As ruas de Londres estavam frias e desertas. Os becos sombrios não eram um bom lugar para se estar a noite. Mesmo assim, um vulto coberto por uma capa negra avançava por entre as vielas sujas, sem se preocupar com o lugar remoto e perigoso onde se encontrava, parando apenas ao chegar em um cemitério abandonado nos subúrbios da cidade, rodeado de casas vazias em ruínas.

Se encontrava impaciente, o assunto que tinha a tratar era de extrema importância para si, mas felizmente a pessoa que viera encontrar não demorou a aparecer. 

-Acho que você não poderia escolher um lugar mais isolada para este encontro.- o homem comentou, retirando  o capuz e revelando a face de Edward Heagraves.

-Você sabe como é difícil para mi aparecer. Mesmo se eu sair apenas por poucos minutos, ainda assim posso ser rastreada por eles. E sei isso acontecer, tudo estaria perdido.- a mulher reclamou, ajeitando os longos cabelos negros. Era bela, realmente bela.  O olhos escuros tinham um brilho severo, a pele era muito clara, pálida até. O corpo era magro, mas com curvas generosas.

-Então vamos direto ao assunto, Ayen. O seu recado...por que me chamou até aqui, depois de todos esse anos...

-Nicholas está crescendo, e eu estou ficando preocupada. Já está com 14 anos...o poder dele apenas vai aumentar com o tempo. A ordem não desiste de encontrar minha irmã, o único motivo pelo qual meu sobrinho vive é por estar escondido...porém...a barreira de Lissar não será suficiente conforme seu poder se fortalece. Ele será encontrado, Edward.

-O que...posso fazer para protegê-lo?

-Nada. Nicholas terá de proteger a si mesmo. Ele fará 15 anos em breve. Quando esse dia chegar, você deve lhe contar a verdade sobre seu nascimento e sobre sua mãe. Ele tem de estar preparado para quando for encontrado por nós. E...- retirou o belo medalhão que trazia no pescoço.- entregue isso a ele o mais rápido possível.

E, com esse ultimo ato, Ayen se despediu, desaparecendo nas sombras. O Dque guardou o cordão e seguiu seu caminho, com um semblante preocupado.

XXX

Nick estava aborrecido. Nos últimos dias algo inédito estava acontecendo consigo.  Logo ele, que sempre fora tão aplicado nos estudos e na leitura, agora encontrava muita dificuldade em se concentrar, não importava a que atividade se dedicasse.

Quando deitava no chão da biblioteca rodeado de seus preciosos livros e tentava ler algo, o que era antes seu passatempo preferido, não conseguia. Por mais que seus olhos se fixassem nas palavras, sua mente divagava e não se concentrava no que lia. E nessas horas, seus pensamentos se voltavam sempre para a mesma pessoa: seu professor. E o menino não conseguia entender por que o mais velho não sai de sua cabeça.

Se já era ruim o suficiente nas horas de lazer, tudo se tornava pior durante as aulas. Como conseguir se fixar no que estudava se cada movimento de Richard tirava completamente sua atenção? Mesmo contra sua vontade consciente, seu olhar passeava pelo rosto bonito de traços orientais, pelos olhos dourados e puxados nas extremidades...quando o professor falava, Nick não podia deixar de notar o contorno daquela boca...a suavidade daquela voz...

-Nicholas?- Richard sentia que seu aluno estava um bocado disperso e estranho nos últimos dias. O pequeno parecia sempre perdido e confuso. E isso estava deixando o maior imensamente preocupado.- Nick? Está me ouvindo?

E foi com a insistência do outro que o garoto acordou de seus devaneios, corando imediatamente com a vergonha de perceber que estava admirando o professor fixamente. O mais velho não conseguiu deixar de se sentir atraído por aquele rosto corado, era tão fofo e adorável! Movendo sua mão quase de forma inconsciente, deixou que seus dedos passeassem pelos sedosos e cheirosos cabelos de Nick.

O menino ficou ainda mais vermelho, se é que isso era possível.  Ele nem sabia direito o porque daquele toque ser tão bom e o deixar tão sem graça. Por que sentia tanta vergonha?

-Nicholas...algo está incomodando você? Tem andando um pouco diferente nesses dias...

-Na...não...te...tem nada...a...aco...acontecendo....- era realmente estranho para o professor ver o sempre maduro e um pouco frio Nick gaguejando daquele jeito. Mas ele gostou desse lado do aluno também. Na verdade, o achava ainda mais fofo assim.

O maior sorriu e bagunçou um pouco mais o cabelo do garoto, deixando que seus dedos descessem dos fios lisos para a face corada, acariciando o rosto de pele macia, sendo encarado pelos olhos negros confusos e mais brilhantes que o normal, notando  a boca rosada e bem desenhada de Nicholas, e o quanto aqueles lábios entreabertos lhe pareciam convidativos.

Inclinou-se na direção do menino, já que este nem chegava aos seus ombros em tamanho, deixando os rostos de ambos extremamente próximos...seus lábios quase se roçando...

-Ri... Richard...- o menor falou, incerto, mas gostando de toda aquela proximidade.

Ao ouvir seu nome, o professor percebeu o que estava fazendo, afastando-se depressa do aluno. O que estava acontecendo consigo, pensou.  Ia realmente beijar Nicholas? Não...não podia ser, devia ter se sentido atraído pela beleza andrógena do garoto, mas era só isso...tinha de ser...

-Me desculpe, mas eu não estou me sentindo bem. Continuaremos a aula amanhã.- e saiu apressado da sala, deixando Nick sozinho e ainda mais confuso.

XXX

Richard já havia percebido que, para si, passar o tempo na companhia de Nicholas era algo cada vez melhor. Se sentia ávido por conversar, conhecer m ais sobre o garoto, testar as suas reações e descobrir todas as facetas escondidas da personalidade do menino. Mas ainda não se apercebera dos sentimentos que estava a nutrir. Porém, isso não demoraria a acontecer...

A manhã que se seguiu ao dia do quase beijo estava fria.  O outono chegava ao fim, o inverno não tardaria achegar. Naquele dia, completaria 4 meses que o professor deixara Londres e seguira para a mansão do Duque Heagraves, para ensinar o jovem Nicholas.

Nem lembrava da data, apenas tomara conhecimento do fato quando, logo após acordar, uma das empregadas lhe trouxe as cartas que recebia, como de costume. Sua noiva sempre lhe escrevia dizendo estar sentindo saudades, e dessa vez lhe perguntando por que não fora visitá-la nenhuma vez nesses 4 meses?

Ao ler a carta, Richard se deu conta de duas coisas: a primeira era que ele não sentia muita falta da noiva, ao contratio do que imaginara que fosse sentir. E, com um baque, percebeu que se conseguia ficar tanto tempo longe sem sentir saudades, é porque o amor acabara. Não amava mais Vitoria. E, a segunda coisa que percebeu, que nem conseguiria imaginar sair daquela casa e voltar para sua antiga vida.

Foi aquela carta tão despretensiosa que o fez entender. Entender o que se passava em seu coração. Entender que todo esse carinho e adoração que sentia por seu aluno nada mais era além de...amor. Estava completamente apaixonado por Nicholas...

Essa constatação o encheu de pavor. Nick tinha apenas 14 anos, era uma criança ainda...como podia estar amando desse jeito alguém que mal entrara na adolescência? Isso era errado, amar e desejar o Nicholas era tremendamente errado...