mochila...

– Aff... – fez Aiolia, lançando um olhar impaciente para o outro. – Eu nem falei nada e sua cabeça já tá fervilhando aí...

– Achei que você levaria mais tempo pra reaparecer... – justificou, preferindo encarar as próprias mãos sobre o colo.

– Eu até queria, pra você não achar que não pensei em porra nenhuma, mas não tenho saco pra esperar uns dias...

Mu esfregou os braços, como se sentisse frio, e esperou. Não estava surpreso pela rápida aparição do outro. Era seu costume analisar as coisas por longos períodos de tempo, não de Aiolia, que tendia a ser mais objetivo.

– Olha, eu juntei as peças do quebra-cabeça, desde que te conheci. É fato que eu te achei superestranho e tal... Que te odiei pra caralho, como você sabe... Mas... Bem ou mal, eu não sei explicar direito, você sempre chamou minha atenção.

Mordiscando o lábio, Aiolia esbarrou o seu ombro no ombro do ariano, como quem dá um tapinha para animar alguém. Não tinha muita coisa a dizer, embora tivesse pensado bastante durante aquelas horas em que estiveram separados. As coisas faziam mais sentido na sua cabeça. Tentar explaná-las, soava absurdo. Crescera, mas continuava sem saber como confortar as pessoas. Além de ele não gostar daquelas conversas tensas. E, acima de tudo, o rosto do ariano parecia uma máscara inexpressiva, o que dificultava na sua escolha pelas palavras. A única coisa que insinuava algum nervosismo no mais velho era o modo como este enrolava os cabelos entre os dedos.

– Resumindo... – disse desconfortável, tentando soar gentil enquanto colocava Regulus no chão –, não dá pra gente continuar nessa situação – e concluiu num tom muito sério: – É hora de mudar, entende?

Nesse momento, Mu encarou o leonino. Queria ver se o rosto do rapaz demonstrava algo diferente, mas Aiolia estava circunspecto, os olhos claros ilegíveis. Não dava para continuar? Mudaria por conta da garota ruiva? Era isso? Tinham, de uma vez por todas, chegado ao fim daquela confusa e conturbada situação entre eles?

Com essas perguntas em mente, o ariano deslizou os dedos pelo rosto do mais novo. E não é que o rapazinho tinha amadurecido bastante nos últimos tempos? Poderia ter caído fora sem dar satisfações, pensando em nada senão em si mesmo, mas não.

Seu coração com certeza não tinha realizado ainda o que estava acontecendo. Ou já estaria aos cacos. Doeu um pouquinho quando Aiolia sorriu, comentando que tinha sido divertido ficarem se escondendo pelos cantos.

– Foi sim... – concordou, afastando a mão. – Preocupante, mas divertido – admitiu, apoiando a cabeça sobre o ombro do grego.

Aiolia envolveu o ariano pelas costas, com um dos braços, e pressionou um beijo na testa deste. O gesto suave fez Mu sorrir. Pelo menos suas relações sempre acabavam bem, sem brigas ou dramas desnecessários. Quase riu quando sentiu os lábios do leonino deslizarem por sua bochecha, traçando um caminho em direção à sua boca.

A perspectiva de seguirem numa amizade colorida, como tinha feito por um tempo com Shura, assim que terminaram, não era ruim. Mas duvidava da capacidade do seu coração de suportar isso agora que era um apaixonado assumido.

– Aiolia... – murmurou assim que os lábios do grego encostaram-se aos seus. – Fazer isso, depois de terminar tu-... – interrompeu-se ao sentir os cabelos serem puxados na nuca.

Aproveitando que a boca de Mu estava entreaberta, o leonino deslizou a língua por ela, beijando-o devagar. Um beijo que ficou mais forte e animado conforme se inclinou sobre o corpo do mais velho, fazendo com que este deitasse as costas sobre a cama.

– Eu não disse nada sobre terminar, Mu – contestou, olhando o tibetano de cima e bem de perto, roçando as pontas de seus narizes. – Eu disse mudar. Você conseguiu me confundir ontem, mas eu gosto de você, sim. Sem discussões.

O ariano prendeu a respiração, os olhos muito abertos, diante daquelas palavras. Aiolia se mostrava tão convicto! Definitivamente, não tinha como discutir. Como mudariam as coisas, desse jeito?

– Simples... Vamos revelar aos nossos amigos que estamos namorando, ué! Com Camus e Milo deu certo...

– Eu... Quê?

– E isso não é um pedido. Eu estou te comunicando – garantiu, estalando um beijo sobre os lábios do tibetano. – Lembra aquilo que eu te disse sobre a possibilidade da gente se apaixonar ser como uma roleta russa?

Mu assentiu, ainda espantado, mas com o coração aquecido de novo.

– Pois é! Namorar vai ser a mesma coisa. Não sei como vai funcionar, se vai dar certo, nem posso te prometer nada – explicou, apertando os lábios em vez de mordê-los. – Pode ser que, daqui um tempo, eu acorde achando que foi loucura ou achando que você é o amor da minha vida, tanto faz. Só arriscando pra saber.

