A Vampira escrita por Júlia Calasans


Capítulo 5
Séculos


Notas iniciais do capítulo

Olá! Podem me matar, eu estou postando esse capítulo irremediavelmente atrasado, mas fazer o quê? Ultimamente eu tenho estado tão ocupado, e tive até que dar um tempo nas minhas outras história para me dedicar unicamente à esta.
Mas não importa, porque eu estou me divertindo pakas escrevendo isso... É isso que importa.
E também importa os reviews maravilhosos que estou recebendo, obrigado! Tem sido muito legal ver que meu esforço está agradando à todos!
Nesse capítulo, há uma surpresinha em relação à Ichigo e Rukia, que só será esclarecida no próximo. Teremos também um pouco da vida de Urahara e um pouco da vida de Toushirou.
Espero que gostem. E que me perdoem a demora.
P.S. Prestem atenção nos sonhos de Ichigo...



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Era uma cabana, cheirosa, em meio à uma floresta. A mulher da noite anterior, Rukia, lhe encarava do outro lado do cômodo, um sorriso mordaz nos lábios finos, enquanto o chamava sensualmente com os dedos.

Ele deu um passo à frente e o mundo girou vertiginosamente em uma espiral de cenas, até que ele se viu novamente na Soul Society. Só que, ao contrário do que ele poderia pensar, a boate estava vazia, as luzes malucas estavam desligadas e não havia o som alto que ele tanto odiava. Era ele, a boate e novamente Rukia, do outro lado, o mesmo sorriso mordaz, chamando-o com os dedos.

Ichigo tentou novamente alcançá-la, mas uma nova espiral engoliu-o novamente. E ele estava em seu quarto, deitado na cama, nu, o corpo cheio de cortes e arranhões. Uma ardência se espalhava por todo o seu corpo, mas nada comparado ao arrepio que ele sentiu ao ver novamente Rukia, o mesmo sorriso mordaz, chamando com os dedos.

Rukia deu um passo à frente, e, no ritmo do piscar do Kurosaki, ela estava ali, engatinhando na cama, se debruçando em cima dele. Os lábios dela eram tão vermelhos... O batom escorria pelos cantos de sua boca, mas, cerrando os olhos, Ichigo percebeu que não era batom. Era sangue. Escarlate e fresco.

_O... O que é você?_ perguntou ele, enquanto ela deslizava as mãos pelo abdomen dele, deixando uma trilha de sangue onde seus dedos tocavam. _Que tipo de demônio você é?_

Ela sorriu, revelando caninos protuberantes dos quais pingavam pequenas gostas de sangue.

_Às vezes os demônios estão dentro de nós, e nós nem percebemos._ Rukia beijou seu pescoço. _Eu sou o seu demônio e o seu inferno particular. Faça bom proveito._

Ela cravou os dentes no pescoço desnudo e um grito aflorou como uma lâmina afiada, cortando tudo em volta como uma navalha. A dor vertia em ondas que lambiam-no de cima a baixo. Quando aquilo ia parar?

Ichigo abriu os olhos, de supetão, e a primeira coisa que sentiu foi uma dor de cabeça tão intensa que o fez fechar os olhos, pressionando fortemente as pálpebras. Depois de um tempo, tentou abrí-los novamente, e sentindo a dor nocauteá-lo novamente, Ichigo gemeu.

Quando ele abriu seus olhos pela terceira vez, a dor abrandando o suficiente para permitir que ele enxergasse, a cena que ele viu o fez pensar que estava num sonho. A mulher da noite anterior, Rukia, estava andando nua pelo quarto, recolhendo suas peças de roupa espalhadas pelo chão. Em meio ao torpor do sono e da dor, Ichigo não se deu ao trabalho de ficar constrangido—seguiu cada passo dela com atenção, vendo-a amarrar o corpete, puxar as luvas e deslizar o vestido por cima da cabeça, abotoando os botões nas costas com extrema facilidade.

_O que você está fazendo aqui?_ perguntou ele, enfim, suas palavras soando distorcidas e torpes.

_Veja só, a incompetência em pessoa acordou!_ disse Rukia, sorrindo mordaz para ele. _Quando você acordar de novo, tente se lembrar do que nós fizemos essa noite..._ ela se aproximou, e beijou o pescoço dele._E, depois, se arrependa._

Ichigo arregalou os olhos para ela, mas foi em vão. Em um piscar, não havia mais ninguém ali—só o vazio do quarto. E a única prova de que aquela mulher estivera realmente ali era o leve formigar de seu pescoço, aonde ela o beijara.

Não importa, pensou Ichigo, se virando para o lado, e fechando os olhos. É um sonho, mesmo.

E mergulhou novamente no sono, sem saber que nunca mais ele diria palavras tão erradas.

