Inside Blue Eyes. escrita por PrefiraTestralios


Capítulo 26
Sintomas de paixão.




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Esperei pelo choro, assim que Alison dormiu. Mas ele não veio. Acho que me irritar com meu pai já era comum demais para ocasionar lágrimas. Mesmo que fosse natal.

Relutante, escorreguei para fora da cama quentinha e fui para o espelho. Concentração no limite e alguns longos minutos depois eu estava ruiva, sete centímetros mais alta e com as curvas que sempre desejei. Coloquei uma roupa que me faria passar frio, mas me deixou sexy. Ressaltei os olhos, sempre azuis, com um bom delineador e estava abusando do batom. 

— Não faz isso. — Escutei Allie, com uma voz chorona. — Por favor.

— Achei que você tava dormindo. 

— Eu sei onde você vai. Aquela boate não é legal. E não tem pessoas legais. Eles estão te levando pra um caminho que não tem volta, Astoria. Por favor, não volta mais lá.

— É que… anestesia, sabe? Toda a dor some quando eu bebo ou beijo um desconhecido. 

— Eu sei. E eu sei que nada do que nenhum de nós disse realmente ajudou, mas nós estamos aqui e vamos estar sempre. Quando você se reerguer e quando cair de novo. De quantos desconhecidos você pode dizer o mesmo? 

xx

Abri os olhos devagar e enxuguei a lágrima que veio durante o sonho-lembrança antes que alguém visse. Eu estava deitada, ocupando todo o lado do compartimento no trem. Do outro estava Robbie, lendo um jornal, ao lado de Lyla e Henry de mãos dadas. Voltei a fechar os olhos e tentei dormir novamente. 

— Vocês podem se beijar. Mas já que Alyssa está dormindo, são sete galeões pra segurar vela. — declarou Robbie, sem tirar os olhos do jornal. — De cada. 

— Achei que você fosse minha amiga, Robbie. — reclamou Lyla, mas num tom de diversão — nós precisamos nos despedir, será um feriado longo. 

— Tem certeza que está tudo bem pra você se Alyssa for pra minha casa? — Perguntou Henry. Eu conhecia aquele tom de voz. Na verdade, eu conhecia Henry muito melhor que ela. Não importava a resposta, ele me levaria de qualquer jeito, mas queria ter o trunfo do "eu perguntei..."

— Claro que sim. Depois daquela festa, toda a escola viu que ela é a fim do garoto Malfoy. Péssimo gosto. 

— Ela estava bêbada, Lyla. — fiquei grata por Robbie me defender. 

— Não estou julgando. Ela é linda, estrangeira e pode arrumar alguém que não esteja indo pelo caminho errado. 

Impressão minha, ou Lyla parecia mesmo preocupada comigo? Estranho, eu não sabia que ela gostava de mim. Ou ela sabia fingir muito bem. 

— Fale baixo! — pediu Henry. — nós não sabemos nada sobre Draco Malfoy. Ninguém aqui tem direito de julgar ninguém. 

— Ele atormenta crianças do primeiro ano. E todo mundo reparou em como ele anda estranho esse ano... quer dizer, e o quadribol? Todos nós sabemos que ele não deixaria passar um jogo contra Harry Potter. Ele anda pálido e doente e... 

— Mesmo assim — interrompeu Henry — não somos pais de Alyssa. Não podemos dizer com quem ela deve ou não sair. 

Encerrou-se o assunto. Achei que não pudesse voltar a dormir depois das fofocas que ouvi, mas eu peguei no sono quase instantaneamente. E fui acordada pelo que me pareceu apenas cinco minutos depois, com um toque masculino sacudindo meu braço delicadamente. 

— Você pediu pra te acordar quando o carrinho passasse.  

— Hm... tá, obrigada Henry. 

Comprei nada além de besteiras. Meu estômago estava implorando comida, então não pensei muito no que estava comprando. Só comprei. E nada para beber, só havia sobrado Suco de Abóbora, que é, na minha opinião, a bebida mais horrível do mundo. 

Robbie sentou do meu lado do compartimento e dividimos um pacote de alguma coisa doce que eu nem havia visto o nome. Hoje eu poderia encostar em uma janela qualquer e pegaria no sono. Mesmo com pouco espaço. Mas tentei me manter acordada, mesmo morrendo de tédio. 

— Ah qual é. — reclamei — vocês podem se beijar na minha frente. Eu não lembro o que aconteceu na festa e vocês também não deveriam, seja lá o que tenha sido. — pisquei para Henry.

Eles não ficaram se agarrando, mas isso deixou o clima mais a vontade até mesmo para jogar cartas com Robbie. 

