Meio-sangue escrita por gsiqc


Capítulo 2
Festa de Despedida


Notas iniciais do capítulo

Segundo capítulo, espero que gostem -.-



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– Bom dia, crianças! - Disse a professora, forçando um sorriso horroroso na cara esticada. Era ossuda e muito magra, além de vestir conjuntos de blazers de cores berrantes terrivelmente brega. - Estão animados? Vamos fazer a audição para o cantor da festa de hoje logo mais! Porém... Preciso que me ajudem a arrumar o salão. Está uma bagunça!

Summer pegou o caderno enquanto ela falava. Rabiscou em algumas folhas e ficou pensando distraidamente em seu sonho. Tinha sido realmente perturbador, mas agora que queria, não conseguia se lembrar dele.

– Mas não é problema, temos muitas vassouras e esfregões na dispensa! Vamos, cada um pega algo e assim vamos limpar o salão rapidinho!

A garota não ouviu, mas ao ver um monte de adolescentes reclamar em uníssono, presumiu que iriam servir de escravos novamente. Fechou o caderno e acompanhou os outros em direção a dispensa. Não estava nada animada com a festa, mas pela primeira vez em todos os anos em que esteve ali, desejou ter coragem suficiente para ir a audição. E enquanto esfregava o chão poeirento do salão de festa, imaginou-se cantando no palco, cantando com fazia todas as noites baixinho, debaixo do edredom.

Depois de longas horas arrumando o salão, a maioria dos órfãos estava quebrado e morrendo de sono. A decoração estava razoável, havia fitas vermelhas de cetim grandes amarradas nas colunas de mármore e um globo espelhado no centro do salão, próximo ao palco, que por sua vez estava todo enfeitado com pisca-piscas de natal para encobrir os buracos feitos por cupim. Na entrada, Madame Montez montava guarda vestida de Maria Antonieta e distribuía pulseiras neon. Mas o grande choque veio mesmo quando Summer viu quem estava na bancada do DJ. A Professora Leti-Ossuda estava com os fones e ria daquele jeito débil como se fosse matar cada um dos órfãos com sua música incrivelmente horrível e velha.
Era como uma festa de despedida, Madame Montez sempre dizia. Uma última festa para aqueles que seriam adotados no começo do próximo ano e com alguma sorte, nunca mais veria nenhum dos outros órfãos dali.
Mas a realidade era que muitos não eram adotados. E Madame Montez tinha esperança que a festa animasse um pouco as crianças e as dissipasse da triste realidade.

Summer não achava Madame Montez tão ruim assim. Ela era brava às vezes com quem pisava em sua grama ou sem querer em suas flores, mas nunca fizera mal a ninguém que não merecesse. Ao contrário da Professora Leti-Ossuda, que estava sempre sorrindo ironicamente, pronta para castigar qualquer criança que aparecesse em sua frente.
Enquanto a festa seguia, Summer notou que dessa vez Madame Montez não convidara apenas os seus amigos velhos de sempre, mas haviam também alguns garotos da sua idade, um homem vestido de Viking que animava e contava piada ás crianças, e uma mulher de vestido preto e sapatos de salto muito altos. Ela estava parada num canto da festa, observando tudo com seus olhos de águia, e Summer teve a impressão de que ela era muito pior do que Leti-Ossuda. Tinha o olhar cruel e duro, ao contrário do olhar de divertimento e sarcasmo da professora.

