"Oh, see what you do to me, oh, it's what you do to me, it's what you do to me, what you do to me... "

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 O incêndio apareceu em uma pequena nota no rodapé do jornal de segunda-feira descrito como um "pequeno descuido que não deixou prejuízos", o que provavelmente não incluia o banheiro e duas caixas de mudança da nova dona do apartamento, uma delas guardando sua televisão de estimação completamente destruída. A única parte disso que Sasuke sabia até então era que uma enorme mancha negra brotou na parede da sua cozinha, parecendo um vórtice para um buraco negro, que tudo parecia feder a madeira queimada e que quando chegou em casa depois de andar por cinco horas procurando por um novo emprego a vizinha incendiária estava sentada no seu sofá.

- Bom dia, Sasuke-kun! - Ela disse, acenando para ele, ignorando talvez que já estivesse escuro lá fora.

Sasuke resmungou qualquer coisa de volta, surpreso com uma presença feminina repentina naquele buraco cinzento que chamava de lar e traçou mentalmente quais das muitas formas ilícitas que ela teria usado para entrar alí e ir assistir a sua TV - uma lista grande porque, obviamente, mulheres que não têm uma vassoura dentro de casa merecem muita desconfiança -, mas a resposta mais óbvia de todas apareceu logo, faminta.

- Hoe! Conseguiu alguma coisa, Sasuke? - Naruto gritou, vindo animado conferir o que tinha na sacola de compras que o outro trouxera.

- O que a incendiária está fazendo aqui? - Sasuke resmungou, indicando o sofá com a cabeça.

- O que? A Hinata? Ela pediu para entrar pra ver a novela. A TV dela foi destruída no fogo - falou, enquanto tirava um pimentão e um tomate de dentro da sacola. - Tem problema? Porque ela pareceu bem inofensiva pra mim.

- Hitler pareceria inofensivo pra você se tivesse peitos. 

Sasuke olhou para as costas do sofá onde ela estava e que na verdade era o mesmo cômodo da cozinha, divididos por um tapete com cheiro de gato molhado. Mal via o topo da sua cabeça por sobre a capa azul-escura esburacada, mas imaginou que estivesse de pernas cruzadas e abraçando uma das almofadas, com lágrimas emocinadas no canto dos olhos bem atentos à televisão. Pelo ponto de vista de Naruto ela deveria parecer mais inofensiva que um filhote usando moletom e lambendo um pote de Nutella, mas Sasuke conhecia um número suficiente de mulheres para saber que aquela imagem delicada e frágil era apenas um disfarce usado de forma sutil para enganá-los até que ela tivesse espaço e laços afetivos - de Naruto, sempre - o suficiente para se transformar em uma vadia tagarela e irritante dentro do apartamento. Ele mesmo tinha despachado uma há poucos meses atrás e ela ainda lhe dava muita dor-de-cabeça com ligações longas e insistentes o dia inteiro. E como Sakura tinha conseguido seu número, mesmo?

- Só deu pra comprar isso com aquele dinheiro todo? - Naruto perguntou, quase em desespero, virando a sacola do avesso depois de botar na mesa um tomate, um pimentão, uma maçã e um pacote de macarrão instantâneo amassado.

- Eu gastei o dinheiro só na passagem de ida, voltei andando e roubei essa sacola de um mendigo - falou, sério.

- Um mendigo comeria melhor - Naruto falou mas cheirou a maçã, meio suspeito. - Conseguiu emprego, pelo menos?

- Não. Disseram que não tenho cara de segurança, o escritório só quer recepcionistas mulheres e o velho da locadora prometeu que iria me ligar mas eu não tenho certeza se é sobre o emprego.

- Você podia se transvestir pro escritório.

- Ainda não estou tão desesperado.

- E o velho?

- Espero que ligue. Ele disse que eu tenho belos olhos.

  Naruto deu uma risada que logo se amuou, provavelmente com o roncar do seu estômago, e apalpou o pacote de macarrão quebradiço, triste.

- Macarrão de novo então. Vou esquentar a água. Que droga, isso não chega nem a ser ramén... 

- Ah...!

