Everlasting escrita por Fernanda Redfield


Capítulo 9
Capítulo 8: Ar


Notas iniciais do capítulo

Heey gente, tudo bem com vocês?
Antes de tudo, queria deixar claro a minha revolta sobre como as coisas estão sendo conduzidas na série. Até adiantei esse capítulo diante do risco de eu me desanimar com o episódio de amanhã.
Mas de qualquer forma, acho que tenho uns pontos muito esperados nesse capítulo. Espero que gostem!
Sobre a música... Ouçam "Breathe Again" (Sara Bareilles), vocês entenderão o significado dela lá para frente.
Boa leitura!



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Madrugada. 23 e 24 de novembro de 2012. Lima, Ohio.

“I'm holding onto white balloons up against a sky of doom.”

(White Balloons, Sick Puppies)

            Ficar acordada na madrugada estava tornando-se um péssimo hábito, disso eu sabia. Mas como eu poderia dormir tranquilamente depois do que Rachel me dissera horas antes?

            Minha mãe conseguiu expulsar Santana de casa antes mesmo da chegada de Brittany e Puck, pelo que eu consegui ouvir do meu quarto, ela disse que eu precisava ficar sozinha. Eu a abençoei por isso, eu não queria ver ninguém no momento. Eu não conseguiria manter uma conversa por muito tempo e muito menos, conseguiria dormir...

            Isso tudo era impossível porque as palavras de Rachel ecoavam e rebatiam nas paredes de minha mente. Ela pediu provas e por mais que eu tentasse afastar a ideia, ela acabou duvidando do que eu sentia e principalmente, do que ela sentia por mim. Rachel não tinha certeza sobre o que trazia no peito e o olhar dela, minha única esperança, aparentemente era tão vago e inseguro quanto a minha própria existência havia sido desde que eu desmaiei na escola.

            Quando Rachel colocou os sentimentos dela em cheque, ela acabou colocando a existência dos meus na dúvida. Por cruéis minutos, eu duvidei da minha “volta”. Eu duvidei da minha fé, eu duvidei dos meus sentimentos... Eu duvidei da minha existência. Eu não sei em que momento a fúria me apossou, mas eu dei um soco no espelho do banheiro e gritei para a madrugada.

            Foi um grito de dor emocional que se mesclou a dor física do ferimento em meu punho, além da tontura e do martelar do meu cérebro. Meu coração acelerado e minha respiração ofegante me fizeram apoiar na pia e eu quase desabei quando senti mãos firmes me segurarem pela cintura e me conduzirem para cama.

            - Meu Deus, Quinn! O que está acontecendo com você? – Minha mãe questionou para a escuridão do quarto enquanto eu me encolhia na cama em posição fetal, sentindo o cheiro metálico do sangue em meu nariz, assim como o escorrer dele em meu peito. Eu não consegui olhar para minha mãe, aliás, eu não sei se vou conseguir olhar novamente para ela...

            A luz se acendeu e eu ouvi o ofegar angustiado da minha mãe quando ela viu o estado em que eu me encontrava. Ela saiu do quarto com pressa e ouvi os passos dela ecoarem em meus ouvidos assim como a sensação de abandono sempre tornaria a me tomar. Judy Fabray não parecia estar emocionalmente apta para me ajudar, no momento.

            A raiva dentro de mim estava me tomando o melhor, eu sabia que não era o melhor, mas mesmo assim culpei a minha mãe enquanto mordia o lábio para sufocar o som vergonhoso das minhas lágrimas. Observei o sangue manchar meus lençóis e meu pijama, senti os cacos de vidro sobressalentes a cortarem minha pele, ainda mais fundo... Mas nada podia aplacar aquela tortura que se instalara dentro de mim.

            Tudo explodia, tudo gritava, tudo doía. O coração parecia cansado de bater desconfortavelmente contra a minha caixa torácica, mas ainda estava incontrolável dentro do meu peito. Meus pulmões ardiam e até a minha garganta reclamava de dor por causa do grito de instantes atrás. A mão coberta de sangue doía, assim como meus braços e o tique-taque mental quase me cegava.

            Pela primeira vez desde que eu “voltara”, eu desejei morrer novamente.

            Eu amaldiçoei Finn por ter a minha garota, amaldiçoei Rachel por não se dar uma chance, eu amaldiçoei minha mãe por ser tão conivente e relaxada com meu estado físico e emocional... E continuaria a amaldiçoar Judy Fabray senão tivesse ouvido passos de volta no quarto e o som da voz dela:

            - O que foi que fizeram com você, Quinnie?

