Meio-sangue escrita por gsiqc


Capítulo 1
Alvorecer


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura ^-^



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O sol brilhava lá fora ainda que fosse muito cedo. Passava pelas frestas da cortininha desbotada e se enfiava quarto adentro, repousando sob os olhos da garota que se remexia sob os lençóis. Estava agitada e murmurava pedidos de ajuda, além de se agarrar firmemente no lençol como se fosse ser arrancada dali a qualquer instante.
E inesperadamente foi ficando mais aflita, mais desesperada, até que... Acordou.

Sua respiração estava acelerada como se tivesse corrido muito, os lençóis molhados de suor e os cabelos grudados no rosto.

Uma brisa fria tocou o suor febril em sua testa. O pesadelo tinha passado e levara junto suas forças. Curvada sob os ombros, esfregou delicadamente os olhos com a ponta dos dedos. E quanto ao significado do sonho, se é que tinha algum, era algo que só pensaria mais tarde, quando pudesse distinguir que já estava fora dele e que era tudo imaginação sua. Mais algo não deu para evitar: sentiu uma dor tão grande no braço que por um momento teve certeza de que fora real.

Do outro lado da cama, Driel se remexia nos lençóis. Chutou de repente a perna de Summer e murmurou algo sobre pasta de dente.
– Uh. - Gemeu a garota em silêncio. Tentou respirar fundo e não revidar, porque se acordasse a garota mais uma vez, mesmo que por acidente, sabia que não iria aguentar. Já havia levado um soco e um puxão de cabelo na manhã anterior só por ter tirado sem querer as cobertas dela. Driel era duas vezes maior do que Summer, e dois anos mais nova, além de ter um senso de superioridade fora do comum.

Entretanto, enquanto Summer calçava as botas, Galadriel socou as costas dela com o pezão gordo outra vez e desta vez fez força o suficiente para lhe jogar no chão.
Enraivecida e indignada pensando na hipótese da garota já estar acordada e se aproveitando da situação, Summer levantou-se sem pensar e impulsivamente deu um puxão na calçola de urso que saía para fora do short esburacado de Driel. Puxou com toda a força que tinha, e aproveitando-se de que o sangue lhe fluía rapidamente pelo corpo agora, de tanta raiva, saiu correndo assim que a menina gritou e grunhiu que iria pegá-la e jogá-la dentro da privada do banheiro.

Aquilo era ridículo, pensou. Odiava estar ali, mais até do que nos outros orfanatos, onde pelo menos as pessoas eram displicentes e tinham a dignidade de ficar longe da garota. Ali parecia que todos se empenhavam bruscamente em torturá-la.
Estava com ódio de si mesma, do destino, do mundo, e do clima infernal da Califórnia. Chegou até, mergulhada no seu sofrimento e na sua fúria, a voltar ao quarto e tentar bater em Galadriel. Mas sabia que não adiantaria muito, e não estava a fim de ter de sair correndo e se esconder como uma idiota novamente. Foi então para o banheiro, o que era sem dúvidas a atitude mais sensata a se fazer.

O sol lá fora agora brilhava mais intenso, batendo sobre as flores que Madame Montez cultivava no jardim da frente e secando as poças da chuva de ontem. Madressilvas e rosas delicadamente cultivadas e presas por bambus e etiquetadas, além de muitos girassóis, por todo o jardim secavam suas pétalas cheias de orvalho. Do outro lado da rua, pessoas faziam sua caminhada matinal ou passavam de bicicleta, acenando para as crianças que brincavam no jardim ou parando para conversar nas mesinhas ensolaradas dos cafés e bares.