Não vi Malfoy quando chegamos em Londres. Me despedi de Lyla, Robbie e esperei por Henry pelo que me pareceu um beijo longo de uns dez minutos. 

— Então... onde você mora mesmo? 

— Nothing Hill. Hã... nós temos que ir de trem. Meus pais não puderam vir nos pegar. Você não se importa, não é?

— Não vou me importar se pudermos tomar um café antes. Nós temos tempo?

Então demos um passei estilo turistas em Londres. Tomamos o meu café, ficamos fazendo cena na cabine telefônica e rimos pela cidade, até dar a hora do trem partir. 

Nothing Hill era uma cidade pequena. Tinha casas enormes, e também casas simples, mas a arquitetura como um todo era linda. Coloquei a cabeça para fora do táxi e fiquei olhando para fora como um cachorro. Minha boina não era suficiente para aplacar o frio e o vento batia forte, mas não me importei. 

— Chegamos. 

Desci do carro e deixei que o motorista levasse minha bagagem e a de Henry para dentro. A casa dos Richter era linda. Não era uma mansão gigantesca, era uma casa comum. Branca com janelas azul marinho, com uma varanda na frente e um quintal.

 — Finalmente, garoto. Você podia ter ligado da estação, como eu mandei. 

Enquanto se abraçavam, notei que a mãe de Henry era nada mais, nada menos que uma versão de Henry feminina e mais velha. Os olhos de Henry eram um pouco maiores, mas da mesma cor. Assim como os cabelos lisos e castanhos. 

— Podemos ter essa conversa quando ela não for extremamente constrangedora, mãe? Obrigado. 

— Então você é Alyssa Rockfellery, a garota que veio da França?

— Oui. É um prazer, senhora Richter. 

Ela me abraçou também. O tato me pegou de surpresa. Eu não imaginei ser tão bem vinda assim. 

— Eu digo ao Henrique para trazer algum amigo bruxo para conhecermos, mas ele nunca me obedece. Eu sou Anabella Richter, mãe dele. 

— Bom, imagino que antes tarde do que nunca. — Sorri, tentando disfarçar o uso da ironia. Ser irônica era tão natural que eu não tinha ideia de como passar sequer um dia sendo fofa. 

— Antes tarde do que nunca... ele demorou muito pra arrumar uma namorada mesmo, eu e o pai dele já estávamos preocupados. 

Agradeci por não ser do tipo que fica vermelha por nada. Porque disfarçar o constrangimento seria muito mais difícil. 

— Nós somos só amigos, senhora Richter. Sou areia demais pro caminhão dele. — Rimos juntas. 

— Bom, então ele está perdendo um partido e tanto. 

— Mãe... 

— Henry vai acomodar você. Eu vou voltar a cozinhar, nos vemos mais tarde. 

— Desculpe por isso. — pediu Henry.

— Tudo bem. Você é areia demais pro meu caminhão também. 

— Acho que a areia que você carregou ontem é bem mais pesada. 

Indireta...

— Podemos não falar sobre isso com a sua mãe no cômodo ao lado? — pedi, em voz baixa. — Eu não admiti isso nem pra mim mesma ainda. 

— Tudo bem, vamos subir. 

Droga. Contar a Henry sobre a noite com Draco causaria milhares de perguntas. Perguntas que nem eu sabia a resposta. 

Os Richter me emprestaram um quarto pequeno e aconchegante. Tinha uma cama, um espelho, uma cômoda com alguns porta retratos e uma janela com vista para a frente da casa. 

— O meu quarto é bem na frente. Pode dormir comigo se estiver com medo do escuro. 

— Sua namorada iria adorar. 

Minha frase irônica, na verdade, soou meio (tá, completamente) ciumenta. 

— Eu não vou fazer nada que não possa contar a ela... é essa a ideia que tem de mim? Agora estou magoado. 

— Eu tenho muitas ideias sobre você. Uma delas é que seu quarto deve ser azul bebê com papel de parede de criança. 

— Do Patolino. — Admitiu, meio a contragosto. 

Olhei para uma das fotos na cômoda. Um garoto, provavelmente Henry, com duas garotas. Uma com cabelo louro-escuro, ao lado direito, e outra com a exata cor de cabelo de Henry ao lado esquerdo. Havia uma notável diferença de idade. A de cabelo mais escuro parecia a mais velha, mas por poucos anos. A outra com devia ter sete ou oito anos na foto, e Heny deveria ter no máximo nove ou dez. 

Henry nunca me falou muito sobre a família. Bom, na verdade, falou sim. Sobre os avós que ele tanto ama, a culinária da mãe e o tio bêbado. Mas eu nem desconfiava que ele tinha irmãos. E nunca quis perguntar. Era, na maior parte do tempo, um assunto meio delicado pra mim. 

