Possible love escrita por Sion Neblina


Capítulo 2
Caminhos que se encontram


Notas iniciais do capítulo

Olá, queridos leitores,

Bem, eu quero dessa vez agradecer logo de cara a todos os comentários recebidos. Não esperava uma recepção tão entusiasmada a essa história com um casal tão fora dos padrões. Isso me surpreendeu e me deixou ainda mais animada a prossegui-la.

Bem, achei uma maneira inusitada de unir Shun e Mask nesse primeiro encontro e no final achei até algo engraçada, embora surreal hehehe. Espero que gostem e que eu consiga retribuir todo o entusiasmo de vocês.

Beijos carinhosos a todos, o meu mais sincero agradecimento e uma ótima leitura para vocês!

Sion Neblina



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Capítulo2 – Caminhos que se encontram


Seu susto foi tão grande que ele se voltou rápido deixando as cartilhas caírem, mas elas não chegaram ao chão, pois alguém, muito rapidamente, as segurou... Todas.

Shun ergueu os olhos para o rosto do cavaleiro de ouro que resmungava.

— O assustei, bambino? A voz grave ecoou em seus ouvidos. Shun piscou confuso e sem jeito pela proximidade do cavaleiro de ouro.

— É mudo por acaso? — insistiu o homem sem paciência.

— Eu... é que... — Andrômeda gaguejou sem conseguir formular nenhuma frase.

Caspita! Perché gagueja tanto?! — reclamou o italiano. — Não sou um monstro, um fantasma ou seja lá o que for! — continuou mal-humorado, abrindo o armário e jogando as cartilhas dentro dele.

— V-Você é Máscara da Morte! — exclamou Shun trêmulo. — Não sabia que-... que você...

— Voltei do inferno? — riu alto. — Voltei sim, e Athena me aceitou, tem algo contra isso, piccoli?


— Não, não é isso... Eu pensei... Bem...

Shun engoliu em seco; não queria ser grosseiro e dizer que pensou que apenas aqueles que nunca se desviaram do bem e da justiça receberiam a honra do retorno à vida. Shaka, Milo, Shion, Camus, etc., e nunca aqueles que morreram praticando o mal. Aliás, sabia que até mesmo a armadura de câncer o rejeitara, então por que Athena o trouxera de volta?

— Eu sei o que pensa — o italiano interrompeu seus pensamentos — e não me importa. Athena pediu para que viesse procurá-lo.

— A mim?

— Tem mais alguém aqui?

Shun fez uma cara emburrada e cruzou os braços. Na verdade, sentia muito medo daquele cavaleiro. Lembrava-se da primeira vez que entrou em sua casa cheia de cabeças e cheirando a morte. Possuía apenas 13 anos na época, era natural que sentisse medo, mesmo sendo um cavaleiro.

— Por quê?

— Ela quer que eu o ajude nos treinamentos e que, em troca, você me ajude nessas coisas de estudos...

Andrômeda arregalou os olhos, desde quando Saori se preocupava com a escolaridade dos cavaleiros? Além do mais, os cavaleiros de ouro não foram rigidamente educados nos moldes militares do Santuário? Por que aquele cavaleiro teria algum problema com os estudos?

Câncer pareceu ficar sem jeito, coçou a cabeça e se afastou.

— Tenho certa dificuldade com o grego — explicou sem jeito — e não sei por qual motivo, ela quer que eu aprenda mais...

— Por quê?

— Não sei! Pode me ajudar ou não? — perguntou enfezado.

— Por que eu? Não tenho tanto domínio assim do grego... — explicou Shun sem jeito. Não tinha vontade nenhuma de se tornar professor de Câncer.

O italiano olhou o garoto por um tempo, antes de falar: Esquece! — virar nos calcanhares e sair pisando duro.

Shun ficou estático, vendo-o se afastar. Era melhor que fosse daquele jeito, se tinha algo que não queria, era contato com pessoas como Máscara da Morte de Câncer.

O defensor da quarta casa saiu pisando firme, completamente indignado. Não queria sucumbir à mágoa que sentia. Odiava pedir qualquer coisa! Odiava precisar das pessoas... se não fosse por Athena, não estaria recebendo seu vigésimo não naquele dia!

