Panem, O Décimo Quinto Jogos Vorazes escrita por Alberto Tavares


Capítulo 7
Aliança


Notas iniciais do capítulo

Meu Deus, chegamos aos Jogos!!! Estou tão empolgado. Confesso que a história tomou um rumo completamente diferente de como eu tinha imaginado, mas o modo como tudo se encaixou no final me fez pensar: que venha a próxima ideia.



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Só então que percebo que, na verdade, estou olhando para a direção oposta. Quando viro para o lado certo, vejo os vinte e quatro tributos alinhados sobre seus círculos de metal. Um passo em falso e você irá pelos ares juntos com as explosões das minas que estão logo abaixo dos nossos pés, que só são desligadas quando os sessenta segundos são esgotados. Essa é a única regra dentro da arena: não pise fora do círculo de metal antes dos sessenta segundos.

Minhas mãos estão tremendo e suando, assim como as minhas pernas. Aquele momento de tensão que sempre ocorre entre os tributos para chegar primeiro ao chifre dourado que é a Cornucópia.

Vejo a abertura do chifre a uns quarenta metros de distância. Consigo identificar algumas armas muito semelhantes a que usamos nas estações do Centro de Treinamento. A Cornucópia está bem no centro de uma área completamente coberta de grama verde, como se fosse uma praça.

Vejo que as palavras de Marco estavam certas, algumas pilhas aqui e ali foram colocados por fora da Cornucópia, assim como alguns suprimentos básicos como biscoitos e frutas secas. A maioria dos utensílios de maior importância, como pães estufados, carne, água mineral e armas como espadas, arcos, lanças e outras mais estão dentro do grande chifre, os de menor importância estão ao seu encalço. Como o pequeno e quase impercebível odre que está a menos de três metros de distância de mim, me esperando.

Vejo um arco parecido com o que eu usei na apresentação aos Idealizadores dos Jogos, mas antes que eu pense em correr para pegá-lo, lembro que só tenho um braço em disposição para atacar, e não há uma maneira para lançar flechas com apenas um dos braços. Mas pegar o arco antes que outra pessoa o pegue será mais prudente do que deixá-lo lá para que eu fique vulnerável tanto de longa a curta distância.

Estou com uma clara certeza de que vou acabar saindo correndo em direção ao banho de sangue. Mas com um braço para me defender de todos os tributos dispostos a me matar, me deixa uma incógnita muito grande.

Agora… quanto à arena. Tenho que dizer que não acreditava que seria uma cidade onde passaríamos as nossas últimas horas de vida. Fico pensando para onde eu deveria correr. Vejo que todas as casas e prédios estão com as portas fechadas, há algumas portas abertas, como se fossem áreas de comércio. Pergunto-me se vamos ter água à nossa disposição nessa edição dos Jogos Vorazes. Presumo que correr para dentro de uma casa ou de algum edifício seria inviável, já que ficaríamos presos aos ataques dos tributos. Vejo que a cidade não é tão grande, talvez ela se estenda por um ou dois quilômetros, mas logo acaba em um matagal coberto de árvores enormes que reconheço o nome. Os pinheiros são tão altos que não consigo ver parte do céu. Ao longe vejo algumas montanhas perdendo a cor conforme a distância as vai levando embora de nosso campo de visão. Pergunto-me o quão grande será esta arena.

Viro na esperança de ver algum rosto familiar entre tantos outros tributos unidos naquele instante. Vejo Catem tão longe que nem posso imaginar se ela já me viu, Elena parece calma como uma gata, pronta para se transformar numa cobra e dar o bote. Mikla está com uma cara de quem não quer perder a chance de matar cinco ou seis pessoas no mesmo dia. Jarl está aos prantos, provavelmente está relutando e refletindo para onde correr.

Antes que eu me pergunte para onde correr, o gongo soa e os Jogos dão partida. Não tenho outra reação se não correr em frente em direção à carnificina. Sem saber como, meu braço esquerdo vai até o chão e agarra o odre vazio como se meu cérebro estivesse agindo mais rápido do que minhas pernas velozes.

Não me dou conta de que estou correndo direto para a matança total, e que talvez eu nem volte vivo depois de me arriscar desta forma doentia. Deveria ter deixado que os outros tributos, os Carreiristas pelo menos, viessem até aqui com seus musculosos braços e suas grandes pernas. Mas aqui eu estou. Correndo como um cervo sozinho indo em direção a uma matilha de lobos sedentos por sangue.

