O Sequestro escrita por Lívia Black


Capítulo 2
Capítulo 1- O Mesmo Abismo Áquático Que Você


Notas iniciais do capítulo

Primeiro capítulo está grande, e meio confuso (possivelmente)...Espero que gostem (:



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Capítulo 1. -  O Mesmo Abismo Aquático Que Você.


Nossas vidas são definidas por momentos. Principalmente aqueles que nos pegam de surpresa.” Bob Marley

Atena ainda sentia seus ossos frágeis, sua mente sonolenta, e seu corpo cansado, quando, por algum motivo inútil, acordou.  Abriu os olhos lentamente, com o intuito de não machucar suas córneas com a luz do sol, mas foi surpreendida, ao detectar que a mesma, estava extinta. Levou as mãos aos olhos, e esfregou-os, para dar clareza a imagem embaçada. Mas acabou que isso não foi bom, pois essa simples ação proporcionou-lhe um...ahn, grande impacto.

A deusa só não surtou naquele instante, porque conseguiu ter um autocontrole impecável. Respirou bem fundo antes de tomar uma atitude precipitada, como por exemplo, se levantar daquele lugar onde estava deitada – e que ela não fazia a menor ideia de qual era- gritando no melhor estilo Ártemis-vendo-a-gaveta-de-lingerie-de-Afrodite e escandalizando Zeus e o Mundo, sem nem saber se estava apresentável, mesmo essa sendo a sua mais louca vontade.

Ela mudou sua posição de deitada para sentada, no que reconheceu ser uma imensa cama de casal com edredons muito macios que cobriam suas pernas, e instintivamente observou o ambiente.

Atena já adentrara nos mais belos aposentos imagináveis, mas tinha que admitir, que ao observar aquele quarto, se surpreendeu. Chegava a ser desconcertante, de tão bonito...E...Organizado. Um espetacular e brilhante piso de mármore. Colunas de sustentação de linhas ornamentadas, em um tom que quase alcançava o dourado e que se estendiam por imensas paredes. Elegantes lustres de cristal pendentes do teto, que continham esferas semelhantes a pérolas. Arranjos de plantas coloridas que ela jamais havia visto em toda sua existência. À esquerda cortinas azuis-escuras, que cobriam o que parecia ser uma espécie de portal de vidro com acesso à uma sacada. A mobília (cômodas, estantes, armários) impressionante, com um ar bem clássico, estava distribuída pelo extenso ambiente de forma simétrica, sempre alinhada com o tapete turquesa, que arrancava a primeira impressão de ser muito sedoso e gostoso de pisar. As portas eram duplas, e feitas de carvalho, e da cama se trilhava um caminho reto e sem obstáculos até elas. À esquerda, havia mais móveis, uma outra porta de carvalho, mais simplificada, e ao invés de sacada, um conjunto de sofás muito aconchegantes e um corpo masculino incrivelmente...HÃ??!

Esse foi o momento de Atena escorregar sobre a linha de seu controle, e soltar um enorme sobressalto. Ela já estava tendo um comportamento heroico de não se descontrolar perante a perspectiva de ter se deitado em um lugar, e acordado em um outro completamente diferente. Quer dizer, com isso ela podia lidar. Mas agora, com a presença de seu pior inimigo declarado, sozinho com ela em um quarto, confortavelmente acomodado em uma poltrona, e com aquelas ridículas roupas havaianas e aqueles estúpidos orbes verdes penetrantes em sua direção...Bem, isso nem mesmo ela seria capaz de absorver sem sentir seu coração acelerando como o de um mortal fazendo cooper.

Queria agora poder dar seu surto à lá Afrodite, gritando e berrando feito uma criança, mas estava diante dele, e tinha que permanecer como sempre, racional. Desviou os olhos, e percebeu que continuava vestindo seu pijama amarelo de alcinhas, e com um short que ela considerava demasiado curto para uma ocasião que não fosse dormir. Sem dúvidas, ela não se sentia apresentável para estar sendo encarada por ele. Quase secada. Sentia suas faces corarem com força, e cobriu-se ainda mais antes de dizer qualquer coisa que sua mente estivesse formulando. Mas, no final das contas, Poseidon acabou garantindo com satisfação que ela fosse poupada de falar primeiro.