_****_

Rukia deu três batidas na porta da casa de Renji, educadamente. Tinha deixado o garoto ruivo, Ichido ou Ichigo, ela não se lembrava com clareza, dormindo em sua cama, completamente derrubado pelos noves copos de licor e as três rodadas de êxtase. Rindo, Rukia ainda se perguntava como ele ainda conseguira falar depois de uma rodada tão excessiva de drogas. Com certeza, ele não se lembraria do fiasco que tinha sido a noite anterior, e aquilo era realmente uma pena.

A Kuchiki queria realmente ter transado com ele. Ichigo parecia o tipo selvagem sem pudores, a julgar pelos beijos que os dois tinham trocado. Quem diria que tudo ia terminar daquela maneira? Rukia só queria se divertir um pouco com um corno idiota e terminara na cama.

Frustrada, diga-se de passagem.

_Rukia?_disse Renji, a cara amassada de sono, do outro lado da porta. _O que você está fazendo aqui?_

_Até onde me consta, nós combinamos que íriamos comprar roupas novas para mim._ respondeu ela, prontamente, feliz por ter seus pensamentos dirigidos para outro rumo a não ser o triste episódio com Ichigo. _Cheguei cedo demais?_

_Bem..._ ele esticou a cabeça para dentro por alguns segundos. _São seis e meia da manhã. Isso não é horário que se saia na rua, Rukia. Estou completamente quebrado de ontem... Exagerei no êxtase. Muito._

_Ah, me desculpe, sinto muito._ disse ela, sabendo que não sentia nem uma réstia de culpa._Mas vampiros não dormem... Vou ter que começar a me adaptar aos horários humanos. Volto às oito, então. Até mais tarde, Renji!_

A mão dele segurou o pulso dela antes que ela fosse embora, firmemente. Rukia, confusa, olhou para ele.

_Se você quiser ficar, não tem problema. Só espero que não se importe de me deixar dormir um tempo._ ele deu um sorriso fraco. _Pode entrar._

Ele abriu a porta, permitindo que ela entrasse. Renji estava de calção, o peitoral musculoso descoberto, revelando arranhões na base de suas costas e no abdomen. Analisando aquelas feridas com atenção, Rukia se deu conta de que ela tinha sido a responsável por aquilo. Com a ponta dos dedos, ela traçou a maior delas, que começava nos ombros e terminava na lateral das costelas.

_Me desculpe por isso._ disse ela. _Acho que nem percebi quando fiz. Doeu?_

_Na verdade, não._ ele olhou para as cicatrizes, com descaso. _Eu cicatrizo muito rápido, por causa do sangue de feiticeiro, e tal. Hoje a noite não vai ter mais nada aí._

_Ótimo._ Rukia terminou de traçar a cicatriz e se afastou, observando-o por inteiro. _Você pode dormir. Prometo que vou ficar absolutamente imóvel enquanto você dorme._

_Isso  é bom._ ele foi para o quarto, e Rukia o seguiu. _Agora, eu vou me deitar aqui e dormir mais duas horas e meia. Espero que você tenha muita paciência._

A Kuchiki riu, e deitou num lado da cama enquanto Renji se enfiava no outro. E ficaram lado a lado, os rostos bem próximos, os olhos de Renji fechados e sua face se livrando de todo aquele semblante tenso que o caracterizava. Assim, calmo, ele parecia outra pessoa. Rukia absorveu a face dele com atenção—suas (inexistentes) sobrancelhas, o rosto fino e anguloso, os lábios cheios e os cabelos vermelhos compridos se espalhando por todo o travesseiro—e depois absorveu cada detalhe das espirais do teto, pintadas à mão por alguma pessoa com muita habilidade.

Observou as paredes, e, olhando para as nuvens que se moviam preguiçosamente no céu, deixou sua mente divagar, parando no homem da noite anterior, constatando, com decepção, que ainda estava frustrada. Primeiro porque ele tinha a deixado tão atiçada só para depois jogar-lhe um balde de água fria na cabeça—nos dois sentidos!—e segundo porque ele provavelmente não se lembraria da vergonha que tinha passado, ou seja, aquela noite só ficaria marcada na memória dela.

Com raiva, Rukia balançou a cabeça, e voltou seus pensamentos para a revista pornográfica jogada no chão. Rukia a pegou, e folheou. As páginas estavam tão gastas que logo virariam pó, além de todas sujas—manchadas de bebidas, sangue, e dedos, o que significava que a revista tinha sido muito folheada.

Porque ler revistas com mulheres nuas se eles a tinham pessoalmente em suas camas? Essa era a dúvida que Rukia queria sanar, e uma em meio às muitas que ela formulou durante algum tempo, no quarto. Depois, cansada de ficar na cama, Rukia se levantou, e se pôs à xeretar o apartamento. Remexeu a cozinha, o Ipod dele, mexeu no rádio e na TV. E, logo depois, a correspondência, formada basicamente por propagandas de cartões de crédito.

