Tale As Old As Time. escrita por Jajabarnes


Capítulo 65
Fury.


Notas iniciais do capítulo

Em tempos tão difíceis como os que estamos vivendo, espero poder ajudar cada um que chegar aqui a ter um momento de boa diversão e prazer em leitura ♥

Divirtam-se.



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Despertei no dia seguinte com o nascer do sol. Caspian ainda dormia, abraçado a mim. Permiti-me fechar os olhos para mais um cochilo, e assim que o fiz, ouvi a porta ranger enquanto abria lentamente. Espiei por um olho, já sabendo de quem se tratava.

Ainda todo esticado alcançando a maçaneta com as pontas dos dedos, Raphael adentrou o quarto pendurado à porta que soltou ao conseguir abrir. Ele arrastou o cobertor pelo chão ao caminhar para a cama. Abri os olhos e ele riu, acelerando os passinhos.

—Mama - ele estendeu a mãozinha e a segurei para ajudá-lo a subir.

—Bom dia, meu bem. - disse a ele quando me abraçou, tão quentinho, roçando seus cabelos bagunçados em meu queixo. - Dormiu bem?

Ele afirmou com a cabeça, enfativamente. Logo olhou para Caspian e esticou-se por cima de mim para tocar o rosto dele, chamando-o.

—Papai, acoda!

—Só consigo acordar com um abraço bem apertado. - murmurou Caspian ainda de olhos fechados, puxando-o de repente para o abraço. Raphael gargalhou até precisar de ar por causa das cócegas, deslizando para a cama entre nós. Caspian dirigiu-me um olhar cúmplice e acrescentou com um bocejo: - Acho que ele quer dormir mais um pouco.

—Não! - protestou o pequeno, balançando a cabeça e rindo.

—Eu acho que quer sim. - falei, no mesmo tom de Caspian. Raphael riu e balançou a cabeça mais determinado ainda. Sem dúvidas acordara com as energias multiplicadas.

Quando Caspian e eu não dissemos nada e não nos movemos, Raphael pareceu ficar alerta, olhando de um para o outro, logo caindo em mais uma onda de gargalhada com o novo ataque de cócegas.

Não demorou para que eu descesse para aprontar nosso café da manhã enquanto Caspian ajudava Raphael a se preparar. Os guinchos esganiçados seguidos de gargalhadas me faziam imaginar a bagunça que estavam fazendo. Terminava de pôr a mesa quando os dois chegaram com os cabelos molhados, parando na porta e olhando-me por alguns segundos antes de sentarem-se à mesa.

Eram tão parecidos. Raphael tinha todos os trejeitos de Caspian possíveis. Eu os amava mais que tudo, e faria o que estivesse ao meu alcance para que estivessem sempre bem. Comi pouco no café da manhã, o enjoo não me dera trégua há dias e podia garantir que seus efeitos estavam gradativamente mais fortes. Contudo, não tivera nenhum ocorrido preocupante até aquela tarde.

Caspian não estava, fora com Willoughby e o rapaz que trabalha pra nós a fim de acertar a compra de um cavalo. Raphael comera bem no almoço e logo voltou a brincar. Àquela altura fugira-me da mente o quanto a lua estava próxima. Sentei-me à sala e pus-me a escrever em meu diário, como de costume, enquanto Raphael brincava ali. O enjoo cedera muito pouco e torcia para não precisar pôr nada para fora. Conforme o tempo passava, minha visão começou a embaçar vez por outra e tudo parecia mais lento ao meu redor. Quando quase não consegui segurar o ímpeto do enjoo, deixei o diário de lado.

Chamei Raphael e o levei para cima devagar, até o quarto. A náusea parecia contorcer-se e girar dentro de mim, cada vez mais acentuada. Só tive tempo de deixar Raphael brincando no quarto e corri para o quarto de banho, por sorte não caí com tudo girando à minha volta. Não foi possível evitar o som incômodo quando pensei que viraria do avesso.

