Inside Blue Eyes. escrita por PrefiraTestralios


Capítulo 19
Confessionário Parte II




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— Eu não sou idiota. Guardei porque você poderia se meter em problemas e porque eu queria que você me contasse antes. Achei que você devia ter alguma birra com alguém e depois descobri que uma estátua no sétimo andar amanheceu quebrada. Sinceramente, Alyssa, depois de todo esse tempo ainda acha que eu não sou de confiança? Eu sei que tem algo errado com você e sei que uma hora você vai me contar. Mas não quero esperar até você voltar pra cá ou ter que se jogar de uma escada.

— Fale baixo! — Pedi. Suspirei alto, como de costume. Droga, eu realmente teria que contar alguma coisa a Henry. Mas será que eu podia contar tudo, ou teria que editar? Era melhor ganhar algum tempo.

— Amanhã. Eu prometo.

— Ótimo. Eu não vou esquecer. 

O resto do dia foi difícil. Eu sentia um peso diferente nos meus ombros. Não era o peso normal, era sufocante. Nunca fui chorona, mas me sentia a beira de lágrimas o tempo todo. Não aguentei e pedi para Robbie, que viera me visitar trazendo uma caixa de chocolates maravilhosos, me trazer um pergaminho e pena. Então escrevi a Alison. Sem coerência nenhuma, sem medo de deixá-la preocupada. Só escrevi. Contei tudo sobre o ataque no dormitório, sobre não estar avançando nada na poção, sobre Henry estar me pressionando para saber da verdade e sobre Draco Malfoy. Quer dizer, eu contei sobre Draco Malfoy sem dizer que era Draco Malfoy. Eu estar enrolada com o ex-namorado de Brianna me renderia um sermão enorme e não era hora pra isso. Me surpreendi quando a resposta veio algumas horas mais tarde.

"Olá,

Surpresa com a resposta rápida? Rachelle andou me ajudando umas semanas atrás com um tônico para corujas. Basicamente, funciona como café. Ainda não testamos, mas não se preocupe, escrevi duas cartas iguais caso a coruja morra no caminho. 

Falando sério agora. No que você estava pensando? Depois de ser atacada no próprio dormitório seria de se esperar que você cuidasse um pouco mais da própria segurança. Tipo assim, ficar andando pela escola à noite com alguém querendo te matar não é legal. Louca você sempre foi, mas suicida? Pelo amor de Deus, vê se cria juízo. Se não quiser voltar pra França nas festas então vá pra casa de alguém que confia. EU SEI dos seus problemas de confiança, mas... já não passou da hora de contar pra mais alguém? As pessoas aqui já pararam de me pressionar porque sabem que eu nunca vou dizer o que realmente está fazendo na Inglaterra, mas você não sente necessidade de falar sobre isso? De falar sobre Danny ou sobre a sua irmã? Eu sei que dói, e dói em mim também não poder estar aí, mas guardar tudo isso só vai te deixar ainda mais amargurada. Eu acho que você devia contar logo para o seu amigo Henrique. Que Daniel morreu, e você acha que Dafne o matou e está aí pra tirar a prova. Pelo que você me falou, parece que na verdade tem uma queda por você e guardaria qualquer segredo que contasse. Como eu sempre digo, é só um conselho, a decisão é toda sua. Sobre seu fracasso nas poções, acho que devia dar um tempo. Se organizar, definir suas prioridades, tentar se manter viva e depois disso relaxar um pouco. Feito isso, será muito mais fácil trabalhar. 

Posso saber porque não me contou sobre esse garoto inglês antes? Porque está na cara que esse quase-beijo já aconteceu há tempos. Sabe, se apaixonar é uma droga então não recomendo. Mas também pode ser renovador... tudo é muito relativo. Só não se esqueça do seu orgulho, não vá ceder só porque ele te ajudou. 

O tônico funciona por mais ou menos umas dezesseis horas, então se correr sua resposta pode chegar ainda hoje. 

Saudades, Alison."


Olhei para a coruja cor marrom-caramelo com um pouco de medo. Ela já era rápida por ser uma coruja de longas distâncias, entao o "café" a deixou completamente hiperativa. Ela não parou de voar sequer um minuto e estava começando a fazer uma arruaça problemática na ala hospitalar. 