_Você é muito xereta, sabia?_

Rukia largou a correspondência em cima da mesa e chegou o relógio. Nove horas. Renji era muito pontual.

_Estava entendiada._ ela deu de ombros. _Aliás, não tem nada de produtivo aqui, só propagandas. Você anda pagando as contas direitinho, Renji?_

_Claro que sim. Sou um bom menino._ Renji sorriu sarcasticamente. _Eu trabalho, sabia? Três vezes por semana, uma academia. É uma miséria, mas dá para sobreviver._

Ele foi até a cozinha, abriu a geladeira e tirou um pouco de vodka lá de dentro. Depois, o armário, de onde tirou um saco de bolacha salpet. Sentou-se e começou a comer, calmamente.

_Bebendo logo de manhã, Renji?_

O Abarai riu.

_Fazer o quê. É costume. Quer? Eu não sou muito fã de vodka, mas já que é a única coisa que temos aqui, vai isso mesmo._ ele olhou para o rosto hesitante dela. _Ulquiorra gosta. Na verdade, adora, e fica num humor muito azedo quando não bebe. Pode  provar._

_Não vou beber agora. Não sei como meu organismo vai reagir à isso e eu não posso me dar ao luxo de ficar doida. Vou lidar com humanos; tenho que estar senhora de mim._

_Bem, escolha sua._ ele forçou mais um copo. _Já eu não consigo viver sem essas belezinhas chamadas bebidas alcoólicas. Sou um alcóolatra assumido. Acho que sou um drogado assumido, também._ Renji sorriu para ela. _Se eu fosse humano, já estaria morto, ou muito viciado. Mas ser meio sangue me dá um melhor controle sobre o que eu faço. Vamos comprar suas roupas?_

Rukia assentiu. Renji levantou-se, jogou a garrafa vazia de vodka no lixo e pegou a carteira no bolso, checando as notas. Depois, olhou o dinheiro que Rukia trouxera e arregalou os olhos.

_É pouco?_ perguntou Rukia, preocupada. _Se for pouco, eu posso trazer mais._

_Só se você quiser._ Renji pegou as chaves e saiu do apartamento, trancando a porta. _Esse dinheiro aí dá e sobra. É muita coisa! Mas não vai durar para sempre. Aonde você está ficando, Rukia?_

_Por enquanto, em lugar nenhum._ eles desceram as escadas e saíram para a rua, já movimentada. _Não precisei de lugar para ficar, até agora... Não acho que vou precisar._

_Vai sim. Você pode ficar lá em casa, se quiser. Posso chamar Hitsugaya, ele é bom em materializar coisas... Assim arranjamos um armário para você. Se racharmos as contas, você vai ter um lugar onde se trocar e tomar banho. Você quer?_

Rukia franziu o rosto, pensando na proposta. Não estava pretendendo viver em constante companhia de uma pessoa meio humana—isso poderia acarretar problemas, principalmente se o meio humano fosse Renji. Em compensação, ele era o tipo de pessoa que não a deduraria, e que também não encheria tanto o saco. Além do mais... Morar com Renji significaria encontrar mais com os garotos, dos quais ela realmente gostara, principalmente o dos cabelos azuis, Grimmjow.

_Tudo bem._ disse ela, se decidindo. _Vou administrar bem o dinheiro que tenho por enquanto, e vou dar um jeito de arranjar um emprego._

_Talvez você devesse ir à escola._ disse ele, soando suave enquanto analisava as lojas. _Se socializar. As pessoas da cidadela vão notar sua ausência, Rukia, e estar em meio à multidões pode ajudar._

_Eu achei que era justamente o contrário._ Rukia sorriu. _Estar em meio à multidões seria a minha perdição. As pessoas reparam em mim. Eu me destaco como um dedão machucado. Todos nós nos destacamos._

_Se você for boa atriz, ninguém irá notar._ Renji olhou para ela de esguelha, e deu um sorriso convencido. _Alguma coisa me diz que você tem talento... Veja só... Vestidos. Curtos. Vamos começar uma revolução nesse seu guarda-roupa medieval... Já vou avisando desde já que não entendo nada de moda, não sei nada de roupas e só vou achar um vestido bonito se ele for uma blusa, ok?_

Rukia riu deliciosamente enquanto entrava na loja, Renji a seguindo parecendo bem arrependido de ter feito aquela promessa. Realmente penalizada pelo sofrimento que ela o faria passar, Rukia se aproximou e beijou-o, sendo prontamente correspondida com animação. Imediatamente a frustração com Ichigo sumiu, sendo substituída por uma excitação. Assim que se separaram, Rukia olhou para ele, que não parecia nem de longe surpreso por causa do beijo, e sorriu.

