-Eu irei te mostrar.- Nicholas falou calmamente, sem nenhuma expressão em seu rosto. Para qualquer um que o olhasse, ele não parecia particularmente interessado em contar a verdade ao seu professor, mas ele realmente confiava no outro, senão, jamais sequer pensaria em fazer o que faria agora.- irei pegar aquele livro ali.-falou, apontando para um grosso volume de capa vermelha, a alguma distancia de si.- preste atenção.

Richard quase gritou com a surpresa de ver, de repente, o livro mexer sozinho e vir flutuando até o garoto, que o pegou com os olhos opacos e um ar de tédio, como se movimentar objetos com a mente fosse tão normal quanto respirar.

-Co...como você...?

-Isso não é nada.- Nick respondeu, dando de ombros.- não é tudo que eu posso fazer, aliais.

-...-O professor não conseguia acreditar em seus próprios olhos.

O menino assentiu, e, num piscar de olhos, desapareceu da vista do mais velho, reaparecendo segundos depois do outro lado da ampla biblioteca, deixando o seu jovem professor ainda mais perplexo.

-Você...- nem sabia o que dizer.

-Basta pensar aonde eu quero ir...e nem precisa ser um lugar que eu conheça...

-Então por que não usa essa habilidade para sair da mansão?

-Eu já tentei.- suspirou.- meu pai me disse que esta casa foi construída exclusivamente para mim, e por isso não importa quantas vezes eu tente usar meu poder para sair, não irei conseguir. Há apenas um meio de sair daqui, é pela porta da frente, mas ele jamais permitiria.

-Se o duque te mantém aqui apenas por esses poderes...

-Não são apenas esses...há alguns outros, mas esses são perigosos demais para mostrar.-sorriu, vendo a expressão perdida de Richard.- tudo que meu pai me explicou é tão vago...quando eu nasci, minha mãe consultou uma cartomante, que previu algo horrível que aconteceria em meu futuro.  Somado aos meus poderes estranhos, é essa a razão que o motiva a me prender aqui. Mas isso é tudo que ele compartilhou comigo, mas sei que eles esconde outras coisas de mim.- Nick falava pensativo.- eu acho que tem algo a ver com o meu nascimento e com minha verdadeira mãe...

-Como assim?

-É a única resposta lógica!- Nicholas disse sorrindo, sentando-se  novamente ao lado do professor. – minhas irmãs também são filhas dele, porém, não estão subjugadas a mesma prisão que eu. Já saíram da mansão varias vezes antes. Apena seu não posso! E a maior diferença entre nós é nossas mães. Portanto, é lógico pensar que seja algo relacionado a ela, não?

Richard não respondeu, seus olhos se desviando para o quadro onde estava retratada a mãe de seu aluno. Era uma mulher linda, muito parecida com Nick, os mesmo olhos negros  e o sorriso travesso...Ângela tinha razão em chamar a atenção para aquela extrema beleza que tanto a mãe quanto o filho possuíam.

-Esses poderes que você tem...seu pai e suas irmãs também possuem?

-Não...apenas eu...o que alimenta ainda mais minha teoria.

-Mesmo com essa explicação...- o mais velho ainda tentava processar tudo que tinha visto e resolver se iria acreditar mesmo.- eu realmente não entendo esses motivos de seu pai...

-Nem eu. Tem muitas outras coisas além disso, mas não importa quantas vezes eu pergunte, ele nunca me diz mais. – o garoto suspirou, depois sorriu de forma graciosa, fazendo o professor admira-lo um pouco mais. Aquele menino era realmente encantador.- essa foi a primeira vez que eu contei sobre mim para alguém...esse era um segredo entre mim e meu pai, na verdade nem mesmo o resto da família sabia.

-Fico feliz que confie tanto assim em mim.- replicou, retribuindo aquele sorriso. Nick se sentiu estranho, seu coração batia mais rápido e seu rosto corou, involuntariamente. Richard realmente era lindo, ainda mais quando sorria dessa forma.  

-Você...é o único amigo que eu tenho.- o garoto se sentia bem embaraçado, mas não sabia o porque dessas suas reações. Só que, embora normalmente não fosse de interagir muito, gostava da companhia de seu professor...

XXX

O dia amanheceu chuvoso. Porém, dias nublados assim eram comuns na Inglaterra, e Nick preferia-os aos dias de sol e céu azul. Gostava da forma das nuvens e do cheiro de terra molhada.Mas também sabia que não iria demorar para que as chuvas fossem trocadas pela neve, o inverno estava a caminho. 

O garoto despertara quase na hora do almoço, após mais uma noite praticamente em claro. Mais uma vez, estava tendo pesadelos muito estranhos, e todos envolviam  sangue e morte. Isso estava começando a deixa-lo um pouco intrigado.

Após comer, resolvera ir ao jardim, olhar um pouco as gotas de chuva que despencavam do céu. Mas, no meio do percurso que fazia, sua atenção foi despertada por um som vindo da sala de musica. Alguém tocava o piano. A musica era graciosa e firme ao mesmo tempo, um som puro, envolvente, e perfeitamente executado. Era como se as notas voassem pelo espaço e tocassem em seu coração, agitando seus sentimentos geralmente sempre escondidos.  Como se fossem pequenos pedaços de mágica capazes de o transportar para outro mundo...

Curioso em quem estaria tocando tal maravilha- já que suas irmãs, Mary e a professora de piano das garotas definitivamente não conseguiam extrair um som desses do velho piano da família. E qual não foi sua surpresa ao encontrar  seu professor tocando.

Richard ouviu a porta bater, parou de tocar e se virou, vendo seu pequeno, gracioso e fofo aluno parado junto da mesma, com uma expressão de surpresa.

-Nicholas!- Falou sorrindo, realmente gostava de ter a companhia daquele menino lindo. Na verdade, se percebia cada vez mais apegado ao mais novo. – como dormiu muito hoje, teremos apenas as aulas da tarde. Entretanto, terá de estudar muito para compensar essas horas perdidas.

-Sem problemas. Você realmente toca muito bem esse instrumento.- falou, indo até o professor e ficando parado ao lado do piano.

-Sente aqui.- o outro o convidou para sentar-se ao banco do piano.- acha mesmo? Já faz um tempo que parei de praticar.

-Achei. É melhor que a professora das minhas irmãs. É como...se a musica tivesse um sentimento próprio.

-Mas a musica tem um sentimento próprio. Cada nova melodia tem uma nova carga de sentimentos.Acredito que tocar qualquer instrumento vai muito de saber reconhecer a vida presente em cada nota tocada.

-É um modo de ver.- o pequeno respondeu.- mas sempre havia pensado ser algo bem mais matemático...uma certa sequencia de notas tocadas de certa forma compõe uma musica, assim como equações numéricas.

-Bem, esse é um ponto de vista também. Mas acredite, ninguém seria capaz de seu um bom musico se não sentisse a musica, não sentisse o encanto que ela possui...- ri, dando conta das palavras que havia falado.- isso está saindo bem romântico, não?

-Eu...não sei...- respondeu embaraçado, seu coração disparando novamente...o que estava acontecendo consigo?

 O outro sorriu docemente e recomeçou a canção. Acabou que naquela tarde, Nick acabou não indo estudar, passou o resto do dia ali, ao lado de Richard e ouvindo-o tocar. E não conseguia evitar de pensar no quanto estava se tornando intimo de seu professor, deixando-o conhecer facetas suas que a própria família não conhecia...mas não dava para evitar, se sentia tão bem ali com ele...que estava começando a ter medo de seus novos sentimentos.