– Elliot?

– O que foi?

– Ah, me desculpe. Disse aquelas coisas no restaurante mas estou arrependida. - Disse a garota de repente, quebrando o silêncio sufocante que estava sentindo. - Não acho que seja um sátiro estúpido. Você é muito corajoso, e inteligente.

Ele assentiu, sonolento.

– Não tem problema. Sou um estúpido mesmo, você tinha razão. Mas a presença de Éris fez com que tivesse vontade de brigar, dizer coisas ruins. Senti isso também, mas sempre que isso acontece, tento pensar em enchiladas e falar um monte de coisas ao mesmo tempo. Desculpe, se tivesse percebido quem era ela, teria alertado você.

– Tudo bem. O que importa é que estamos vivos. E você é o Sátiro mais inteligente que conheço.

Elliot sorriu.

– Sou o único Sátiro que você conhece.

A noite foi tranquila. Summer ficou olhando as estrelas enquanto a mente vagava e depois foi adormecendo lentamente. Elliot dormiu logo, e depois de meia hora começou a roncar e babar no pêlo de Trillian enquanto resmungava sobre comida.

A lua se escondia periodicamente entre as nuvens, e contando com o frio que estava fazendo, provavelmente iria chover. Isso não animou muito Summer, mas as pancadas que estavam previstas acabaram não acontecendo.

Quando acordou, o sol surgia preguiçosamente sob as colinas que sobrevoavam e o ar foi ficando mais úmido.

- Elliot? - Chamou ela, cutucando o ombro do sátiro. - Onde estamos?

Elliot gemeu e abriu os olhos com cautela.

- O que?

-Onde estamos?

- Provavelmente chegando ao Acampamento. Estamos em Nova York. - Disse ele, fechando instintivamente os olhos de novo. - Me acorde quando chegarmos.

Summer acariciou as penas de Trillian. Ela parecia cansada, os grandes olhos de águia ficando lentos e vagos. "Só mais um pouquinho" sussurrou para ela.

O céu estava limpo, sem nenhuma nuvem mais. Summer animou-se de repente. Afinal, o Acampamento não podia ser tão ruim assim. Nenhum lugar podia ser pior que o Orfanato da Califórnia, e se desse sorte poderia até passar despercebida. Dessa vez, prometeu a si mesma, não iria arrumar confusão com as pessoas. Tentaria ser legal. E ainda tinha Elliot. Ele era um bom sátiro, poderiam ser amigos. Mas não sabia como eram as pessoas de Nova York. Já tinha ouvido falar que eram bastante...

- ARRREEE! - Gritou Elliot de repente, interrompendo os pensamentos da garota.

Trillian havia fechado os olhos por um minuto, e sem querer bateu em uma antena de rádio de metal que pendia no alto de uma montanha e perdera o controle. Elliot se segurava nas penas dela enquanto pendia de um lado, caindo. Um minutinho apenas e suas asas voavam descontroladas, rasgando o céu com mais velocidade do que seria capaz de controlar. Summer puxou ele de volta enquanto gritavam. - Béééé! Nós vamos cair!
- Ah não! - resmungou Summer, agarrando-se às penas de Trillian. - Vamos, Trillian, você consegue! Você é um Grifo!

- Um Grifo que não sabe aterrissar, é verdade, mas nós acreditamos em vo...BÉÉÉÉ!

Trillian soltou um piado agudo e estridente e fez as asas planarem. Porém estavam a tanta velocidade que já não adiantara muito. Estavam caindo, o vento açoitando seus rostos e arrancando berros de bode de Elliot.

Summer olhou para baixo, embora essa não fosse uma coisa boa para se fazer no momento. Surpreendeu-se, ao ver um enorme campo de morangos e uma floresta densa perto de um pavilhão feito de colunas gregas. E percebeu que havia também um lago, enquanto aproximavam-se do lugar com rapidez. Summer olhou novamente, estavam caindo a metros de distancia e o lago tomava conta de todo o seu campo de visão.

- Pare! Aterrisse, Trillian! - Berrou Elliot, olhando para o lago do Acampamento, cada vez mais próximo. - Agora!

Não ouve mais tempo. Trillian caiu no lago com tudo e jogou longe os dois, molhando-os da cabeça aos pés. Piou loucamente, indignada enquanto tentava mover as penas - agora completamente encharcadas, e consequentemente pesadas.

- Elliot? - Disse uma garotinha na margem do lago, vagamente espantada e respingada. Havia também várias outras crianças por ali, andando com espadas enormes e blusas laranjas pelo campo. Nenhuma delas no entanto parecia surpresa.

- Béé! Venha me ajudar Amber! - Disse ele, retirando com nervosismo os pés da água e revelando a densa pelagem escura de seu traseiro. Summer andou até a margem, observando o lugar com os olhos atentos.

Aquilo com certeza era melhor do que estar no orfanato. A sua frente se estendia uma campina com colinas verdejantes. Havia pequenos bosques, um riacho sinuoso e uma brisa que tinha cheiro de morango. A paisagem era pontilhada de construções que lembravam arquitetura grega antiga - um pavilhão, um anfiteatro e uma arena circular - só que estavam novos em folha, as colunas de mármore reluzindo ao sol.