Lavei o rosto com as poucas forças que me restaram, tudo parecia ter-me consumido. Podia sentir a palidez em meu rosto e a frieza nas mãos enquanto retornava ao quarto. Só precisava deitar um pouco, e logo passaria. Raphael brincava tranquilamente. Agindo o mais natural que conseguia, caminhei até a cama. Estava a dois passos dela quando tudo girou violentamente e então escureceu.

[...]

Longe, podia ouvir o som do vento, mas o bosque congelado à minha volta era o mais completo silêncio. Ao meu lado, na neve, havia o rastro de pegadas de um felino muito grande, que começavam a meu lado e seguiam adiante até sumir em meio as árvores. Girei devagar, mas não havia mais ninguém ali. Porém atrás de mim, lá estava novamente: o lampião. Eu deveria estar perto de casa.

De repente senti um toque em minhas pernas e em minha cintura, e foi como se me levassem para longe até que não pudesse mais ver nada.

—Su...! - ouvi distante. - Susana, acorde! - pedia urgente, mas tudo era confuso, um som distante que chegava cada vez mais perto. - Susana, por favor...

Consegui abrir o olhos lentamente, a imagem embaçada à minha frente, assim como o som da voz, foi tomando forma. Então, Caspian estava à minha frente, lívido. Atrás dele, olhando assustado, estava Raphael. Levei mais alguns segundos para lembrar o que houve.

—Você está bem? - implorou Caspian. - Por favor, diga alguma coisa.

—Eu... Estou um pouco tonta. - sussurrei, os pensamentos pareciam demorar demais para chegar. - Estava me sentindo muito mal, trouxe Raphael para que eu pudesse deitar um pouco, mas tudo apagou de repente. - contei, tentando sentar sobre a cama, onde Caspian havia me deitado e sentava ao meu lado.

—Ele estava tentando acordar você quando cheguei. - contou, a respiração normalizando, a cor voltando ao seu rosto pouco a pouco. Fechei os olhos quando tudo quis girar novamente. - Acho melhor chamarmos um médico.

Neguei com a cabeça, bem devagar.

—Enjoos e tonturas são normais até onde sei. - sussurrei.

—Você desmaiou. - Caspian deu ênfase.

—Não sinto dores ou qualquer outro tipo de desconforto além de enjoo e tontura. - tranquilizei. - Ficaremos bem, só preciso descansar.

Caspian protestaria, pude ver em seus olhos, mas Raphael chegou e segurou seu joelho, olhando-me com certo medo. Sorri de leve para ele e estendi a mão, que ele segurou e sorriu dd volta, mostrando que o medo sumira de seu rosto. Deve ter ficado tão assustado, mas ao que tudo indicava, Caspian chegara quase ao mesmo tempo. Ele esticou a mão para afagar o cabelo de Raphael.

—Acha... - começou. - Acha que pode ser consequência da Herança? Digo... Nunca tivemos incidentes como este quando você esperava por Raphael.

Caspian escolheu as palavras com cuidado, mas um calafrio em meu corpo foi inevitável. Busquei algo em meu ser para me apoiar contrária àquela possibilidade. Encontrei um fato que parecia fazer sentido.

—Pode ser que não. - argumentei. - Ainda não estamos na época da lua. - segurei a mão de Caspian. - Se tranquilize. Ficarei bem.

Ele apertou minha mão em resposta e não dissemos mais nada a respeito. Nos dois dias que se seguiram, senti-me melhor, o que me fez ainda mais convicta de meu argumento. Mas eu estava terrivelmente errada.

Faltando alguns dias para a lua, pouco mais de umas semana, Raphael adoeceu sem motivo aparente mais uma vez. No mesmo dia que tive outro desmaio. Não restaram dúvidas para Caspian de que estava tudo relacionado. E, por mais que eu não admitisse, sentia em meu íntimo que ele estava certo. Caspian saiu pela manhã para providenciar tudo. Enviaria um mensageiro de confiança com um recado para Digory, e no meio da tarde nos despedíamos de Willoughby e Amelie em frente a nossa casa.

O abraço apertado de minha amiga parecia pedir para que não fôssemos e essa sensação permaneceu quando a carruagem começou a se mover. Vi nossa casa ficar para trás com um aperto se instalando em meu peito enquanto avançavamos para mais longe, ao passo que a dúvida se instalava em meu íntimo: não tinha certeza se estávamos fazendo a coisa certa.