_Não reclame Renji. Se você for bonzinho, eu até deixo você entrar nos provadores comigo._

E escolhendo três vestidos nas araras, ela entrou no provador, ainda a tempo de ver a animação espelhada nos olhos dele.

_****_

Urahara Kisuke acordou como acordava todos os dias, às seis e meia da manhã, e levantou-se calmamente da cama. Fez toda a sua rotina matinal—tomar banho, escovar os dentes, vestir-se, tomar café—com perfeição e saiu de casa, aproveitando as ruas quase desertas de Karakura para correr, sem o risco de ser visto.

Urahara adorava correr, e, para ele, essa era a melhor parte de ser um vampiro—a velocidade. Ele simplesmente amava o vento batendo em seus cabelos, o leve zumbir de seus pés tocando, por apenas um segundo, o chão da rua, o modo ele podia enxergar tudo passando veloz por ele em sua corrida. Em seus tempos de cidadela, não era incomum vê-lo correndo o perímetro da cidade, sempre às margens do manto, juntamente com sua inseparável amiga, Yoruichi Shihouin.

Ao se lembrar de Yoruichi, ele diminuiu o ritmo, voltando-a para uma simples corrida humana. Fazia quantos anos que não se viam? Cem? Duzentos? Ele parara de contar fazia muito tempo, em meio às suas viagens pelo mundo aonde conhecera todo tipo de gente, entrara em contato com todos os seres sobrenaturais existentes e colecionara muitas e muitas lembranças, que ele guardava com cuidado num canto especial da memória. E, embora aqueles anos tivessem se passado, as lembranças que ele guardava de Yoruichi ainda estavam ali, numa redoma de vidro, cobertas de poeira, esperando para serem lustradas mais uma vez.

Às vezes, quando Kisuke se sentia muito entendiado, ele gostava de tentar adivinhar como ela estaria, lá na cidadela. Talvez no comando do Instituto de Pesquisa, que ele deixara para trás. Ou na Academia de Artes Marciais—Yoruichi amava lutar e era realmente boa naquilo. Imaginava se a paixonite por Kuchiki Byakuya se desenvolvera, agora que ele já era um vampiro. Na cidadela, relacionamentos entre vampiros e espécimes preparados para a transição eram realmente proibidos, e a Yoruichi que ele conhecia quase salivava para o momento em que o belo jovem se transformaria num belo vampiro, um vampiro que ela pudesse “pegar”. 

Ele sentia saudades dela, muitas, mas nunca se arrependia de tê-la convencido a ficar. A vida para Shihouin na Cidadela era cheia de privilégios, muito contrária à vida que ela teria junto aos mundanos. Urahara suara muito para conseguir se manter inteiro—a Igreja Católica tinha sido particularmente complicada de lidar, além dos vários caçadores de vampiros mundanos, que, embora fossem só mundanos, eram mundanos altamente desagradáveis que tinham dado muitos problemas. Também havia o dinheiro, e Urahara chegara ao ponto de ter que roubar para sobreviver—uma arte que ele esperava não repetir nunca mais.

Não que ele achasse que realmente fosse precisar. Urahara virou uma pequena ruela que passava quase despercebida aos humanos, mas que era altamente frequentada pela ala sobrenatural da cidade, e chegou à sua loja, a qual ele administrava há quase trinta anos. Aquela loja lhe rendera maravilhas relacionadas à dinheiro, e ele provavelmente ficaria ali o resto da sua vida, uma vez que, como ele, as bruxas, os lobisomens e os sugadores de almas não envelheciam. Não haviam segredos, e ele gostava dali.

A ponto de recusar o convite da cidadela para uma volta.

Afinal, se eles eram burros o suficiente para descobrirem os estrategemas de Gin só depois de séculos, não mereciam alguém tão inteligente como ele em seu corpo docente. Embora soubesse tudo sobre os planos de Aizen e suas falhas tentativas de atacar a cidadela, se mantinha neutro, e não pretendia ficar do lado de ninguém. Embora soubesse que a sua não-volta deveria ter ferido Yoruichi. Ele gostava muito de Karakura para deixar a cidade.

Suspirando alto, ele parou em frente à porta da loja, que tinha cinco trancas postadas em formato de flor, o que tornava-a quase impossível de ser arrombada. Urahara tirou do bolso interno do casaco uma chave especial—comprida e grossa, assemelhando-se à uma chave de fenda, com um pequeno chifre na ponta—e introduziu-a na tranca do meio, dando-lhe uma virada violenta que destrancou todas as outras quatro trancas. Sorrindo, ele entrou, trancou-a novamente e respirou fundo.