            A menção ao meu apelido de criança me fez abrir os olhos abruptamente, eles ardiam e eu pisquei diversas vezes para focalizar minha mãe em minha frente. Eu podia ver a dor impressa nos olhos dela, mas podia sentir a firmeza de seus atos ao me tirar da posição fetal e me colocar sentada na cama.

            Minha mãe tirou a blusa manchada de sangue do meu pijama enquanto eu a observava. Os dedos dela correram pela minha mão ensangüentada e eu a vi derramar as primeiras lágrimas quando eu gemi de dor e puxei a mão reflexamente. Judy ergueu os olhos para mim, limpando as lágrimas e respirando fundo. Ela me deu um tempo para respirar e tornou a se levantar. Foi até o banheiro e eu ouvi o som de água quente caindo na banheira e senti o aroma dos meus sais de banho preferidos.

            Ela voltou ao quarto e nada disse, apenas me tocou. Levantou-me da cama com um puxão e apoiou meu corpo quando ele vacilou por causa da tontura, em seguida, me levou até o banheiro e despiu minhas roupas.

            Sem falar nada, sem me olhar.

            E mesmo na ausência de palavras e olhares... Cada ato dela era de dedicação, cada lágrima que ela derramou foi um pedido de desculpas e quando ela me colocou na banheira, mantendo minha mão ferida do lado de fora, sentando-se ao lado da banheira e permanecendo calada... Eu percebi meus soluços sumirem, minhas lágrimas secarem e minhas dores darem uma trégua.

            Nada disso vinha da água quente ou dos meus sais de banho, nada disso vinha do relaxar dos meus músculos. Tudo isso era resultado do amor da minha mãe. E eu percebi que estava sendo injusta em culpá-la de meus erros e principalmente, por me acostumar com uma situação aparentemente confortável. Ela era a minha mãe e se tinha uma pessoa que nunca sairia do meu lado e que nunca questionaria seu sentimento por mim, essa pessoa era ela. Se Puck era meu guardião, minha mãe era Deus aos meus olhos. Porque ninguém me amaria como ela, ninguém me aceitaria como ela.

            Afundei minha cabeça na água quente e emergi, deparando-me com a volta dela ao seu local de sentinela com uma pequena bacia cheia de água quente, panos limpos e uma caixa de primeiros socorros. O calor percorreu meu pescoço e logo eu estava corada, ela olhou de relance para mim e apanhou a minha mão com a delicadeza e o cuidado que só eram dignos de uma mãe.

            Com lágrimas nos olhos que nada tinham a ver com a dor, ela retirou cada pedaço de vidro que ainda estava em minha pele. Ela parou para soprar cada vez que a água quente de sua compressa ardia sobre os cortes, ela limpou o sangue e o ferimento com uma expressão concentrada que os melhores cirurgiões não teriam. E eu apenas me dignava a observá-la.

            No meio do vapor do banho e do aroma familiar dos sais de lavanda, ela me pareceu a mesma que cuidou de mim quando eu tive meu primeiro grande tombo como Cheerio. Eu tinha 12 ou 13 anos e acabei torcendo um tornozelo, ainda me lembrava dela acordando durante a madrugada para trocar minha compressa de gelo. E nas outras vezes, sempre foi ela. No braço quebrado da oitava séria, dos ralados do primeiro ano...

            Judy Fabray podia não ser a melhor cozinheira do mundo, nem a melhor animadora de festas infantis... Mas, aos meus olhos, ela era a médica da família. A única que sabia me curar e talvez, eu estivesse precisando de uns remendos depois de suportar tudo sozinha. Tornei a olhar para ela e me surpreendi com seus olhos claros pregados em mim, ela deu um sorriso triste e perguntou:

            - Melhor?

            Eu sequer tinha percebido que ela tinha feito um curativo em minha mão que, agora, estava enfaixada com uma atadura azul, firmemente apertada. Baixei meus olhos e dei uma curta risadinha, ela me olhou intrigada e eu respondi:

            - Você sempre sabe me consertar, m-mãe.

