Nameless escrita por Guardian


Capítulo 19
Inglês... Irlandês... Por que não?


Notas iniciais do capítulo

Peço desculpas pelo atraso, mas fiquei doente essa semana ):



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 Nunca antes.

 Pela primeira vez em sua vida, Mello experimentava aquela necessidade ridiculamente forte de afogar seu excesso de pensamentos, suas intermináveis indagações e as sensações conflitantes em algo que era uma rotina normal para praticamente todos ao seu redor. E nunca pensou que esse dia chegaria; era inglês e morava na Irlanda, e mesmo assim nunca foi adepto aos encontros habituais com o álcool. Por algum motivo - apesar de muitos poderem dizer que tinha diversos motivos para o contrário - nunca gostou muito de beber, social ou isoladamente. Talvez apenas tenha substituído esse provável vício pelo chocolate.

 Compreendem? Desta vez nem mesmo seu amado chocolate tinha sido o suficiente para ajuda-lo a se livrar momentaneamente de tudo o que lhe pesava.

 Traição.

 Nunca foi uma expressão ou uma atitude que lhe causassem particular repulsa, nem mesmo se ele estivesse entre os envolvidos, porém, a associação desse termo que jamais o incomodou realmente com o nome de Klaus superou essa barreira e enfim experimentou o tal desgosto. A repulsa. Recordava-se da imagem do mais velho sentado naquela poltrona, parecendo conter-se e buscar algum controle sobre si mesmo; lembrava-se dos olhos cinzentos vez ou outra sendo atraídos para o corpo sem vida de Daniel Louit apenas para depois contraírem-se e serem escondidos novamente, como se travasse uma complicada batalha interna entre a coragem de encarar e a de desviar.

 E durante todo o tempo Mello permaneceu em absoluto silêncio, consciente de qual era seu papel ali. Não ficara para dizer palavras de apoio, nem para prestar sua presença reconfortante. Estava ali exatamente para aquilo: observar, não quebrar o momento de dor, apenas... Estar ali.

~*~

Mail lembrava-se muito pouco do tempo de sua vida que passou ao lado do pai; quase nada permaneceu intacto, ao ponto de que não apenas de hoje, achasse difícil lembrar-se das feições do genitor, de como era sua voz ou como ele o tratava antes de o trocar. Mas uma coisa continuou ali, viva em sua memória.

 Não era uma daquelas lembranças dignas de filmes e histórias detalhadamente boladas pela mente de alguém; não uma cena tocante e recheada de significados filosóficos ocultos que faziam todo o sentido no decorrer da trama, nem a sequência de cenas de uma ensolarada tarde de manhã banhada de risos e brincadeiras afetivas. Não despertava nenhum sentimento de saudade pelos bons tempos, raiva pelos recentes, ou pena pelo que a “vida obrigou o pobre homem a fazer”. Até porque, há muito que Mail aprendera a bloquear tudo isso.

 O que ele lembrava, era de um sonho.

Não sabia desde quando, mas costumava ter esse mesmo sonho noite após noite, durante um tempo que também não sabia qual foi, apenas que foi longo. Depois de “mudar de casa”, nunca mais o teve.

 Sonhava que caía, livre e por um longo caminho sem fim visível, com o vento hora lhe dando impulso ora lhe redirecionando no ar, e com um zumbido em seus ouvidos que de certa forma, lhe causava cócegas. Não sentia medo. Não sabia o que era o medo. Apenas despencava de não sabia onde e seguia o caminho que os ventos lhe faziam, com o céu muito azul o envolvendo, sem nenhuma nuvem. Mas não era dia. O manto da noite era muito mais imponente, muito mais hipnotizante, e conforme caía olhava ao redor com os cabelos batendo-lhe nas laterais do rosto como verdadeiras chamas atiçadas a nunca se apagarem, procurava até onde sua visão permitia por alguma estrela perdida no liso azul escuro.

 E ria. Era uma sensação maravilhosa demais para ser descrita, e o riso brotava do fundo de sua barriga, sincero, forte, feliz. Caía, caía sem parar. E quando enfim um ponto brilhante destacava-se, não precisava fazer nada, porque o próprio vento que o conduzia o mudava de direção e permitia que perseguisse a estrela longínqua, sempre caindo, sempre com as roupas parecendo querer soltar-se de seu corpo.