—Estou com uma sensação ruim. - disse, quando percebi o olhar de Caspian sobre mim.

—Ficaremos bem, Su. - respondeu, após alguns segundos.

A viagem não foi tão sofrida quanto a primeira. A neve ainda não começara seu espetáculo para valer, então o trajeto foi bem mais fácil, o que nos faria chegar mais rápido. O movimento da carruagem me castigava, mas minha maior preocupação era com Raphael. A febre ainda não se manifestara, mas a fraqueza sim. Partia-me o coração vê-lo tão quieto e de poucos sorrisos, mal comia. E eu pedi, a cada segundo, pedi que meus dois pequenos ficassem bem.

Conseguimos completar a viagem em uma semana. Fora um pouco difícil, especialmente para Raphael, ter que passar tanto tempo dentro da carruagem. Mesmo assim, à beira de completar três anos que partimos, desembarcamos próximos a Lantern. Porém, seguimos outro caminho, até aquele castelo escondido no bosque, o mesmo para o qual Caspian e eu fugimos - de Dash - tanto tempo atrás. Ironicamente onde também acabamos por decidir nosso futuro, o mesmo que nos trazia de volta para cá.

Tudo estava como eu lembrava, antigo e conservado. Fiquei com um adormecido Raphael em meus braços enquanto Caspian tirava os lençóis amarelados que cobriam os móveis de um dos quartos. Logo ele saiu para buscar lenha. Deitei Raphael na cama com cuidado e chequei sua temperatura tocando sua testa. Sem febre, mas fazia tempo que não comera quase nada. Sentia-me melhor e sabia que não era motivo de muita esperança, pois sempre melhorava antes de piorar de novo. Tinha sido assim desde o primeiro desmaio.

Caspian retornou com lenha para acender a lareira do quarto, e água. Havíamos comprado comida no vilarejo, podendo assim fazer a última refeição do dia. Raphael despertou e tudo o que comeu foi um pedaço pequeno de pão com geleia.

—Esperava encontrá-lo já aqui. - comentou Caspian, quando Raphael adormecera de novo. Sequer precisei perguntar sobre quem falava.

—Sabe como seu pai é. - tranquilizei, cobrindo Raphael. - Deve estar tendo todo cuidado possível.

Ele apenas assentiu devagar e perguntou:

—Como está se sentindo? Caminhei até ele dirigindo-lhe um sorriso.

—Bem. Me sinto muito bem.

Ele segurou minha mão e puxou-me para seus braços, envolvendo-me neles. Retribuí o abraço apertado, sentindo seu calor, sendo preenchida pela sensação de estar em casa. Caspian afastou-se e inclinou-se para tomar meus lábios nos seus. Meu coração ainda acelerava, as borboletas ainfa voavam em meu estômago, como se sempre fosse a primeira vez que o beijava.

—Se eu soubesse de tudo na primeira vez que estivemos aqui. - sussurrou ele, acomodando uma mecha solta de meu cabelo atrás da minha orelha. - Não teria perdido um minuto sequer ao seu lado desde aquele dia.

Sorri, sentindo sua respiração em meu rosto.

—Você sempre foi minha escolha, desde muito antes daquele dia. - sussurrei de volta. Caspian tomou-me em outro beijo, mais profundo, que arrancou-me o fôlego.

Então um som de tosse nos interrompeu. Raphael não chegou a acordar, mas fui vê-lo mais uma vez, por precaução. A lua estaria cheia no dia seguinte, e tivemos uma noite de sono misturada entre monitorar Raphael e descansar da longa viagem. Na manhã seguinte, ainda não tínhamos notícias de Digory e Caspian começava a ficar inquieto. A febre em Raphael persistia, eu sentia vertigens mais fortes e, inclusive, dores. Os sintomas estavam fortes em Caspian. Sem dúvida enfrentávamos um momento que ia além dos nossos conhecimentos e despertava os mais profundos medos.

