Nameless escrita por Guardian


Capítulo 1
Identidade. Futuro. Nada.


Notas iniciais do capítulo

Acreditem ou não, a ideia pra história surgiu da palavra do título ~



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 Eu não tenho nome.

 Eu não tenho identidade.

 Oficialmente, eu não existo. Não sou absolutamente ninguém.

 Mas mesmo assim, eu continuo aqui. Eu respiro, eu tenho sangue correndo pelo meu corpo, eu existo. Mas ninguém vê e ninguém liga. Triste? Talvez. Mas esta é a minha realidade.

 Um dia, há muito tempo, eu já usei o nome Mihael Keehl. Hoje, sou conhecido como Mello.

 Ilusão. É isso o que a minha vida é. Uma ilusão criada por um nome falso e que ameaça se dissipar a qualquer momento, com a mais leve brisa.

 Bom, vamos fazer uma apresentação adequada para iniciar isso.

 Eu sou Mello. Nada mais, nada menos. Apenas Mello, prazer.

 E essa é a droga da minha história.

~x~x~x~x~x~x~x~x~x~

 Fechei a porta do apartamento e joguei as chaves em cima da mesa de vidro perto da entrada. Conforme ia andando e adentrando os cômodos, ia me livrando do pesado casaco preto que usava e jogando de qualquer jeito em um lugar qualquer, nem dando importância à pequena trilha de água da chuva que era deixada pelo caminho.

 Fui para a cozinha, e claro, direto para o armário pegar o pote de achocolatado em pó para fazer um bom chocolate quente, a única coisa que poderia melhorar um dia irritante como esse.

 Ultimamente, todos os dias têm sido desse jeito. Irritantes. Maçantes.

 Eu queria ser chamado para um trabalho logo... Não que eu esteja muito animado para trabalhar em si, mas era a melhor maneira... Na verdade a única maneira, de quebrar essa rotina, afinal.

 Após um banho rápido e um tempo, que acabou se mostrando inútil, tentando encontrar algo interessante para fazer, fui para a cama.

 Não passaram-se nem três horas e meu celular começou a tocar e vibrar em algum lugar próximo a mim. Tateei sonolento até onde minha mão alcançava, procurando pelo aparelho barulhento, e quando estava prestes a levantar xingando horrores para acender a luz, eu encontrei.

 - Que é? – atendi com minha voz saindo mais grossa e alta do que seria educado. Como se eu me importasse.Deixei-me cair de novo por sobre o travesseiro antes mesmo de receber uma resposta.

 - Bem educado – a voz do outro lado falou, com o humor típico de seu dono. Ah, tinha que ser ele!

 - Trabalho? – só podia ser – Agora? – para demonstrar o imenso ânimo que eu sentia, reprimi um bocejo de modo bem audível. Era só pensar na criatura que ela ligava, incrível.

 - Nunca é tarde demais para trabalhar – não sei por que, mas ultimamente aquela voz, sua voz que eu conhecia tão bem, vinha me irritando cada vez mais. Sabe quando você já está tão cansado de ouvir alguém falar, que qualquer coisa que a dita pessoa fale, nem que seja um mísero “oi”, já te dá uma vontade imensa de calar a boca dela com um tiro? Pois é.

 - O certo seria “nunca é cedo demais”. São quatro da manhã!! – eu reclamei que estava entediado e que ser chamado para um trabalho seria bom, mas... Entediado ou não, eu ainda gosto de dormir!

 - Eu sei ver horas, esqueceu? – ouvi ele dar um risinho do outro lado – Tenho um compromisso agora que vai durar grande parte do dia, então ou eu te acordava, ou você ficava sem o trabalho – que maravilha – Esteja pronto à tarde, estarei te esperando no portão B da faculdade.

 - Que seja – reprimi outro bocejo. Não quero nem saber que compromisso ele poderia ter a essa hora da madrugada. Nem esperei para conferir se ele tinha mais alguma coisa para dizer, encerrei logo a ligação e enfiei o celular embaixo do travesseiro.

~x~

 - Alguém pode me dizer o significado de Nemo tenetur se detegere? – a professora encarregada do segundo período perguntou, com seu tom de voz sempre anormalmente elevado fazendo eco na enorme e silenciosa sala de aula.