Agarro uma mochila na correria e jogo ela nas costas, as minhas pernas já estão começando a doer e a respiração falhando quando eu finalmente chego à Cornucópia.

Não acreditaria se me dissessem no dia da Colheita que em menos de uma semana eu estaria dentro de um arsenal onde toda Panem poderia me assistir sendo morto de inúmeras maneiras.

Sem pensar por muito tempo, meus instintos me levam a agarrar as primeiras coisas que avisto. Algumas facas, cinco no total, o arco e uma aljava com quinze flechas, uma pequena saca de carne de ave assada, uma garrafa de água e uma lâmina de aspecto diferente. Não é uma lâmina de lança, mas é parecida, só que maior, e há um lugar para agarrá-la na mão como um cabo. É até parecido com o soco inglês que meu pai tem em casa, só que é uma lâmina, e ameaçadoramente grande. E eu sei o seu nome. Chama-se katar.

Só então me dou conta que não estou sozinho dentro do chifre. A garota do Distrito 1 também está lá, segurando um pedaço de pano azul numa mão e uma coisa prateada na outra. Sua cara está me pedindo clemência. Uma Carreirista está mesmo fazendo isso? Penso. Ela está chorando e com uma espada na mão, ela não parece tão confiante quanto estava no dia que seu nome foi escolhido na Colheita. A espada que ela está segurando não está apontada para mim, quando trocamos olhares ela se vira e ataca um garoto que acabou de entrar, cortando sua barriga facilmente. Ela olha pra mim como se esperasse que eu dissesse algo. Então eu digo:

– Aliados? – pergunto.

– Aliados! – Ela grita e ataca mais um garoto na perna.

Antes de sairmos voados de lá, a garota agarra mais algumas coisas e saímos às pressas enquanto mais tributos vão se enfiando em meio a tanto sangue. Não vejo Catem em nenhum lugar, nem Elena e nem Jarl. Mikla, o tributo que veio junto com a minha nova aliada, está dentro da Cornucópia também. Sinto uma pontada nas costelas, mas continuo correndo, a garota correndo logo atrás.

Ela tem a mesma idéia que eu, ir em direção da floresta de pinheiros. Mas antes de me dar conta, entramos dentro de uma casa depois de virar umas cinco ou seis ruas vazias de moradores.

Mesmo com a porta estando trancada, minha aliada quebra a janela jogando a sua própria mochila através dela. O vidro se espatifa e entramos. Minhas mãos estão com alguns cacos de vidro e bastante sangue depois que passo pela janela.

Não consigo escutar nada, apenas os nossos arfares e tosses. Quando finalmente nos silenciamos, consigo escutar o barulho de guerrear para lá dos prédios e casas, onde os mais fortes ficaram para lutar.

Na casa não existe nenhum móvel, é tudo branco e com um cômodo apenas. Imagino que aquilo deveria ser uma espécie de garagem para um carro apenas. Não consigo ficar de pé, me sinto nu, vulnerável para todos os outros tributos.

– Mihairl – diz a garota. Automaticamente eu olho para ela como se tivesse dito alguma coisa de outro mundo.

– O que disse? – pergunto.

– Mihairl, meu nome é Mihairl – repete a garota para mim. Minha nossa, essas pessoas do Distrito 1 inventam cada nome…

– Prazer, sou Edric – digo a ela.

– Obrigada – ela diz.

– Pelo quê? – pergunto.

– Por ter me aceitado como aliada – ela diz. – O garoto do meu distrito, o Mikla, disse para mim que eu seria o seu primeiro alvo. Estava com muito medo.

Só então que me dou conta que ela deve ter a mesma idade que eu e Catem temos. Quinze anos.

– Achei que você fosse me matar – ela conclui por final.

– Eu teria te matado se eu tivesse meus dois braços – digo mostrando a ela que só tenho um dos braços.

– Então pra quê carrega esse arco?

– A ultima coisa que eu quero é ter uma flecha espetada em mim – digo um pouco suspeito quanto a ela. Decido que preciso me sentar. – Já que esse era o único da arena, tive a esperança de tê-lo em minhas mãos. Argh!

