“Eu me transformei”

–Harold! - chamei, descendo as escadas correndo. - Harold!

Ele apareceu na sala vindo da biblioteca quase ao mesmo tempo em que Polly surgiu enxugando as mãos, assustada com meu chamado.

–O que houve? - perguntou ele.

Estendi o diário a ele na página marcada. Ele leu e, compreendendo, suspirou erguendo o olhar para mim, depois para Polly.

–Precisamos conversar.

[…]

Polly levou chá e se juntou a nós na biblioteca.

–Então... Meu pai era um Herdeiro...?

–Seu pai foi uma exceção à nossa História. Talvez por isso você também seja. - ele sorriu levemente, mas permaneci séria, aguardando que continuasse. -Não é comum ter mais de um Herdeiro numa mesma geração. - explicou. - Ninguém sabia o que fazer ou por que aquilo aconteceu, de uma hora para outra seu pai estava se transformando diante de nossos olhos. Lembro que ele estava agitado, assustado, e foi difícil contê-lo. Ele quase matou à seus avós e à Helena.

–Como conseguiram contê-lo?

Harold respirou fundo.

–Como eu disse, seu pai era uma exceção à nossa História. Acho que nunca vou entender como acontecia com ele, ou como ele fazia, mas ele era sua própria cura. Raphael conseguia se controlar e, ao passar dos anos foi explorando essa oportunidade ao ponto de não depender mais da lua. - ele riu um pouco. - Por um lado, eu fiquei feliz por ele não sofrer como eu sofria, por outro, eu o invejava pelo mesmo motivo.

–Ainda não me conformo com aquele acidente. - falei, sentindo meus olhos arderem, a saudades que eu sentia dele e de mamãe apertou, fazendo-me quase sufocar. - Também não me conformo por eles terem omitido tudo isso.

–Sei que parece ter efeito contrário, mas foi para o seu próprio bem, de certa forma. Seus pais a amavam demais, Su, zelavam por você incansavelmente. Nós sabíamos que não havia como escapar do destino já traçado para nossa família, mas acho que quisemos adiar isso ao máximo para você. - disse Harold.

–Seus pais não queriam que você crescesse como eles cresceram, oprimidos pela ordem. Isso era arriscado, sabe, adiar a verdade, mas eles achavam que era a coisa certa a se fazer. Hoje podemos ver que eles, de certo modo, acertaram. Talvez, Su, se a escolha deles fosse lhe dizer toda a verdade desde sempre, você certamente aceitaria seu destino de se casar com o Imune, Caspian viveria sozinho para o resto da vida, você e Dash gerariam um novo herdeiro, e tudo continuaria como sempre foi sabe-se lá até quando. - disse Polly. - As vezes pense que eles sabiam que você é especial, afinal, já nasceu de forma especial, vinda de um herdeiro.

–É por isso que Digory teme mudar a ordem. - prosseguiu Harold. - Permirtir o casamento de você e Caspian poderia trazer consequências graves da qual não fazemos ideia, podendo ser até a extinção da nossa família.

–Mas ao mesmo tempo temos que ficar juntos, por eu ser sua cura, certo? - olhei-o esperançosa. Harold respirou fundo, trocando um olhar com Polly.

–Querida, sinto muito, mas conversei com meu irmão e devo concordar com Digory. - falou, deixando-me chocada. - Caspian se acalmou por uma imagem, não por você em pessoa.

–Caspian garantiu! - argumentei. - Você me garantiu! - Disse para eu não me preocupar, pois nada me separaria dele. Quae pertinent ad Heredem, pertencente ao herdeiro, foio que você disse!

–Eu sei! Eu também acreditava nisso, mas conversei com Digory e chegamos a conclusão de que você e Caspian só poderiam ficar juntos em último caso, se existisse um ou uma outra Pevensie para Lúcia ou Dash. - defendeu-se.

–Não acredito nisso, Harold! Achei que estivesse do nosso lado! - pus-me de pé, já sentindo lágrimas rolarem.

–Eu estou, Su, mas infelizmente só posso fazer o que estiver ao meu alcance!

Peguei o diário e saí dali. Subi a escada apressadamente e bati a porta de meu quarto, escorando-me nela em seguida e escorregando até sentar no chão, não conseguindo mais conter as lágrimas.