Tinha consciência de que era um homem intimidante e isso durante muito tempo o envaideceu, mas agora se tornara um grande problema. Ninguém queria chegar perto dele, ou por desprezo ou por medo. O certo era que teria que descobrir uma forma de melhorar sua habilidade com o grego. Por quê? Porque a deusa queria, oras!

Riu incrédulo daquilo, somente porque não conseguiu redigir uma carta em um grego decente, Athena achava que precisava de professor! Santo Dio!

— Merda! — resmungou insatisfeito, voltando para sua casa. Tentava entender o que a deusa queria com aquilo. Passou pelas outras casas sem se preocupar em pedir permissão, seus guardiões não pareciam estar nelas. Chegou ao templo de câncer e parou ao mirar a armadura no centro. Engoliu em seco e se dirigiu ao quarto onde pegou os livros que a deusa havia lhe comprado. Não tinha problema, aprenderia sozinho a escrever decentemente em grego. Estava se detestando por ter pedido ajuda e com raiva de todos, inclusive daquele franguinho japonês de uma figa!

“Não tem noção de perigo aquele pirralho!” Resmungou e pegou o lápis, abrindo o livro e começando a tarefa. Meia hora depois, percebeu que já estava na hora do almoço e que seu estômago roncava. Era melhor parar um pouco e comer, depois retornaria aos livros.

Shun terminou de arrumar a sala de aula e mirou o relógio que havia na parede cinza. Precisava tomar um banho e almoçar antes de seguir para os treinamentos na arena.

Estava saindo em direção ao refeitório quando ouviu o chamado de Saori. Suspirou. Por que tinha a certeza que aquilo tinha a ver com o cavaleiro de câncer? Obrigou-se a seguir para o templo da deusa a passos rápidos. Quando lá chegou, encontrou Saori sentada em seu trono. Ela lhe sorriu, e Andrômeda lhe fez a reverência.

A deusa ergueu-se e mirou o cavaleiro ajoelhado.

— Levante-se, Shun, por favor. O que quero pedir, quem lhe pede é Saori Kido e não Athena.

O cavaleiro obedeceu se pondo de pé e mirando o rosto da amiga sem entender muito bem o que ela queria dizer.

— Sim, Saori, o que deseja?

Ela caminhou um pouco pela sala, pensativa, mirando o dia claro através da grande sacada.

— Shun, eu tenho um problema com o cavaleiro de Câncer.

— Imaginei que fosse a respeito dele essa conversa. Ele me procurou.

Os olhos escuros de Saori se voltaram para o amigo, surpresos.

— Procurou?

— Sim. Parece que você pediu para que ele voltasse a estudar, não foi?

— Sim, sim. — a deusa sorriu e uniu as mãos em preces. — Você vai ajudá-lo?

Andrômeda ficou sem jeito e encarou a amiga com uma expressão de “sinto muito”. Saori entreabriu os lábios e mostrou uma feição decepcionada.

— Shun, você é minha última esperança. — Falou se aproximando e tomando as mãos do cavaleiro. — Por favor, não faça com ele o que todos estão fazendo. Dei-lhe uma chance...

O rapaz ficou em dúvida se a deusa se referia apenas ao fato de ajudar Câncer com a língua grega ou se havia mais por trás daquilo. Não soube o que dizer, não queria aquele trabalho, não queria ficar perto daquele homem assustador, mas como negaria algo a Saori?

— Eu... eu vou pensar, Saori...

Athena sorriu, conhecia e confiava no coração de Shun e, embora quisesse manter aquilo em sigilo, achava que a companhia de Câncer poderia fazer bem também a ele que teria menos tempo ocioso para sofrer pelo cavaleiro de cisne.

— Sim, pense. — Disse animada. — Mas pense despido de preconceitos e medos. Eu sei que Máscara da Morte não é um tipo muito amável, mas creia, há muito mais dentro dele do que parece.

“É disso que tenho medo...” Pensou, mas sorriu e assentiu com a cabeça. Saori o dispensou e voltou ao seu trono, ele então seguiu de volta pelas escadas laterais e foi para o refeitório. Encontrou Ikki sentando em um canto, sozinho como sempre. Aproximou-se e se sentou ao lado do irmão.

