Sentada agora ali, Novella sentia que seu coração sairia pela boca de tanto que batia. Tinha que dizer algo. Não houve ensaios, nem conselhos, exceto a orientação de que ela devia falar a verdade.

_ Senhorita, não tenha medo, diga apenas a verdade. Já havia dito antes que não matou seu irmão. Diga agora como ele sumiu de seus braços. – ela olhou para seu defensor, estava com medo de falar e comprovar um crime que não cometeu, mas Thompson estava paciente com ela – Seja confiante, mesmo que não saiba o que houve, diga o que sabe. – suspirou, e acenou com a cabeça para que ela falasse.

Keller, em seu trono majestoso, desejava estar no lugar de Thompson, mas com o mesmo poder, e dizer que ela podia dizer qualquer coisa e seria absolvida naquele momento. Nem se atrevia a olhar para ela, pois temia trair-se. Fingia observar o auditório, quando um feixe de luz em forma de som atravessou seu pensamento. Era Novella falando, finalmente.

_ Eu estava na sala, cuidava de trocar a blusa de frio de Andy, para coloca-lo na cama. A senhora Ramona me pediu para ferver a água e passar o chá.

_Andy estava com você enquanto fazia isso? – Thompson, assim como todos os presentes, queriam saber dela como Andy sumiu.

_ Sim, ele estava em meu colo o tempo todo.

_ E a senhora Ramona?

_ Acho que... Não sei exatamente. Ela sempre fica em frente à lareira, perto do fogão, mas não estava naquele momento.

_ Acha que ela podia estar no banho?

_ Não, por que o caldeirão ainda estava cheio.

_ O que fez depois de passar o chá?

_ Eu levei Andy para a caminha dele, e depois voltei para procurar pela senhora.

_ E a encontrou?

_ Ela já estava na cozinha, e havia colocado chá para mim. Eu perguntei por que me serviu, e ela disse que já era muito tarde, queria que eu colocasse logo Andy para dormir. Eu bebi o chá e fui para o quarto. Daí eu coloquei ele em meu colo... – suas forças acabaram ali, pois aquela foi a ultima vez que viu seu irmão.

Ela começou a chorar. O Juiz estava confuso. Novella estava firme até então, mas chorar a tornava uma vítima sensível ou uma assassina sádica. Era o que ele havia aprendido em toda sua carreira.

Thompson pediu que o Juiz esperasse até que ela se recuperasse.

Depois de mais calma ela continuou, mas ainda soluçava um pouco.

_ Eu estava embalando ele em meu colo... Eu não me lembro mais o que houve, por que adormeci, e quando acordei, ele já havia sumido!

Não era necessário que Thompson perguntasse o que ela sentia por seu irmão, pois estava evidente.

Mas tortura-la era uma tarefa para Romer, que sabia que Novella não estava preparada para responder a todas as perguntas que ele faria. E ele a encarou, tentando intimidá-la.

_ Senhorita Novella, alguma vez desejou que seu irmão não tivesse nascido?

Era uma pergunta sem sentido para ela, e não havia resposta em sua mente. Ela ficou calada e Romer olhou para o Juiz que pediu que ela respondesse. Mas ela disse ao Juiz:

_ Mas eu não sei o que dizer! Como eu poderia saber que ele ia nascer antes?

Keller sentiu-se envergonhado. Queria que ela respondesse a uma pergunta estúpida e ela respondeu da forma mais humilde, tão humilde que fazia sentido. Quando soube que seu irmão viria ao mundo ela já o amava e não pôde imaginar como não desejaria seu nascimento, porque sempre o quis. O Juiz olhou para o advogado dela e ele sorria, certamente interpretando a resposta dela do mesmo modo que ele.

Enquanto a maioria desdenhava dela, o Juiz disse:

_ Tome essa declaração como um “não”, advogado.

Sem escolha ele continuou. Tendo em mente que Novella era muito ingênua e que começava a demonstrar inocência como que estampada em seu rosto, além de um charme no modo de olhar e se postar, que conquistava a simpatia dos presentes por se tratar de homens, ele queria fazer com que ela dissesse algo que traísse a si mesma.

_ O que sente em relação à senhora Ramona?

_ Nada.

_ Não gosta dela?

_ Não!

_ Ela te dá um lar, roupa e alimento. Não te sentes agradecida.

_ Ela faz por obrigação. Disse isso muitas vezes.

Vendo que não estava indo para o caminho certo, tentou outra coisa.

_ Não sente esse desapreço por ela fazê-la trabalhar ao invés de ir aos cursinhos, como as moças de sua idade?

Ela pensou um pouco e a demora fez com que o Juiz olhasse para ela. Novella não sentia medo mais, só estava incomodada com as perguntas de Romer.

Encarando o Juiz ela disse:

_ Eu não gosto dela por que ela me maltrata... E deixou minha mãe morrer.

Insistente, Romer fez com que ela olhasse para ele.

_ Quer dizer que a odeia? A odeia por sua mãe?

_ Sim! – respondeu com rancor.

Thompson notou o que Romer queria. Por entender o tipo de tutora que era Ramona queria que Novella expressasse toda sua raiva.

_ Teria fugido dela se tivesse a chance? Teria feito com que ela pagasse pela morte de sua mãe?

_ Sim!

Thompson se levantou e protestou, mas o Juiz negou e Romer continuou, alterando o tom da voz.

_ Você a mataria também se pudesse?- usava uma voz sádica.

_ Não responda Novella! – gritou Thompson – Meritíssimo...

_ Mataria! – ela respondeu sem dar atenção a Thompson. Foi induzida ao ódio e fez o que Romer queria.

_ Meritíssimo! Peça ao júri para desconsiderar a resposta dela!

Mas Romer estava sendo rápido demais.

_ Mas não podia matá-la, não è? Usou seu irmão para acusa-la e fazê-la pagar!

_ Não! – ela respondeu.

_ Aproveitou a ausência dela e o levou para a rua e o estrangulou!

_ Senhor Romer! Submeta-se! – ordenou o Juiz.

_ Não responda Novella!- Thompson pediu novamente, mas em vão.

_ Eu não matei meu irmão. Foi ela!

Houve então um grande alvoroço entre os espectadores.

_Meritíssimo, - disse Romer- ela disse em alto e bom som que mataria se pudesse. É uma ameaça a Fraterna, e minha cliente corre perigo com ela à solta! Solicito que em nome de Fraterna e pela segurança de minha cliente que ela seja submetida a uma prisão preventiva!

_ Eu não fiz nada! – ela disse olhando para o Juiz.

Tentando manter a ordem, e surpreendido pela ingenuidade de Novella, o juiz gritou inconformado.

_ Silêncio! Calem a boca! – quando o a euforia se acalmou ele ordenou - Meirinhos, prendam a moça! Recesso até amanhã!

Thompson queria pedir ao seu amigo que não fizesse o que Romer pediu, mas Keller não podia negar o pedido. Novella realmente se traiu ao dizer que mataria se pudesse. Não podia explicar quantas vezes foi humilhada e desprezada por Ramona, e quantas vezes sua mãe chorou pelo mesmo tratamento. Tudo que ela queria ao perder sua mãe era recomeçar sua vida em outro lugar com seu irmão.

O Juiz Keller ordenou que levassem Novella para a prisão do tribunal, pois lá ficaria até o término do julgamento.