Summer morava num orfanato, um asilo para crianças problemáticas de San Diego, na Califórnia. Crianças que arrumavam muita confusão nos outros orfanatos e nos seus lares adotivos e por isso eram devolvidas. Crianças que como ela, tinha problemas em se manter quietas por muito tempo ou tinham qualquer outra deficiência social e produtiva.
Na frente, um letreiro caído informava que ali era um lugar de paz e prosperidade para aqueles que não têm um lar, mas Summer achava isso uma enorme ironia.
– Sai da frente, Pernalonga! - Gritou um garoto alto e desengonçado para Summer, batendo com seus ombros nela e a fazendo desequilibrar e cair. De novo. A garota suspirou e momentaneamente teve vontade de chorar, gritar, sair correndo dali e nunca mais voltar. Mas se recompôs e fechou os olhos, sentindo o frio do chão invadir o rosto quente de raiva.
Depois levantou-se, mesmo com o profundo desprezo que sentia e foi para a fila do banheiro, que surpreendentemente estava pequena. Summer limpou o suor da testa e esperou, entretida com os quadros horrorosos do corredor. Eram pintados pelas crianças, rabiscos grotescos e feios pendurados pela extensa parede para aterrorizar mais ainda a espera. De relance, observou pela estreita janela, que aquele garoto ruivo e estranho que morava na casa ao lado a observava do portão novamente, enquanto mastigava um pedaço de latinha de refrigerante.
– Minha nossa, que menino esquisito. - murmurou para si mesma e desviou o olhar, pensando em outra coisa.

Depois de meia hora, Summer conseguiu enfim entrar e tomar um banho. Tinha tido uma noite ruim, e ficou aliviada de finalmente estar sozinha. Pegou uma das roupas limpas do armário de doações e vestiu, enquanto olhava para si mesma no espelho.
Summer era pequena e magricela. Tinha cabelos loiros grandes e mal cortados, algumas olheiras, e feições de elfo - queixo pontudo, olhos estreitos e orelhas que saíam para fora do cabelo muito fino e claro. Tinha a expressão de perigo também, o que era muito engraçado, como se estivesse séria mesmo quando tentava sorrir, e os lábios duros e finos.
Mas o pior mesmo pensou ela, eram os dois dentes enormes na frente da boca. Tinha dentes avantajados e sua boca era pequena demais para cabê-los.
Frustrada com o que via - como se já não tivesse problemas suficientes -, desviou o olhar e penteou os cabelos, tirando os costumeiros nós que apareciam quando se remexia demais na cama ou se esquecia de penteá-los.
– Summer! Já acabou o tempo, sai logo dai sua idiota! - Gritou alguém do lado de fora, esmurrando a porta com força. - Morreu ai dentro ou está tentando escovar esses seus dentões?!
Summer bufou, exasperada, mas ficou feliz em finalmente ter de deixar o banheiro e seu reflexo infeliz. Sentiu então uma vontade enorme de acertar um soco na boca da garota que gritava lá fora. Sentia isso quase que o tempo todo, mas reprimia à moda inglesa.
Mas momentaneamente, teve uma ideia bem melhor do que fazer a dança dos punhos na cara dela. Um sorrisinho maldoso surgiu em seu rosto e ela começou a gritar também, batendo na madeira da porta e tentando parecer desesperada.
– Emperrou! Socorro, estou presa aqui!
– O que?! - Gritou a voz de volta, aterrorizada. - Vou fazer nas calças, sua anta! Não acredito nisso, é muito burra... Ta bom, me deixe pensar... Puxe a porta com força que eu vou empurrar daqui.
Summer forçou a maçaneta, impedindo-a de abrir com toda a força que tinha enquanto a outra empurrava do outro lado. Mas a garota era tão grande e empurrou tanto a porta, que Summer acabou não aguentando. A porta cedia. Summer calculou e contou até três. Deu um passo para trás e riu com vontade enquanto a garota caia direto com a cara no chão, que nem um presunto empresado.
– Você. Vai. Se. Arrepender. Pernalonga!

A garota grunhiu, tão alto que fez o estômago de Summer farfalhar. Seu olhar homicida pairou sobre ela, e sem pensar duas vezes Summer correu porta afora outra vez, rindo como nunca.


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