_JINTA!_ gritou ele. _O que significa esse cheiro horroroso?_

_Desculpa aí, chefe!_ respondeu a voz de Jinta, um dos seus ajudantes, de dentro da loja.  _Um das poções de unhas de ratos modificados deu errado e explodiu. A Ururu está tentando fazer aquela droga parar de explodir, mas não está dando muito certo._

Urahara foi para os fundos da loja, onde as poções eram produzidas, e encontrou Jinta sentado espaçosamente no sofá enquanto Ururu, sua outra ajudante, e Tessai, o amigo de infância que o ajudava a administrar a loja, tentavam inutilmente fazer a mistura roxa e pegajosa parar de explodir, lançando bolhas de gás fétido e lacrimejante no ar.

Suspirou.

_Vocês têm de neutralizá-la, não sabiam? Há três potes de pó de almas modificadas atrás do sofá, que Jinta escondeu para fazer as flores que ele dá para a namoradinha ficarem brilhantes._ Jinta corou, mas Urahara não estava prestando atenção. _Vai ajudar a disfarçar o cheiro. Depois, limpem essa bagunça, tudo bem? Vou abrir a loja._

Eles praguejaram enquanto jogavam o pó brilhante, pegajoso e absurdamente cheiroso na bagunça, mas o chefe não ligava. Para Urahara, aquilo era uma verdadeira diversão—rindo gostosamente, ele abriu a loja, já encontrando uma discreta fila de clientes esperando.

A manhã foi calma. Poções para bruxas, roupas ultrarresistentes para lobisomens, algumas seringas especiais para um sugador de alma especialmente rabugento e uma cartela de documentos falsos para um grupo de transmorfos que viera do norte. Depois tudo entrou num mormaço chato, que deixou Urahara entediado. Faltavam quinze minutos para a loja fechar e todos já tinham ido embora, uma vez que, aos sábados, ele só abria meio período, até que uma cliente estranha apareceu.

Era claramente uma viajante—usava roupas leves e um longo e comprido cachecol cobrindo o rosto e os cabelos. O cheiro dela não lhe era nenhum pouco familiar, e as feições, cobertas pelo cachecol, dificultavam uma identificação. O que estava fazendo ali?

_Loja Urahara._ acabou dizendo ele, mecanicamente, como fazia para todos os que ele não conhecia. _O que você deseja._

_Depende do que você está vendendo._ respondeu a voz, soando baixa e abafada. _Preciso de me enturmar._

_Podemos lhe arranjar documentos falsos. Temos sangue estocando, alguns itens de bruxaria e utilitários para todo tipo de ser sobrenatural que apareça, e, se não tivermos, é só fazer uma encomenda. O que você deseja?_

Os olhos da mulher, a única parte do corpo visível, se arregalaram ao ouvir o que ele falara.

_Caramba, Urahara!_ a voz soou mais alta daquela vez. _Você realmente se meteu em todo tipo de coisa ilegal, hein?_

_Acho que não entendi._ ele franziu o cenho, achando a voz familiar, mas não reconhecendo sua dona. _Eu te conheço?_

_Claro que conhece._ a mulher riu, e puxou o cachecol. _Há quatrocentos anos atrás, pelo menos, você conhecia muito bem._

Urahara arregalou os olhos enquanto a mulher terminava de puxar o cachecol, deixando que ele caísse com leveza não chão. Não acreditava em quem estava à  sua frente. Estava realmente diante de Yoruichi Shihouin depois de quatro séculos sem se verem?

Ela tinha mudado pouco.  Os cabelos estavam compridos, caindo em ondas roxas por suas costas, e ela parecia mais musculosa. Mas, de resto, era a mesma Yoruichi com a qual ele convivera durante trinta anos—olhos brilhantes. Pele aveluada como péssego e deliciosamente escura. O sorriso zombeteiro nos lábios.

Urahara pulou o balcão rapidamente para abraçá-la, sem ligar para o modo como ele parecia ridículo,  e estreitou-a nos braços enquanto ela ria, abraçando-o de volta. Alguns passantes olhavam  cena de esguelha, rindo, mas nem Urahara nem Yoruichi pareciam  ligar—ele começou a girá-la no ar, enquanto ela continuava rindo.

Ele não sabia que ela não ria daquele jeito fazia séculos. Ela não sabia que faziam anos que ele não tinha um brilho tão vivo nos olhos. E eles não sabiam como lembravam um casal em seu abraço. Mas não importava—aquele era um reencontro de dois amigos depois de quatrocentos anos, e nada poderia interferir—era um momento muito particular.