— A da direita é Aisha, minha irmã mais velha. Bom, só dois anos. A da esquerda é Laisa, minha irmã mais nova. 

— Onde elas estão?

— Aisha está na faculdade em Cambridge, deve chegar à noite. E Laisa morreu há alguns anos. 

— Sinto muito. — foi a única coisa que pensei em dizer. Além de dar-lhe uma bofetada das boas, pegar meu malão e ir para o meu apartamento. Ele perdeu uma irmã também. Nós dividimos a mesma dor e ele nem sequer pensou em conversar sobre isso. — O que aconteceu?

— Pneumonia. Foi algumas semanas depois da foto. 

— Você nunca me disse... — comecei, magoada por dentro, mas com a voz suave.

— Vamos dar uma volta, Allie. 

Coloquei luvas, cachecol e ajeitei minha boina antes de sair. Caminhamos enquanto ele mostrava alguns pontos da cidade que marcaram sua infância. Entre eles o parquinho em que acabamos. Sentei no balanço ao lado dele e só esperei. 

— Quando ela morreu, eu ainda não havia recebido a carta de Hogwarts. Foi o momento mais sombrio das nossas vidas. Seguramos as pontas como deu. Nos unimos como nunca. Quando recebi a carta, decidi que não iria. Meus pais precisavam de mim. Aisha não conseguiria segurar as pontas sozinha. Não fazia nem um ano. Meus pais não queriam que eu fosse, mas não falaram nada. Apenas perguntaram se eu tinha certeza. E eu tinha mesmo. Até que um dia, durante o jantar, eu acidentalmente ateei fogo ao bife de Aisha porque ela comentou que estava mal passado. Nós rimos antes de lembrar que ainda não podíamos. Então minha mãe disse "é melhor você ir para aquela escola, daqui a pouco teremos que ter extintores de incêndio em cada canto por causa desse garoto." 

Sorri, olhando para o nada e deixei que continuasse. 

— Eu fui para Hogwarts e no começo foi difícil. Mantive contato por carta e tentei estar o mais presente possível. Principalmente para Aisha. Elas dividiam o quarto e ela era muito protetora conosco. Nossos pais não são do tipo durões, mas não queriam mostrar a dor, então Aisha não sabia sequer como confortá-los. Felizmente, ela soube descontar a frustração. Passava noites e noites estudando e uns anos depois conseguiu a bolsa integral para a faculdade, hoje estuda direito lá. Eu acho que o tempo resolveu tudo, no fim das contas. 

Eu tinha certeza que iria chorar no momento em que ele começasse a falar. Felizmente, não sou do tipo que chora fazendo um barulho e uma cara estranha, então consegui disfarçar. Quase. 

— Eu sei que é um assunto difícil, Allie. Mas eu nunca quis falar sobre isso primeiro porque achei que não era tão importante. E depois porque quando soube da verdade sobre seu irmão, achei que seria difícil pra você. E também... eu gostava de agir assim com você. Sempre gostei. Como se você fosse minha irmãzinha. 

— Isso é tão você. — ri entre lágrimas — É que... eu não sei como explicar. O modo como sua família se uniu, apesar de tudo... é exatamente como eu queria que a minha tivesse se unido quando minha mãe morreu. Em vez disso Daniel tomou toda a responsabilidade e falhou. É, ele falhou. É horrível dizer isso, mas ele deixou minha irmã de lado e... — suspirei alto e me controlei. Estava falando demais. — E nós não ficamos unidos como deveríamos. Meu pai é corretor, no mundo dos trouxas, minha irmã eu nunca mais tive notícias. Eu vejo o modo como você fala da sua família e é exatamente o que eu queria que a minha fosse. 

Ele saiu do balanço onde estava sentado, se apertou ao meu lado e me abraçou com um braço só. 

— Você é minha família também, Allie. Não esquece disso. 

— Obrigada. Você é o mais próximo de irmão que eu vou ter pelo resto da vida.

— Seu prêmio de consolação mais charmoso do mundo. 

— Idiota. Vamos mudar de assunto. — enxuguei as lágrimas — Me conte o que houve exatamente entre você e Lyla, mas não precisa mencionar a parte em que eu apareço bêbada.

— Você é hilária... — começou

— E você desobediente. 

— Você dança muito bem, mesmo quando está mais pra lá do que pra cá. E ri muito também, isso é verdade. Até em cima da mesa. 

— Eu lembro disso tudo, graças à você. — reclamei.

— Não fale como se fosse ruim. Do que Malfoy lembra, afinal?

— Não quero falar sobre isso agora. Eu te perguntei primeiro.

— Ah, não foi nada demais. Uns beijos, uma longa conversa sobre nada, dança, ver você bêbada em cima da mesa... Não sou lá muito romântico. 

