O jantar transcorreu-se de calmamente. Richard pode finalmente conhecer seu patrão, e ficou muito bem impressionado. Pelo visto, apesar de ser uma das famílias mais influentes do reino, eram pessoas dignas e nem um pouco arrogantes, bem diferentes dos outros nobres que conhecera antes. Isso tornava seu trabalho bem mais agradável. Além disso, faziam questão de que os acompanhasse nas refeições, sentando-se como iguais. A única coisa que ele se questionou foi a presença de uma menina loira, de olhos cinzentos, um pouco mais velha que as gêmeas. Todos a tratavam de forma casual e intima, poderia ser então que o duque Heagraves tivesse uma bastarda não conhecida pela sociedade?

Após o agradável e delicioso jantar, o professor se recolheu para o quarto que seria seu dali por diante, passou algumas horas lendo um livro. Aquele aposento era espaçoso. No centro, uma cama grande e confortável. Logo ao lado janelas e uma porta envidraçada que levava a uma pequena sacada. Havia ainda um closet, um banheiro privativo, uma mesa e um estante que poderia usar para o que quisesse.

Acabou adormecendo. Estava no melhor dos sonos, quando um alto grito se fez ouvir, seguido de mais alguns barulhos. Levantou-se num susto, correndo até a porta e a abrindo, encontrando Ângela sentada num banco junto às amplas escadarias, com as gêmeas no colo, e conversando baixinho com a menina desconhecida.

-Sra. Heagraves, aconteceu alguma coisa? – perguntou, um pouco preocupado.

-Me desculpe. – a mulher falou, tristemente.- Isso acontece às vezes. É que Nick tem alguns problemas para dormir. Seus pesadelos muitas vezes o acordam durante a noite.

As palavras de Richard morreram na garganta ao ver Edward sair de um dos quartos segurando um adormecido Nicholas em seu colo. Na penumbra, apenas com poucas velas para iluminar o recinto, o garoto parecia extremamente pequeno e frágil.

-Tio Ed...- a menina cujo nome ainda não sabia avançou até ele, olhando Nick com preocupação.- ele ainda não acordou?

-Ele está bem agora, Mary.  Você pode voltar para seu quarto, não se preocupe, eu cuidarei dele. – A garota assentiu, indo até Ângela e a ajudando a carregar as sonolentas gêmeas de volta para suas camas. - Peço desculpas por perturbar seu sono, Nichijou.- falou.- por favor, sinta-se a vontade para retornar a seu quarto, não haverá mais gritos essa noite.

O professor fervilhava de perguntas, mas sabia que não era a hora certa para se fazer nenhuma delas, o melhor a se fazer era seguir o conselho de Edward, portanto, deitou-se novamente, e, apesar dos pensamentos em sua mente, conseguiu adormecer com relativa facilidade.

XXX

No dia seguinte, acordou um pouco tarde, se arrumando rápido, com vergonha pelo atraso. Ao descer afobado as escadas em direção ao jardim, onde lhe havia sido dito que o café da manhã seria servido. Encontrou uma cena curiosa: Ângela e Edward sentados numa ampla mesa de repleta de varias delicias, enquanto assistiam Melody, Anne  e a outra menina correndo pelo canteiro das rosas, rindo e se divertindo. Nicholas não estava à vista.

Parou um pouco e ficou vendo aquela cena, imaginando que daqui a alguns anos, ele e sua noiva Vitoria também estariam rodeados por crianças, e contemplariam sua prole com aquele mesmo ar feliz.

-Você está bloqueando a porta.- uma voz calma o tirou de seus pensamentos.- e pelo visto eu não fui o único a acordar agora...

- Nicholas...- não sabia o que dizer, ainda estava um pouco preocupado com o garoto, depois do que acontecera durante a noite. – teve uma boa noite?

-Sim.- o garoto sabia que o outro havia ouvido seus gritos, mas não gostava de discutir aquilo com ninguém. – só um pesadelo, por isso me deixaram dormir até agora para compensar.

-Sua família sempre faz todas as refeições juntos?

-Normalmente sim. Menos quando meu pai tem de ficar em Londres para trabalhar. Sempre meus pais, eu, minhas irmãs e Mary. – ele olhou para o rosto de curiosidade de seu professor. – Mary...é a governanta das minhas irmãs, mas na verdade ela é mais como uma irmã mais velha. Está conosco desde os dois anos, e esse ano fará 10. É filha bastarda de um nobre muito importante e sua existência tem sido mantida em segredo. Meu pai foi incumbido de cuidar dela, até que complete 18 anos, quando então, e só então poderá ser revelada a verdade sobre seu nascimento. Mas não comente que sabe. É um segredo serio. Agora vamos- falou, puxando Richard pela mão.

Lentamente, os dias foram passando. Já havia se consolidado duas semanas, e Richard se encontrava confortável com a rotina que estava tendo. Durante o dia, ensinava a Nicholas, quatro horas pela manhã e quatro pela tarde. Depois, estava livre para fazer o que quisesse, e ainda podia folgar aos fins de semana. Aquele emprego era realmente melhor do que esperava que fosse.

Encontrou-se cada vez mais amigo de seu pequeno aluno. Nick era uma criança séria e madura, não tinham problemas me conversar sobre assuntos em comum, como livros, lugares e diversas outras coisas. E estava se acostumando com o lugar e as pessoas.

-Como é as coisas lá em Londres?- o garoto estava sentado em sua mesa de estudos, olhando para um de seus livros de geografia.

-Bagunçadas.- o mais velho sorriu.- Mas eu adoro aquele lugar. É sempre cheio de gente, de animais, de barulhos, de vida.

-Vida...é o que não tenho aqui.- murmurou, levantando e se afastando sem dar explicações.

XXX

Nick se encontrava em pé nos fundos do jardim, no mais longínquo lugar que lhe era permitido ir. Muitas vezes ele ficava irritado com esse fato, com seu pai sempre lhe prendendo ali, como um pássaro na gaiola.

Suspirando, ajoelhou perto de uma poça de água, resquício dos temporais que caíram antes do verão chegar. Olhando para a água barrenta, se concentrou nela, e logo algumas gotas começaram  se desprender da poça e flutuaram no ar, juntando-se, e rodando, a metros do chão. Por que ele conseguia fazer coisas tão estranhas assim? Esses poderes que tinha...afinal, qual era a razão? O que ele tinha de diferente dos outros?

Um barulho alto chamou sua atenção, fazendo seus pensamentos mudarem de direção. Uma carruagem se aproximava, mas não qualquer uma. Era a comitiva da família real, seguida por diversos homens do exercito e da guarda pessoal do rei. Correu até lá, onde seus pais e suas irmãs já estavam à espera, prontos para dar uma recepção digna. Ele tinha uma pequena idéia do que aquelas pessoas estavam fazendo ali.

Phillip, o filho mais velho do rei e futuro herdeiro do trono desceu da bela carruagem. Era um belo jovem de 19 anos, cabelos loiros lisos cortados curtos, olhos azuis profundos e um belo corpo, de músculos definidos. E, assim que avistou-os, abriu um lindo sorriso.

-Nicholas!- falou correndo até o primo e o abraçando com carinho.

- Phi...Phillip...