_O que você está fazendo aqui?_ perguntou ele, em meio ao abraço. _Achei que a cidadela não permitiria visitas à um traidor como eu!_

_E ela não permite!_ Yoruichi desvencilhou-se para examiná-lo melhor. _Mas eu tirei cinco meses de férias acumuladas para procurar um amigo filho-da-puta que não quis voltar para a cidadela quanto teve chance._ ela olhou sugestivamente para ele. _E para fazer um pequeno favor para Byakuya, também, mas este é só um detalhe._

_Eu não voltei para a cidadela porque tenho uma vida aqui, da qual eu gosto mesmo._ Urahara começou a fechar a loja. _A vida na cidadela deixou de ser a minha vida faz tempo. A cada dia desses anos eu me tornei muito humano para os padrões deles.... Desenvolvi emoções que os vampiros desconhecem. Aprendi a burlar regras._ ele apontou para as estantes, os frascos variados e coloridos. _E me tornei definitivamente um marginal da ilegalidade._

Yoruichi riu novamente.

_Eu sempre disse que você levava jeito para isso. _ ela espichou os olhos para dentro. _Tem mais alguém aqui com voce?_

_Agora não. Mandei meus funcionários embora faz meia hora, uma vez que eu tenho que fechar a loja. No mundo humano, as lojas só ficam abertas meio período aos sábados._

_É mesmo?_ ela ergueu a sobrancelha. _Bem, então eu vou entrar e você vai me fazer um relato detalhado desses quatrocentos anos, tudo bem?_

_Folgada do jeito que você sempre foi, não acho que adiante dizer não._ Urahara terminou de fechar a vitrine, trancou a caixa registradora e entrou, trazendo Yoruichi com ele. _E você também pode desembuchar. Conseguiu “pegar” o Byakuya? Ele realmente se tornou o homem “lindo” e “maravilhoso” pelo qual você se derretia?_

_Na verdade, não._ ela fez um gesto desdenhoso de mão. _Bonito ele ficou, mais ainda, mas ficou tão chato que ninguém aguenta. Foram quatro séculos de pura briga... No final, nós somos só bons amigos. E o contato mais profundo que trocamos foi um selinho que eu dei nele ontem antes de partir. Você sabe que eu não deixo nada para depois... Queria realizar os antigos desejos antes de ir embora. Foi uma espécie de despedida._

Ele olhou para ela, o cenho franzido.

_Você fala como se fosse uma coisa realmente definitiva. Não é tanto tempo assim, Yoruichi! O que são cinco meses em meio aos séculos vampiros? Nada._

_É, Urahara._ o tom dela ficou subitamente sério. _Mas a questão é eu não pretendo voltar. Não mais. Não se você não voltar comigo para a cidadela._

Urahara voltou-se para ela, percebendo que ela realmente falava sério. Tudo o que ele não gostaria, naquele momento, era ter que discutir as suas escolhas em relação à própria vida com Yoruichi—porque eles não poderiam apenas sentar-se e conversar como os velhos amigos faziam? Teriam que discutir aquilo logo no primeiro dia?

Ele olhou nos olhos dela, fazendo questão de deixar a pergunta bem explícita neles, e a resposta dela foi um revirar de olhos. É claro que ela iria querer aquelas respostas ali e agora. Aquilo era tão Yoruichi—impaciente, ansiosa, teimosa e exigente. Como ele fugiria daquelas perguntas? Afinal, ela sabia a influência que exercia sobre ele.

Sabia que não havia nada que ela pedisse que ele não fizesse por ela. E, embora o sentimento fosse recíproco—Shihouin não hesitaria em fazer qualquer coisa que Urahara precisasse—, naquele momento, ela estava com a vantagem.

_Porque você não se senta?_ convidou ele, soando cansado. _Acho que nós precisamos conversar._

_****_

Na zona central da cidade de Karakura, lugar aonde gira toda a vida econômica legal do local, a cidade se parece com uma mini Tokio. Vários prédios se erguem como pilastras, rasgando o céu em suas posturas imponentes e assustadores. A maior parte desses prédios são dirigidos à fins de comércio, mas ainda sim, em meio aos vários arranha-céus, existiem os prédios residenciais. Nesses, mora a elite da cidade—aquela que ignora o cheiro podre da marginalidade da periferia, preferindo voltar suas atenções para o próprio umbigo e para a vida de luxo e aparências falsas dos ricos.

Nem todos.  No décimo quinto andar, naquela manhã de sábado, assim que os raios de sol começaram a jogar suas luzes espiraladas sobre os quartos, Hitsugaya Toushirou abriu os olhos, reconhecendo que era hora de acordar. Revirou-se na cama, a cabeça latejando muito, e deu de cara com uma menina minúscula dormindo calmamente em sua cama. Arregalando os olhos, ele se levantou, concertando a dor de cabeça com um estalar de dedos e olhando para mulher como se ela fosse uma cobra enorme, deslizando perigosamente por sua cama.