-Hmmm...Já não era sem tempo. A Bela Adormecida finalmente acordou...!

Atena preferiu pensar que foi só imaginação ao ouvi-lo ressaltar a palavra ‘bela’ e revirou olhos para sua pequena risadinha sarcástica.

Analisou-o indiscretamente, e teve a breve e confusa impressão de que ele parecia ansiar por aquele instante como Dionisio por latas de Coca Diet.

Como o odeio!, foi o primeiro pensamento que tomou conta de sua mente.

-O que você está fazendo aqui?!

Perfeito. Saiu como ela queria. Desnecessariamente ríspido.

-Achei que a primeira pergunta que iria fazer, era o que você está fazendo aqui... – Poseidon disse, conhecendo a rival a ponto de saber que ela se irritaria com este pequeno comentário, mas esquecendo-se de que na maioria das vezes, ela tinha um melhor para retrucar e que eles provavelmente emendariam uma infinita discussão.

-E desde quando você fica pensando sobre o que eu vou ou não dizer depois de acordar? -A pergunta o surpreendeu e a forma que ela pronunciou como se o acusasse de alguma coisa, também.

 Ajeitou-se com uma postura mais digna de um Deus, no sofá, enquanto se controlava para não rir das piadas internas que vinham em sua mente apenas por encará-la.

-Hummm...-Ele ia pensando rapidamente em outra réplica que pudesse desarmá-la. -Desde quando estou no tédio de passar horas e horas vendo você dormir feito um bebê.

Ponto para ele.

Atena corou violentamente. Só havia um significado para aquela frase. E era tão horrível que a fez engolir em seco.

Sabia que passar o tempo observando alguém dormir era o tipo de coisa de Afrodite denominaria de “awwwnt, que romântico”, mas este com certeza não era o caso.

Seu pior inimigo ficara ali, vendo-a dormir inofensiva, possivelmente ouvindo as coisas constrangedoras que ela dizia enquanto dormia.

Ou seja, uma 3 Guerra Mundial chegaria a ser adorável diante dessa tragédia megacatastrófica.

-E por que logo você ficaria me observando dormir, como se não existisse algo mais interessante para fazer?? –Desafiou-o, numa tentativa de deixa-lo constrangido também, para remediar a própria situação.

Mas não funcionou.

-Eu poderia dizer que não tem mais nada para fazer, mas eu não estaria sendo honesto com a Deusa da Sabedoria.–Confessou, sorrindo idiotamente. Hunf. “Deusa da Sabedoria”. Devia ter algum tipo de sarcasmo maldoso nos contornos da frase, que ela não conseguira captar.- Eu simplesmente não podia perder a sua reação depois que você acordasse.

Oh-oh.

Essa insinuação com certeza não podia significar boa coisa.

-Ahn? O que você quer dizer com isso?...

-Ah, eu quero dizer que não perderia esses minutos de comédia por nada...

Ele não se conseguiu se controlar perante a expressão de pavor que ela retinha, e começou a rir feito uma criança, por saber o que ainda a aguardava. Riu tanto que a deixou com vontade de mutilá-lo.

Atena não suportava ser o motivo de humor. E também não suportava estar ali, com ele, sem entender porcaria nenhuma.

Talvez, pensou ela, em um apelo, Eu esteja sonhando.

Porém, qualquer sonho com Poseidon seria na realidade um pesadelo. E ela não tinha um há Milênios. Sem falar, que acabara de acordar.

-Pare de rir, seu energúmeno apático. –Grunhiu a deusa, imponente.

Mas ele não estava nem aí, parecia ser muito bom gargalhar, e demorou alguns segundos para que ele recuperasse o fôlego, e a encarasse nos olhos, seriamente, mais uma vez.

-Você deve estar se sentindo tão confusa, Atena...- Ele balançava a cabeça, com uma exorbitante satisfação incontida.