O silêncio e a demora de Digory estavam afligindo Caspian mais do que ele deixava transparecer e, enquanto eu cuidava de Raphael, ele seguia na biblioteca, tentando encontrar alguma coisa que ajudasse de qualquer forma. Surpreendera-me também ao revelar sobre a biblioteca. Era uma "biblioteca da família", como ele descreveu, que crescera durante as gerações anteriores. Dentre todos os títulos que guardava, os mais especiais eram os diários. Uma coleção única de livros escritos pelos ancestrais da família Pevensie-Kirke. Todos.

Apesar da surpresa, fazia muito sentido. Além de registro da história e da genealogia, eram documentos sobre os mais diversos acontecimentos e fatos relativos à herança que permitiam que as gerações futuras tivessem conhecimento suficiente pra o que pudessem precisar. A esperança era encontrar ali algo que nos ajudasse entender o que acontecia. Além disso, explicava o fato de Caspian ter me presenteado com um diário naquele natal de 1816. Sem dúvida eu iria conhecer essa biblioteca. Pensava em passar por lá e pegar algo para ler quando Raphael adormeceu, por volta das quinze horas daquele dia, mas um som do lado de fora chamou minha atenção.

O quarto em que estávamos tinha vista para a entrada do castelo, o que me permitiu ouvir o galope do cavalo se aproximando. Fui até a janela com cuidado para não ser vista, espreitando para o lado de fora. O cavalo parou em frente as portas pesadas de madeira. Era um rapaz novo, vestido em um azul acinzentado, que desmontou e caminhou até bater a aldrava contra a madeira. Demorou um pouco, mas Caspian chegou até ele, recebendo um envelope antes de o rapaz partir. Caspian entrou e pude ouvir de longe a porta sendo trancada. Aguardei até que Caspian chegasse ao quarto.

—É de meu pai. - disse ao passar pela porta, abrindo o envelope.

—O que diz? - perguntei, me aproximando.

—"Espero que tenham feito boa viagem e que nada mais grave tenha acontecido. Dash está na cidade, por isso não os esperei no local combinado como pretendia. Partirei logo mais de Londres e os encontrarei ainda esta noite. Tenham cuidado." - leu Caspian, então respirou fundo olhando o papel por mais alguns segundos, como se pudesse obter qualquer informação a mais.

—Viu? - disse-lhe, tocando seu braço. - Ficará tudo bem. Caspian abraçou-me e beijou-me a cabeça. Ele estava mais quente que o normal e tenso. Soube naquele momento que ele sentia mais do que dizia também.

—Papai... - chamou Raphael da cama, coçando o olhinho, a voz manhosa e rouca de quem acaba de acordar.

—Olha só, como está meu bravo cavaleiro? - e assim Caspian foi para o lado dele, começando a distraí-lo.

Cruzei os braços quase como um abraço próprio, não conseguindo evitar olhar para a janela. Anoiteceria em pouco tempo e, sem entender bem porquê, uma aflição brotou no fundo de meu coração, mas preferi não dar ouvidos a ela. Concentrei-me em Caspian e Raphael e em participar da brincadeira tranquila que eles começavam ali, ignorando a vertigem que me alcançou.

A brincadeira durou apenas até o escurecer quando Raphael adormeceu novamente, com a respiração pesada. Caspian o cobriu, beijou-lhe a testa e atiçou a lareira antes de sairmos, levando o atiçador cujo gancho me ajudaria a arrastar lenha para ajudar.

—Deixei mais lenha no jardim - disse ele. - Harold também deve vir - completou, quando entrelaçou seus dedos aos meus e começamos a caminhar pra lá.

—Provavelmente. - concordei, e ri. - Espero que tragam comida.

Caspian estacou.

—Está com fome?

—Não. - expliquei. Havíamos comido há pouco. - Mas só teremos comida até o café da manhã.

Ele assentiu devagar, como se cada movimento custasse muito. Notei a palidez em seu rosto, o quanto a escuridão de seus olhos parecia profunda e perigosa. Alguns dos sinais que eu aprendera a reconhecer tão bem nos últimos anos.

—Você não está bem. - deduzi. Ele olhou-me. Não negou. - Acha que...?