            O vocativo saiu com dificuldade dos meus lábios e a julgar pela pequena careta de espanto dela, há tempos que eu não a chamava assim. A culpa me invadiu, procurei falar mais, só que eu parecia temporariamente paralisada pela minha vergonha. Minha mãe se levantou e desapareceu do banheiro, voltando minutos depois com um sorriso ainda triste e dizendo:

            - Mães são as únicas que sabem consertar, querida.

            Ela apanhou a toalha para mim e eu me enxagüei, antes de pular para fora da banheira. Minha mãe me envolveu da mesma forma que me envolvia nas saídas de banho quando eu tinha menos de 6 anos de idade. Eu dei um sorriso para ela, parcialmente molhada, me virei para abraçá-la.

            Fui pega de surpresa pela minha atitude e, principalmente, pelos braços quentes dela a me envolverem. Judy Fabray demonstrou emoções depois de um bom tempo e me apertou contra ela, depois, me carregou de volta para o quarto apenas para me vestir e tirar a roupa de cama repleta de sangue.

            Caminhamos juntas até o seu quarto, com ela me amparando e afagando meus cabelos. Mesmo na escuridão, eu podia ver o sorriso dela e não pude conter o meu. A fúria dentro de mim se acalmou, dando lugar a um ambiente calmo e brilhante. Judy me colocou na cama e tornou a descer as escadas e quando ela voltou, tinha uma imensa xícara de chocolate quente e mashmellows nas mãos. Ela sorriu para mim e me entregou, depois, me colocou sentada e secou meus cabelos.

            Há tempos que eu não tomava o chocolate quente dela, só costumávamos fazer em comemorações e eu entendi ali a importância daquele momento para nós duas. Engoli os imensos mashmellows que estavam em minha boca e, com o coração acelerado, disse sincera:

            - Eu te amo, mamãe.

            - Eu amo mais, Lucy. – A voz estava falha e ela parou o que fazia para colocar a cabeça em meus ombros e sorri. Eu tinha me esquecido da última vez que repetimos esse jogo de palavras. Era algo nosso do qual até Frannie tinha ciúmes. Eu dizia que a amava e ela dizia que me amava mais, eu nunca duvidei disso.

            E me arrependi por duvidar naqueles últimos anos.

            Ela terminou de secar meus cabelos e me colocou deitada em seu colo, afagando meus cabelos. Olhei para ela que sorria e parecia mais viva do que nunca, com aqueles imensos olhos claros me lendo e a boca aberta em um sorriso.

            Judy Fabray estava envelhecendo, eu estava perdendo-a para a mesma vida breve que me fazia surtar por causa de Rachel Berry. Os cabelos estavam grisalhos e haviam marcas de expressões que não existiam da última vez que eu a vi de verdade. As lágrimas escorreram antes que eu pudesse impedi-las, segurei as mãos dela em meu peito e exclamei:

            - Desculpa, mamãe... Me d-desculpa por tudo, eu não devia...!

            - Shhh... – Minha mãe pediu firme e severa, me ninando em seus braços enquanto eu desabava em sua frente. Meus fardos pareceram mais leves, minha dor pareceu mais suportável e a vida não pareceu tão breve assim, porque eu queria ficar presa ali com ela. – Um filho não precisa pedir perdão para uma mãe, nós sempre vamos perdoá-los, little Q.

            Apertei-me contra ela, ela poderia desaparecer a qualquer momento, eu poderia desaparecer em qualquer minuto. Sentei-me na cama e olhei para ela com devoção, Judy encolheu os ombros e me puxou para deitar com ela. Ela apagou os abajures e me colocou deitada sobre seu peito, eu me enrolei nela e ela gargalhou, levantei a cabeça e perguntei:

            - Te apertei, mãe?

            - É que você não é mais tão pequena, querida. – Eu não deixei de rir do que ela disse e me afastei brevemente para que ela pudesse se ajeitar. Fechei meus olhos e o leve ressoar da respiração dela parecia a melodia certa para mim. Ela continuava a passar os dedos sobre meus cabelos e eu não me lembro de quando adormeci.

###

            Quando eu acordei na manhã seguinte, minha mãe já tinha levantado para trabalhar. Mas eu não senti mágoa nem nada, eu sabia que ela teria mudado seus horários se pudesse. Só que nenhuma de nós esperava o que acontecera naquela noite. Minha mão estava doendo, mesma enfaixada. Entretanto, eu parecia estranhamente “curada”. Com todas as minhas dores adormecidas.

            Eu estava bem.

