Eu acordei, com os olhos embaçados, numa cama espaçosa que com certeza não era a minha – era tão macia, os lençóis eram tão cheirosos, pareciam ter sido lavados com algum tipo de amaciante importado – olhei pro teto e aquele com certeza não era o teto do meu quarto, era um teto de gesso com desenhos em relevo, era muito bonito, eu finalmente olhei para o lado e dei de encontro com um olhar terno, o olhar de Chris, ele sorria e seu sorriso parecia refletir a luz do sol que entrava pela janela com cortinas brancas e longas entreabertas, mesmo estando feliz de saber que Chris estava comigo a minha primeira reação foi olhar se eu estava de roupa, sim, eu estava, com a mesma roupa podre de álcool da festa da noite anterior, na verdade eu tinha lembranças muito vagas sobre elas, Chris não disse nada até eu olhar pra ele novamente, confusa, ele estendeu o braço e acariciou minha bochecha com  as costas da mão e depois tomou meu rosto e trouxe para perto do dele, me beijou leve e rapidamente, ele soltou meu queixo, mas eu continuei parada, fixada nos olhos dele com os lábios a mesma distância, então ele voltou a me tocar e ai meu deus, como aquele toque quente e aconchegante era bom, ele colocou a mão no meu pescoço e sussurrou em meu ouvido:

-Bom dia anjo. –Nossos olhos se encontraram de novo e as memórias da noite anterior vieram a tona ... ‘Anjo’ – ‘Meu anjo’ de repente a respiração me faltou e eu não sabia o que fazer, tinha tantas perguntas, eu... eu precisava entender tantas coisas, mas tudo que consegui perguntar foi:

-Onde estamos? –Ele sorriu, como se fosse o que ele esperava.

-Em um hotel, em Canberry, sua mãe acha que você ta na casa da Dani. Você pode passar o dia comigo... Ah, se quiser, claro. –Ele bagunçou o cabelo sem jeito e eu não pude evitar o sorriso que me surgiu.

-Chris...

-Shhh –Ele me beijou e eu me entreguei ao beijo –Deixa eu sentir você aqui comigo, depois... Depois a gente vive a parte chata. –Ele me beijou de novo e eu sabia que não fazia sentido continuar com aquilo diante dos fatos, mas parecia que nossos corpos tinham sido criados um para o outro, eles se encaixavam perfeitamente e tanto o meu, quanto o dele parecia pedir pelo do outro, parecia que a cada toque dois mundos se misturavam e entravam em harmonia, no final eu desisti de dar ouvidos a razão, eu sabia que ficar ali sentindo tudo aquilo, sensações que eu não sei se todos tinham oportunidades de sentir na vida, do que lutar para entender algo que eu tinha certeza que me faria sofrer. Chris sugeriu que eu deveria conhecer o parque municipal de Canberry – uma cidadezinha que ficava próxima da minha – ele tinha me comprado roupas novas, uma calça jeans e uma camiseta, as pessoas nos olhavam passando na rua, como se a gente tivesse algo de diferente, talvez formássemos um casal bonito, eu sei que pouco me interessava isso, ou até mesmo os olhares invejosos das meninas de Canberry, a única coisa que eu queria viver era o abraço do meu Chris, era sentir ele ali perto de mim, eu amava o jeito como ele me fazia sentir, tão completa. O entardecer chegava e eu sabia que aquilo significava que não só o dia, mas como meus momentos felizes estavam acabando. Eu e Chris estávamos deitados embaixo de uma árvore grande, os raios alaranjados do por do Sol iluminavam nossos rostos por entre as folhas e faziam a grama cheirosa parecer mais verde ainda, eu estava deitada com a cabeça no peitoral de Chris e ele tinha o braço passado em volta da minha cintura:

-Você não imagina como foi difícil ficar longe de você por todo esse tempo. –Ele me surpreendeu com aquela fala e minha resposta me surpreendeu mais ainda:

-Mas, você nunca esteve... Longe... Quero dizer, longe de verdade não é? –Eu levantei a cabeça e vi ele sorrindo, apoiei meu braço na grama e ele se sentou também:

-Não –Naquele momento nossos olhares se perderam na imensidão de sentimentos que se passavam –Mas também nunca estive perto como queria. –Eu coloquei a mão no queixo dele e trouxe seu rosto, seus lábios para perto dos meus:

-E agora tem. –Eu o beijei, mas ele recuou.