 Nunca a alcançava. Toda vez, antes que pudesse começar a estender a mão quando já estava próximo o bastante para sentir o calor emanando da pequena bola de energia, antes que pudesse alcança-la de fato, acordava. Acordava, e lamentava a perda daquela sensação inebriante de total liberdade, lamentava não saber o que aconteceria após alcançar a estrela.

 Não sabia por que guardara esse sonho na memória ou por que deixou de tê-lo. Apenas sentia falta.

~*~

 Mail tinha deixado o aparelho de TV ligado, mas a bem da sinceridade não prestava a menor atenção nas imagens e vozes que de lá saíam. Estava sem sono, estava entediado, e sem nada decente para ocupar o tempo. Mello tinha grandes estantes de livros no apartamento, mas todo aquele tempo trancado lhe tinha dado tempo e paciência mais que suficientes para ler todos; exceto, é claro, alguns dos mais grossos livros de Direito da faculdade. Esses ele não tinha vontade alguma de pegar. O único ponto positivo do tempo que foi obrigado a passar “a serviço” do agiota era que para mantê-lo quieto e tentar evitar mais problemas eles o enchiam de “distrações”.  Não funcionava porque fazia as coisas do mesmo jeito, mas tinha que admitir: sentia falta daqueles jogos...

 Foi quando a porta do apartamento foi aberta, atraindo imediatamente sua atenção para a entrada. Eram altas horas da madrugada e Mello finalmente estava de volta.

 Mas...

 O loiro não estava em seu estado normal, e Mail reparou isso de imediato. Provavelmente qualquer outro não teria dado importância para o rosto oculto pelos cabelos soltos ou para o andar quase autômato que o movia – o que poderia ser além do cansaço após tantas horas privadas de sono? –, mas não Mail. Considerou se deveria dizer algo ou apenas observar Mello fazer lentamente seu caminho, se deveria levantar para procurar por suas feições escondidas e tentar interpretar o que lá houvesse, mas nada saiu de sua garganta e permaneceu sentado no sofá.

 Não foi preciso Mello estar nem a cinco passos de si para Mail conseguir captar o cheiro que explicava o silêncio estranho e a postura diversa do loiro: álcool. Involuntariamente estremeceu. Parte de sua mente que não se concentrava totalmente nos movimentos do loiro achou minimamente perigosa qualquer cena onde houvesse um Mello dominado por efeitos etílicos. Outra dessa parte quase lhe causou um acesso de riso, preso em seu interior, ao criar uma sequência de imagens com o mesmo Mello revelando ser um dos conhecidos bêbados emotivos que choravam e se abraçavam todos, dizendo o quanto gostavam delas ou o quanto o mundo os odiava. Era uma cena bizarra demais para alimentar.

 E apesar de observar e conjeturar o que passava pela mente certamente enevoada de Mello, Mail foi pego desprevenido. Esperava muitas variedades de ações e reações, mas aquela sequer tinha passado pelo grupo. Engraçado, por que não tinha? Irrelevante.

 A boca do loiro tomou a sua com voracidade e suas mãos firmaram-se nos braços finamente cobertos, empurrando-o com firmeza contra o encosto macio do móvel. Sentia o corpo quente do outro sobre si, gradativamente deslizando-o pelo couro de modo a ficar em posição quase ereta, na horizontal, e qualquer chance de se pronunciar lhe era tirada pela língua ávida de Mello mantendo a sua totalmente cativa. Dizer algo também não passou por sua mente.

 Sentia o próprio corpo quente agora, o que apenas aumentava conforme o loiro diminuía o ritmo do beijo, que apesar de ainda intenso e desejoso, tinha uma nota maior de provocação, incitando a continuação e abominando o término. O ruivo deixou baixos gemidos incontidos escaparem dos lábios ocupados ao sentir uma das mãos de Mello levantarem sua blusa e começar a passear por seu abdômen enquanto a outra segurava com firmeza sua nuca.

 Gostava imensamente do sabor de chocolate que apenas naquela boca conseguia sentir com tal intensidade e prazer, mas a mistura desse sabor com o gosto de álcool era ainda mais... Viciante. Enroscou os dedos nos longos cabelos claros que caíam para a frente, e usou a mão livre para puxar Mello para mais perto, seu peso, o calor que emanava sendo tão bem-vindos quando a fricção das peles por debaixo das roupas incomodas. A fisgada em seu baixo-ventre pedia para fazer algo quanto a isso.