            Quebrada e juntando meus pedaços, mas eu ia sobreviver aquilo. Minha mãe sempre soubera me consertar, afinal.

            Fui até meu quarto e realizei a minha higiene, tomei um banho e escolhi uma roupa qualquer no guarda roupa enquanto pensava sobre o que fazer naquele momento. Em algum momento, eu teria que tomar alguma atitude em relação ao rumo inusitado e doloroso que Rachel me ofereceu em nossa relação.

            Descendendo as escadas, as palavras dela ainda estavam martelando em meus ouvidos. Eu não queria duvidar do que tínhamos e muito menos, daquela certeza que eu vira em seus olhos em algum momento. Eu tinha que provar que nós duas éramos reais e que o sentimento que ela descrevia e sentia, era amor.

            Eu simplesmente não podia abrir mão daquilo que me segurava, os olhos dela eram a minha única esperança e enquanto eles ardessem e brilhasse, eu ia acreditar. Eu ia duvidar de tudo, menos do brilho nos olhos dela e do que eu trazia em meu peito.

            Meu café estava pronto sobre a mesa, dessa vez era um misto de pães, manteiga, sucos e frutas. Nada de bacon, amaldiçoei a minha mãe por alguns segundos. Havia uma nota dela sobre a mesa, apanhei e a li:

“Sei que queria bacon, mas você acabou com ele ontem. Prometo trazer mais quando chegar em casa hoje. E querida, você não precisa me dizer nada, eu sei quando alguma coisa lhe incomoda. Espero que você resolva essa bagunça dentro de você, estarei aqui, SEMPRE. Mamãe te ama, tenha um bom dia.”

            Eu ri das últimas palavras dela, mas essas mesmas palavras bobas e simples me deram um fôlego novo para enfrentar aquele dia que podia ser um dos piores da minha existência. Era bom saber que, mesmo com o apoio silencioso da minha mãe, eu não estava sozinha naquilo. Era bom saber que eu tinha alguém disposto a colar meus pedaços, independente de como ou onde.

            Era bom saber que eu ainda tinha alguém a quem recorrer.

            Eu estava bem, mas não bem a ponto de sair encarando Rachel Berry pelos corredores. Portanto, tentei evitar os caminhos que tínhamos em comum e quando tinha aulas com ela, eu me isolava em alguma parte da sala onde os olhos dela não pudessem me encontrar. E nas poucas vezes que eu vislumbrei os olhos dela, eu senti um pouco de carência neles. Tentei relevar, senão eu sairia correndo atrás dela.

            Eu precisava me concentrar em tê-la de volta e não podia bancar a suicida dessa vez.

            No intervalo do almoço, desviei meu caminho da cantina e fui até a biblioteca. Algumas pessoas me olharam com curiosidade, talvez esperassem que eu desmaiasse a qualquer momento, eu revirei os olhos e tentei concentrar nos sons dos meus passos. Cheguei à biblioteca e percorri as estantes a procura de alguns livros de Biologia que eu precisava.

            Estava virando o corredor para a área de ciências biológicas quando eu a vi.

            Rachel Berry estava de cabeça baixa, escrevendo com rapidez em seu caderno e rodeada por livros de Álgebra. Ela passou as mãos nervosas pelo cabelo e mordia o lábio enquanto continuava a escrever, a respiração estava forçada e de vez em quando, ela soltava um muxoxo.

            Eu me escorei na estante, despreocupada e sorrindo diante do desespero dela. Rachel nunca foi boa em Álgebra e os seus “C+” nessa matéria eram as únicas coisas que manchavam seu histórico escolar. Respirei fundo, admirando-a porque, mesmo com um mau-humor, ela ainda era adorável.

            Pelo visto, as coisas estavam complicadas. Logo Rach começaria a arrancar os cabelos. Ignorando a minha mente dizendo para me afastar, eu me aproximei e sentei-me ao seu lado, contrariando todo meu planejamento e toda meu orgulho. Observei suas atividades por mais alguns minutos e ela, concentrada em seus estudos, sequer percebeu.

            A testa estava franzida e os olhos focados nos cadernos, a mão apertando o lápis contra a folha... Ela estava muito irritada e nunca conseguiria entender matemática daquele jeito. Uma mecha do cabelo castanho caiu sobre seus olhos e eu não resisti, ergui a mão e coloquei-a atrás da orelha dela, Rachel levantou os olhos e deu um pulo na cadeira quando me viu. Eu sorri para a cara adorável dela, ela conseguiu retomar sua respiração, mas seus olhos focalizaram a atadura da minha mão e ela perguntou exasperada:

            - O que aconteceu com sua mão, Quinn?

