Capítulo 3

Acordei, me sentindo enjoada.

Talvez fosse o pensamento de rever Ethan e a ansiosidade. Eu poderia usar esse enjôo como desculpa para não ir ao primeiro dia de aula. Uma parte de mim reclamou. Eu estava viciada demais em Ethan para deixar uma oportunidade de vê-lo, escapar. Estiquei meus braços e passei a mão por meu rosto, sentindo alguns raios de sol tocando e esquentando minha pele.

A porta se abriu e a visão de Dara não me surpreendeu.

Realmente não tinha como voltar atrás.

******

Suspirei com as mãos na cintura olhando para o meu antigo uniforme perfeitamente arrumado em cima da cama. Dara estava emburrada ao meu lado. Quando ela me ofereceu uma cura momentânea, eu recusei. Se fosse para voltar onde tudo começou, voltaria exatamente como antes. Isso incluía óculos e tudo.

Algo dentro de mim se remexeu. Eu tinha que me vestir. Estava parada no meio do quarto apenas de roupas íntimas, esperando a coragem entrar em mim. Minha respiração estava difícil, a ansiosidade ficou maior. Eu engoli em seco, e isso fez minha garganta fechar. Faltava pouco tempo e eu estava encarando aqueles olhos verdes que eu tanto amava.

E que tanto me odiavam.

Dara se retirou do quarto, me dando mais um tempo. Vesti lentamente a calça jeans escura e a blusa branca de manga. Afrouxei a gravata ao redor do meu pescoço e pus meus tênis. Ao sentar em minha penteadeira, como hábito, as lembranças de dois meses atrás me acertaram. Fechei os olhos com força, repetindo a mim mesma que não tinha tempo para chorar. Mas aquela frase ficava se repetindo em minha mente.

Tenho nojo de sua raça. Dark.

Era tão recente que eu quase conseguia escutar Ethan sussurrando isso para mim. Passava a escova mecanicamente por meus cabelos escuros e analisava meu rosto com cuidado, reparando em algumas olheiras. Não tão chamativas, mas o suficiente para que Christina reparasse.

Pensei em Christina. Como será que ela reagiria com a minha volta para a escola? Seria doce comigo, como foi antes ou daria apoio ao irmão gêmeo e iria me evitar. A reação de Ethan era bem evidente. Ou ele me ignoraria ou faria um escândalo por eu estar ali. Apertei a escova contra o meu peito, agradecendo mentalmente por Dimitri ir comigo. Mesmo isso sendo um sofrimento para ele também.

Rever a namorada depois de dois anos deveria ser bem tenso. Se fosse comigo, eu estaria louca. Se apenas dois meses me deixava sem ar, com dois anos estaria andando de um lado para o outro sem parar. Conhecendo Dimitri, ele deveria estar passando a mão pelos cabelos enrolados e bufando, enquanto me esperava.

Dez minutos de reflexão depois, eu desci. Não estava totalmente segura, mas me deixei ser guiada com o pensamento que era a escola. Na escola, tudo poderia dar errado. Não fiquei impressionada ao ver minha mãe sentada, bebendo seu chá, enquanto lia seu jornal. Ela levantou os olhos, tingidos em mel para mim e sorriu, batendo a xícara delicadamente na mesa.

“Querida, você está linda.”, ela disse e me abraçou.

Isso me trouxe um dejavú de quando Megan fazia isso. Meu peito se apertou. Eu sentia tantas saudades da minha antiga vida que chegava a doer. Parada ali, em frente a minha mãe tive um sentimento estranho. Um frio na barriga. Era como se eu fosse para a escola pela primeira vez. Minha mãe piscou os olhos mais uma vez, até que eles voltaram ao tom habitual de castanhos escuros.

“Obrigada.”, eu respondi e suspirei.

“Quer comer alguma coisa antes de ir?”, ela ofereceu, indicando a mesa de café da manhã. Neguei e dei um sorriso triste.

“Não como nada de manhã. Isso me enjoa.”

Se bem que, mais enjoada do que eu estava não poderia ficar.

“Está preparada?”, Rose perguntou estreitando levemente os olhos.

“Quer me dar o dinheiro do lanche, mamãe?”, gracejei.

“Sabe que não é disso do que eu estou falando.”, ela disse séria.