Sasuke e Naruto olharam para Hinata, de joelhos no sofá virada para eles, que pareceu se encolher com a atenção repentina e apenas seus olhos apareceram por cima do encosto de espuma velha.

- Tenho sobras do almoço, se vocês quiserem... N-não é muito gostoso, só arroz com brócolis e peixe, mas acho que pode ser melhor que macarrão com tomate...

- 'TEBAYO!! - Naruto quase explodiu, instantaneamente animado. - Verdade, Hinata-chan?!! Aposto que a sua comida deve ser deliciosa! Mesmo se não for, faz mais de mês que eu não vejo nem a cor do arroz! Já esqueci até o gosto! Qualquer coisa vai parecer ótimo!

- Você reclama um bocado pra quem nem tentou procurar emprego - Sasuke resmungou, mau-humorado.

-Eu tenho um emprego - Naruto retrucou, ofendido. Todos os dias passava mais de duas horas na faculdade depois das aulas consertando computadores e trabalhando em um novo software com um professor, algo que até ele reconhecia ser mais parecido com um frágil estágio não-remunerado e que se esforçava para proteger de maus comentários alheios, infelizmente a maioria deles vindos do colega de quarto.

- Não é emprego se não tem salário. Você e aquele velho só fumam maconha e veêm pronografia o dia inteiro.

- Não é verdade! - Não totalmente verdade. - E ainda é melhor do que ser um vagabundo que ficou encalhado depois da escola.

Um conhecia o orgulho do outro, o que tornava as discussões diárias mais violentas que o esperado. Sasuke fechou cara, agora realmente irritado, prestes a rebater e meter uns socos na fuça do loiro quando Hinata gritou do sofá, agora em pé, inclinada pra frente e segurando no recosto, parecendo quase desesperada.

- Eu vou fazer biscoitos! - Ela gritou, de rosto vermelho e tentando parecer zangada em meio ao pânico - Mas se vocês dois continuarem brigando, não vou dar nenhum para vocês, eu JURO!!

Sasuke a olhou cheio de raiva e seu peito se encheu de um "cala a boca, porra", até conseguir processar o que ela tinha falado e bater a dúvida de se aquilo era uma piada horrível ou uma ameaça pior ainda, as duas opções sendo reforçadas pela cara de mãe repreensiva com que ela os olhava, e sentiu uma vontade estranha de rir. Naruto, por outro lado, inflou as bochechas, olhando pra baixo.

- Desculpa - falou para ela, com ar de remorso.

Sasuke e ela se encararam, sérios, até que ele bufou e balançou a cabeça, o mais próximo que chegaria de um pedido de desculpas por ter começado uma briga na sua própria casa. 

Hinata pareceu satisfeita e saiu para buscar as tigelas delicadas com comida saudável e cheirosa do almoço, sem perceber que os dois trocaram socos e pontapés enquanto estava fora. Trouxe também sua mesinha japonesa em madeira falsa de estilo clássico que botou no espaço entre a TV e o sofá e serviu alí duas porções de arroz, legumes, e até mesmo um pequeno bule de chá gelado. Sasuke não queria ter de sentar para comer em uma mesa, coisa que não fazia desde os tempos de pirralho, ainda mais em um ângulo que não o deixava assistir a televisão, mas o cheiro da comida o atraiu e a fraqueza do seu estômago o fez agir de forma quase educada. Naruto comeu da forma mais barulhenta imaginável, com lágrimas de felicidade presas no canto dos olhos.

- Eu sei que vocês estão com alguns problemas - Hinata começou a falar em algum momento quando os dois estavam ocupados demais atacando a tigela de arroz. - Posso cozinhar pra vocês todos os dias, se quiserem - ofereceu, com um sorriso doce, e acrescentou. - Se me deixarem usar a televisão.