            - Bom dia para você também, Rachel. – Respondi com um leve tom de ironia que a fez fechar a cara e voltar para seus cadernos. Bufei impaciente, o que ela queria de mim? Observei seus cálculos por cima dos ombros e abrandei minha expressão. – Rach, seus cálculos estão errados desde o começo.

            - Não mude de assunto, Quinn. – Rachel murmurou contrariada e fazendo com que eu voltasse a minha atenção para ela. Rachel olhou para a minha mão por alguns segundos antes de apanhá-la entre as suas e afagar, eu fechei os olhos, tentando ignorar o calor dos dedos dela que era capaz de atravessar o tecido da atadura e chegar a minha pele, respirei fundo e o perfume doce dela só tornou as coisas ainda mais difíceis. Quando eu finalmente abri meus olhos, lentamente, ela olhava para mim ainda preocupada. – O que aconteceu, Quinn?

            - Tive um acidente com um espelho quebrado ontem, antes de dormir. – Respondi evasiva, retirando minha mão das suas delicadamente, eu não precisava me humilhar ainda mais perto dela. Bastava sentir toda a minha segurança esvair-se com ela, toda aquela fúria estava sendo sufocada em algum ponto por mim, eu só não sabia até quando agüentaria.

            Rachel fez uma careta quando eu cheguei até a me afastar dela. Nos olhamos por alguns segundos, tentando falar as palavras necessárias para aquele silêncio pesado sumir. Só que as palavras não vieram, ao menos, não de mim. Eu ia me dar um tempo, pelo menos naquele dia, não importava o que ela queria ou quem ela escolheria. O importante éramos nós, em momentos simples como aquele. Mas Rachel parecia nervosa demais para se manter calada, ela mordeu o lábio inferior com força antes de pigarrear e dizer:

            - Quinn, isso não tem nada a ver com a nossa conversa ontem, não é? Eu não quis te machucar e...!

            - Não, Berry. – Minha voz saiu mais fria do que eu imaginei. Mas o tom sereno com o qual ela falava sobre a nossa “conversa” explodiu alguma coisa dentro de mim. Meus olhos semicerraram e meus lábios ficaram frios, pelo reflexo dos olhos dela, pude perceber que eu estava mais ameaçadora do que nunca. Respirei fundo, tentando me acalmar, mas acabei me colocando em pé. Porque a dor ali dentro parecia ainda mais pulsante quando eu estava perto dela. – Você sempre vai me machucar enquanto negar o que aconteceu nos últimos dias. E Rachel, eu me machuquei porque fui burra o bastante para achar que a dor física fosse superar a dor emocional de ter que te ouvir falar tudo aquilo e depois, desaparecer.

            Enquanto caminhava para fora da biblioteca, sem meus livros de Biologia e um pouco mais leve e fraca, pude sentir os olhos de Rachel cravados em minhas costas e quase dei meia-volta para ela. Eu sabia o peso de minhas palavras em sua mente, mas eu não podia simplesmente sofrer por aquilo sozinha. Eu precisava mostrar a ela que o amor não era aquela felicidade eterna em que ela estava com Finn.

            O amor real é justamente aquele que traz a dor para que nos sintamos vivos. É justamente aquele que, depois de sofrimentos e provações, resiste e luta para existir. É o amor dos pequenos atos e das pequenas atitudes. O amor de simples palavras e simples toques e não aquele de solos no Glee e beijos em competições. O amor era o cotidiano e não os grandes atos, era as conversas repletas de sinceridade como aquela que acabávamos de ter e não declarações de amor que de nada valiam diante de uma traição.

            O amor verdadeiro era o meu e não o de Finn, ela tinha que entender isso, ela tinha que aceitar.

            Mas Rachel era uma garota do palco e dos grandes atos. Ela podia não acreditar em números, em sentimentos desconhecidos ou em palavras simples e silêncios cômodos... Mas ela acreditava na música e eu ia entregar, mais uma vez, meu coração a ela através da música. Só não sabia se aquela seria a última vez, porque dependeria dela.

            Somente dela.

###

            Eu não sabia como eu tinha chegado à sala do Glee. As aulas restantes passaram como um borrão. Sequer me preocupei em prestar atenção a elas.

