O cansaço era poderoso e depois de tomar um banho quente eu consegui dormir pelo menos por algumas horas. Sonhei com ele. Isso nunca mais havia acontecido, talvez aconteceu naquele momento por causa do episódio no baile. Foi um sonho estranho, ele estava preso numa sala escura, sua pele estava coberta por uma camada de suor, seu tronco nu estava curvado sobre as pernas, as mãos e os joelhos no chão de pedra e ele gritava, urrava e arfava de dor. Sua respiração estava bufante, então ajoelhei-me a sua frente, tocando seu ombro. Ele ergueu o olhar para mim por entre os cabelos que caíram em seu rosto.

Seus olhos estavam vermelhos, mas aquilo por mais estranho que fosse não me assustou. Segurei seu rosto delicadamente entre minhas mãos e o beijei. Enquanto o beijava, senti sua respiração se acalmar aos poucos e quando o beijo chegou ao fim, seus olhos voltaram a cor normal e ele aproximou-se de mim para outro beijo, mas então um barulho me fez despertar num susto. Minha respiração estava acelerada, não muito, mas estava.

Ainda era madrugada, raios cortavam o céu, anunciando uma possível chuva, trovejava, e estava bastante frio. Decidi voltar a dormir, aconcheguei-me novamente na cama embrulhando-me com as diversas cobertas, pronta para pegar no sono outra vez.

Fechei os olhos.

Um barulho novamente.

Sentei-me na cama.

Esperei em silêncio, achando ser minha imaginação outra vez, como mais cedo na igreja quando achei estar sendo vigiada, mas ouvi de novo. Não era minha imaginação, pelo menos não dessa vez. Joguei as cobertas para o lado, calcei-me, vesti o roupão e peguei o pequeno castiçal com a vela.

Saí pelo corredor, fechando o roupão em volta de meu corpo, tentando aquecer-me com a camisola que ia até meus pés e o roupão que arrastava no chão. Com o castiçal em uma das mãos eu vaguei pelos corredores rumo às escadas e quanto mais eu me aproximava, mais o barulho se tornava alto e frequente, começando a dar-me calafrios. Eu tinha quase certeza de estar sozinha em casa.

Desci as escadas devagar, segurando-me no corrimão. Ao chegar no assoalho frio da sala de estar, pude ver de onde vinha o som. Uma das janelas havia sido aberta, provavelmente pelo vento, e o mesmo entrava na sala fazendo as bandas da janela abrirem e fecharem com força, causando o barulho alto. Suspirei achando-me uma boba. O vento apagou a vela e eu deixei o castiçal sobre uma mesa.

Sem a chama, todo o ambiente ficara escuro a não ser pela luz que vinha da noite, do lampião. Segurei as bandas da janela e fechei-a parando com o barulho e o vento. Naquele momento, um raio cortou o céu jogando uma rápida luz na sala revelando alguém escondido na escuridão. Reprimi o susto, dando um passo para trás, meus olhos assustados fitavam a escuridão da sala, mas nada via.

Eu ouvi passos vindos da escuridão a minha frente, caminhando lentamente em minha direção e no mesmo ritmo, eu recuava. Até que nós ficamos em frente a janela, com a chama do lampião nos iluminando à meia-luz. Segurei-me na cortina para não cair sentindo meu sangue gelar minhas veias, as pernas perderem as forças e os olhos embaçarem, assim como as lágrimas rolando por meu rosto no mesmo instante em que vi sua face.