-De fato, eu estou. –Admitiu, sem orgulho.

Cruzou os braços, ao contrário dele, muito insatisfeita. Não deixou de reparar que ele ressaltara seu nome. Cretino.

-Ok... –Poseidon deu mais um de seus sorrisos perversos e se levantou do sofá. Começou a caminhar em direção a cama para ficar perto dela.

Por mais difícil que fosse confessar, Atena se sentia intimidada, e não gostava nem um pouco da perspectiva de estarem a sós, em algum lugar, que ela não saberia nomear qual. Era estranho...E muito desconfortável. As fagulhas de seu ódio pareciam dobrar de tamanho enquanto ele avançava, e se multiplicaram por mil quando ele se sentou na cama, um segundo depois de ela esquivar os pés, trazendo-os com os joelhos para junto de si.

-Eu vou ser explícito com você, Palas.

-Não me chame de Palas! – Rosnou a deusa, no mesmo instante.

Ele ergueu as mãos, como se estivesse se declarando inocente, mas Atena sabia que ele sabia que ela detestava ser chamada assim, e podia ver o ar maroto no canto dos olhos dele.

-Tudo bem. –Poseidon parecia falar sério agora. Em um átimo, a diversão em seu rosto havia desaparecido. Atena constatou que deviam estar a um metro de distância. Isso era...Angustiante. Ele a olhava fixa e decididamente agora, como se lhe fosse dar a notícia de que alguém que ela amava havia morrido. –Como eu dizia, Atena, eu vou ser explícito com você. –A deusa se limitou a assentir, sem medo. – Não vou enrolar para dizer o que você está fazendo aqui. É muito simples, na verdade. – Ela parecia discordar, mas não interrompeu porque ele estava explicando, e continuou ouvindo. –Você está aqui, porque eu quis trazê-la para cá. E você ficará aqui, comigo, por algum tempo. Fim da História. 

Se deuses pudessem ter ataques cardíacos fulminantes...Bem, aquela seria a hora em que Atena seria acometida por um, e depois morreria. Mas como isso era claramente impossível, e ela era uma imortal, o máximo de efeito que aquelas palavras amedrontadoras conseguiram produzir, foram nós em sua garganta, que quase a fizeram engasgar. Por um momento, pensou que aquela pudesse ser uma das piadinhas ridículas de Poseidon, apenas para que risse de suas reações de pavor, mas ele continuava com aquele horripilante ar sério, e depois de alguns segundos, ela foi sacudida pela ideia de que ele não estava brincando.

Primeira Reação: Pavor

-...C-como disse? –Era clichê demais que ela gaguejasse, sim, mas se ela estava incrivelmente nervosa, e jamais poderia ter ouvido ou interpretado mal o que aquelas palavras queriam dizer, apesar de tudo ainda estar sem nexo.

Poseidon agiu um pouco mais racionalmente depois das perguntas. Voltou com o sorriso idiota, e com o ar de diversão profunda.

-Você ouviu bem, Atena. Sei que deve estar passando muitas coisas por essa sua teia infindável de pensamentos, mas, não, eu não estou brincando.

-Mas...- Essa foi a vez de ela gargalhar um pouco. -Você não pode estar falando sério! Até parece que eu ficaria aqui, com você. Isso é só ridículo demais para aguentar...

Quer dizer: “ e você ficará aqui, comigo, por algum tempo.” Até parece que ela, em sã consciência, aceitaria ficar naquele lugar, na companhia da criatura abominável que ela mais odiava em todo o Universo.

Poseidon não tinha como estar falando sério.

-Você é obrigada a ficar. –Ele parecia estar em êxtase quando usou isso contra seus argumentos.

-O quê?!

-A cada dia que passa, tenho mais certeza de que você não deveria ser a Deusa da Sabedoria.

Se olhares pudessem esquartejar, não restavam dúvidas de que o de Atena faria isso. Os risos que estava usando para ridicularizar o que ele estava dizendo, foram roubados de repente por ele, que estava achando o máximo vê-la tão furiosa, apenas por saber exatamente onde atingi-la.