Aquele tipo de erro era o que ele vinha tentando consertar. Desde que mudara para aquele apartamento, há quase oito meses, a primeira regra que ele impôs para si mesmo era que nunca deveria trazer qualquer vadia para dentro de casa. Os moradores daquele prédio—a estúpida, idiota e arrogante elite da cidade, pensou ele, com desprezo—não via bem o sexo casual, o que era bem irônico, uma vez que os relacionamentos eram uma troca de chifres sem fim. Adultério não era uma raridade entre os casais. Mas na última vez que uma mulher fora vista saindo de sua casa furtivamente, os síndicos vieram lhe encher o saco, alegando que aquele tipo de coisa poderia manchar a reputação do prédio, e que preferiam que aquilo não se repetisse.

Será que doeria muito arrancar suas cabeças? Hitsugaya repetira aquela perguntas tantas vezes para si mesmo que ela se tornara uma espécie de mantra para se acalmar. Imaginar aquelas pessoas sendo decapitadas lhe trazia calma suficiente para que ele não se descontrolasse. E era nessas horas que ele reconhecia que seus amigos tinham razão—ficar rico honestamente, com uma carreira de advogado, como ele fizera, dava muito mais problemas do que roubar um banco. Principalmente pelo caso de que, se Hitsugaya fosse o ladrão, não teriam alarmes disparados. Cofres arrombados. Nem policiais à espreita. O dinheiro simplesmente sumiria, como se nunca tivesse existido, e iria parar na mão dele, quieto como um cachorrinho.

Se Hitsugaya odiava tanto os pais a ponto de fugir de casa, porque ainda continuava seguindo suas insistentes lições sobre honestidade? Afinal, ele não era realmente honesto, estava mentindo para todos sobre quem realmente era—um homem  frio, sistemático, que, num acaso, acabara se envolvendo mais do que deveria naquele mundo. Não se arrependia, porém—gostava de seus amigos, gostava das festas, gostava das drogas e gostava das mulheres. Mas se ele não se importava de fingir ser quem não era, porque raios deveria se importa com o modo como o dinheiro entrava na conta bancária?

Hitsugaya balançou a cabeça, voltando à realidade—não era hora de fazer perguntas, e sim de arranjar as soluções.  Primeiramente, tinha que sumir com aquela garota dali.  E depois, tinha que se apressar, pois tinha meia hora para chegar ao escritório, se utilizando de meios humanos. Olhando para cima, ele tentou se lembrar do feitiço que tinha aprendido com a avó, e que era capaz de deslocar qualquer massa de peso na velocidade da luz.

O nome não lhe vinha,e ele não podia ficar parado ali esperando. Jogando sobre ela palavras que a fariam ter um pesado sono de duas horas, ele tomou um banho rápido e se enfiou rapidamente no terno, encomendado de um alfaiate caro que tinha lhe cobrado os olhos da cara. Sendo ele um homem pequeno—bem pequeno—todas as roupas tinham que ser feitas sob medida para ele, a não ser que ele quisesse dar cinco dobras na barra de uma calça, ou ficar com as camisas pendendo por cima da calça, como uma capa. Analisando-se rapidamente no espelho, ele penteou os cabelos com uma curta passada de mão e desceu para tomar o café.

A dispensa estava quase vazia. Sobravam algumas bolachas e bolos de padaria, o que iria servir. Engolindo precariamente toda aquela comida, ele foi até a caixa de correio, lembrando-se de que prometera à Renji que checaria a correspondência todos os dias, na espera pela carta de Kuchiki Byakuya que o Abarai tinha certeza de que chegaria. Hitsugaya não sabia bem o que esperar—tudo o que sabia sobre Kuchiki Byakuya eram os boatos e informações de Gin, o que não valia muita coisa. Ele era uma cobra mentirosa; todos sabiam disso.

Mas a correspondência estava lá, quase transbordando para fora da caixa de correio acoplada à porta de madeira ocidental. Tirando-a com cuidado da caixa ,Hitsugaya constatou que ela era,  em maior parte, formada por contas de luz, telefone, internet e outras coisas que o filho da puta do Abarai não pagava. Ainda lhe daria uma boa surra por ter usado seu precioso endereço como álibi, mas, naquele momento, não estava preocupado. Teria a carta de Byakuya chegado?

_Acho que é isso daqui._ disse ele, por fim, pegando uma das últimas  cartas da pilha. O remetente tinha sido escrito em caligrafia fina e esticada. _Remetente... Que merda de letra é essa? Bem... Kuchiki... Byakuya!_ ele conferiu duas vezes para ver se estava correto, e sorriu. _O  desgraçado do Abarai nunca erra... Vamos ver o que temos aqui._

Ele abriu o envelope, constando que o seu interior tinha sido escrito com a mesma caligrafia horrorosa de antes. Com dificuldade, ele leu o conteúdo.