-Não é tão simples assim. –Eu suspirei frustrada, mesmo já tendo imaginado que aquela seria a reação dele.

“We spent some time

Together drinking

Spent some time just thinking

About days of joy

As our hearts started

Beating faster

I recalled your laughter

From long ago

There's nothing like you and I”

            Ele se sentou olhando pra frente, abraçou os joelhos e recomeçou a falar:

            -Há muito tempo existia um paraíso harmônico, Deus o todo poderoso tinha total controle sobre suas criaturas, inclusive sobre os anjos, que naquela época começaram a ser resignados a tarefas na terra, sim, isso foi bem antes de vocês, digo, humanos existirem. Então, teve um anjo, você com certeza já ouviu falar dele. Seu nome é Lúcifer. Ele era o braço direito de Deus, um anjo muito poderoso, Deus confiou a ele poderes que jamais nenhum anjo sonhou em ter, acontece que Lúcifer se rendeu a vaidade, que você conhece como um dos pecados capitais certo? Um anjo que comete um pecado e acima de tudo tenta tomar o trono de seu rei não deve mais ser parte do reinado, certo? Foi isso que Deus fez, o expulsou de lá e ele ficou confinado na terra, mas sua presença trouxe problemas a todos os humanos. Você deve se lembrar daquela historinha de Adão e Eva, não foi exatamente daquele jeito, mas o culpado dos pecados terrenos foi ele, que ficou tão perverso e corrompido, tão vaidoso, ele precisava ser rei de algum lugar, eis o inferno, é claro Lúcifer não foi o único anjo que caiu e depois que ele e seus servos se foram dos céus, cada vez mais anjos se rendiam a vaidade, mas existe outros tipos de anjos caídos... Cada pecado capital justifica uma queda, claro que alguns são mais freqüentes do que os outros, como o pecado da Luxuria, muitos anjos foram expulsos do reino por desejarem mulheres ou homens da terra, isso se tornou mais comum quando Deus passou a tarefa de proteger um humano... –Ele fez uma pausa e não precisava nem voltar a falar.

            -Você... Mas, se tantos anjos caem por mulheres da terra, por que é tão difícil de nós ficarmos juntos? –As lágrimas me subiam aos olhos de pensar que a resposta dele poderia ser que nós nunca ficaríamos juntos, mas eu sequer obtive a resposta, Chris olhou pro lado, preocupado de repente, ele levantou e me puxou, Dani apareceu na nossa frente, eu sinceramente não sabia da onde ela tinha surgido:

            -Leve ela daqui! Agora! E fique com ela! –Chris me soltou, mas Dani tomou meu pulso, eu estava confusa, não tinha ideia do que estava acontecendo. O caminho até em casa foi quieto, eu sentia que aquele não era o momento pra perguntar nada, ela quebrou o silêncio quando estávamos na frente da minha casa:

            -Fique ai, não se meta em confusões. Volto em 10 minutos. –Eu entrei em casa me perguntando que tipo de coisa poderia acontecer. Assim que pisei no meu quarto o celular tocou, o nome que li na bina foi: Jeremy.

            -Alô?

            -Oi Nena! Te liguei o fim de semana inteiro, sua mãe disse que você passou com a Dani, achei que vocês estavam fazendo coisas de garotas e decidi não interromper, mas enfim...

            -É... Nós estávamos, fazendo coisas de meninas. –Dei uma risadinha meio histérica.

            -Eu estou com saudades. –Jeremy tinha uma voz encantadora, tudo nele era encantador, assim como em Chris.

            -Também estou.

            -Quer me ver?

            -Sim, claro.

            -Te pego em cinco minutos. –Eu sei que Dani tinha falado pra eu não sair, mas que mal faria se eu fosse dar um ‘oi’ pro Jer?