-Você não pode me obrigar a nada, Poseidon!

 Atena perdeu todo o ar de garotinha recém-desperta que o pijama e o espanto lhe causavam. Ela fez questão de evidenciar suas ilimitadas capacidades, na forma majestosa em que sua voz formou as sílabas.

-Ah, não? –Ele não se deixou intimidar por ela nem por um segundo. Forjou um bocejo ou outro, apenas para mostrar o quanto estava alheio aos ataques de nervos e negações tão divertidos e esperados. -Então porque ainda não se desintegrou e foi de volta pro Olimpo??

Raramente ela ficava sem respostas para uma questão, como estava naquele momento. Parecia ser o mais óbvio e ela devia ter enxergado isso há muito tempo. E em situações normais, era o que ela teria feito, sem nem se dar ao trabalho de pensar. Mas ela acordara em um novo quarto, na companhia de seu pior rival. A obviedade havia lhe escorrido por entre os dedos. E mal ele fez o desafio, Atena já estava se fixando nessa forma de resolver tudo, com um certo alívio por ser tão fácil. Simplesmente desaparecer daquele local.

Mas pela primeira vez, seus poderes não...Eles não...

Ela falhara.

-Eu...Eu...

-Exatamente. Você não pode mais fazer isso, Atena. Não aqui, pelo menos. Á propósito, que inconveniência não lhe dizer. Estamos nas profundezas do mar. – Ele sorriu, com gosto.

Segunda reação: Negação.

-Isso não pode ser verdade!

A deusa ainda estava em choque, por ter suas capacidades mais úteis repentinamente arrancadas. Arregalou os olhos, pois a justificativa dele parecia ser a única explicação, para o fato de tentar mais uma ou duas vezes, e ir falhando como uma perfeita incompetente. Mas, não podiam estar nas profundezas do mar! Isso seria o cúmulo do absurdo!

-Não? –Novamente, as negações pareciam ser muito engraçadas. -Então porque não vai olhar pela sacada e tira suas próprias conclusões?

Atena não pensou duas vezes. Nem se preocupou com o fato de estar vestindo seu pijama amarelo velho com shorts muito curtos para seu gosto e não-apresentáveis diante de inimigos declarados. Livrou-se das cobertas e pulou da cama, correndo para a esquerda, sem nem lançar a ele mais olhares mortais. Mal notou o fato de estar andando descalça no piso frio de mármore. Alcançou o alvo em poucos instantes, espantou as cortinas e a porta de vidro e atirou-se na sacada, ofegante.

Ele nem se deu o trabalho de acompanha-la. Esticou-se na cama, nos travesseiros que ela estava usando, em sua posição mais confortável, e esperou-a.

Atena estava passando por um processo de absorção. Nunca havia demorado tanto para compreender alguma coisa, mas eu te pergunto como você ficaria se estivesse debruçado em uma sacada, e alguns metros abaixo conseguisse detectar apenas areia, estrelas do mar, e plantas sofisticadas, e ao seu redor (esquerda, direita, centro) um Universo em um tom incrível azul em um formato de cúpula. E o mais chocante ainda: peixes, arraias, e golfinhos nadando sobre o “céu”, poucos metros acima de sua cabeça.

Ela não pode deixar de achar tudo aquilo muito lindo, mas também estava incapacitada de tirar a ideia do quão aterrorizante era aquela perspectiva.

Poseidon havia dito a verdade. Eles estavam mesmo no fundo do mar, e ali, ela tinha tanta capacidade de alterar as coisas quanto um mortal.

Tudo que seus olhos viam desafiava de sua lógica drasticamente. Seu coração poderia rasgar as camadas de carne e de tecido, de tão frenético e incontrolável. Voltou a correr, retrocedendo todo o percurso, e tomando o cuidado para não tropeçar, pois não conseguia andar dois metros para frente sem olhar em direção da sacada, onde se concentrava a plenitude azul. Mas precisava falar com ele, ao invés de ficar observando a situação em que se encontrava.