—Queria esperá-los chegar. - disse. - Mas caso não dê tempo, irei para o porão.

Assenti e retomamos nosso caminho até o jardim. Não menti quando disse a ele que estava sem fome, mas não era pelo pão com geléia e torradas que comemos; e sim pelo enjoo que começava e ameaçava sugar todas as minhas energias. Falamos de outros assuntos até chegarmos aos jardins internos.

O frio ali me atingiu em cheio, porém combinava perfeitamente com aquele lugar. As colunas, o chão ora coberto por grama ora por pedra, e as paredes e colunas também de pedra pareciam apoiar o céu noturno e levemente estrelado como teto. A lua iluminava a fonte no centro daquele pátio, refletia prata pelo chão e era toda luz que aquele espaço precisava. Parecia nos levar para tempos antigos. Haviam roseiras que, mesmo no inverno, escalavam as paredes e colunas do lugar exibindo algumas rosas vermelhas, inclusive. Era belíssimo, mas ao meu lado, Caspian arquejou, pondo a mão sobre o peito.

—Estou bem. - garantiu antes mesmo que eu perguntasse. Naquele momento flocos mínimos de neve flutuaram vindos do céu noturno, quase imperceptíveis.

—Deixe que eu resolvo isso, espere aqui. - falei.

—Dou conta. - tranquilizou, sendo traído por sua voz. Segurou minha mão, entregando-me o atiçador, impedindo-me de avançar para a lenha empilhada ao pé da fonte. - Não quero que carregue tanto peso. - Respirou fundo e garantiu. - Posso fazer isso.

Deixei que prosseguisse. Caspian respirava devagar, pude notar, para manter a respiração calma. Enquanto observava seus movimentos. Ele já sentia dor. A tensão nas costas e os discretos tremores me diziam isso. Talvez...

—Ah! - ele arquejou, caindo de joelhos quando já se levantava, derrubando a lenha no chão. Corri até ele, ajoelhando-me ao seu lado e largando o atiçador no chão. Caspian gemeu apoiando-se no chão com uma mão e levando a outra ao peito. Toquei-lhe o rosto, gelado, úmido por um suor discreto e tão frio quanto.

—Caspian. - chamei. Ele ofegava.

—Eu... - começou, mas seu corpo inteiro estremeceu e ele arquejou outra vez, trincando os dentes com força.

Sua pele esquentava, mas o suor continuava frio. Meu coração disparava. Olhei para o céu, o brilho da lua visível mesmo por trás da nuvem.

— Está forte demais. - ele murmurou, os olhos fechados, as sobrancelhas unidas, a dor transparecia em seu rosto, a respiração pesava. Um espasmo e um estalo. - Acho melhor ir logo.

Ele se encolheu, nem precisou terminar para que eu compreendesse. Normalmente aquilo não era necessário. Bastava tocá-lo, ou estar com ele e aquela ligação entre nós cuidava para que tudo passasse. Mas havia algo diferente daquela vez, além de que Raphael precisava de mim.

—Tudo bem. - falei calmamente. - Levo você até lá quando estiver pronto.

Caspian assentiu.

—Promete que levará notícias de Raphael? - sussurrou.

Sorri de leve.

—Claro que sim. - Caspian se contraiu mais uma vez, gemendo, algo estalou e ele arquejou.

—Levará pouco tempo até estar completa. - contou, ofegante. - É melhor irmos logo.

Caspian franziu os lábios ao apoiar-se em um pé para se erguer. Ajudei-o como pude. Sua temperatura aumentava, sentia seu corpo contrair-se e estalar. Um arrepio percorreu meu corpo. Caspian colocou-se de pé e tentei apoiá-lo como pude. Segurei sua mão e demos meia volta para a saída do jardim. Um nove arrepio percorreu meu corpo e senti o sangue fugir de mim quando vimos que havia alguém parado no limiar. Antes que eu tivesse tempo de reagir, Caspian me passou para trás de si.