Soltei o ar, balançando a cabeça. Sabia muito bem do que Rose estava falando. Fisicamente, eu poderia correr uma maratona. Mas emocionalmente, não estava preparada para escutar mais uma palavra negativa de Ethan. Talvez nunca mais estivesse. Antes que Rose pudesse dizer mais alguma coisa, Dimitri chegou. Levantei uma sobrancelha para ele, um pouco... Impressionada.

O uniforme tinha caído como uma luva nele. As calças jeans claras destacavam as longas e chamativas pernas. A blusa branca estava um pouco apertada, destacando seu peito forte, o que deixaria as garotas bem atraídas. As mangas estavam dobradas até o bíceps, deixando-os maiores. Os cabelos enrolados, o grande sorriso e os olhos brilhantes levemente enrugados, desviavam a atenção de seu corpo, fazendo-o realmente aparentar os dezenove anos.

“Nossa”, foi tudo o que consegui dizer.

“Por que está de óculos?”, ele perguntou. Quando fui responder, ele me interrompeu. “Não me diga que gosta, porque é a pior mentira de todas.”

“Não ia dizer que gosto.”, eu menti nervosa, sentindo meu rosto corar. “Eu só ia dizer que eu me sinto mais eu.”, levantei meus olhos cinza, levemente. “Quero voltar exatamente como eu saí. De óculos e tudo.”, ajeitei os óculos na ponte do meu nariz e funguei.

“Se você diz.”, ele deu de ombros. “Vamos?”

“Vamos.”, concordei. Virei-me para minha mãe, dando-lhe mais um abraço.

“Boa sorte.”

Talvez eu precisasse mesmo.

*******

Mantinha os olhos presos nas paisagens ao nosso redor. Eu poderia reconhecer vagamente o caminho até a escola. Dimitri ligou o som para que eu pudesse relaxar. Depois de vê-lo passar a mão pelos cabelos e bufar inúmeras vezes, tive certeza que eu não era a única que precisava me acalmar. Trocamos olhares quando começou a tocar You And I, da Lady Gaga. Irônico? Bastante.

Eu e Dimitri caímos na risada, então ficamos em silêncio. Peguei-me cantarolando alguns pedaços, juntos com Dimitri que balançava a cabeça no ritmo, sem tirar os olhos da estrada. Meu estômago se apertou quando passamos pelo bosque. Os flashes vieram em uma velocidade incrível. Era como se eu estivesse vivendo aquela noite mais uma vez.

Tenho nojo da sua raça. Dark.

Era como um soco no estômago toda vez que essa frase ecoava na minha mente. Minha garganta ficou apertada e eu tive que abrir a janela por me sentir claustrofóbica. Dimitri me encarou pelo canto do olhos, enquanto eu tentava respirar devagar. O coração deu uma parada brusca quando meus olhos focaram na escola. O caminho sempre chato e longo pareceu curto demais.

Dimitri desacelerou conforme se aproximou. O vi abrir e fechar a boca algumas vezes. A pergunta óbvia presa em sua garganta. Ele queria saber se eu estava bem. Na verdade, não. Sentia como se estivesse me afogando. Mais e mais. Não tinha ar ao meu redor. Quando ele estacionou o carro, BEM AO LADO DA BMW AZUL DE ETHAN, eu engoli a seco e me preparei para sair.

Minhas pernas tremeram ao pisar no asfalto sujo da escola. Pessoas que estavam no estacionamento pararam para observar a novidade. Poucas me reconheceram, algumas nem me olharam, mantendo os olhos presos em Dimitri. Ele tinha o rosto sério, concentrado enquanto olhava ao redor. Só não sabia se era para evitar que Ethan chegasse perto de mim, ou para ver se Christina estava por perto.

Estava tão distraída, que quando senti dois braços se fechando em torno de mim, soltei um grito baixo. Estranhei Dimitri não ter feito nada. Mas quando me virei para ver quem tinha me abraçado, entendi. E me surpreendi.

Christina.

Eu demorei um pouco para reconhecê-la. Ela estava mudada. Os longos cabelos loiros, agora estavam curtos nos ombros perfeitamente lisos e com uma franja lateral. Ela estava sorrindo, aquele mesmo sorriso de quando nos conhecemos. A pele clara brilhava contra o sol. E os dentes perfeitamente brancos expostos. E os olhos.

Essa foi à última coisa que eu olhei. Doía ver o quanto ela era parecida com Ethan. E aqueles olhos verdes florescentes... Eu quase perdi o ar. Olhei para o seu uniforme alinhado. Saia curta preta, blusa de manga longa branca, gravata frouxa ao redor do pescoço, botas de cano longo e um blazer preto.