— Mas o que é que está acontecendo aqui? — Reclamou Madame Pomfrey mal humorada, enquanto trazia curativos novos. 

— Minha amiga ordenou que a coruja só voltasse com uma resposta minha. Acho que é melhor eu voltar para o dormitório. 

— Vou trocar o curativo da sua cabeça então você pode ir descansar no seu quarto. Descansar, não precisa ir para a aula amanhã cedo. 

— Tudo bem, vou responder minha carta e dormir. Prometo.

— Vou confiar em você. 

Minha cabeça não doeu antes, talvez por consequência de todas as poções diferentes que tomei. Mas agora eu podia sentir o machucado. Eu ganhei um galo e provavelmente uma cicatriz, para fazer par com a que eu já tinha perto da sobrancelha. Deixei que cuidasse do meu machucado no ombro também, e prometi não tirar a tala do braço sozinha. 

Fui para a Sala Comunal, com a coruja hiperativa ainda me seguindo e recebi com carinho e desconfiança cada abraço que recebi. Henrique apenas me observava, sentado numa poltrona. Dei a desculpa de que iria descansar e fui para o quarto responder minha carta. Fui consideravelmente breve. Tranquilizei-a, dando certeza de que manteria minha promessa feita no nosso último encontro. Disse que conversaria sobre tudo com Henrique assim que estivesse realmente pronta, e disse que não falara sobre o "garoto inglês" antes simplesmente porque não havia nada para se falar, e eu nunca correria o risco de acabar apaixonada, considerando toda a minha situação. 

Era de se esperar que eu perdesse o sono preocupada com o dia seguinte, mas dormi como um bebê. Acordei tarde, perdi o café da manhã mas não me importei muito com isso. Resolvi seguir os conselhos de Allie. Primeiro, arrumei minhas coisas. Era importantíssimo manter a ordem nos dormitórios da Beauxbatons, mas em Hogwarts minhas roupas de trouxa, meu uniforme e todos os meus pertences simplesmente ficavam misturados dentro das gavetas. Tirei tudo de dentro e emendei a arrumação do quarto com a arrumação do meu malão para as festas. Claro que eu não iria realmente pra casa de alguém, mas meu apartamento em Londres era consideravelmente mais seguro. Deixei minhas roupas com a mesma dobra francesa impecável de antigamente, separei acessórios e produtos de beleza em bolsas diferentes... tudo como uma legítima aluna da Beauxbatons. Não era necessariamente algo que eu sentia falta. 

Na verdade, o que mais importava em minha antiga escola eram as aparências, a organização, a beleza e a graciosidade de tudo. Você devia sempre andar com o sapato mais lustroso e com as vestes mais bem passadas se quisesse realmente ser considerado aluno. Acho que no fundo eu só amava Beauxbatons porque lá encontrei amigos de verdade. Do tipo que fazem uma farra à meia-noite, quebram regras e tiram sarro da turma de Fleur Delacour. Era meio hipócrita, na verdade. Mas era nosso jeitinho de sobreviver à hierarquia escolar e ainda assim se divertir. 

Graças ao meu braço deficiente, a arrumação levou toda a manhã. A fome ainda não havia chego, então resolvi ensaiar minha conversa com Henrique. 

"Hei, Henrique. Então... meu irmão morreu e eu acho que minha irmã o matou. Então resolvi que, seilá, torturá-la com uma poção cruel pode ser uma boa ideia, afinal ninguém acreditou em mim mesmo..."

Uau, terrível. Mesmo que eu ensaiasse o dia inteiro nunca acharia um jeito de contar tudo. Talvez fosse melhor cortar os laços de uma vez. Uma amizade nessas circunstâncias não teria futuro mesmo. A ideia de simplesmente ignorar meu amigo que me chama de princesa todas as manhãs me causou uma sensação completamente estranha no estômago. "Esquece", disse uma voz dentro da minha cabeça. Ok. Próximo passo: sala precisa. 