Consideraria um insulto vê-lo deitado quase da mesma forma que estava antes, de uma forma tão relaxada, mas não tinha como fazer objeções, quando estava tão arfante, e quando se aproximava da cama com apenas uma pergunta nos lábios, com os olhos injetados de incertezas.

Terceira reação: Dúvida

-Como...Como eu posso...

-Olhem só, a Deusa da Sabedoria cheia de dúvidas. –Poseidon interrompeu com um deboche, pois já sabia qual era o final da pergunta, e quais seriam as próximas. -Eu devia filmar isso. –Ela teve de revirar os olhos. Nem nas piores situações o estúpido conseguia se controlar. Nem quando ela (logo ela!) estava totalmente aflita e sedenta de explicações.  –Eu sou Poseidon. Eu governo tudo aqui embaixo, principalmente a dois mil metros de profundidade. Criei uma...Hm...Redoma, com a água daqui, e mandei construírem esse sofisticado...Local. A pressão normalmente esmagaria tudo, mas a redoma é invulnerável, ao mesmo tempo que o oxigênio entra aqui como ar e...é claro que a proteção se estende para que prisioneiros simplesmente não possam sair se teletransportando. – Ele concedeu um olhar e um sorriso à Atena, enquanto se afundava ainda mais entre os travesseiros, que dizia explicitamente “e você é essa prisioneira”.

Um silêncio desconfortável e tenso se instalou no local. Ele esperava que ela se manifestasse após o seu discurso, mas, olhando suas reações, concluiu que teria de esperar um pouco. Não que se importasse. Era bom vê-la ficar confusa, apavorada e sem ter o que dizer. Vê-la dançando na palma de sua mão, sem saída, e sem acreditar na realidade. Era tudo o que ele queria.

O silêncio poderia ter durado para sempre, se Atena não tivesse respirado fundo e decidido que não seria capaz de processar aquilo para sempre, e calada.  

-Confesso que seria brilhante, se você não estivesse insinuando que está me fazendo prisioneira em uma bolha ridícula a dois mil metros de profundidade!!!

Ela não teve receio de gritar, de tão furiosa que estava. Quer dizer, só porque ele era Poseidon, um dos Três Grandes, eles estavam no território dele há dois mil metros de profundidade e blábláblá, isso não significava que ele tinha o direito de arrancar seu livre-arbítrio como se ela fosse um inseto insignificante.

-Não estou insinuando nada. Estou informando. –Atena bufou. -E a redoma não é uma bolha!!!!

Ela olhou com tanto desprezo, para a figura despojada que era ele deitado naquela cama, com os braços atrás da cabeça, que por um segundo, apenas por um segundo, ele se sentiu tentado a dizer alguma coisa para que ela parasse de fita-lo daquela forma. Mas só por um, porque no outro ele continuava sorrindo, sendo feliz ao perceber que estava começando a funcionar da forma que planejara.

-Esse...Esse plano é um fracasso! Eu sou uma Deusa! A Deusa da Estratégia, também, por sinal. Com certeza há algum modo de sair daqui, além de teletransporte instantâneo. – Concluiu a loira, sabiamente. Sentiu a familiar determinação de guerra abraça-la como uma velha amiga.

Não cederia tão fácil a ser a prisioneira particular de seu inimigo. Se ele esperava que ela se conformasse com aquela afronta estava plenamente enganado.

-Ora, minha cara Atena... –Diferente do que ela imaginara, ele parecia ainda mais feliz com a sua determinação. - Obviamente que há outras maneiras de sair daqui, mas em nenhuma delas você conseguiria escapar sem o meu auxílio. E sim, eu nunca neguei, você é uma deusa. Mas eu sou um dos Três Grandes. –Para ele, isso era o mesmo que diferenciar um pequeno potro de um lindo e majestoso Pégaso. Atena ignorou essa última afirmação, se fixando somente no que ele dissera sobre haver outras maneiras, porém inalcançáveis.

-Como assim não conseguiria escapar? –Franziu o cenho. - Eu não posso morrer.