— Oi — cumprimentou forçando um sorriso, sabia que seu sorriso não era algo presente nos últimos meses.

— Oi, Shun. Como foi a aula? — indagou o mais velho, enquanto comia.

— Bem, as crianças são adoráveis — respondeu enquanto uma moça os servia. — Mas algo estranho aconteceu há pouco...

— O que?

— Máscara da Morte de Câncer me procurou, parece que ele quer ajuda com o grego...

Fênix ergueu uma sobrancelha. Percebeu que, mesmo Shun falando baixo, alguns olhares se voltaram para eles quando o irmão falou o nome do protetor da quarta casa.

— E o que você disse a ele?

— Disse que não tinha tanto domínio do grego e... Ele ficou bravo e saiu.

— Bom. Eu não quero mesmo você perto de alguém traiçoeiro como Câncer. Já basta tudo que tem passado...

— Mas... Saori pediu que o ajudasse...

— Saori não sabe o que pede! — resmungou Ikki largando os talheres. — Você está sofrendo por causa do Pato, e ela ainda quer colocar um Máscara da morte em sua vida!

Shun baixou o olhar. Passara pela primeira vez uma manhã inteira sem pensar em Hyoga, mas ao ouvir o irmão, toda dor voltou a seu peito com uma violência profunda. Apertou os olhos por breve instante para contê-la; quando os abriu, o olhar marinho de Ikki estava cravado em si.

— Por que tinha que me lembrar disso? — murmurou.

Fênix sentiu como se levasse um soco no estômago.

— Eu não queria...

— Eu... eu perdi a fome, irmão — falou Shun tentando um sorriso. — Vou ao vestiário me trocar, tenho treinamento de aspirantes agora...

— Shun, senta aí e come. — Ikki deu-lhe uma ordem, e o mais novo não ousaria o desobedecer. Conformou-se e começou a comer em silêncio.

O mais velho fez o mesmo.

— Eu não queria te lembrar disso — explicou-se Fênix, coisa rara.

— Não tem problema, irmão. Isso está em meu coração e não vai sarar tão cedo — murmurou Shun de forma melancólica. Sem argumentos, o mais velho se calou.

— Bem, como disse, Saori me pediu para que ajudasse Câncer — declarou com tranqüilidade. — Ela está preocupada com ele.

— Eu também estaria, ele é um psicopata — resmungou Ikki com desdém.

Andrômeda se calou, sabia que o mais velho não gostaria daquela história mesmo, mas ainda tinha que dar uma resposta a Saori. Como diria não?

Nesse momento, o cavaleiro de Câncer entrou no refeitório, despertando olhares e a saída dos poucos cavaleiros de ouro que estavam ali (Aiolia, Shura e Milo). O italiano não pareceu se importar, sentou-se num lugar isolado e esperou que um servo, do tipo mais trêmulo que se possa imaginar, lhe levasse o cardápio. Escolheu e logo era servido.

Shun mirava dele para os olhares de medo ou desprezo que o cavaleiro recebia. Aquilo de certa forma o incomodou, o incomodou profundamente. Pegou sua bandeja e se ergueu.

— Shun, aonde você vai? — indagou Ikki sem entender a atitude do irmão.

— Vou falar com o Máscara da Morte, Oniisan — explicou de forma casual.

O mais velho franziu as sobrancelhas.

— Posso saber o que vai falar com aquele psicótico? — indagou irritado e já imaginando se Shun estaria pensando em concordar com as loucuras de Saori.

— Nada importante, mas... Ikki, ele está comendo sozinho.

— E daí? Você vai me deixar comendo sozinho pra fazer companhia a ele? — falou sério examinando o rosto do irmão.

Shun voltou a se sentar e falou bastante baixo, mas o suficiente para que o irmão ouvisse.

— Ninguém o está olhando da forma que olham para ele.

Ikki compreendeu. Queria ter um coração puro e bondoso como o de Shun, entretanto, por esse mesmo motivo, não queria a aproximação entre ele e Câncer, temia ver o irmão ainda mais magoado do que já estava.

— Vai ver ele merece — falou com desprezo.

— Ikki, por favor...