Normalmente, Mu preferia ter as coisas sob controle e a proposta tentadora de Aiolia oferecia riscos enormes, mas ele precisava tentar. Gostava tanto daquele atrevido! Então, se o mais novo estava disposto a encarar tudo aquilo, ele também daria o seu melhor para lidar com um relacionamento entre eles.

– Tem razão.

Aiolia abriu um sorriso radiante, sendo retribuído da mesma forma.

– Agora – ronronou próximo ao ouvido do ariano, deslizando uma das mãos pela cintura alheia –, diga que não vai tentar fugir ou me fazer parar...

Ah, o perfume do grego, próximo daquele jeito, era tão bom! Mu umedeceu os lábios rosados, enlaçando o mais novo com os braços, e sorriu:

– Nem se eu quisesse...

E ele não queria. Seria insuportável ter que interromper aquilo de novo.

Com a chegada sorrateira da noite, o quarto estava ficando mais escuro a cada instante. Um relâmpago o iluminou através da janela e o silêncio foi cortado pelo estrondo do trovão, detalhes que o ariano mal notou. Aiolia avançara sobre seus lábios com tanta vontade que eles quase chocaram os dentes.

Mu correspondeu com igual intensidade. Não percebeu que o dia todo nublado tinha se transformado numa chuva forte. Não entendeu o que o leonino murmurou enquanto percorria seu pescoço com a boca voraz. Deve ter sido por esse motivo que teve um pequeno susto ao ter a camisa aberta num único movimento brusco, os botões ricocheteando pelo quarto.

Aiolia tinha erguido o corpo, ficando de joelhos entre suas pernas afastadas, e semicerrou os olhos febris ao apreciá-lo. Mu sentiu um forte arrepio correr pela coluna quando os dedos do rapaz tocaram-lhe o tórax, em carícias por sua pele pálida, traçando um caminho mais ousado...

E, sim, o ariano acabou quebrando aquele clima ao apoiar-se sobre os cotovelos e perguntar, com a respiração entrecortada, pelo paradeiro de Regulus.

– O q-...? – o mais novo balbuciou, lançando um olhar aturdido para a penumbra que o quarto estava se tornando. – Embaixo da cama, acho... – aí, arqueou uma sobrancelha e beliscou as coxas do outro: – Não vá me dizer que tá com vergonha do gato!

– ...

Desconfiado de que Mu não sossegaria nunca se o felino permanecesse por lá, o grego revirou os olhos e levantou-se à procura de Regulus. Tratou de colocá-lo para fora assim que o localizou, incentivando-o para que fosse pentelhar Shion.

– Maldade a sua, viu? Ele seria um privilegiado se visse e ouvisse tudo o que vai rolar aqui – Aiolia comentou, voltando para a cama. – A Shina morreria de inveja... – sussurrou, passando um braço pelas costas do tibetano, para que se erguesse um pouco. – Vem cá... Vem...

***

Continuava chovendo forte quando Mu acordou de um longo cochilo. Piscou algumas vezes, norteando-se pela luz fraquíssima que atravessava os vidros da janela, vinda dos postes da rua. Teria começado a achar que andara tendo sonhos interessantes se não tivesse sentido o corpo meio dolorido.

Ah! E um braço de Aiolia apoiado em sua cintura também.

O leonino estava de bruços; o corpo nu enroscado de forma precária no lençol; o rosto virado em sua direção e os olhos fechados; ressonando numa paz admirável. Como o tibetano estava deitado de lado, aproximou seus rostos com facilidade, sentindo a respiração quente do outro. Mexeu nos cabelos bagunçados do rapaz, como Aiolos lhe mostrara uma vez, sorrindo porque o gesto sempre o fazia ronronar.

Permaneceu com aquele sorriso um tanto abobado, perguntando-se quantas horas tinham se passado e por quanto tempo havia dormido.

– Aiolia... – chamou tão baixo que não conseguiu se ouvir. – Aiolia... – repetiu quase nada mais alto. Nova tentativa: – Aiolia?

– Hmm... – fez o mais novo, sem abrir os olhos ou mexer o menor músculo.

Mu moveu os dedos, indo da nuca para o pescoço do grego, deslizando até alcançar as omoplatas, traçando círculos invisíveis na pele macia. Pensando bem, não sabia o que queria falar. Sentia-se capaz de dormir por mais um bom tempo. Mentira! Seu cansaço era menor do que uma chata inquietação que ele não conseguia captar direito.

– Você vai continuar dormindo? – perguntou em vão, já que a resposta era óbvia.

– Uhum... – Aiolia assentiu, puxando o mais velho para se aconchegar outra vez, encostando seus corpos.

Certo, o ariano pensou, respirando fundo. Segundos depois, deu um tapinha inconformado nas costas do companheiro. Como ele conseguia?

– Dormir – o grego explicou com a voz carregada de sono – é um dos meus superpoderes...

– ...

Pensativo, Mu encostou a boca na testa do leonino. Droga, qual era o problema? Então, lembrou-se num estalo e deu um tapinha nada afetuoso no rapaz.