-Hm, não, mas não creio que gostaria de ficar sentindo a pressão te esmagar enquanto você passa milênios com seus cabelos encharcados e sua pele se decompondo, sem forças para avançar nem 100 metros que sejam, e atacada por feras marinhas constantemente.

Embora não quisesse acreditar que o que ele estava dizendo era verdade, podia enxergar bem nítido naquele desprezível verde dos olhos dele, que ele estava sendo sincero. Quase pode sentir o abraço da determinação se desfazer, como algo sólido, e a esperança retroceder os passos que já tinha avançado em seu caminho.

Suspirou.

-Eu te odeio, sabia?

-Nunca duvidei. –ele deu de ombros.

-Mas...Eu ainda estou confusa! Por que você iria querer me manter presa nessa bolha idiota...por, ahn, algum tempo?

Ele a fitou intensamente. Atena achou que ele diria algo forte, algo que fosse a manter em pensamentos, e por isso sentia-se muito apreensiva. Mas a única coisa que ele fez, foi comentar, com muito fulgor:

-Eu já disse que não é uma bolha!

Se não fosse tão trágico, seria engraçado. Ela apenas revirou os olhos.

-Tanto faz.

-E você me surpreende, Atena...Será que não consegue pensar em nenhum motivo?

Ok, ele estava pedindo que ela pensasse em possíveis razões para ele tomar atitudes drásticas e cruéis, levando-a para um imenso lugar subáquatico, desacordada, há dois mil metros de profundidade, e lhe retirasse a capacidade de locomover dali. A única explicação era também a mais óbvia e ainda assim, parecia ser muito pouco para tanto.

-Hm, você me detesta?

-Está quente!

Ela ainda não parecia encontrar um motivo que fosse capaz de fazê-lo arquitetar um engenhoso plano maléfico contra ela. Mas logo em seguida ela acabou notando que estava diante dela, a única ideia justa, que poderia deixar as coisas mais claras.

-Você...você quer se vingar de mim! –Condenou-o, com os olhos cinzentos enormemente arregalados, e com indicador instintivamente apontado para ele.

-Hmmm...-Ele se fez pensar, teatralmente. -Talvez. –Deu-lhe um sorriso malvado que a fez ter vontade de arrancar seus dentes.

Atena respirou fundo, pela 21882912789 vez, semicerrando os olhos, enquanto continha uma horda de palavras horríveis que começavam a fazer fila para escapar de sua garganta. Seus punhos se cerraram de ódio, sem que percebesse. Ele havia acabado de confirmar tudo com esse ‘talvez’. Ela só não entendia o porquê de ter sido agora, tão de repente, quando ela menos esperava. Quer dizer, se ele quisesse vingar por causa de Atenas, ou Medusa, ou qualquer outra coisa do tipo, já teria sido há muito tempo atrás... E então, ela se lembrou do que havia acontecido há algumas semanas atrás...Aquela Assembleia! Só ela poderia ter sido a causa de tudo isso.

No começo da semana os deuses haviam organizado uma pequena Assembleia para decidir aonde seria construído um segundo lugar importante, destinado a eles, além do Olimpo, para tempos difíceis e outras situações necessárias. Entretanto, houve um pequeno impasse. Poseidon, orgulhoso e prepotente, como sempre, não concordava com a ideia de que esse lugar fosse construído longe do mar. Ele na verdade queria que fosse construído sobre uma ilha, no meio do Oceano Atlântico. E ela, Atena, mais do que depressa fizera questão de protestar sobre isso, dizendo que seria muito mais sensato que o local fosse construído em cadeias montanhosas, distante do Mar. Ela podia sentir a fúria do Deus enquanto ia dando mais um de seus discursos persuasivos, para que apoiassem seu ponto de vista, e mais uma vez, ela conseguiu o que queria. Conseguia sentir o ódio de Poseidon atravessando o Salão e vindo sacudi-la, mas ela estava exultante demais pela vitória de suas ideias para se importar com isso.

