Cheguei em casa e todos já estavam lá. Nem sequer me esperaram na escola, mas eu não estava aborrecida ou chateada com isso. Sei muito bem que Leon está tão enfeitiçado por Gisele que ele nem tem se lembrado de mim ultimamente, a própria Gisele não tem motivos algum para me esperar, não depois dos últimos dois dias, e Lance? Eu não espero nada de bom daquele babaca, sinceramente.

Mas por incrível que pareça quem estava na cozinha me esperando era ele, Lance. Assim que entrei dei de cara com aqueles olhos azuis, cujos eu poderia me perder devido sua intensidade ao me olhar.

Se ele não tivesse quebrado aquele silêncio tão gostoso eu ficaria a fitar seus olhos para sempre.

“Que bom que chegou.” Ele disse sorrindo “Só faltava você.”

“Cadê Leon e Gisele?” Eu o perguntei voltando ao meu normal.

“No porão.”

“Vocês ainda não mostraram a Leon, certo?”

“Você acha que eu deixaria Gisele mostrar isso a Leon antes de você chegar?” Lance me perguntou com um sorriso quase apagado “Então você não me conhece nem um pouco mesmo.”

“Vamos ver?” Eu o perguntei antes que eu pudesse ficar constrangida com a cena, mas só tem uma coisa, eu não sei se posso me sentir constrangida.

“Vamos.” Ele disse.

Então descemos as escadas do porão, o único cômodo da casa que eu nunca estivera antes. Lá era escuro como qualquer outro porão humano.

O porão de onde eu morava era nada menos que um laboratório todo equipado com os melhores equipamentos científicos jamais vistos por qualquer ser no universo.

Começo a pensar, como será que meu pai e as outras pessoas do reino estão? Será que papai já me odeia? Perguntas que às vezes enlouquecem até o meu irmão.

Quando chegamos lá era notável a empolgação de Leon com Gisele. Eventualmente eles notam nossa presença.

Foi aí que percebi que vampiros ficam constrangidos sim. A expressão de Leon me deixou ter certeza disso.

“Estamos interrompendo alguma coisa?” Eu perguntei aos dois.

“Na verdade está.” Gisele respondeu mal humorada como sempre “Se tivesse vindo conosco eu poderia estar fazendo outra coisa agora, ao invés de esperar por uma vampira metida como você.”

“Eu posso até ser ‘metida’, mas tenha certeza de que você é insuportável.” Eu a disse.

“Não fale assim com ela, Lyenne!” Leon me deu uma bronca.

“Como?” Eu o perguntei segurando as lágrimas que eu nem sabia que pudessem existir em mim.

“Ela tem razão você é metida, intrometida... Sempre se gabando de todos os seus irmãos por ser a favorita do todo poderoso Uberon.” Leon disse “Você acha que não machuca a nenhum de nós o fato de você ser a queridinha? E você ainda faz questão de jogar isso na nossa cara.”

“Isso é mentira, e você sabe disso.” Eu disse ainda não chorando, mas estava para a primeira lágrima cair a qualquer segundo “Vocês todos que jogam na minha cara o quão filhinha de papai eu sou. Ah, e não pense que eu esqueci o que você me disse para me convencer a vir pra cá.”

“Garota, a gente não liga.” Gisele disse.

“Não.” Leon disse “Eu quero saber o que foi que eu te disse.”

“Que eu era a ‘queridinha’ do papai e com certeza ele não me baniria pela fuga.” Eu disse “Será que você ainda não acordou para a realidade? Você que jogou na minha cara o tempo todo o quão amada eu era mais do que os outros.”

“Isso é tudo, irmãzinha?” Leon me perguntou.

“Eu te odeio, Leon.” Eu disse.

“Que coincidência eu sempre te odiei.” Ele disse.

Eu subi as escadas do porão correndo para poder soltar as lágrimas que estava prendendo. Nesses 93 anos, quase um século de vida, eu chorei pela primeira vez na vida e pela pessoa que jamais pensei que pudesse me machucar dessa forma.

E também tive uma surpresa com as minhas lágrimas.

Lance que vinha atrás de mim também.

“Você está...” Ele ia me perguntar se eu estava bem, mas acabou que ele disse outra coisa “Você ta chorando sangue?”

Isso mesmo minhas lágrimas eram vermelhas como sangue.

“Eu não sei.” Eu disse desesperada “Eu sei que essas coisas estão manchando a minha roupa.”

“Lava o rosto e vamos sair daqui.” Ele sugeriu.

“Por que está sendo gentil comigo?” Eu o perguntei “Eu nunca te tratei bem.”

“Só faz o que eu disse.” Ele disse.

Eu lavei o meu rosto e saí com Lance. E o passeio foi mais agradável do que jamais já esperei.