            Estava mais preocupada em me esconder de Santana, Puck e Brittany. O que funcionou, porque consegui evitá-los o dia todo e só os encontrei na sala do coral. Eu precisava de um tempo sozinha, eu precisava pensar no que fazer, eu precisava decidir se ainda estava disposta a ser quebrada por Rachel.

            Ela me desafiou, eu sei. Mas para me desafiar, ela questionou o que sentia quando estava mais do que claro para nós duas. Ela me amava, eu sei que não era a pessoa mais confiável do mundo e muito menos, me assemelhava ao príncipe de seus sonhos.

            Mas era eu que a amava, era eu que estava esperando por ela.

            E eu cansei de esperar, talvez fosse a hora de lutar em aberto agora. Talvez fosse a hora de fazê-la entender que eu estava disposta a tudo e que minhas palavras não eram em vão.

            - Q, você está bem? – Santana perguntou preocupada ao olhar de esguelha para mim. Estávamos sentadas lado a lado nas cadeiras do Glee e meu olhar estava fuzilando Rachel e Finn que estavam sentados na extremidade oposta. Santana seguiu meu olhar e eu vi, pela visão periférica, uma careta formar-se em sua face. – O que aconteceu quando sua mãe me chutou para fora? O que a Man Hands fez?

            - Ela não fez nada, S. Não precisava se preocupar. – Respondi evasiva e tentando esconder-me atrás da máscara de frieza que há muito tempo eu não usava. Pela cara de Santana e Brittany, não funcionou. Puck que estava sentado a frente, virou a cabeça e me observou preocupado, procurei dar um sorriso e ele permaneceu impassível, exigindo a verdade. Mr. Schue pigarreou na frente e perguntou:

            - Estou atrapalhando, Quinn?

            - Na verdade, Mr. Schue... Sei que é importante conversarmos sobre as Regionais. Mas posso cantar uma música? – Perguntei um pouco tímida, sentindo a coragem sumir do meu corpo. Santana abriu a boca para falar algo, mas Brittany a segurou. Mr. Schue deu um sorriso simpático e respondeu:

            - É uma surpresa, Q. Claro que você pode cantar.

            Levantei-me com as pernas moles e trêmulas, Puck se afastou para que eu passasse enquanto eu sentia todos os olhares no Glee a me julgarem. Caminhei rapidamente até o centro da sala e murmurei no ouvido de Brad o que cantaria, ele acenou e colocou as mãos sobre as teclas. Mas antes que a música pudesse começar, eu suspirei e disse:

            - Ontem minha mãe, embora calada, me ensinou que as pessoas podem ser curadas. Ela juntou os meus pedaços quando tudo dentro de mim explodia, ela me mostrou que existem segundas chances para quem acredita. Mas a maior prova que ela me deu foi a de que o amor é capaz de resistir a uma negação e a um desafio. Por isso, eu aceito o desafio. Eu aceito amar de novo.

            Todos olharam surpresos para mim, minha última frase foi destinada para Rachel e eu não pude evitar meu olhar em sua direção. Para meu desespero, ela escondeu o rosto no peito de Finn que, como sempre, estava aleatório a tudo que o cercava. Olhei para Santana, Brittany e Puck e encontrei forças neles. Respirei fundo e fiz sinal para que a banda começasse.

            As notas do piano começaram ao mesmo tempo em que minhas lágrimas procuravam cair, respirei fundo, mordi meu lábio e as segurei com coragem. Voltei a olhar para Rachel, ela ainda se recusava a me olhar e a levantar a cabeça. Tudo dentro de mim apertou e a canção soou como uma libertação no meio de toda aquela dor.

Car is parked, bags are packed, but what kind of heart doesn't look back

At the comfortable glow from the porch, the one I will still call yours?

All those words came undone and now I'm not the only one

Facing the ghosts that decide if the fire inside still burns

            Fechei meus olhos, concentrando-se na melodia e nos meus próprios sons. Minha respiração pesada e fora de compasso, meu coração batendo lento em meu peito, o tique-taque familiar soando distante e baixo... Concentrei-me em achar forças dentro do enorme buraco que eu tinha dentro de mim e em algum lugar, eu encontrei o calor em vez do frio, o amor em vez da resistência. Eu encontrei Rachel a me olhar quando abri os olhos.