Então, lembrou-se, de que quando estava sozinha em seus aposentos, ele havia simplesmente os invadido, sem nem se importar com o que ela estaria fazendo ali dentro, ou com o que os outros deuses (principalmente Zeus) pensariam se vissem isso. Ela ficou frustrada com aquela invasão, mas ele não foi embora até segurar seu antebraço com uma força anormal que ela conseguia se lembrar com precisão, olhá-la bem dentro dos olhos e murmurar cheio de ódio: “Você vai me pagar”. A deusa recordou-se de nem ligar, achando que era mais uma de suas ameaças vazias, mas agora...Tudo parecia fazer sentido.

Poseidon pareceu ler sua mente enquanto ela ficava boquiaberta ao se lembrar do que havia acontecido, e assentiu para ela, confirmando suas suspeitas, mesmo que isso fosse desnecessário.

Grrrrrrrrrrr...! Se pudesse voltar ao passado, se estapearia por não acreditar nas ameaças dele, e não contar nada para ninguém, nem mesmo para seu pai, que poderia dar um basta nisso muito fácil. Mas agora já era tarde demais...

Rosnou para ele, com todo o ódio que não teve a capacidade de refrear. Nunca havia ficado apenas com uma escolha, a de aceitar que teria de suportar aquilo. Era a mais absurda e maldosa das vinganças!

-Seu platelminto ambulante! Acha mesmo que para isso precisava ...me sequestrar?!

-Hm...Sequestro é uma palavra tão forte....Digamos que tudo que eu quero é mantê-la aqui por alguns tempos, sem ninguém ter o conhecimento desse fato, para que você possa pensar um pouco em como tem agido...E como vai agir daqui pra frente...Ou simplesmente para você parar de se gabar naquelas malditas Assembleias, e aprender quem é o deus mais poderoso por aqui.

-Hmmmm...Você me trouxe para o fundo do mar, contra a minha vontade, e pretende me manter aqui? Para mim isso se chama sequestro.

-Tanto faz. –Ele revirou os olhos.

-Mas quer dizer que isso não passa de Orgulho Ferido? –Ela colocou a mão na cintura, olhando-o no melhor estilo “eu tenho nojo de você + você é ridiculamente patético”.

E ele continuou sorrindo de forma maléfica, devolvendo o olhar dela, só que de uma forma mais ameaçadora. Levantou-se da cama, aproximando-se sem cautela.

-Cuidado com as suas palavras.

Estavam a menos de um metro, numa batalha de olhares. Cinzentos x Esverdeados.

-Nossa, estou morrendo de medo de você. –Ironizou a deusa, certa de que se ele se aproximasse mais acabaria dando um soco em seus lábios.

-Pois deveria. Eu sou um dos Três Grandes. Estamos a dois mil metros de profundidade e não há mais ninguém além de mim, aqui.

Involuntariamente, Atena estremeceu com essas três frases, embora fingisse indiferença e acentuasse sua indignação.

-Como você pretende me manter aqui? Eu...Eu nem tenho roupas para vestir!

-Não se preocupe. Suas malas estão aí.

Ela juntou as sobrancelhas, não entendendo. Então ele apontou para o chão, para um detalhe que Atena não havia percebido, por ser tão repugnante e não pertencer a verdadeira decoração do quarto. Duas enormes malas rosa-schoking, jogadas no chão, prontas para serem desfeitas.

-Mas...Mas essas não são as minhas malas! E eu não as aprontei. – O que ela queria dizer era mesmo: “Em que tipo de Universo você acha que eu usaria essa cor de mala?”, mas isso não iria ajudar.

Ele se limitou a dar ombros.

-Elas continuam aí.

A tensão entre eles pareceu desaparecer por alguns segundos, enquanto Atena mirava as malas aturdidamente, e passava os dedos entre seus cachos, como se quisesse arrancá-los, e esfregava a testa murmurando frases ininteligíveis.