Enquanto isso no porão, Leon pedia a Gisele para que ela o mostrasse o que eles roubaram dos lobos.

“Um segundo, eu vou pegar.” Ela disse procurando até que não achou.

“O que foi?” Leon a perguntou.

“Não consigo encontrar.” Gisele disse “Sumiu.”

“Como?” Leon a perguntou.

Gisele olhou para Leon com uma resposta “Lance.”

No nosso passeio Lance foi o que eu chamaria de um cavalheiro de verdade.

“Pena que no final das contas eu acabei não vendo o que vocês roubaram dos lobos.” Eu disse enquanto estávamos sentados na praia de frente para o mar.

“Quem disse isso?” Lance disse sorrindo.

“O que?” Eu perguntei sorrindo “Está aí com você? Me deixe ver!”

“Só se você me der um beijo.” Ele disse com aquela cara de safado que eu já conhecia.

“Estava demorando.” Eu disse revirando os olhos.

“Calma, eu estava brincando com você.” Ele disse fazendo o meu sorriso voltar.

Ele pegou no bolso da camisa dele um colar com um cristal branco de “pingente”.

“Meu deus!” Eu disse surpresa em ver aquilo e é claro botando as minhas mãos naquilo.

“Sabe o que é?” Ele perguntou.

“Claro!” Eu disse “Vocês não?”

“Não.” Ele me confessou coçando a cabeça “O que é?”

“Digamos que vocês tem a vida de um lobo, que não vai demorar muito tempo para chegar até vocês, nas suas mãos.” Eu disse sorrindo.

“Eu tenho a vida do lobo que quer me matar nas minhas mãos?” Ele disse sorrindo.

“Mais ou menos.” Eu disse “Isso é o cristal de identificação de um lobo, assim que nascem ou são criados, porque assim como existe os Kohls existem os Kohls versão lobisomem.”

“E o que mais esse cristal pode ser?”

“Se quebrarmos esse cristal o dono dele morre.” Eu disse “E no caso deve ser um...”

“Um?” Ele perguntava curioso.

“Esse cristal é do lobo branco!!” Eu disse.

“Como?” Ele perguntou.

“Você roubou isso de um lobo todo branco?” Eu o perguntei.

“Foi sim.” Ele disse “Por que?”

“Porque estou curiosa para vê-lo novamente.” Eu disse.

“Sem essa!” Lance disse “Vamos destruir isso! Não quero lobo nenhum na minha cola!”

“Você não pode destruir.” Eu disse “E depois pra que você roubou isso?”

“Ora, eu achei que pudesse valer alguma coisa.” Ele disse “Aí eu achei legal de usar pra azarar umas gatinhas aí... E acabou que não vendi.”

“Bem humano.” Eu disse.

“Qual é?” Ele disse “Eu só quero me divertir! Porque ao contrário de vocês, eu não vou viver para sempre.”

“Uma boa explicação.” Eu respondi.

“O que mais isso faz?” Ele perguntou ainda interessado no colar.

“Mais nada.” Eu disse.

“Sei.” Ele disse.

“Posso ficar com isso?” Eu perguntei.

“Desde que não quebre.” Ele disse.

“Você era quem tava querendo quebrar até agora pouco.”

“Mudei de idéia.” Ele disse.

“Eu prometo que não vou quebrar.” Eu disse colocando o colar ao redor do meu pescoço.

“Ficou ótimo em você.” Ele disse aproximando seus lábios nos meus, mas eu me levantei.

“Nada disso.” Eu disse.

“Ah, fala sério!” Ele disse deitado na areia “Só um beijinho. Digo, tem que ser um beijão, mas só um.”

Eu me ajoelhei e disse “Não posso.”

“Por quê?” Ele insistia.

“Porque se eu me descontrolar, você morre.” Eu o disse.

“Vale apena correr o risco.” Ele disse com aqueles olhos e aquele sorriso que me deixavam louca “E além do mais, meu sangue nem é tão bom assim.”

“Não vou beijá-lo.” Eu disse.

Ele se sentou e disse “Já que você não quer fazer isso por bem...”

“Hã?” Eu disse, mas quando eu menos esperava seus lábios já estavam repousados sobre os meus e sua língua entrelaçada com a minha.

Deixei aquele beijo continuar, já tinha resistido demais à tentação. Não havia mais nada que eu pudesse fazer, ele tinha me ganhado.

E o grande motivo que eu queria tanto ficar com aquele colar, era com a esperança de que aquele lobo branco viesse me salvar dos problemas que foram se criando nesse mundo. Só não queria que ele me salvasse nesse momento, pois depois do dia de cão que tive, esse beijo foi a melhor coisa que pudera me acontecer.

Então lobo branco, se quiser esperar uns dias pra me salvar, eu não vou ligar não.