All I have, all I need, he's the air I would kill to breathe

Holds my love in his hands, still I'm searching for something

Out of breath, I am left hoping someday I'll breathe again

I'll breathe again

            Ela piscou para mim e foi a minha vez de desviar os olhos dela. Olhei para meus pés, os cadarços desamarrados e tão terrenamente humanos. Sorri diante da minha fraqueza, no exato momento em que meu coração se acelerava e minhas mãos se fechavam em punho. Respirei fundo e de uma forma etérea e mágica, tudo que eu senti foi o cheiro doce que vinha de Rachel.

Open up next to you and my secrets become your truth

And the distance between that was sheltering me comes in full view

Hang my head, break my heart built from all I have torn apart

And my burden to bear is a love I can't carry anymore

            As últimas palavras dessa estrofe eram cruéis, mas eram realistas. Eu não era capaz de carregar um amor senão tivesse a certeza de que podia vivenciá-lo com Rachel, meu amor era um sentimento muito grande para ser vivido sozinho e eu a desafiava a lutar por ele comigo. Meus olhos passearam pela sala e chegaram aos dela, estavam molhados, mas um sorriso de lado estava brincando em sua bochecha.

            Esperança.

All I have, all I need, he's the air I would kill to breathe

Holds my love in his hands, still I'm searching for something

Out of breath, I am left hoping someday I'll breathe again

            Saí do centro da sala e passei por entre as cadeiras, demorando-me a chegar na área onde ela estava sentada com Finn. Os dois estavam juntos, o braço dele estava envolvendo os ombros dela protetoramente... Mas ela nunca me pareceu tão “minha”. Porque seus olhos estavam fazendo aquela mágica e me dizendo sim, porque os olhos dela me conduziram a um céu sem estrelas... Me tirando do tempo nublado no qual eu quase me deixei envolver na noite passada.

It hurts to be here

I only wanted love from you

It hurts to be here

What am I gonna do?

            Doía estar ali, mas doeria ainda mais se ela não se rendesse aos próprios sentimentos. Eu fechei meus olhos e suspirei, porque minhas dores estavam sendo fardos pesados demais para serem conduzidos sozinhos. Se a minha mãe podia me curar, Rachel fora a única que me fizera reviver.

            E eu faria tudo, absolutamente tudo para que ela fosse feliz, comigo.

All I have, all I need, he's the air I would kill to breathe

Holds my love in his hands, still I'm searching

All I have, all I need, he's the air I would kill to breathe

Holds my love in his hands, still I'm searching for something

Out of breath, I am left hoping someday I'll breathe again

            Quando eu abri meus olhos novamente, alguns no Glee estavam surpresos da intensidade da minha música. As notas estavam sendo silenciadas, assim como a minha respiração. Mas eu me mantive em pé e mesmo na ausência da melodia, olhei nos olhos de Rachel e murmurei:

I'll breathe again...

            Ouvi aplausos, mas vi quando ela se deixou levar pelas lágrimas e levantou-se da cadeira, correndo para me abraçar. Sentir o corpo pequeno e quente dela sobre o meu foi o necessário para que eu pudesse voltar a sorrir. Por cima do ombro dela, pude ver Finn Hudson olhar confuso para nós e se levantar e aproximar.

            Vi o corpo enorme de Puck ao meu lado e Santana um pouco mais a frente. Continuei a apertar Rachel, antes de Finn chegar e a tirar de mim novamente. Afaguei seus braços e beijei-lhe o topo da cabeça enquanto remexia em seus cabelos castanhos. Ela se afastou de mim e eu limpei seu rosto manchado com meus polegares, mantendo minha mão em seu rosto. Rachel olhou para mim entre as lágrimas e eu sorri para ela ao dizer baixinho:

            - Eu aceito seu desafio, eu vou continuar a te amar, sempre.

            - O que está acontecendo aqui? – Finn perguntou com a voz irritadiça e uma expressão ameaçadora, Rachel virou-se para ele, mas encolheu-se de encontrou ao meu corpo enquanto Puck tomava mais a nossa frente. Mr. Schue levantou-se e ficou sem saber o que fazer. – O que você quis dizer com essa música, Fabray?