Summer não estava num clima muito bom. Não tivera coragem de ir ao ensaio e se candidatar para cantar logo mais. A luz do salão titubeava, o globo espelhado dançando para lá e para cá prestes a cair. A música horrível também contribuía para o ambiente nada animador, e apesar de a comida estar boa, estava cansada. Sentou-se em uma das cadeiras enquanto comia e esperou o show de talentos começar.
Mas isso era o que imaginava fazer, porém não foi o que aconteceu. Porque alguém, é claro, se aproximou de sua mesa. Fato que fez a garota revirar os olhos, imaginando se não ia ter paz nem na festa de despedida.
– Oi, você é a garota dos dent... Hã, quero dizer.. Sou o Elliot.
Summer se virou na direção do garoto, reconhecendo-o. Depois rosnou:
– Ah, que gentileza, - e piscou os olhos com lentidão. - Elliot. Muito sutil a sua forma de se aproximar, mas pode dizer em voz alta. Não tem problema. Vamos lá, D-e-n-t-õ-e-s. Seu estúpido.
Elliot baliu, fazendo um som estranho com a boca. Sentou-se ao lado dela e tentou pensar em algo para dizer.
– Você é a Summer, certo? Madame Montez me convidou, junto com alguns órfãos. Somos daquele orfanato que fechou mês passado, e ainda não arrumamos lugar para morar... Espero que ela nos deixe ficar, temporariamente, é claro. Seria muita bondade.
– Você não é o garoto que mora com o Senhor Trent? Aquele velho estranho da esquina do lado?
Elliot contraiu os lábios.
– É, mas ele já não aguenta mais as coisas como antes. Ele permitiu que eu e mais dois garotos ficassem, até acharem um lugar pra gente. E aqui parece um lugar legal. Quero dizer, deve ser bom não ter que fazer sua própria comida, e ter alguém pra conversar de vez em quando...
Ela olhou para ele com divertimento, como se fosse uma piada, uma ótima piada. Elliot não parecia um órfão nem de longe. O garoto vestia uma camisa preta do AC/DC, calças jeans novas e tênis Converse de cano alto, além de ter cabelos pretos cacheados cheirosos e algumas poucas sardas pela bochecha corada e gordinha.
Summer por outro lado vestia um vestido lilás amaçado, doado por alguma criança que não o queria mais, e botas tão velhas que o solado já estava na quinta remenda. Se Elliot falava sério em querer vir morar no orfanato, devia ser maluco.
– Que pena, mas acho que aqui já está tudo lotado. Lotadíssimo, não é? E pelo visto andou falando com o pessoal daqui, e não entendo porque está tentando puxar conversa comigo. Sou a garota dos dentões.
Elliot teve vontade de rir ao ver a garota arreganhar os dentes grandes para ele num sorriso exagerado. Mas estava preocupado. Olhou ao redor do salão procurando por alguma coisa e seus olhos vagaram, aflitos.
– Hum..Você sabe algo sobre mitologia grega?
– O que?! - Summer olhou para ele com surpresa. Elliot estava com a toalha de mesa na boca, mordendo-a como se fosse a coisa mais normal do mundo. Mas nesse instante um garoto baixinho vestindo um sobretudo vermelho chamativo e cachecol cinza subiu ao palco e foi em direção ao microfone. Summer parou de prestar atenção em Elliot e olhou para as luzes piscando no teto. Estava louca para saber quem iria ser o idiota que cantaria esse ano. Adoraria vaiá-lo, mesmo que tivesse que correr depois e se esconder para não apanhar.
– Summer, precisamos ir. - Disse o garoto, em meio aos aplausos exagerados para a banda que entrava logo depois do garoto pequeno.

Summer levantou-se para ver melhor, agora que um monte de crianças se aglomerava na frente do palco para ver a apresentação. - Summer! Agora!
No instante seguinte, ela só sentiu o menino a puxar dali, pegando em seu braço e correr em direção à porta, acotovelando todos que estavam a sua frente.
– O que está fazendo?! - Perguntou ela, tentando fazê-lo tirar as mãos de seus braços. - Me solta, quero ver a apresentação!
Elliot não deu ouvidos, continuou a arrastá-la com rapidez para fora do salão, olhando assustado de um lado para o outro.

Por fim chegaram a saída. Elliot largou o braço de Summer enquanto olhava para os lados e tirava algo do bolso.
– Olha só, precisa vir comigo. Tem alguém atrás de nós, e se não formos para o Acampamento rápido, vamos virar churrasquinho. - Disse ele com rapidez, deixando a garota sem entender nem uma palavra do que dizia.
– Do que está falando, que Acampamento é esse?! - Disse ela, virando-se para olhar o que fez Elliot paralisar de repente. A mulher de vestido preto e saltos muito altos que vira no começo da festa estava saindo também, indo a passos lentos em direção à calçada em que os dois estavam.
– Vamos, Summer, precisamos sair daqui! - Elliot puxou outra vez o braço da garota e correu pela rua escura e movimentada, balançando o outro braço desesperadamente para que algum taxi parasse.
– Olha só, você é completamente louco! Aquela mulher estava na festa, é uma convidada da Madame Montez.
– Não, não é! - Gritou ele, puxando com dificuldade a menina dali. - Olha Summer, preciso explicar algumas coisas, mas não tenho tempo então por favor...
– Pare de me puxar, está machucando meu braço!
Elliot então parou em uma esquina deserta, puxando de dentro das calças um enorme punhal de bronze. A garota arregalou os olhos ao ver a arma e deu um passo para trás instintivamente.
– Tome. - Disse ele, e Summer ficou muda, completamente aturdida. Aquilo era coisa demais para sua cabeça. Não sabia nem bater em alguém direito, quanto mais usar uma faca como aquela! - Isso é um punhal, muito pequeno e um pouco velho. Blá, blá, blá, eu sei, mas é a única coisa que tenho. Segure, e tente acertá-la quando eu disser.

Summer pegou o punhal e quase o deixou cair no chão. Suas mãos estavam trêmulas e suadas de baixo do bronze frio da arma. Próximos a eles, ouviu um clark clark de saltos se aproximar, junto de um zumbido baixo, como o barulho de algo se arrastando no chão e um assovio. Estava sem ação, assustada. Afinal, quem era Elliot?
– Olá, amores. Que bom encontrar vocês! - Disse a mulher de vestido preto, surgindo do nada. Sua voz era cortante como agulha e penetrante no silêncio da rua. Summer tomou tanto susto ao vê-la ali que quase caiu em cima do garoto.

Elliot suspirou, rangendo os dentes. E pela sua cara, Summer pode presumir que estavam perdidos. Muito perdidos.


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