 No momento que o ar já não lhes era suficiente e foram forçados a afastar as bocas ainda sedentas, Mail deu apenas o tempo suficiente para encher novamente os pulmões e atacou o pescoço alvo do loiro, sugando e marcando sem se importar com o curioso gosto salgado que vinha junto à pele quente e macia. Ferro? A essa altura Mello também não conseguia evitar os sons de deixarem a boca agora desimpedida, e logo a mão que apertava e acariciava o tronco do ruivo foi descendo, ameaçando entrar em domínios mais baixos.

 Mail não entendia o por quê daquela atitude súbita do loiro, o que poderia ter acontecido para ele sentir a necessidade de buscar o apoio do álcool, mas ele não pensava nisso agora. Era a última coisa em que pensaria no momento. Tudo o que lhe ocupava os pensamentos era a própria necessidade de senti-lo mais e mais perto, de ter suas habilidosas e possessivas mãos o tocando, de elevar aquele ardor até o limite... Isso até ver os olhos dele.

 O ruivo sentiu a mão do outro fazer seu trajeto por caminhos mais sensíveis e com um suspiro deleitoso depositado no pescoço que praticamente devorava, rapidamente empurrou o pesado sobretudo dos ombros do loiro, deixando à amostra o tronco completamente nu. Nem sentiu a necessidade de estranhar o fato do outro estar sem camisa. Não naquele momento. A sua própria já estava praticamente quase fora do caminho também.

 Porém...

 Ao erguer o rosto, com o desejo único de reencontrar o gosto de álcool e chocolate, pela primeira vez na noite Mail pôde ver o rosto de Mello. Ver os olhos dele. E foi como uma brisa fria em sua mente, de repente despertando-o.

 E apesar dos protestos de seu corpo, que exigiam por maior contato e por uma exploração mais minuciosa, apesar da tal brisa ter alcançado apenas e somente seus pensamentos deixando ainda todo o resto ardendo, Mail fez o loiro cessar com os movimentos que fazia e centrar maior atenção no ruivo em si. Seu corpo gritou em protesto, o que era bem claro pelo incômodo entre as pernas, mas preso como estava naqueles orbes azuis, teve força suficiente para ignorar por hora. O mais estranho: não houve resistência por parte do loiro. Ele simplesmente parou na posição que Mail o segurou, e assim ficou.

 Os olhos azuis estavam levemente nublados pelo momento, pelo desejo não saciado, mas por detrás disso não havia nada, e foi isso que chocou Mail. Não havia raiva, irritação, ódio, tristeza, autoridade ou sarcasmo, apenas um grande e doloroso... Vazio.

 Parecia um espelho. A imagem exata de como seus próprios olhos costumavam ser antes de começar a ocupar aquele sofá, e isso, mais do que tudo, assustou Mail. Não, não era para ter aquele vazio absurdo contaminando aquele azul sempre tão cheio de variações!

 Permaneciam na exata posição em que pararam, deitados um sobre o outro no estreito sofá, e foi nessa mesma posição que Mail levou uma das mãos até o rosto do loiro, passando levemente os dedos pelas quase apagadas marcas que ele mesmo tratara há alguns dias, e em seguida pela grande cicatriz que ocupava quase metade do rosto que deveria ser imaculado. Mello ainda não havia voltado a se mover. Parecia paralisado pelo carinho que sentia em seu rosto.

 Mail odiava a imagem que via no espelho quando morava na casa de O’Hare, porque odiava a forma como se encarava. E agora, odiou ver aquele mesmo abismo nos olhos de Mello. Sua garganta estava seca, sua mente, confusa.

 E para sua surpresa, foi o próprio loiro quem quebrou o silêncio, e sua voz não se parecia em nada com... Sua. Não soou forte, apesar de não exatamente fraca. Apenas baixa. Baixa e... Penetrante. Aparentemente desprovida de qualquer emoção assim como seus olhos, mas lá atrás, muito bem escondida, havia algo que...

 Mail tinha razão. Mello não era do tipo bêbado emocional. E a despeito da cena que iniciara, não era esse outro tipo de bêbado também. Não, ele era do tipo mais perigoso pela vida escondida que levava, e talvez fosse por isso que mesmo inconscientemente ele se mantivesse longe de qualquer bebida. Ele era o bêbado sem máscaras.

 - Você me trairia, Mail?


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Notas finais do capítulo

Alguém curtiu o quase lemon aí? o/



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