Meio-sangue escrita por gsiqc


Capítulo 5
Hermes dá uma ajuda




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O sol estava a pino lá fora. Já devia ser hora do almoço, mas ainda restava um longo caminho até o aeroporto.

O táxi parou em um posto de gasolina na beira da estrada assim que Summer começou a resmungar periodicamente de que precisava ir ao banheiro. Não obstante com a breve pausa, resolveu ir também a lanchonete e comprar uma garrafa de água e alguns biscoitos sabor pizza que estavam em promoção.
– Olha só, não sei se já lhe disse, mas quando chegarmos a Nova York vamos ter de sair correndo, ou talvez inventar uma desculpa. Você é boa nisso. - Ele deu de ombros. - Não tenho mais um tostão. Espere que não fique decepcionada, mas não é fácil conseguir dinheiro dos mortais...                 Summer olhou para ele surpresa, mas o olhar continuou sério como se estivesse tentando não se desesperar, ou mesmo socar a cara de Elliot. Felizmente tinha vasta experiências em sair correndo fugindo dos outros.
– Que tipo de idiota você é para querer fazer uma viajem dessas sem dinheiro?! Já que essas drogas de mitologia existem - e acredite, está sendo difícil superar essa parte -, porque não pegamos uma carona alternativa? Fale com algum de seus deuses.

Elliot ficou pasmo, mas depois viu que a atendente estava absorta na revista de fofoca que lia e não parecia chocada com o que Summer acabara de dizer.
– Bem, eles não costumam interferir no nosso caminho, mas agora que tocou no assunto... Podemos pedir uma pequena ajuda. É, pode ser que nos ouçam, mas temos de dar algo em troca... Ou seja, vamos precisar de uma oferenda.
– Ótimo. - Summer sentou-se confortavelmente em um dos bancos giratórios do balcão. Colocou seu saco de biscoitos ainda intocado na bancada e olhou para a atendente, batendo na madeira de carvalho.
– Quanto é o café?                                                                                                A mulher olhou-a com desprezo. Tudo bem que seu vestido estava um completo lixo, mas Summer ainda parecia digna.                                                                  – Dois dólares.
– E o açúcar?
– É de graça. - A mulherzinha olhou-a com mais aversão ainda, não reprimindo uma careta de impaciência e tédio. Pegou o café e deu a ela com má vontade.
– Obrigada. - Summer virou a xícara na boca, engolindo dramaticamente todo o café de uma vez só. - Tem uma sacola?

A atendente cada vez mais indignada ficou parada um segundo olhando-a, tentando decifrar que droga a garota estava fazendo. Depois pegou um pequeno saco de plástico e entregou-lhe sem dizer nada.
Summer abriu o recipiente do açúcar, e inesperadamente jogou todo o conteúdo dentro do saco de plástico. Encarou a atendente com diversão, e depois entregou a Elliot.
– Pronto. Já podemos ir?

Elliot pegou o saco de açúcar contra vontade e teve vontade de cavar um buraco fundo como o tártaro no chão e se enfiar dentro. Não se lembrava de um dia ter sentido tanta vergonha na vida. Sorriu debilmente para Summer e devolveu o açúcar para o lugar em que estava. Puxou a garota pelo braço, arrastando-a dali.

Elliot andou por entre as prateleiras de refrigerante e murmurou para Summer que tinham de roubar algo e oferecer à Hermes, o deus dos viajantes e dos ladrões, e não pegar açúcar do pote e lhe ofertar como se fosse a coisa mais importante do mundo. Talvez se ele estivesse de bom humor e não estivesse muito ocupado poderia atendê-los. Porém oferecer-lhe o açúcar grátis da lanchonete parecia mais um insulto do que uma oferenda.

Summer então correu os dedos pelas latas e olhou para os dois lados, certificando-se de que ninguém via. Derrubou algumas latinhas no chão propositalmente e deixou que a atendente visse. Depois abaixou-se rapidamente e com seu costumeiro drama de sempre, comentou em voz alta como era desastrada.
– Ah, me desculpe! Que horrível, sou tão estabanada... - disse, pegando uma das latas e enfiando dentro da calça de Elliot, já que seu vestido esburacado e completamente sujo de fuligem não tinha bolsos.

Levantou-se num salto e colocou de volta no lugar as outras latinhas, saindo rapidamente da lanchonete parecendo o mais inocente possível.
– Vamos, temos de fazer isso rápido. - Concluiu Elliot, indo para os fundos da lanchonete. Tirou a lata de Coca de dentro das calças e a abriu.
– Você tem certeza do que está fazendo? - Perguntou a garota, olhando cautelosamente para ver se ninguém os espiava.
– É claro.

Elliot pegou alguns gravetos do chão e tirou o pedaço de bambu do bolso, que outrora fora sua flauta. Começou a tocá-la, mas o som saiu distorcido, penoso e completamente desafinado. Mesmo assim, raízes finas começaram a surgir no meio dos gravetos, prendendo-os de forma a ficar parecido com uma pequena fogueira. Depois pegou um isqueiro no bolso - Summer se perguntou como cabia tanta coisa no bolso de Elliot - e içou fogo nas raízes e gravetos.
– Ótimo, uma fogueira. Se nossa intenção era não sermos notados, parece que concluímos o plano. - Ironizou a garota, impaciente. Elliot a ignorou, jogando a lata de Coca aberta no fogo e praguejando em grego antigo. Summer sabia que era grego antigo, mas não tinha ideia de como ou porque o entendia perfeitamente.
Elliot disse:
– Com asas nos pés, voas pelo espaço, cantando toda a Música, em todas as línguas... Nós te honramos, Hermes, ajuda-nos em nosso trabalho! Dá-nos um falar eloquente, e um vigor jovial. Supre nossas necessidades, concede-nos clara memória. Dá-nos a boa sorte, e encerra nossas vidas em paz. Ajude-me na minha jornada e aceite minha oferenda.

E de repente o fogo parou de queimar, consumindo-se. A fumaça espessa subiu vagamente, deixando um inebriante cheiro de bolo de chocolate e cereja no ar. E das cinzas, sobre o resto dos gravetos queimados, Summer notou haver uma pequena bolsa alada de couro preto.
– O que é isso?
Elliot riu, a expressão leve e sorridente.
– Uma bolsa, obviamente. Hermes nos atendeu! Ele nos atendeu, graças aos deuses! - Explicou o Sátiro, demonstrando todo o alívio e a felicidade que sentia. Parecia prestes a pular e dançar em volta da fogueira a qualquer instante.

Summer olhou para ver o que tinha dentro da bolsa. Lá havia alguns dólares (alguns não, muitos dólares), meia dúzia de quadradinho de alguma coisa que parecia mel, duas mudas de roupas limpas, incluindo um casaco de nylon camuflado, barras de cereal, um cantil cheio de um líquido alaranjado e um kit de primeiros socorros com remédios estranhos, como um tubo de pomada prateada que tinha as seguintes inscrições: "para ferimentos envenenados e cortes profundos". - Tome, coma isso. É ambrosia, e vai fazer seu braço ficar bem melhor.

Summer pegou o quadradinho, hesitante. Depois comeu e sentiu-se surpreendentemente bem melhor que antes. Tinha um gosto maravilhoso, e aqueceu-a completamente. Elliot retirou o pedaço de pano que cobria o ferimento e limpou-o com o líquido alaranjado do cantil. Depois espalhou a pomada sobre ele. Então voltaram para o táxi e continuaram a viajem, sob o calor sufocante do meio-dia e cansados demais para falar mais alguma coisa.


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