O Amamiya mais velho bufou se conformando.

— Vai, mas ficarei de olho — falou firme, lançando um olhar de advertência ao irmão.

Shun assentiu, pegou sua bandeja e rumou para a isolada mesa do cavaleiro de Câncer.

— Oi — disse apreensivo, parando à sua frente —, posso me sentar?

O cavaleiro de ouro ergueu a cabeça lentamente até que seus olhos escuros encontraram os claros do adolescente.

— O que quer? — indagou hostil.

Shun engoliu em seco, aquilo não estava sendo fácil.

— Eu gostaria de falar com você.

— O que?

— Posso me sentar? — pediu novamente, constrangido em estar ainda de pé, tentando demonstrar segurança, mesmo que suas pernas tremessem.

Câncer examinou-o por um tempo e depois voltou a comer sem responder. O garoto resolveu se sentar assim mesmo. Em silêncio, começou a comer também, o garfo tiritando enquanto batia no prato de porcelana de tanto que sua mão tremia. O mais velho sorriu de canto, era divertido provocar tanto temor em outro cavaleiro, principalmente alguém com um cosmo tão poderoso quanto o de Andrômeda. “Ainda é um bambino, caspita!” Riu de canto, mas, na verdade, seu coração batia acelerado, estranhamente acelerado. Durante todos aqueles meses, ninguém havia se atrevido a fazer-lhe companhia. Afrodite, único cavaleiro com quem mantinha relações, era arrogante demais para almoçar no refeitório, e ele já estava acostumado com a hostilidade dos outros servos de Athena. Então, a presença daquele menino, falando com ele como se fosse alguém “normal”, causava-lhe um enorme estranhamento.

— O que faz aqui? — perguntou com a voz baixa, quase um sussurro gutural.

Shun ergueu seus olhos para ele, surpreendido.

— Comendo. Estava com fome — respondeu simplesmente.

— E perché il mio mesa? Você está tremendo de medo, como todos, bambino! — riu com ironia.

— Ora, eu não tenho medo de você... — negou Shun perturbado, mirando os olhos perigosos de Máscara da Morte. — Eu também sou um cavaleiro...

O mais velho riu alto, chamando a atenção de Fênix que o olhou de lado, mas continuou no mesmo lugar. Controlava-se para não intervir. A ideia de ver Shun da forma que estava, frágil e ferido, perto de alguém perigoso como o cavaleiro de Câncer era aterradora. Máscara da morte era alguém perigoso, perverso e degenerado, não era companhia para seu irmão. Onde Saori estava com a cabeça?

— Não entendo do que está rindo... — resmungou Shun irritado.

— Tu és engraçado, piccoli! Muito engraçado — encarou o garoto com deboche — Não tem medo de mim?

— Não — insistiu Shun sério.

Rapidamente, Máscara da Morte deu um golpe na mesa, um golpe fraco, nada que fizesse o menor estrago além de lacerar a madeira, apenas um soco, mas com isso Shun sobressaltou-se, arregalando os olhos.

Câncer caiu numa estrondosa gargalhada com a reação do menino.

Ikki achou que já vira demais. Ergueu-se da cadeira e avançaria até a mesa onde estava o irmão se seu percurso não fosse interrompido. Mirou o homem parado à sua frente que carregava, como sempre, uma expressão plácida. Shaka já estava há muito tempo ali, observando tudo, e resolveu intervir quando percebeu que seu discípulo não conseguiria controlar o gênio naquele momento.

— Shaka... Mestre... — O cavaleiro de Fênix se corrigiu.

O santo de virgem não pareceu ouvi-lo, continuou estático, somente o vento que entrava pela larga janela esvoaçava seus cabelos e o tecido da kasaya carmesim que ele usava.

— Cavaleiro, está na hora da meditação — falou o loiro sem se abalar.

Ikki rangeu os dentes impaciente.

— Acontece que estou no meio de um problema agora, mestre... — resmungou de forma entrecortada, pedindo aos deuses para não perder a calma. Perder a calma com Shaka não era uma atitude sensata.

— Não há nenhum problema aqui digno da sua atenção. Siga-me — e o loiro se virou, caminhando para a saída do refeitório.