Amber ajudou Elliot a sair da água e depois levou Trillian para o estábulo (que de acordo com ela seria o lugar adequado para um bicho como aquele. Amber estava errada, é claro, o que só só descobriu depois, quando ela se deu conta de que Grifos são inimigos mortais dos cavalos). Logo depois o sátiro a conduziu para uma enorme casa de Acampamento de dois andarem, bem rústico e aconchegante. Pelo caminho, foram seguidos por olhares curiosos e sorrisos amigáveis, fato que Summer achou imensamente estranho.

Dentro da casa, estava tocando Bob Dylan nas alturas. Elliot chamou por "Quíron" e ficou andando de um lado para o outro comendo um pedaço de sua blusa.

Depois de longos dois minutos, completamente molhada, Summer revirou os olhos. A música já a estava dando nos nervos. Foi quando apareceu um homem de meia idade sob uma cadeira de rodas. Vestia um casaquinho de tweed velho e tinha os cabelos castanhos desgrenhados e barbas soltas pelo rosto curtido de sol.

- Elliot! - Ele disse, sorrindo. Pareceu vagamente mais jovem e divertido. - Aterrissaram no lago, imagino. Normalmente campistas novos chegam pela entrada, e normalmente chegam feridos... Fico feliz que tenha conseguido trazê-la salva. Aposto que o conselho vai ficar feliz, Elliot.

Ele olhou para Summer, ainda sorrindo. Sem saber o que fazer, ela sorriu de volta. Mas ao sorrir, pareceu meio afetada, idiota. Estava nervosa.

- Ah, Quíron, nem imagina o que aconteceu! - Desabou Elliot, gesticulando com as mãos, o rosto aflito. - Estava na Califórnia e senti cheiro de monstro. Pensei em pedir ajuda, mas a noite, durante a festa, senti também o cheiro de Summer! Tive que tirá-la de lá às pressas, mas Lâmia nos encurralou e quase nos matou! Se eu soubesse que havia um meio-sangue lá...
Quíron fez cara de assustado, dando mais emoção á história de Elliot. Indicou o sofá para sentarem e ajeitou-se na cadeira.

- Então dei a Summer o punhal que tinha e toquei a flauta. Mas ela me jogou contra o muro e me apertou com aquela cauda escamosa... - Elliot pronunciou as últimas palavras com pavor, recordando-se das lembranças horríveis da mulher. - Ela tinha uma força incrível! Não, é Summer?

A garota fez que sim com a cabeça, meio sem jeito.

" E então ela mordeu o braço de Summer. E eu desmaiei. Quando acordei pela manhã, a poeira de Lâmia estava por toda parte, e Summer estava inconsciênte, ainda com o punnhal nas mãos. E não foi só isso."

Summer corou levamente, enxugando a água que escorria pela sua testa.

- Desculpe, mas Elliot fez um bom trabalho também. Se não fosse por ele eu talvez teria sido morta por Lâmia. E todas as crianças do orfanato também.

- Você estava num orfanato? - Perguntou Quíron, embora fosse evidente de que era uma afirmação. Seu semblante ficou pensativo. - Então não sabia de nada, e mesmo assim havia um monstro lá.

- Sim, mas... Isso não seria o natural? Ela é uma devoradora de crianças. E estava em um orfanato.

Elliot baliu. Quíron então pediu a ele que fosse mostrar a Summer o vídeo de orientação depois de lhe dar uma toalha e roupas secas.

Elliot voltou para conversar com Quíron enquanto a garota assistia ao vídeo. Sentia-se melhor, mas estava com fome e preocupada com Trillian. Enquanto assistia vagamente, olhou para a camiseta que Quíron lhe dera. Era laranja como a das crianças que vira perto do lago e havia escrito em letras brancas "Acampamento Meio-Sangue". Levantou-se brevemente e colocou o ouvido na porta.

- Eu sei, mas o Grifo foi gentil. Summer cantou uma espécie de canção sobre jardins e flores nascente e ele se curvou para ela. Não é estranho? Ele se curvou para ela. Não é da natureza dos Grifos se curvar para alguém.

- Dependendo das circunstâncias é estranho. Não vou fazer suposições. Mas, Elliot, não acha que a encontrou um pouco tarde? Quero dizer, ela parece ter 14 anos. A maioria é encontrada entre os 10, 12 anos, isso quando não fogem de casa antes. Ela disse algo sobre orfanato da Califórnia, não é? Mandei quinze sátiros para a Califórnia. Como ninguém sentiu seu cheiro antes?

- Eu não sei... Não faço mesmo nenhuma ideia do que possa ter acontecido. E imagino que Lâmia não estivesse lá por acaso.

- E que sorte a de vocês, não? Encontrar com Éris em plena Nebraska. Mande Summer para o chalé 11. Mais tarde conversaremos, depois do jantar. Tenho que fazer uma coisa agora.

- Certo. - Disse Elliot, os cascos chapinhando no piso de madeira. Ele abriu a porta e chamou Summer. A garota estava sentada na cadeira, o rosto claramente cheio de tédio.

- Oi.

- Vamos. Os curandeiros de Apolo vão cuidar do seu braço, e depois vou lhe mostrar o acampamento.