— Dá pra perceber isso de longe. Mas fico feliz por você, de qualquer jeito. Mesmo que meus serviços tenham sido necessários, espero que da próxima você mesmo tome coragem. 

— Espero que não tenha próxima...

— O que?! Você está pensando em casar e coisas do tipo? — Perguntei, claramente me divertindo com a ideia. 

— Tão cedo! Você não me deixou terminar. Eu gosto dela. Ela fala de um jeito intelectual. 

— Essa é a maior qualidade dela? Fala sério, meu jeito irônico de falar é mil vezes mais atraente. 

— Esse jeito irônico não me pertence. Ainda bem que tocou no assunto, pode começar. 

— Bom, acho que a maior parte você viu. Pansy Parkinson vai ficar furiosa. — ri comigo mesma, gostando da ideia. — depois que ele roubou a garrafa nós fomos a um lugar. Estranhamente, conversamos sobre coisas completamente normais, só que com mais sinceridade que das outras vezes. E ele pareceu mais romântico. 

— Draco Malfoy sendo romântico? Haja Uísque de Fogo...

— Idiota. É verdade. Quando ele me beijou ele estava sendo tipo...

— O que?! Quer dizer que teve até beijo? E você deixou? Achei que você fosse mais difícil, Alyssa. Que decepção...

— Comentário desnecessário, Richter. É, nós nos beijamos. Mas foi estranho. As faíscas, como você diz, vieram mas não foi o principal. Ele foi mais carinhoso do que normalmente. E não ficou dando em cima de mim e jogando charme do jeito estúpido de sempre. 

— Então... você gostou. 

— Não sei...

— Confesse.

— Muito. 

— E vocês se falaram depois?

— Sim. Quando fui tirar a tala do braço. Ele me deu um presente, foi meio estranho. 

Foi quando notei que estava usando o relógio desde a hora em que ele me deu. 

— Eu já ia te perguntar de onde veio esse relógio brega.

— Não é brega. — defendi — é lindo. A praia atrás não é da América. Não sei como, mas tenho certeza. Foi muito legal ele me dar. 

— Quer saber outra coisa legal?

— Com "legal" você quer dizer o que?

— Que você está apaixonada por ele. 

— Claro que não! 

— Quer tentar de novo? Porque eu não acreditei. Você acreditou?

Revirei os olhos.

— Eu não sei muito sobre isso. Eu já saí com vários garotos por um curto período de tempo, mas só me apaixonei uma vez. 

— Quem foi?

— Pierre. Da minha antiga escola. Nos conhecemos no grupo de dança. Ele era o melhor e eu a melhor, então quando havia necessidade de pares, ou de um par principal no número, éramos nós. Foi meio que inevitável. Mas não deu muito certo.

— O que houve?

— Amor de mais da parte dele e de menos da minha parte. Parece muito frio, quando falo assim. Mas é a verdade. Eu gostava dele, mas ele iria sofrer se eu continuasse levando adiante uma coisa num nível que eu não podia corresponder. Terminamos e voltamos duas vezes antes de eu vir pra Inglaterra. 

— Pobre garoto. Aposto que partiu mais corações que isso. 

— Acho essa expressão muito estranha. — comentei, claramente mudando de assunto. — Quer dizer, se o coração realmente for realmente partido você morre. 

— Tem mais a ver com a dor que você sente. Parece com isso. 

— E não é realmente dor... é só uma metáfora. Esse assunto é muito complicado.

— Vendo defeito em metáforas... isso é muito você. Acho que na verdade é porque nunca sofreu por amor. Quando acontecer com você vai perceber.

— Aconteceu com você?

— Duas vezes. Uma pior que a outra. No terceiro ano e ano passado. 

— A garota da corvinal? — ele já havia me contado essa história.

— Sim. 

— Então você realmente gostou dela...

— Eu te disse isso. Ela começou a gostar de outro garoto e eu fui rebatido para fora do campo. Foi dureza. 

— Espero que dê certo com Lyla. — desejei, com sinceridade. 

— Obrigado. Eu acho que pode dar... quer dizer, nós temos química. Não tanto quanto você e Malfoy, mas temos. Torcemos para o mesmo time de quadribol, isso é muito importante. E ela parece gostar de mim. 

— Mais importante ainda. — Comentei. — Como vou saber se estou apaixonada por Draco Malfoy? — Indaguei, recostando a cabeça no ombro de Henry. — Quer dizer, eu nem sei mais quais são os sintomas.

— Coração acelerado — confere — estômago revirado — confere também — suor frio — não reparei, mas talvez. — Mas isso varia muito. Acho que na hora que você não souber se sonhou com ele ou se só pensou nele antes de dormir, terá certeza. 


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