Imóvel, com as roupas sem o prumo de costume, e com ódio brilhando nos olhos de expressão sombria. Era a visão que eu tinha por trás de Caspian. Parado no limiar, Dash nos encarava. Fez isso por muitos segundos antes do silêncio ser quebrado.

—Como é bom revê-lo, irmão. - cuspiu. - Até que enfim.

Meus pensamentos voaram para Raphael, e clamei para que Dash não o tivesse achadom

—Não sei como consegui chegar aqui. - disse Caspian, grave, lutando para conter a respiração irregular. - Mas vá embora.

—Irei. E quando for, direi a nosso pai que tenha mais cuidado ao escolher mensageiros. - disse calmamente. - Foi muito fácil segui-lo.

Senti Caspian enrijecer o corpo. Dash tinha olhos terríveis encarando-o. O verde que houvera ali não passava de uma sombra antiga, apesar de ainda estar lá. Sua expressão não dixia nada além do que movia sua vida: o ódio.

—O que você quer? - perguntei, firme. Só então sua atenção pousou sobre mim. O fantasma de um brilho se demorou segundos em seu olhar.

—Su - disse. Caspian permaneceu imóvel. - Cada vez mais bela. Como esperei para revê-la.

—O que você quer?! - Caspian exigiu, entredentes.

—Sempre intrometido! - rugiu Dash. - Jamais entenderá o quão inconveniente você é? O estorvo de todos nós!

Senti Caspian conter o ímpeto de fúria. Faria o possível para não machucá-lo.

—Isso é entre nós dois. - lembrou Caspian, contendo o ofegar. - E não deve envolver ninguém mais. - enfatizou. - Mas não pode ser resolvido agora. Você precisa sair daqui.

Uma nuvem correu pelo céu, permitindo que a luz da lua nos iluminasse com mais força. Dash olhou para cima, e entendeu.

—Ah. É isso. - ergueu as sobrancelhas. Então deu de ombros. - Não tenho medo de você.

Ninguém precisa se machucar. - insistiu Caspian. Um esboço de meio sorriso se formou no rosto de Dash enquanto ele avançava dois passos calmos em nossa direção.

—Se está se referindo ao pequeno... Raphael, não é? Que encontreu dormindo como um anjo no quarto - disse. Gelo apertou meu coração. - Não se preocupe, ele está bem.

—Você tem que sair daqui! - bradou Caspian, fezendo-nos recuar mais um pouco, levando a mão ao peito.

Ele continuava quente, a respiração mais áspera. Garanti que estava bem perto dele para ajudar como fosse possível. Sentia aquela ligação, aquele vínculo, formigando como sempre fazia, mas parecia não ter efeito. Ele arfou e caiu de joelhos.

—Caspian! - fui ao chão também, ao lado dele. Nada que não pudesse amortecer. Caspian arfava e tremia.

—Parece que escolhi o momento perfeiro para chegar. - comentou Dash, metendo a mão no casaco e puxando a arma de lá, que reluziu à luz da lua ao ser apontada para nós. Estaquei, petrificada. - Chegou a hora, irmão.

Ele disparou, mas a arma falhou. Caspian, porém, lançou-se contra Dash, tão rápido que perdi o equilíbrio, apoiando-me no chão. Caspian ergueu o braço do irmão, fazendo-o apontá-la para cima enquanto tentava afastá-lo dali, mas Dash resistia, e lutava. Tudo o que pude fazer foi afastar-me, saindo de trás de Caspian, principalmente quando se aproximaram de mim. Só ouvia grasnos vindos deles. Caspian acertou Dash com a cabeça e este recuou um pouco, furioso, sem nunca soltar a arma, que era tudo o que Caspian queria. Recuei mais.

—Vá embora!— urrou Caspian, quando segurou o braço do irmão com mais força, ao ponto de o seu próprio estremecer, os nós dos dedos brancos.

Dash bradou, não desistiria. Girou, para tentar soltar-se, mas Caspian o conteve e o os dois passaram a ser um borrão, misturados no movimento, na força e nos arquejos, cada um tentando dominar a arma para si. Recuei mais um pouco.

Então um disparo.