Aiolia ergueu as pálpebras com esforço, os olhos desfocados sobre o mais velho, quase sem enxergá-lo:

– O que há?

– É que tem uma dúvida me incomodando – respondeu, fazendo um muxoxo para si mesmo. Não sabia lidar direito com ciúmes, era uma emoção que não estava muito acostumado a sentir.

O leonino retirou a mão de cima do tibetano para esfregar os olhos, resmungando algo que soou como e lá vamos nós... Porém, soltou uma risadinha fraca ao ouvir Mu admitir – fazendo beicinho sem perceber – que tinha lhe visto na praça com Marin.

– Ah, você viu só o abraço? Um pouco antes, ela me deu um tabefe...

Sem dar muito crédito ao assunto, em especial porque o sono impedia, Aiolia contou que se sentira na obrigação de se desculpar, ou algo do tipo, com a ruiva. Ela era sua amiga desde a infância e gostava dele de um jeito que ele era incapaz de retribuir. Antigamente, era porque não queria se prender a ninguém... Atualmente, considerando a situação toda... Parecia justo que ela soubesse que não estava sendo deixada por garotas aleatórias e uma vida promíscua. Não que entendesse qualquer coisa sobre as complexidades femininas, mas...

– Sei lá, ela pareceu contente por, em vez de vadiar, eu gostar de alguém... – disse num tom amigavelmente incomum, tocando os lábios do ariano com o polegar.

Mu sorriu para o mais novo, tirando suas próprias conclusões sobre o motivo do tal tabefe. Mal piscou e percebeu que o grego já estava adormecendo de novo. Nossa, deveria ser algum tipo de superpoder mesmo.

O leonino usou o restinho de consciência para se justificar:

– Foram duas vezes num intervalo pouco respeitável de tempo... – abafou um risinho contra o travesseiro: – Incrível você não estar rouco... Ah, esses tipos quietinhos sempre surpreendem...

O ariano gaguejou qualquer coisa ininteligível, um pouco constrangido. Será que Shion e Dohko tinham ouvido algo? Melhor nem pensar nisso. E onde estava Regulus? Ah é, tinham colocado o coitadinho para fora do quarto.

– Hmm... – fez o tibetano ao constatar uma coisa: – Quer dizer então que sua lendária e excessiva energia, aquela que nem todos os esportes que você pratica esgotam com facilidade, acaba desse jeito?

Levou alguns segundos para Aiolia abrir um olho desconfiado:

– Como é? Ora, ora, parece que tem alguém com muita energia acumulada...

– Ahn? Hey, espera aí – Mu pediu, afastando-se o máximo que a cama permitia. Estava cheio de marcas! Todo esgotado... Bem, mais ou menos...

– Nem pensar – o grego protestou, desvencilhando-se do pouco lençol que o cobria, e ergueu-se animadíssimo. – Esse é outro dos meus superpoderes, tá vendo? Recuperação rápida com pouco incentivo... – inclinou-se sobre o ariano com seu sorriso predador: – Mas, como você é um puta incentivo, prepare-se! Não vai conseguir nem sentar amanhã...

E soltou uma gargalhada vilanesca, os olhos cintilando perigosamente quando um novo relâmpago clareou o quarto.

– A-Aiolia...? – chamou um pouquinho espantado, procurando uma rota de fuga.

– E nem depois de amanhã – o leonino prosseguiu todo alegre, enchendo a garganta do outro de beijos. – Mas, com a prática diária, você se acostuma com as limonadas!

Quê?!

– Ahh, namorar vai ser legal pra caramba, né? Haha!

Mu parou de se movimentar, o calor que se instalara de vez em seu coração fazendo-o bater mais forte. É mesmo, namorado. Soava bem. Abraçou Aiolia com força, rolando os dois pela cama, e sibilou no ouvido dele com um sorrisinho suspeito:

– Acho que você vai ficar exausto antes de cumprir com suas palavras...

Whoa! Tinha me esquecido de que você ficou na seca esse tempo todo também! Hmm, vamos apostar?

Apostar? Era o que já estava fazendo, não? Apostando naquele relacionamento absurdamente inesperado entre eles. E tudo estava parecendo tão natural... Será que continuaria assim? Que daria certo de verdade?

Sim! Daria, sim. Quando não estivesse dando errado, logicamente.

Continua...


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Notas finais do capítulo

Aí a gente imagina o que aconteceu... S2 O importante é que desenrolou de vez! o/ #todascomemora

Agradecimentos aos queridos que deixaram reviews: HitoriDe, SweetTangerine, reneev, G Rodrigues, Suh, Kiba-Ino, Angel Ártemis, Kass, Juliabelas, MilaScorpions, arianinha, Orphelin, sam chan e mangalove S2

Que tal esse penúltimo capítulo? Pra quem nunca comentou, as chances estão acabando, não me deixem sem conhecer vocês ;D E eu estou nervosa com esse fim iminente aqui, nossa... '-'

OMG, o próximo é o último! #surtandomuito