— Shaka...

O chamado baixo, raivoso, fez o cavaleiro mais velho parar. “Sempre um rebelde”, pensou o asceta, mas não se voltou, esperava que o garoto fizesse a gentileza de prosseguir.

— Não posso deixar o Shun sozinho...

— Ele não está sozinho, Fênix. Nada acontecerá ao seu irmão, agora vamos e não me questione mais.

Voltou a caminhar sendo seguido pelo rapaz que não estava nada satisfeito.

— Não deveríamos deixá-los... — ainda ousou resmungar enquanto seguia o mestre.

— Confie em mim — tornou Shaka tranquilamente.

— Confio! Não confio no Máscara da Morte!

O indiano parou e se virou para o cavaleiro de Fênix ainda mantendo os olhos fechados.

— O cavaleiro de Câncer está passando por um momento de transição e expurgação de todas as coisas erradas que fez na vida — declarou. — Não pense que ele sofre menos que seu irmão apenas porque ele não chora.

Ikki se irritou profundamente com a afirmação — O que sabe do meu irmão? — mesmo assim manteve a voz baixa, estrangulada, em respeito ao mestre.

— Sei que seu coração está aos pedaços, mas posso lhe garantir que ninguém morre de amor. Vamos — falou com indiferença, dando a conversa por encerrada e recomeçando a andar em direção às 12 casas.

Ikki o alcançou e encarou seu rosto sempre inexpressivo e plácido. Gostaria de perguntar ao mestre algo sobre aquela afirmação, mas achou melhor esquecê-la momentaneamente; continuaria a conversa do ponto onde pararam.

— Meu irmão é um garoto, uma vítima. Ele não é o responsável pelo próprio sofrimento; é um adolescente apaixonado e não um assassino em busca de redenção!

Shaka guardou silêncio por um tempo enquanto eles caminhavam. Passou pela casa de Áries e alcançaram à escadaria.

— Quantas pessoas você matou nessa vida, Ikki? — disse depois desse percurso.

— Não sei, muitas!

— Lembra-se que um dia também esteve tomado por um ódio cego e atentou até mesmo contra a vida deste que defendes hoje tão apaixonadamente?

Fênix ruborizou, aquela afirmação o golpeando como uma bofetada. Shaka seguia ao seu lado, de olhos fechados, mas podia perceber suas reações, entretanto isso não incomodou ao asceta.

— Estou há muito tempo buscando minha redenção — falou o moreno sério. — E não me compare a Máscara da Morte.

— Nunca faço comparações, Ikki, cada ser humano é único. Só peço que não prive Câncer de buscar a redenção dele também. Você teve seu tempo, ele também terá o dele. Caso me pergunte se simpatizo com aquele cavaleiro, minha resposta é não. Contudo, não é minha função julgá-lo. Seria muita prepotência de minha parte fazer tal coisa.

— Talvez eu não seja tão sábio quanto o senhor, Mestre...

A frase dita entre dentes deixava claro o grau de irritação do mais novo, como Shaka podia compará-lo e Máscara da Morte? Aquilo era um ultraje, um grande insulto. Mas o mestre não pareceu se incomodar com sua revolta.

— Com certeza não, Ikki, mas espero que um dia seja, só por isso aceitei treiná-lo.

O leonino engoliu aquilo. Precisava se lembrar que Shaka agora era seu mestre e por isso não poderia mandá-lo para onde queria: a puta que o pariu! Apesar de que — pensava — ele nunca faria tal coisa a Shaka, o respeito que sentia pelo cavaleiro indiano beirava a reverência.

— O que sugere, mestre? Que eu deixe meu irmão de amizade com aquele psicopata?

Shaka apertou os lábios parecendo tentar não ceder à irritação, mas seu rosto não se alterou.

— O Italiano não fará mal ao seu irmão. Ele jamais ousaria.

Ikki não o questionou mais. Sabia que não deveria questioná-lo nunca, mas era da sua natureza, e o loiro parecia se acostumar com isso. Pelo menos, fazia algum tempo que ele não lhe tirava nenhum dos sentidos. Lembrou-se do seu treinamento na Ilha da Morte, de como, no começo, era disciplinado e respeitoso e, depois, de toda a anarquia que tomou conta da sua vida. Não, agora gostaria de ser diferente, gostaria de fazer as coisas diferentes, quem sabe, resgatar aquele que um dia foi... Estava cansado de sempre provocar sofrimento...

