Estávamos na imensa, obscura e florida sala de tio Hades e sua esposa Perséfone. Eu estava encostado em um estante, ao lado de meu pai. Tio Zeus, tio Hades, suas esposas, Hefesto, Ártemis, Apolo… Bom, muitos dos primos distantes que estavam na cidade atualmente. Porém, parecíamos completos estranhos. Ninguém trocou uma palavra se quer, nem mesmo um olhar. Ou olhávamos para o teto, ou mexíamos no celular ou encarávamos o chão sem motivo algum. E a única razão por todos nós estarmos ali era Nico. E essa razão não estava presente.

Comecei a batucar o pé e olhei para Apolo do outro lado da sala. Encarei-o e perguntei mexendo os lábios sem soltar um tom de voz onde estava Nico. Ele deu de ombros e olhou ao seu redor.

– Alguém sabe onde está Nico? – ele perguntou. Os olhares frios da sala toda se viraram pra ele, mas ele pareceu não se incomodar com aquilo. E não era só eu, mas todos queríamos saber onde Nico estava. Até mesmo Bianca não sabia.

– Vou ligar pra ele e ver se ele vai demorar… – Ela disse e puxou o telefone sem fio atrás de si e começou a discar os números. Quando ela levou o telefone à orelha, a porta se abriu num estrondo e Nico entrou na sala.

Parou ao ver todos nós encarando-o com raiva por ter se atrasado tanto. Porém, um sorriso se abriu em seu rosto.

– Olá família – ele disse, e deixou suas coisas em cima da mesa de centro e se jogou no sofá entre Ártemis e tio Zeus. Tio Hades o encarou e coçou a barba com a expressão dura.

– Você poderia nos dizer qual é esse propósito? – perguntou tio Hades e eu notei que fazia realmente muito tempo que eu não ouvia sua voz pesada, rouca e medonha. Nico cruzou os braços atrás de sua cabeça como se estivesse encostado em algum lugar.

– Nada, só queria ver toda a família reunida novamente – ele disse, e fechou os olhos.

– Espera… você me disse que tinha descoberto quem estava por trás dos problemas que estamos tendo nos nossos negócio – tio Zeus falou do outro lado da sala. – Se você me fez vir até aqui a toa, eu vou embora. - Ele se levantou da cadeira que estava sentado fazendo sinal para seus filhos, mas logo Nico deu um pulo do sofá.

– Calma, foi só uma brincadeira! – ele disse, fazendo tio Zeus se sentar novamente. – Eu descobri quem está por trás disso tudo. Depois de ter vasculhado o computador de vocês uma centena de vezes vendo que todos caíam no mesmo cód…

– Você não pode falar quem é de uma vez? – falou Apolo, revirando os olhos.

– Tudo bem - Nico suspirou. – Quem fez toda aquela cagada que levou cerca de metade do empreendimento de vocês, tios e pai, foi alguém que está nessa sala.

Ninguém falou nada. Tio Zeus me encarou com uma careta. Lógico, ele pensava que era eu desde o início. Apolo não estava nem aí, mas Ártemis também o encarava feio. Agora todos suspeitavam de todos. Olhei para o meu pai e ele continuava olhando para Nico, esperando que ele dissesse algo.

– E quem foi…? – perguntei, nervoso. Nico respirou fundo e sorriu do jeito mais demoníaco que conseguiu.

– Fui eu.

Meu queixo foi até o chão. Eu queria bater em Nico, e parecia que todos queriam fazer o mesmo apenas por ver a expressão que fizeram. Meu pai ainda parecia captar a mensagem, assim como tio Hades.

– Antes que vocês queiram nos prender, torturar, pedir mercadorias de volta e coisas afins, deixe-me explicar – ele disse. – Quando soube que toda a família feliz estaria aqui, resolvi brincar com os bens de vocês. Apenas o de vocês, porque obviamente, iriam se reunir pra saber quem era que estava acabando com seus lucros. Foi divertido ver vocês se preocupando e caindo na desgraça. Mas eu tinha um propósito… - Ele parou, e nos encarou como se perguntasse se alguém soubesse o que ele queria dizer. Infelizmente, não obteve resposta.

– A família. Você queria reunir a família novamente – disse Hera, sorrindo seriamente para ele.

– Obrigado, tia – Nico falou e caiu no sofá novamente, colocando a mão na testa. Agora tudo fazia sentido, é claro.

– Mas porque você simplesmente não nos ligou para fazermos algo feliz em família? – Indagou Apolo.

– E vocês viriam? – ele perguntou, num tom irritado.

– Concordo com Nico – falei, vendo que todos o deixariam sem resposta novamente. – Já passou da hora de nos unirmos como uma família e resolvermos todas essas bobagens do passado que vocês ainda andam carregando nos ombros.