 Um rapaz, sentado umas duas colunas à minha frente, ergueu a mão e falou em alto e bom som, visivelmente orgulhoso de si mesmo por se lembrar do que aquela expressão significava.

 - “Ninguém é obrigado a se mostrar”.

Se ele esperava um elogio da professora, quebrou a cara. Porque ela falou sem variar nem o tom, nem a expressão:

 - Obrigada pela participação, Sr. Benedick. Mas eu pedi o que significa, e não a tradução – não é nem preciso dizer que o cara pareceu afundar na cadeira depois disso, não é? Ela dirigiu-se para o resto da turma em seguida – Alguém?

 Ela ficou olhando, esperando, e ninguém se manifestou. Não é como se todos estivessem intimidados pelo jeito como ela tratou o rapaz de antes nem nada assim, afinal um semestre já era o suficiente para se acostumar com esse modo de tratamento severo dos professores universitários. A questão era que nenhum deles sabia a resposta mesmo.

 Patético.

 Eu estava com a cabeça apoiada sobre os braços na mesa, e percebendo que a aula não iria para a frente antes de uma resposta que a satisfizesse, suspirei e ergui o braço,falando em um tom que saiu involuntariamente, mas verdadeiro, entediado.

 - Nemo tenetur se detegere é o princípio da vedação à auto-incriminação. Basicamente, o direito do réu de permanecer em silêncio perante às acusações.

 Quem nunca ouviu a famosa frase, usada e desgastada em filmes e séries policiais, “Você tem o direito de permanecer calado, e tudo o que disser poderá e será usado contra você”?

 Sinceramente, eu ainda não sei por que eu escolhi fazer Direito.

 - Muito bem, Sr. Wright – a professora falou, e eu pude notar um quê impressionado ali.

 Wright. Como eu odeio esse sobrenome... Se apenas tivessem me dado a escolha de escolher outro...

 - Sr. Wright, podemos falar um instante? – a professora falou assim que a aula terminou e eu estava quase saindo da sala.

 Esperei todos se retirarem antes de ir até ela. A mulher era mais jovem do que seus precoces fios brancos deixavam parecer, e seus olhos amendoados viviam escondidos atrás das grossas lentes dos óculos que nunca tirava. Ela era bem mais baixa do que eu, então eu não podia subir no tablado da frente da sala se quisesse ficar na mesma altura que ela.

 - Você é muito inteligente, Wright. Você tem futuro – aonde ela queria chegar com isso? – O Tribunal de Dublin está procurando por estagiários, e acho que seria uma óitima oportunidade para você – ela sorriu.

 Futuro? Eu não tenho isso.

 Mas valeu a intenção.

 - Obrigado – pelo menos educação eu tinha. Até acrescentei um esboço de sorriso para completar!

 Esperando que aquilo fosse o suficiente, dirigi-me para fora da sala.

 Claro que aquela proposta inflava meu ego um pouco, afinal, era uma perspectiva muito promissora para qualquer estudante ter um estágio indicado por um professor, mas... Vejamos se vou aceitar isso ou não.

 Vai depender de como eu voltar desse trabalho.

~x~

Seis horas da tarde. E lá estava ele.

 Assim como o combinado, fui para o portão B da faculdade pública de Dublin, razoavelmente movimentada àquele horário, e aquele homem já estava me esperando.

 Encostado em seu Porsche, preto, usando um dos seus muitos blazer’s, marrom desta vez, e uma camisa branca semi aberta por baixo, juntamente com o jeans escuro mais justo do que muitos da sua idade tinham coragem de usar, estava ele.

 Klaus Warren.

 Seu estilo que misturava sofisticado e casual, em seus plenos 40 anos, constrastava de um jeito que chegava a ser engraçado com minhas roupas de couro, sempre justas e... Chamativas, admito.

 - Demorou, querido Mello – ele desencostou do carro e abriu um sorriso cheio de dentes brancos e impecáveis. Eu já falei o quanto aquela voz estava me irritando? Tinha uma entonação tão... Falsa. Ele sempre tinha um sorriso, mínimo que fosse, em seu rosto, e usava sempre a mesma voz macia. Ele parecia um maldito vendedor!

 - Que bom – não o olhei diretamente, apenas passei por ele, abri a porta do passageiro e entrei – Fala logo o que eu tenho que fazer.


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Notas finais do capítulo

E então? Alguém leu? alguém gostou? Ficou curioso? Odiou? Reviews?