Me certifiquei de que não estava sendo seguida, nem vigiada, nem esperada. Entrei na familiar sala com um cheiro esquisito e comecei a arrumá-la também. Separei todos os ingredientes, empilhei todos os livros por ordem de uso, deixei minha mesa de trabalho completamente limpa. Os animais, que deveriam servir de cobaia, ainda estavam vivos. Alguns ratos e coelhos ficavam dentro de um grande aquário fechado, mas eu nunca usaria. Primeiro porque tenho horror a ratos e acho coelhos fofos demais para serem usados. E segundo porque a Sala havia me concedido algumas plantas mágicas também. Não muito grandes, mas bem esquisitas. Tinham pêlos, se mexiam e faziam ruídos estranhos quando eu jogava a poção nelas. A maioria morria ou então nem sentia o efeito. Então, analisei a última que havia testado. Ela estava normal, mas... sem os pêlos. Estava se mexendo e parecia bem. Olhei para o meu caldeirão e o resto da poção utilizada na planta ainda estava lá. Ao lado, uma espécie de garrafa aluminada. Guardei a poção dentro da garrafa, terminei minha limpeza e disse adeus a Sala por enquanto. 

Resolvi ir logo procurar Henrique. Já que alguma coisa ia ser jogada no ventilador mais cedo ou mais tarde, então que fosse logo. A agonia da espera me atormentava muito mais. Tentei não pensar muito nisso enquanto ganhava alguns olhares pelo corredor, quando a vi. Pansy Parkinson, e umas garotas atrás dela. Ela olhou pra mim e sorriu sem mostrar os dentes, de um jeito irônico. 

— Boa tarde, querida. Como vai o braço? 

Aquele tom de "gostou do que fiz no seu braço?" bastou. Tirei a tampa da garrafa com os dentes e despejei tudo em cima do seu cabelo sem graça. As garotas pareciam assustadas demais para se mexer. 

— Espero que sua amiguinha seja um pouco mais inteligente que você. — sussurrei em seu ouvido e percebi que algumas madeixas já haviam começado a cair. Saí de perto antes que ela começasse a gritar. Isso poderia me render uma boa detenção e uns 50 pontos a menos para grifinória, mas eu não me importava. Ela provavelmente acharia um jeito de fazer os cabelos crescerem, mas eu não me importava também. 

— Vamos fazer um acordo. — declarou Henrique antes mesmo de me cumprimentar ou perguntar como eu estava. Sentei em uma poltrona em um lugar reservado da sala comunal e encarei o chão. — Você não precisa me contar nada. É só contar para a McGonagall quem está tentando te matar.

— Ninguém está tentando me matar, Henry. — mentir havia se tornado tão natural, que agora era um hábito. 

Apoiei a cabeça na minha mão boa e tentei controlar os nervos. Eu estava a beira de lágrimas, de novo. Isso era péssimo. Ele pegou minha mão, sentou ao meu lado e me abraçou. Encostar a cabeça no peito dele era inevitável. Ele estava imensamente carinhoso. Numa outra ocasião, eu teria desconfiada de que seria apenas uma tática para me deixar vulnerável e abrir a boca. Mas não hoje. Não com Henry. Ele não estava curioso, só queria saber a verdade. Porque estava preocupado comigo. 

— Você vai me odiar tanto quando souber... — choraminguei. 

— Eu nunca vou te odiar. Juro. Eu não poderia, com esses olhos azuis.

Olhos azuis... pelo menos esses eram realmente meus.

— Vai sim. Você nunca vai odiar Alyssa Rockfellery, mas vai me odiar. Porque eu não sou quem você pensa.

Senti que ele enrijecia. Provavelmente ele esperava qualquer coisa, menos uma identidade falsa. E eu nem havia chegado na parte da minha sede de sangue. 

— Quando eu tinha nove anos, minha mãe morreu. Eu e meu irmão ficamos muito próximos, ele estava determinado a não me deixar faltar nada. Nós mudamos pra França, ele teve que deixar Hogwarts, mas não reclamou. Eu ainda não estava na idade de ir para a escola então não liguei, mas a minha irmã já estava pronta, com o material todo comprado. Ela se afastou, acho que na verdade só queria que alguém a procurasse. Nós falhamos nessa parte, eu e Danny. Meu pai virou um idiota, simplesmente não ligava pra mais nada. Minha irmã sempre cresceu meio perturbada. Nunca gostou de Beauxbatons, não tinha amigos lá e não se adaptava. Um dia, há quase dois anos, quando estávamos de férias, meu irmão descobriu um segredo sobre ela. — eu não precisava entrar em tantos detalhes. — E no dia seguinte ele amanheceu morto. — me esquivei do abraço de Henry e deitei minha cabeça na mesa de estudos próxima, incapaz de encará-lo ou deixar que me visse nesse estado. — Ela fez tudo certo. Todos pensaram que ele tinha bebido uma poção e cometido suicídio porque tudo isso aconteceu no mesmo dia que ele e a namorada terminaram. Ela não sabe que ele me contou sobre o segredo, porque se soubesse teria me matado também. E é por isso que eu estou aqui, Henrique. Para encontrá-la. 