Nico fez um ‘obrigado’ com os lábios e eu balancei a cabeça como se respondesse um ‘sem problemas’. Meu pai coçou a nuca e meus tios não disseram nada. Lancei um olhar furioso para meu pai fazendo com que ele falasse algo.

– É, hm... acho que isso foi errado da sua parte, Nico. Quero dizer, atrapalhar nossas empresas. Mas por outro lado, você só queria que tudo ficasse bem novamente. O que eu, Hades e Zeus temos é uma grande besteira. Cada um de nós tem o nosso próprio negócio agora, certo? – meu pai falou, e eu agradeci a todos os deuses existentes no mundo por isso.

– Estamos sobrevivendo com o que temos, não precisamos virar a cara quando nos vemos em algum lugar por isso. Afinal de contas, ainda somos irmãos. E temos que dar orgulho ao nosso falecido pai – tio Zeus concordou, e a maioria de nós deu um sorriso sincero. Tudo estava indo bem, era meio caminho andando. Só faltava tio Hades.

– É, pode até ser. Mas eu ainda odeio vocês – tio Hades finalmente falou e entrelaçou os dedos. – Ficaram com a melhor parte de tudo, embora eu esteja indo bem melhor do que vocês em questões financeiras...

– Por favor, pai! – A voz de Bianca o cortou. – Você nunca teve problemas com seu trabalho e sempre soube que estava melhor que eles! Não precisa reclamar agora... Sem contar que você ganha muito fazendo pouco, já pensou? – Tio Hades ficou pensativo e deu uma leve concordância com a cabeça.

– E então... Vão fazer as pazes ou vamos ter que matar alguém essa noite? – Apolo esfregou as mãos olhando esperançoso para os três. Tio Hades se levantou assim como tio Zeus. Meu pai desencostou da estante e os três suspiraram. Nico soltou um pigarro e os três finalmente apertaram as mãos. Suspiros de alívio ecoaram pela sala, e eu pude ver um sorriso sincero no rosto de cada um dos Três Grandes de Los Angeles.

(...)

– Bom, agora vamos passar o Natal juntos novamente – comentou Nico, enquanto andávamos por um passeio largo no centro. Nossos pais ficaram conversando na casa de tio Hades e alguns de meus primos foram embora, e nós resolvemos dar uma andada para ver se tinha algum lugar legal para podermos frequentar. Infelizmente, essa noite havia apenas algumas livrarias abertas e cafeterias. As baladas pareciam estar um saco, então ficamos apenas andando.

– É, desde que Thalia não recheie nossos cupcakes com ovo novamente, teremos um ótimo Natal.

– Thalia! Temos que avisar a ela que está tudo resolvido – Nico se lembrou.

– Não, acho que não vai ser preciso. Apolo disse que contaria a ela quando ele fosse ao hospital. – Falei, dando de ombros.

– Imagina só a cara dela... – ele disse, rindo e eu ri junto. Passamos em frente a uma livraria e um livro na vitrine me chamou atenção. Um livro com uma grande construção na capa... o mesmo que eu havia estragado ao acertar Annabeth com a bola na praia. Parei em frente a livraria e o encarei, me lembrando daquele dia. As maçãs de seu rosto avermelhadas, ela falando que Luke era bonito...

– Percy... você está atrapalhando as pessoas – Nico me cutucou.

– O que? – falei, desviando o olhar.

– O passeio. Percy, as pessoas querem chegar aos lugares e você está bem no meio do caminho delas! – Ele repetiu. Cheguei mais perto da vitrine, fazendo com que abrisse caminho no passeio.

Me lembrei do que Thalia havia dito mais cedo no hospital. “Não me decepcione. Você sabe o que tem que fazer em relação à... duendes!” Nico se aproximou de mim e encarou o livro confuso.

– Esse por acaso é o livro daquela sua namorada que você derrubou na praia? – ele indagou.

– Ela não é minha namorada. Pelo menos, não é mais – falei. Senti minha garganta secar e Nico suspirou.

– Eu sei do que aconteceu – ele falou. – Você foi um idiota completo.

– Eu sei, obrigado – falei irritado. Ele ficou em silêncio, percebendo que se continuasse a falar eu provavelmente o jogaria no espaço.

– Percy, você vai embora que dia?

– Terça – falei, pensando em algo que eu poderia fazer.

– Cara, você tem mais dois dias aqui...

– Eu já sei o que fazer – falei enquanto minha cabeça voava em pensamentos, cortando-o.

– O que? – Ele perguntou, sem entender o sentido do que eu disse. – O que você vai fazer?

– Me espera aqui – falei, e entrei na livraria.