O impacto e a dor em minha perna arrancou-me um grito de susto e fez-me cambalear para trás. Só não caí por ter encontrado apoio na coluna bem ao lado. Arquejei e senti o sangue molhar minha roupa. Eles pararam quando ouviram o disparo. Caspian foi o primeiro a acompanhar a posição da arma e a direção do disparo. Dash fez o mesmo, o susto percorreu seu rosto ao me ver. Porém, um segundo antes disso, o olhar de Caspian encontrou o meu e eu vi aquela sombra em seus olhos de novo, como da primeira vez que o vi na época da lua, em Lantern. A fúria crepitando em seu interior. Ele estava à beira de perder o controle.

Com fúria e um urro, ele aproveitou a distração de Dash, acertando-o no rosto com tabta força que o fez largar a arma e recuar, levando a mão ao rosto. Caspian aproveitou a vantagem e avançou contra Dash, imbatível. Acertou o irmão mais uma vez, ele tentou reagir, mas Caspian o imobilizou. A dor lancinante em minha perna fez-me deslizar apoiada na coluna até sentar no chão. Não conseguiria me apoiar naquela perna e jamais arriscaria cair. Dash grasnou, debatendo-se contra a força de Caspian.

—Susana! - chamou ele, arfando. - Susana, me perdoe! Não quis machucá-la, não sou como ele!

Caspian segurou-o mais forte.

—Não, Dash. - ofeguei, falando com seriedade. - Você realmente não é como Caspian.

Dash franziu a boca numa linha fina.

—Não quero ser obrigado a nos defender de você, Dash. Se não for embora agora, não poderei me responsabilizar pelo que acontecer a você. - gruniu Caspian, a voz mais grave. Temi.

—Como não se responsabilizou pela morte dos pais dela?! - disparou Dash, lançando sua última cartada. Tão baixo.

Ele só não contava com o fato de Caspian e eu já termos esclarecido as coisas muito tempo antes. Caspian, contudo, não conteve a raiva e soltou Dash apenas para acertá-lo. Este tentou revidar, e por vezes conseguiu. Logo os dois eram outra vez um borrão de raiva e fúria, mas não demorou mais que um minuto.

Com um som abafado, Caspian acertou o rosto de Dash, derrubando-o com força. Ele rolou no chão, o rosto manchado de sangue. Quando Caspian avançou para ele mais uma vez, Dash arrastou-se e alcançou a arma, ficando de joelhos e apontando-a para Caspian. Ele estacou perto da fonte, onde deixara cair a lenha, ofegante e cada vez mais sombrio.

—Fique onde está. - ordenou Dash, cuspindo sangue.

Não!— gritei.

—Pare de nos ameaçar! - bradou Caspian, ao mesmo tempo, então ofegou e curvou-se para frente, buscando apoio na beira da fonte. Dash me olhou, não havia mais nada familiar em seu semblante. Nos mataria sem hesitar.

Eu sabia o que estava acontecendo e tentei alertar Dash, mas num fôlego Caspian avançou contra ele de novo. Sem tirar os olhos de Caspian, Dash apontou a arma para mim, fazendo-o parar, e colocando-se de pé num átimo. Meu coração bateu forte ao impulso de me afastar, mas consegui me mover por míseros centímetros, a dor e o sangramento na perna pulsando.

Caspian rugiu de dor e raiva e eu soube que não poderia mais se conter, a ira tomou conta de si. Ouvi sua promessa mais uma vez, a de que não deixaria nenhum mal nos acontecer. Sempre soube que Caspian a cumpriria se precisasse. As lágrimas de dor e angústia molharam meu rosto.

Rápido como um raio, Caspian avançou contra Dash com o atiçador em mãos. Num reflexo, Dash voltou a arma para ele e atirou, mas acertá-lo depois do movimento brusco seria sorte e Dash errou, atingindo uma coluna. Foi tão rápido que sequer compreendi até que houve um silvo de ferro cortando ar e a arma caiu da mão de Dash, e em seguida ele próprio foi ao chão, agonizando com o goloe de força assombrosa que rasgou-le o peito na diagonal.