Meu grito de dor é tão forte que automaticamente eu prendo minha boca com as duas mãos.

Então vejo a faca presa na minha costela, era a pontada que eu tinha sentido enquanto corria. Só agora me dou conta do estrago que ela me fez.

Com um puxão, Mihairl arranca a faca e prende o sangramento com uma das mãos, enquanto tira de dentro da sua mochila branca um kit de primeiros socorros. Não é muito completo cheio de remédios, mas tem esparadrapo e ungüento. O que me dá uma disposição mais do que satisfatória logo depois.

Reunimos nossas mochilas e despejamos tudo o que conseguimos encontrar.

Dentro da minha mochila marrom escura tinha algumas pilhas e palha de aço, e também uma espécie de bolha do tamanho da palma da minha mão com um botão que há transforma numa espécie de aquário grande e redondo que até a minha cabeça cabe dentro dele.

Também tenho a carne, as facas, o arco, as flechas, uma garrafa de plástico de água, um katar e o odre vazio.

Dentro da mochila branca de Mihairl tinha apenas o kit de primeiros socorros, uma garrafa de água, fósforo e a mesma bolha que tinha na minha mochila. E ela também encontrou algumas coisas no caminho da Cornucópia, como: uma faca, mais afiada do que as seis que eu tinha (contando com a que tinha furado a minha costela), três maçãs e um saco de dormir escuro, que presumi ser um pedaço de pano azul.

Esvazio a garrafa de água e coloco tudo dentro do meu odre. Repartimos de igual para igual os nossos suprimentos e os nossos remédios. Mihairl fica com três facas e eu fico com quatro, contando a coberta de sangue. Decidimos guardar as pilhas, a palha de aço e o fósforo para ocasiões futuras. Eu fico com o katar e com o arco, com a aljava presa no meu cinto junto ao odre, e Mihairl fica com a espada.

Comemos uma maçã cada um e deixamos a outra para o dia seguinte. Cada um fica com uma bolha, que guardamos dentro da mochila junto com todos os outros pertences menores. Reparto a minha carne de ave com ela e depois de um tempo guardamos todas as nossas coisas dentro das mochilas, até que somente o arco, a aljava, o odre, a espada e o saco de dormir fiquem para fora.

Vejo que há alguns furos no chão daquela pequena garagem, pequenos furos parecendo formigas imóveis. Nas ruas também existem deles, não faço a menor idéia do que seja.

Então escuto.

É o barulho dos tiros de canhão dizendo quantos tributos morreram no banho de sangue. Geralmente, no primeiro dia de quando começa os Jogos, os canhões não atiram logo de cara assim que um tributo morre, já que todos lutam para sobreviver dentro da Cornucópia. Então, no primeiro dia apenas, os tiros de canhão são dados quando o banho de sangue acaba e nenhum tributo resta lutando no chifre dourado. Só então que começa a soar os profundos tiros e os aerodeslizadores surgem em seus silêncios para retirar os corpos.

Vou contando os tiros enquanto eles vão se seguindo em um longo e contínuo som que me da muito medo. No inicio um, depois dois, três, quatro… quando finalmente acaba, me assusto com a quantidade de números que consegui contar.

– Quantos deles você contou – pergunto para Mihairl.

– dez, eu acho – ela diz um pouco indecisa.

– Eu também – digo olha do para o céu azul.

No primeiro dia e já temos dez tributos mortos. É muito mais do que eu imaginava. Dou por mim me perguntando se Catem está viva. Espero que esteja. Mas só vou saber quando o sol se por e a noite chegar, quando todos os tributos mortos são mostrados no céu por um grande telão. Os rostos dos tributos são mostrados com o número de seu distrito piscando logo abaixo. As apostas devem estar fervendo entre todos os membros da Capital. Espero que o rosto de Catem não esteja estampado nele. Algo que vem me corroendo é que não consigo parar de pensar no jovem garotinho do Distrito 5, Neil Grenth. Espero que ele não tenha sido louco ao ponto de ir ao encontro da Cornucópia. Espero que ele esteja vivo quando o os rostos forem anunciados no céu.

– Talvez devêssemos sair para fazer uma vistoria no local – digo para a minha aliada.

– Certo. – Ela coloca a mochila nas costas e me ajuda a me levantar.