Sasuke quase cuspiu perante aquela tramóia diabólica. É claro que devia ter percebido antes! Naruto respondeu imediatamente, um "por mim tá ótimo!" animado demais, e Sasuke o fuzilou com um olhar de esguelha. Será possível que ele não aprendia nunca? Foi a mesma coisa com Sakura, e aquela de óculos, Karin. Apareceram simpáticas e sorridentes e quando os dois foram perceber, elas já estavam espalhando molduras cheias de glitter na estante, comprando cortinas e tapetes floridos pro banheiro. Por outro lado, também, não tinha certeza de quando iria conseguir pôr a mão em dinheiro de novo, e seria bom ter uma preocupação a menos com a comida. E havia essa variável nova, já que nenhuma das duas anteriores sabia qualquer coisa sobre cozinhar e sempre sujavam o lugar inteiro e faziam ensopados grudentos e merengues salgados que eles de algum jeito ou outro sempre tinham que provar. Matutou mais um pouco, quieto com sua tigela e entrando em conflitos internos, até passar os olhos pela vizinha e vê-la esperando sua resposta com o mesmo sorriso caridoso e confiável, do tipo que lembrava muito a sua mãe. Aquilo não podia ser coisa boa, também. 90% do que leva um homem a fazer favores ou a permitir a permanência de uma fêmea no seu habitat é a possibilidade de sexo, que não iria dar certo para ele se continuasse pensando na própria mãe ou comparando as coisas que Hinata faz como uma brincadeira de casinha. Por outro lado, também, não seria nada mal brincar de papai e mamãe com ela.

- Tudo bem - decretou, meio a contra-gosto e meio movido pelos novos pensamentos eróticos que percorriam a cabeça.

- Que bom! - Ela uniu as mãos como se fizesse uma prece, e acressentou novamente, furtiva - Ah, vou precisar usar o banheiro de vocês também, se não se importam.

Sasuke cuspiu arroz.

- Aconteceu alguma coisa com seu banheiro? - Naruto perguntou, genuinamente preocupado.

- Os bombeiros interditaram, falaram que corre risco do teto desabar. Não se preocupem, vai ser por pouco tempo, a síndica disse que já já vai chamar alguém para consertar.

"Já já" e "chamar alguém" também foram as palavras da síndica quando Sasuke e Naruto fizeram os vidros da janela despencarem até o térreo, há dois anos atrás. E a janela continuava, nua e esquecida, dando dores de cabeça nas noites frias e enchendo tudo de água quando chovia.

- Não acha melhor pedir para outra pessoa? - Sasuke perguntou, com imagens do seu ralo entupido de cabelos e da possibilidade de sexo no chuveiro se alternando na sua cabeça e o deixando confuso - Uma mulher. Seria mais confortável pra você. 

- Eu já tentei, na verdade. No apartamento do outro lado a Senhora Niwa disse que eu poderia usa o banheiro, mas pediu para eu deixar a porta aberta quando fosse, porque, bem, os gatos gostam de assistir... - balançou a cabeça nervosamente, como se sentisse calafrios. - A senhora do apartamento 46 pediu que eu usasse touca e luvas e perguntou se tudo bem instalar algumas câmeras, só pra ter certeza que eu não passaria bactérias pro sabonete dela. Também tentei no apartamento debaixo, daquela mulher que usa cachecol, ela chorou por uma hora inteira falando sobre o ex-marido que fugiu e dos planos para matar a amante vadia, que por acaso se parece comigo - suspirou, cansada, e baixou o olhar. - Vocês dois são as pessoas menos perigosas e esquisitas que conheci aqui.

Naruto a olhava comovido, então encarou Sasuke com uma careta zangada de "você não pretende deixá-la só, pretende?". Sasuke balançou a cabeça, largando a tigela vazia em cima da mesa.

- Ok, você pode usar o nosso banheiro, desde que seja por pouco tempo e que você não quebre nada.

- Muito, muito obrigada! Prometo que não vou quebrar nada!

- E nada de encher entupir o ralo com cabelo.

- Definitivamente não!

- Ou deixar o chuveiro em temperatura escaldante.

- Nunca!

- Nem trancar a porta quando for tomar banho.

- Nun-... O que?

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"Hey there Hinata, I know times are getting hard, but just believe me girl someday I'll the the bills and buy a car. We'll rule the world. Just you and me, no misunderstoods. Your father's a douche."