— E então matá-la. — Concluiu Henry, tentando em vão manter a voz sobre controle. 

— Eu só quero que ela confesse. E que vá presa. 

— Mas você não vai fazer isso usando um diálogo amigável, suponho. 

— Continue usando o tom de ironia. — reclamei, agora magoada. — Você simplesmente não sabe o que eu passei então deve ser muito fácil julgar. 

Saí correndo para os jardins, para a mesma árvore onde quase beijara Draco Malfoy. A árvore que agora era meu refúgio. Desatei em lágrimas. Estava frio e o vento do fim de tarde machucava, mas eu não queria entrar. Eu só queria ficar lá fora por um bom tempo. Se possível até Dafne vir me "buscar", então eu acabaria logo com isso e voltaria para Paris. Para casa. 

— Porque será que sempre te encontro numa árvore? — perguntou uma voz conhecida. 

— Não é uma boa hora. — Respondi mal educada. 

— Nunca é uma boa hora. Pelo menos não comigo. 

— Eu estou falando sério, Malfoy. Eu realmente agradeço pelo que fez e vou agradecer muito mais se ficar de boca fechada, mas pare de me chatear. 

— Não queria te chatear. — Sentou do meu lado. — eu queria saber como você está.

Quebrada. Destruída por dentro. Preocupada. Sozinha. 

— Eu estou bem, obrigada. 

— Que bom. 

Ficamos em silêncio um tempo e esperei que ele fosse logo embora. 

— O que é que você ainda quer? 

— Na verdade eu queria conversar com você, mas pelo visto não é realmente uma boa hora. Você fica mal humorada demais quando fica triste. 

— É verdade. — tive que concordar. Era uma coisa que até minha mãe reclamava. — E não faça essa cara porque eu te adverti. 

— Eu só quero saber uma coisa. Depois vou embora.

— Não vou te contar o que fazia no corredor à noite e muito menos quem me acertou. — respondi mal humorada. Como se já não bastasse o desgaste de contar tudo a Henry...

— Não é isso. Eu queria saber...Ah, esquece.

— Tudo bem. Pode falar. 

— Eu queria saber o que eu fiz. Você claramente me odeia e eu com certeza não fui o primeiro a dar em cima de você aqui.

Eu pensei em contar sobre Brianna. Pensei mesmo. Mas não quis. Por um motivo que nem eu entendia, eu não quis. 

— Você não fez nada. Eu só não quero me envolver com ninguém, então acabo afastando todo mundo. 

— Eu tenho uma proposta a te fazer. Só ouça — Continuou, rapidamente, vendo minha expressão cética. — Uma semana. Me dê uma semana e eu provo que não sou como os outros. Depois das férias de natal.

A proposta dele era absolutamente... idiota. Eu sabia que ele era como os outros. E ele podia fazer o teatro que quisesse durante essa semana que eu nunca cairia em seus braços. Mas poderia ser útil. Eu já o queria como bode expiatório na Sonserina, mas nunca funcionou muito bem, uma vez que ele não falava sobre o relacionamento com Parkinson. Mas agora eram outros tempos. E havia alguma coisa nele que me deixava meio...fora do ar. Eu precisei de uma pontada de dor para me lembrar do braço e para me trazer de volta a realidade. Me lembrar que dez minutos atrás eu estava chorando. Por outro garoto. 

— Tudo bem. Como você quiser. 

— Mas o que é que vocês estão fazendo? — Reclamou Henrique. 

Henrique. Ele viera atrás de mim. 

— O que é que você quer Richter?

— Eu e Alyssa estávamos tendo uma conversa. E ainda não terminamos. Será que pode nos dar licença?

— Eu darei licença, quando ela pedir. 

— E eu estou fora. — Me levantei, com dificuldade por só usar um dos braços. — Vocês, crianças, podem continuar brigando mas não me usem como desculpa.


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