O machucado na costela não foi dos fortes, ele apenas perfurou um pouco a pele. Na verdade, ele ficou grudado em mim por causa da minha roupa, por isso só senti a pontada. Mas mesmo assim me da agonia só de tentar levantar. Mas não posso resistir em ficar ali sozinho.

Coloco o arco sobre o ombro e pego o katar dentro da minha mochila.

Damos uma volta pelas ruas e pelos quarteirões, nos escondendo nos lugar possíveis. Mihairl está com os olhos semicerrados para o horizonte. Talvez esteja procurando Mikla. Será que ela estava mesmo falando a verdade? Será que ela está mesmo do meu lado? Será que está apenas me guardando para que Mikla acabe me matando no final?

– Eles não são muito fortes esse ano – diz Mihairl.

– De quem está falando? – pergunto.

– Dos Carreiristas. – Ouvir uma Carreirista falar de Carreiristas é algo novo pra mim.

– Como assim não são muito fortes?

– Simplesmente isso, eles não são. Parece-me que o pessoal do sete, do oito e do nove são mais fortes do que eles. O que mais me intimida é aquela garota do oito…

– Elena Loop – digo quando recordo o nome dela.

– Essa mesmo – Mihairl parece um pouco nervosa, está com os olhos virando para os lados a cada meio segundo. – Deve saber que ela é aliada do Mikla desde antes dos Jogos começarem.

– Sim – digo, afinal, já sabia disso à séculos. – E também do chorão do Distrito 10.

– É.

– Talvez tenhamos sorte de acabar com eles antes deles acabarem conosco – digo.

– Sim.

Um barulho sibilante surge de imediato. O barulho de bolhas também pode ser ouvido. Como se estivesse alguma coisa borbulhando… mas onde?

Não sei. Mihairl parece que não escutou. Continuamos a nossa vistoria.

– Olha lá – diz ela apontando para um arbusto que se mexia. – Acho que é um coelho.

– Vamos – cochicho de volta.

Estamos andando tão silenciosamente que não acredito que sou mesmo eu que estou ali, calçando uma presa.

Mihairl atira a faca e escutamos o guincho do animal selvagem por um momento. O guaxinim tenta escapar, mas as mãos da garota são mais rápidas que ele. No segundo seguinte ela o tem se contorcendo em seu braço, e antes que eu possa virar a cara, ela quebra o pescoço do animal, que fica imóvel lodo depois.

O barulho sibilante continua, mas não estou mais ligando para ele. Presumo que deve ser dos esgotos, mesmo não ter visto nenhuma tampa de esgoto em lugar nenhum, já que o barulho vem por debaixo do chão.

Está tudo calmo demais. Será que está acontecendo algo de interessante em algum lugar da arena que não fez os cidadãos de Panem ficar entediados? Pois se eles ficarem, todos serão julgados com pena de morte, porque os Idealizadores dos Jogos estão aqui para isso, para controlar a arena de forma que nunca o tédio seja feito dentro dela.

– Mihairl – digo. – Não acha que está…

– Sim – ela completa. – Está muito calmo pro meu gosto, acho que deve estar acontecendo algo do tipo…

Ela não consegue terminar a frase que iria dizer. Caio no chão com o tremor, sinto que todo o meu corpo está virando uma pasta cremosa, os balanços são tão fortes que mal consigo ficar sentado ou deitado no chão. O barulho sibilante retorna mais forte e grave, o barulho de bolhas é tão intenso quanto qualquer outro barulho. Vejo os buracos no chão da calçada, da rua, de todos os lugares do chão. E então vejo.

Minhas palavras para Alfena Snow são um tiro de canhão que chegam aos meus ouvidos: E se fizerem? Não é da minha conta o que acontece naquela sala onde os Idealizadores controlam a arena.  Estou pouco me linchando se eles vão ou não retirar a água da arena. A decisão é deles e não minha.

Só depois que todo o meu corpo está submerso pelo grande mar, aonde a água chega num nível de aproximadamente seis metros, é que me dou conta de que os Idealizadores não tiraram a água da arena. Pelo contrário. Empanturraram-na de água.


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Notas finais do capítulo

Depois de escrever isso, fiquei quase sem fôlego. Puxa vida, uma Carreirista, heim. Quem diria. Esse primeiro dia dos Jogos Vorazes deve ter sido bem difícil para algumas pessoas.



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