Ela também me estudou, então veio me abraçar. Eu fiquei em estado de choque primeiro. Então, parecendo perceber a quem eu estava abraçando, a apertei e senti seu cheio cítrico semelhante ao do irmão entrar por meu nariz. Ela suspirou, aliviada.

“Por onde tem andado, Jô”, ela sussurrou em meus cabelos. “Não sabe quanto eu senti sua falta, garota.”

“Eu também senti, Chris.”, eu mordi o lábio para não chorar. Meu coração acelerado. “O que você fez com seu cabelo, sua maluca?”

“Mudança.”, ela riu e se afastou ainda me segurando pelos ombros. “É sempre fazer uma de vez em quando. Além disso, aquele cabelo longo me dava trabalho de manhã.”, ela deu de ombros e sorriu. Então estávamos nos abraçando mais uma vez. “Nunca mais suma desse jeito.”, ela repreendeu.

“Nunca mais.”, eu concordei.

Então, nesse momento tão significativo, a senti ficar tensa. Fechei meus olhos com força, sabendo o que Christina tinha visto. O que Christina finalmente tinha visto. Ela soltou os braços do meu redor, em choque. Eu sabia que deveria deixá-la ir, mas a apertei mais um pouco. Então soltei o ar que nem sabia que estava prendendo e a deixei ir.

Em direção a Dimitri.

Eu sorri ao ver o olhar dos dois presos. Cruzei os braços, desviando o olhar daquela cena. Parecia tão pessoal que eu dei alguns passos para trás. Fiquei longe o suficiente para não poder escutar o que eles diziam, mas perto o bastante para poder ver os lábios se mexendo e formando palavras desajeitadas.

Vi o rosto de Christina ficar corado e ela desviar o olhar por um momento. Dimitri levantando uma mão para poder tocar em uma mexa do cabelo recém cortado de Christina, mas então ele desistiu. Vendo os dois, frente a frente, eu pude ver o quanto combinavam. Poderia dizer A Dama e o Vagabundo. Sorri me sentindo mais leve ao ver aquela cena.

Comecei a olhar ao meu redor, estudando e comparando. Vendo o que tinha mudado e o que continuava a mesma coisa. As mesma garotas metidas que me julgavam estavam no canto do estacionamento, olhando Dimitri com luxúria. Seus pensamentos nem um pouco agradáveis em relação à Christina.

Continuei olhando em volta, reconhecendo alguns garotos. John Rivers, sentado perto de uma garota ruiva, tocando em sua face suavemente e sorrindo. Eddie Moraes estava correndo para dentro da escola, quase tropeçando em seus tênis. Robert Sigal estava com seus amigos rindo e assobiando para as garotas que passavam. Parecia que as coisas não haviam mudado tanto. Sorrindo, continuei minha inspeção, até pousar em um garoto que não tinha visto antes. Os cabelos ondulados loiros pareciam fios de ouro torcidos. Podia ver que estava tenso, mesmo de costas para mim. Alto e tinha um bom corpo. Eu daria tudo para ver seu rosto.

Parecendo ler os meus pensamentos, ele se virou, me fazendo ofegar. Não podia ser. Estava tão diferente. Mas seus olhos verdes azulados não me enganavam, ainda mais quando se estreitaram de raiva. Engoli em seco, não conseguindo desviar meus olhos dos de Ethan. Ele continuou tenso e com os braços cruzados me encarando.

Tinha algo em seus olhos que parecia gritar Saia Daqui. Você não pertence a esse mundo. Talvez se eu pudesse ler seus pensamentos, fosse o que ele estaria dizendo. Abri a boca, sentindo meus lábios secos, então ele desviou o olhar do meu. Meu coração doía enquanto batia contra os meus ossos. Meus pulmões queimaram, me lembrando que eu precisava de ar. Passei minhas mãos suadas pela calça e respirei fundo. Queria que ele me olhasse só mais uma vez...

“Prima”

Virei-me assustada encarando os grandes olhos castanhos de Annice. Um pouco atrás dela estava Drake, que apenas deu um meio sorriso e assentiu para mim. Eu os encarei e me preparei para perguntar o que diabos eles estavam fazendo ali, quando reparei em suas roupas.