            - Entenda como quiser, Hudson. – Eu respondi furiosa e colocando meu corpo a frente do corpo de Rachel. Ela apertou a minha cintura e permaneceu ali atrás, respirando contra as minhas costas. Puck ficou ao meu lado e Brittany parecia estar segurando Santana. Finn deu mais um passo em nossa direção e sorriu sarcástico antes de disparar colérico:

            - Você quer acabar conosco de novo, não é? Você não suporta me ver feliz com outra pessoa. Foi por isso que você mandou as flores para Rachel, você me quer de volta e achou que podia acabar conosco em uma briga de ciúmes. Mas... Surpresa, Fabray! Não funcionou e eu não te quero de volta, nem vou ser o seu ar ou algo do tipo!

            O riso vitorioso dele se perdeu quando eu escutei as gargalhadas histéricas de Santana. Minha amiga latina riu tanto que teve que ser amparada por uma Brittany que também ria, eu mesma tive que sufocar o riso diante da atitude infantil de Finn. Ele ainda achava que o mundo girava em torno dele. Olhei por cima dos ombros e a própria Rachel estava rindo enquanto apoiava a testa em minhas costas. Eu pigarreei e tentei manter a minha seriedade ao perguntar:

            - Você está supondo que a música foi para você?

            - Claro, para quem mais podia ser? – Finn perguntou confuso e olhando para Rachel, acho que ele considerou a ideia de ser para a pequena, porque balançou a cabeça negativamente depois. Eu sufoquei as risadas de novo, todos riam no Glee agora e Santana já não era a única. Apenas Puck estava sério ao meu lado. Eu olhei com pena para Finn e dei um passo em sua direção, Puck me acompanhou enquanto eu dizia irônica:

            - Hudson, eu não gosto de você. É impossível eu amar alguém como você.

            - Você...! – Finn não terminou a frase, porque os seus dois neurônios pareceram funcionar e ele finalmente entendeu o que acontecera ali. Ele tentou partir para cima de mim e eu instintivamente recuei, colando meu corpo ao de Rachel e jogando-a para trás. Quando me virei, Puck estava esmurrando Finn enquanto os demais tentavam separá-los. Meu amigo punk acertou o nariz de Finn e gritou:

            - Nunca mais erga o dedo para cima dela, Finnútil!

            Depois de mais um soco no olho, Mr. Schue conseguiu segurar Puck. Ele empurrou meu amigo para fora da sala e olhou decepcionado para um Finn que tinha o olho inchado e o nariz ensangüentado. Mal Puck tinha sido tocado para fora da sala, Santana desvencilhou-se dos braços de Brittany e esmurrou Finn de novo, a latina chacoalhou a mão e com uma careta de dor, disse:

            - Não ouse chegar perto da Quinn de novo, hijo de puta cobarde!

            Mr. Schue aproximou-se para segurar Santana, mas ela ignorou o aperto dele e saiu por conta própria da sala. O professor olhou para mim enquanto eu levava Rachel até a cadeira e me ajoelhava em frente dela, abraçando-a. Depois olhou para Finn que era segurado inutilmente por Mike e Sam, em seguida, ele passou a mão pela cabeça e disse cansado:

            - Seja lá o que aconteceu aqui, eu não vou dar uma palavra disso para a direção se vocês permanecerem calmos e se resolverem como adultos.

            - Eu não vou falar com alguém que quase me bateu, Mr. Schue. – Respondi amarga, ainda envolvida nos braços de Rachel. A morena pareceu acordar de seus devaneios e separou-se de mim, olhando-me séria. Rachel aplicou um beijo em meu rosto e saiu do Glee Club, me deixando ainda mais insegura do que antes.

            Eu contive as lágrimas, mas logo elas caíram e Brittany caminhou lentamente até mim, me abraçado e me dando colo. Eu suspirei e ouvi a gargalhada irônica de Finn Hudson seguida de sua voz convencida:

            - Acho que ela não te quer, Fabray.

            Tiveram que me segurar, mas mesmo assim, eu consegui arranhá-lo e quando me dei por conta... Estava na sala de Figgins, sendo suspensa por três dias. 


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Notas finais do capítulo

Muita gente deve estar preocupada com esse final... Mas eu prometo que as coisas vão dar certo, eu acho.
kkkkkkkkkkk
Gostaram da música? Da relação reestabelecida com a Judy? Da briga com Finn? Por favor, digam o que acharam... Reviews!
Beijos e até a próxima.
PS: Esse pode ser o último da safra de capítulos com intervalo de 1 semana, as aulas da minha faculdade começam semana que vem e eu vou ter pouco tempo a partir daí. Espero que compreendam.