“Abarai Renji,

Creio que, a menos que  a reles população da cidade de Karakura se tornou de repente uma central de notícias,  você não saiba que minha irmã mais nova, Kuchiki Rukia, fugiu da nossa mansão na cidadela faz duas noites, com o objetivo estúpido de que essas festas ridículas combinavam mais com ela do que nossa vida de luxo e conforto em  nossa mansão. Não sei muito bem em que direção ela foi, mas filtrando alguns fatores que não são da sua conta, descobri que, provavelmente, ela esteja agora em Karakura, hospedada com os Shiba.

Eu quero que você a encontre e traga-a de volta. Se for preciso, traga-a à força, mas eu quero que ela esteja junto à nós novamente em menos de um mês. Não estou com paciência para desculpas de que essa busca é como procurar uma agulha num palheiro—porque ela É, e eu quero eficiência nesse serviço. Ele é de máxima importância.

Faça-me o favor de não se machucar todo como quando eu mandei você matar os três dragões de gelo. A cirurgia de reconstrução do seu ombro me custou os turros, ou seja, seja um bom menino e não se machuque muito. Se quiser se machucar muito, então morra de uma vez—não me dê mais prejuízos do que você já deu.

Espero que logo Rukia esteja de volta aos nossos, Renji. Só para informação, ela é baixa, aparentando treze anos, tem cabelos negros e pele muito pálida. É uma garota fina e educada. Tenha cuidado com seu temperamento difícil. Calculo que os poderes dela estejam bem fracos agora, mas, por precaução, procure não irritá-la. Eles se pronunciam de modo mais intenso se unidos à raiva.

Um mês, Abarai, este é o prazo.

Mande minhas saudações à Sally.

Kuchiki Byakuya.”

Hitsugaya começou a rir antes mesmo de terminar a carta. Não era o tipo de homem que ria com facilidade—na verdade, demonstrar emoções era um evento raro vindo de Toushirou—mas aquela carta tinha o divertido profundamente. O modo cego como Byakuya acreditava ter autoridade sobre Renji tinha sido hilário. Ele realmente acreditava que aquela ordem, feita daquela maneira tão insolente, agiria sobre Renji? Talvez ele acreditasse, porque a carta estava ali, escrita legitimamente por uma caneta especial, escrita com tinta modificada.

Com cuidado, Hitsugaya dobrou a carta e colocou-a novamente dentro do envelope, fechando-o com um deslizar de dedos. Parecia nunca ter sido aberto. Olhando o relógio, ele percebeu que teria de usar de métodos não humanos para chegar à tempo do trabalho. E ainda tinha que sumir com aquela garota.

Como o feitiço de deslocamento de massa não lhe tinha aparecido na cabeça, só lhe restava uma coisa: fazer um de substituição. Provavelmente a garota ficaria muito assustada por acordar numa loja de lençóis, mas era melhor que encarar os olhares venenosos os vizinhos de Hitsugaya. Relutantemente, ele a vestiu, e batendo as palmas uma única vez, ela sumiu no ar, um lençol branco perfeito surgindo em seu lugar.

Pronto. Todos os problemas resolvidos. Correndo, Toushirou pegou a mala e o telefone, trancou a porta e desceu as escadas como um raio. Havia alguém se mudando para o andar de baixo: uma garota pequena, de cabelos negros e olhar infantil. Parecia ser o tipo de menina que ele teria que evitar, e Hitsugaya fez um lembrete mental de não bancar o bom vizinho com ela. Pegou o celular e discou rapidamente o número do Abarai, esquecendo da garota por um tempo—sem saber que ela seria sua fonte de problema pelos próximos meses, ele saiu do prédio, ouvindo Renji atender no terceiro toque.

_Renji? É o Hitsugaya. A correspondência que você esperava chegou..._

E essas palavras se dissolveram no ar exatamente como o homem que as proferira. Com um pulo, Hitsugaya se desmanchou em cinzas, indo aparecer novamente no escritório como se tivesse chegado ali andando. Suspirando, ele desligou o celular e entrou.

Hora de mais um dia de trabalho.


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Notas finais do capítulo

Bem... Qual será o fiasco em relação ao Ichigo que deixou a Rukia tão frustrada? Alguém tem algum palpite?
Esse capítulo foi difícil de escrever no começo... As partes da Rukia são complicadas de escrever, porque eu fico tentando não deixar a essência que eu quero implicar nela se perder...
Bem, espero que tenham gostado! Um pouco do Urahara, um pouco do Toushirou... Vamos ver pedacinhos da vida dos personagens ao longo da história, para irmos os conhecendo melhor.
No próximo capítulo... Rukia entra na escola, quase mata Ichigo do coração. Hinamori dá as caras. Um pouco mais sobre Aizen e seus planos malignos... Vou pensar um pouco sobre essa parte.
Beijos e até o próximo!