Annice usava uma calça jeans escura, apertada o suficiente para destacar seu corpo. A blusa branca tinha alguns botões abertos e ela nem tinha se dado ao trabalho de amarrar a gravata, deixando-a de qualquer jeito ao redor do pescoço. Drake também usava calças escuras e a blusa branca, mas não havia nenhum sinal de sua gravata e no lugar do blazer estava uma jaqueta de couro. Eu não queria admitir, mas ele ficava sexy daquele jeito.

“Oh, não.”, eu disse entendendo a intenção deles. “Vocês não vão estudar aqui.”

“A escola é pública.”, Annice retorquiu. “Vamos estudar aqui e ponto.”

“Tenho que ficar de olho em você, Jordan”, Drake deu de ombros, como se fosse à única explicação do mundo. Mas quando olhei para suas safiras, elas tinham um brilho diferente.

Eu tremi.

“Agora, me deixe conversar com certo guardião.”, Annice disse.

Só levei em consideração as suas palavras quando era tarde demais. Drake tinha um meio sorriso nos lábios e caminhou até parar ao meu lado, ponto um braço ao redor dos meus ombros. Ele era tão quente e a jaqueta exalou o cheiro dele. Era picante e fez meu nariz coçar, mas de um jeito bom. Ele pôs os lábios na minha orelha, fazendo ficar entorpecida. Eu fiquei tensa.

“Isso não vai acabar bem.”, Drake sussurrou e riu.

Só pude acompanhar o que vinha em seguida sem dizer nada. Annice andou até onde Christina e Dimitri tentavam conversar e pousou uma mão no braço de Dimitri, piscando os grandes e sedutores olhos. Dimitri pareceu sem jeito, por um momento, então cumprimentou Annice. Christina olhava de um para o outro com uma sobrancelha levantada. Quando seus olhos encontraram os de Annice, ela ficou tensa.

“Merda”, eu disse correndo até lá. Não precisei olhar para trás para saber que Dimitri estava logo atrás de mim.

“Você é...”, Christina não terminou a frase e seus olhos verdes se arregalaram. “Dark?”, ela sussurrou olhando para os lados, apreensiva.

Annice jogou a cabeça para trás e soltou um riso frio. Eu me arrepiei por nunca ter visto esse som saído dela. Só se ela usasse isso apenas para os Carmim. Os olhos de Annice se tornaram tão escuros quanto à noite e ela deu um meio sorriso macabro.

“O que te ajudou a descobrir isso, querida?”

Christina, recuperada do susto, estreitou os olhos para ela e eu os vi se tingindo de azul lentamente. Olhei em volta, desesperada. Se Ethan visse essa confusão... Nem queria imaginar o que aconteceria. Coisa boa que não seria. Apressei-me em ficar entre as duas, quando cada uma deu passo na direção da outra.

“Olhe pessoal”, eu tentei chamar atenção deles. “Estamos em um local público, tudo bem? Tem mortais nos olhando. Peguem leve.”

Encarei Dimitri, esperando algum apoio, mas ele tinha o mesmo olhar hostil na direção de Drake. Meu guardião Dark tinha os punhos fechados e os olhos azuis em fendas. Por um momento, só um curto momento, eu quis que Ethan aparecesse e colocasse fim naquela palhaçada. Mas, do jeito que Drake tinha falado dele ontem, era capaz dele piorar a situação. Teria que resolver aquilo sozinha.

“Prestem atenção.”, eu dei um grito. Os quatro foram obrigados a olhar para mim, contrariado, mas olharam. “Você é minha amiga Carmim e você meu guardião.”, eu disse para Christina e Dimitri, que pareceram um pouco constrangidos. Virei-me para Annice e Drake, que ainda não haviam abaixado a guarda. “E você é minha prima e você meu guardião Dark.”, apontei para cada um deles. “Terão que aprender a conviver juntos ou quem se ferra sou eu, entenderam?”

Um a um, eles foram abaixando a guarda e assentiram. Dimitri era o que mais parecia envergonhado. Ele olhou pelo canto do olho para Christina e suspirou. Annice bufou e fez uma careta para Drake. Christina pôs uma mão em meu ombro e sorriu. Não resisti e sorri de volta. Então olhei praquelas quatro “criaturas”.

“Vocês ainda vão me enlouquecer.”, eu disse e saí andando.

Voltei a escutar a confusão atrás de mim, conforme os quatro me seguiam. Revirei os olhos. Seria um longo semestre.