Senti o ar fugir de meu peito e tudo girou. Longe, ouvi o som de cavalos e de portas pesadas se abrindo. À minha frente estava aquele mesmo ser que vi no porão de Lantern, tão longe do verdadeiro Caspian. Ainda assim, sabia que a transformação naquela fera terrível ainda não estava completa. Dash sangrava ao chão.

Caspian soltou o atiçador que tilintou nas pedras ao lado da fonte. A luz da lua banhava aquele lugar. Tudo o que eu mais temera um dia, de fato aconteceu. Gemi em agonia. A respiração de Dash tornou-se ruidosa, jamais alcançando todo ar que precisava. O sangue empoçava sob seu corpo. Não consegui olhar para o golpe, e muito pouco para seu rosto. O soluço irrompeu de minha garganta, minhas mãos tremiam e as lágrimas não cessaram um instante.

—Caspian... - gemi, tão baixo que foi quase um murmúrio. Os flocos de neve se tornaram mais presentes, pairando no ar a nossa volta. Chamei mais alto. - Caspian!

Ele moveu-se ao som da minha voz, porém permaneceu onde estava.

—Caspian... Estou aqui, você precisa se acalmar, ouça... - percebi que sua respiração alterava de novo. - Preciso da sua ajuda.

Caspian recuou de perto de Dash. Funcionaria, eu sabia que funcionaria.

—Venha cá. - chamei. - Preciso de você.

Ele olhou para mim com a respiração irregular, os olhos escuros pareciam mais familiares. Ele cambaleou alguns passos em minha direção, que estava a bons metros dele. Era também doloroso quando a herança se despedia. Caspian veio até mim e gemeu quando se ajoelhou ao meu lado, ofegante. Segurei-lhe a mão e toquei seu rosto, sentindo sua pele menos quente. Um estalo, e ele gemeu, apoiando-se no chão.

—Estou bem - confirmei. Ele piscou, o brilho de seus olhos familiar de novo. -Su... - mal passou de um sussurro.

—Aqui. - toquei-lhe novamente. - Estou aqui.

Caspian ofegava em alívio. Mas logo ficou tenso de novo.

—Está ferida.

—Acho que foi de raspão. - falei. Caspian tocou meu rosto.

—Me perdoe. - suplicou, duas lágrimas molharam sua bochecha.

—Shhh... - sussurrei. Ele fechou os olhos, franzindo o cenho, e então balançou a cabeça como se espantasse algum pensamento.

—Vou tirá-la daqui. - ainda havia dor em sua voz, mas nada que beirasse o limite do controle.

Devagar, Caspian me ajudou a levantar. Minha coxa latejava, mas consegui erguer-me com seu auxílio e apoiei-me em seu ombro. Parado ali à minha frente entre Dash e eu - como sempre esteve - Caspian era tudo o que eu conseguia ver. Ele preparou-se para pegar-me em seus braços quando houve o som de um disparo e ele estremeceu ao receber o impacto, inclinando-se sobre mim, apoiando-se na coluna.

Um grito escapou de minha garganta, mas foi abafado no mesmo instante quando ouvi o segundo disparo e Caspian arquejou com outro impacto em suas costas. Ele caiu de joelhos, levando-me consigo, apesar de minhas tentativas frustradas de lhe dar apoio, fomos ao chão. Ele amorteceu minha queda ainda assim, segundos antes de tombar para frente em meus braços, a camisa ensopando de sangue.

Foi quando olhei por cima de seu ombro, bem a tempo de ver a arma cair da mão de Dash, ainda ao chão, ao mesmo tempo que o brilho de vida sumia de seus olhos. Ouvi passos se aproximando rápido, e Digory e Harold apareceram na entrada, mas minha atenção estava toda ali em meu colo.

—Caspian... - chamei, balançando-o, tocando seu rosto, mas ele já estava desacordado, o pânico tomando conta de mim.

O desespero ardeu em meu peito fazendo lágrimas jorrarem. Seu sangue molhava minhas mãos trêmulas e ele não reagia. O grito surgiu do fundo de minha alma e explodiu em meus ouvidos.

CASPIAN!


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado! Nos vemos em breve.
Se cuidem!
Bjs! ♥



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