-...Ah, meus Céus, isso não pode estar acontecendo! –Ela tinha expectativas de que pudesse estar fantasiando toda aquela tragédia em sua mente. Mas sabia que sua mente não seria assim tão masoquista. Sua última esperança, que estava quase partindo, era a de que alguém pudesse resgatá-la, já que tudo parecia ser sério demais. Até malas rosa-shocking estavam envolvidas no jogo. Mesmo assim, resolveu confrontá-lo em relação aquilo. Pedia aos céus para que ele não tivesse pensado nesse detalhe crucial. -Acha que não vão desconfiar que você me sequestrou, Poseidon?

Ah, não. Não, não, não. Ele não demonstrara temor, ou qualquer outra sensação desconfortável perante essa questão. O que significava que ele de fato havia pensado em todos os passos daquele repulsivo sequestro.

-Está tudo sob controle. - Na verdade, com o sorriso que ele deu, parecia que estivera ansiando a manhã toda que ela fizesse a questão.

Quarta reação: Desespero.

-Mas...isso é impossível! Inaceitável! Eu não posso ficar aqui, parada, olhando para essa sua cara egocêntrica e vestindo pijamas, isso...isso é ridículo! Horrível! Pavoroso! – A deusa começou a entrar em crise. -Eu preciso sair daqui agora mesmo!!! –Ela saiu correndo em disparada para as portas duplas de carvalho do quarto, bagunçando um pouco do tapete turquesa, mas quando foi girar a maçaneta, notou que estava elas estavam trancadas. Girou-as várias vezes, com muita força, e nada cedia. Foi acometida por um súbito desespero, e começou a bater na madeira com violência, machucando suas delicadas mãos.  Mal se passaram segundos e ela se sentia ofegante. - ....SOCORROOOO!!!!!!!!!!...

Ela tomou um susto e calou-se, quando sentiu um hálito na direção de sua nuca, e ouviu o riso perverso dele às suas costas.

-Será que a Deusa da Sabedoria não entendeu o que eu quis dizer com não há mais ninguém além de mim aqui? Estamos sozinhos na redoma, Atena. Apenas eu e você.

Ela sentiu arrepios rondando todo o seu corpo, e como um coro as palavras dele, suas respirações desiguais foram a música do ambiente. O coração dela pareceu se esqueceu de bater por alguns momentos , e instintivamente ela tentou definir o que eram aquelas suas reações-resposta...Não queria dizer que eram de medo.

Talvez fosse porque ele estava perto demais.

-Não! Isso não pode ser verdade! –Ela se esquivou, evitando ao máximo lançar o mínimo olhar que fosse na direção dele. Começou a correr de volta, para a cama.

-Mas é! E é fantástico! –Ouviu-o exclamando, às suas costas.

Jogou-se na cama de bruços, como se fosse um saco de batatas.

-Não...Não pode ser... –Murmurou para si mesma.

-Não insista. –A voz dele estava tão perto, que a deusa achou que ele pudesse estar pensando em se deitar ao seu lado.

Virou-se no mesmo instante naquela direção, e descobriu que era exatamente isso o que ele pretendia fazer. Fuzilou-o.

Quinta reação: Ódio.

-SE PENSA QUE ESTOU ME DANDO POR VENCIDA, RETIRE O FILHOTE DE EQUINO DA PRECIPITAÇÃO PLUVIOMÉTRICA!!!

Nem mesmo um dos Três Grandes Deuses se atreveria a deitar-se ao lado de Atena depois de vê-la gritando aquilo, tão possessa, que parecia que iria fazer os lençóis explodirem em fogo grego a qualquer momento.

-O quê?!  -Ele estava confuso enquanto recuava. Ela havia o mandado tirar o cavalinho da chuva, não havia?

-Fique longe de mim, Poseidon! Saia daqui, evapore, vá visitar Hades, mas eu não quero mais ouvir sua voz! 

Em qualquer outra circunstância, ele não deixaria que ela falasse com ele daquele jeito, sem revidar, ou sem confrontá-la, mas ele havia detectado algo de...choro na voz dela, mesmo ela se mostrando forte e arrisca.

-Ok...Vou te dar um tempo para se recompor...Mas tarde nós discutimos um pouco mais...Atena.

Última reação: Lágrimas.


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Notas finais do capítulo

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