Parou o passo, sentindo um forte aperto no peito e fechando os olhos para controlá-lo. As lembranças do passado, dos erros o corroendo.

— Shun... — murmurou condoído, pensando em todo o mal que fez ao irmão naquele período.

Shaka também parou, mas não se voltou para ele.

— Ikki?

— Sim, Mestre?

— Quer conversar?

— Não há nada que não saiba — respondeu com um suspiro cansado. — Vamos meditar.

O indiano recomeçou a caminhada e Fênix o seguiu.


Já fazia 10 minutos que Câncer ria sem parar do bico que Shun fez depois da brincadeirinha sem graça dele.

— Você acha divertido assustar as pessoas? — resmungou o mais novo irritado.

— Sim, é divertido! — falou Câncer. — Mais divertido que isso só derramar sangue e colecionar as cabeças dos inimigos...

Os olhos escuros brilharam ameaçadoramente, e Shun controlou o impulso de sair correndo. Era um cavaleiro, seria vergonhoso tremer diante daquele homem. Cruzou os braços e tentou demonstrar um olhar tranquilo.

— Por que gosta de derramar sangue?

Câncer ergueu uma sobrancelha; por que aquele franguinho não saia correndo como esperava? Isso o confundia. Geralmente as pessoas ou o evitavam, ou o desprezavam, e aquele garoto não parecia sentir nenhuma das duas coisas. Sim, ele sentia medo, mas não um pavor descontrolado e também não parecia sentir repulsa, era um verdadeiro cavaleiro de Athena.

— Foi a única coisa que aprendi a fazer questa vita — falou depois de muito tempo. — Matar, odiar, ser o melhor e o mais letal dos assassinos. Não queira me julgar. Como cavaleiro, você aprendeu algo diferente disso, piccoli?

— Meu mestre me ensinou muito mais que apenas matar.

— Bom pra você. Mas o que quer comigo?

O adolescente piscou confuso.

— Bem... eu-eu queria dizer que posso tentar ajudá-lo... com os estudos...

O italiano ergueu uma sobrancelha.

— Tem certeza? — não queria demonstrar o grande alívio que sentiu ao ouvir aquilo. Continuou com a mesma expressão de deboche.

Shun pensou em dizer que não, ele não tinha certeza, mas que achava justo fazer aquilo, se não por Câncer, que fosse por Saori.

— Sim, eu tenho. Isso prova que não tenho medo de você?

O mais velho soltou uma gargalhada irônica.

— Então isso é um teste?

— Não foi isso...

— Foi isso mesmo — cortou agressivo. — O que quer? Provar para todos os seus amigos que você é mesmo tudo que dizem?

Andrômeda piscou aturdido sem entender.

— Tudo o que dizem? Do que está falando? — indagou confuso.

— Bonzinho, limpinho, educadinho! — irritou-se o italiano. — Será que você é o anjo de que se fala?

— Eu só quero ajudar... — murmurou o adolescente surpreso.

— Então ótimo! — Máscara da Morte se ergueu, e Shun fez o mesmo por instinto, recebendo o olhar irritado do mais velho. — Amanhã o esperarei, após o almoço, capito?

O mais jovem acenou com a cabeça. O italiano passou por ele e saiu. Shun não quis terminar de comer, visivelmente nervoso, saiu do refeitório em direção ao vestiário onde tomou um banho e se trocou para ir à arena. Os treinamentos durariam por toda a tarde.

Estava perturbado, não podia negar que as lembranças das cabeças decepadas na casa de Câncer ainda o atormentavam e que tinha medo de voltar àquela casa tenebrosa, mas não recuaria agora, recuar seria afirmar que tinha medo de Máscara da morte e virar sua piada para o resto dos seus dias no santuário.

“Se bem que não penso em passar muito tempo aqui...” pensou e mirou o sol alto da tarde grega, engolindo em seco. Não pretendia ficar a vida inteira naquele lugar, Ikki que o perdoasse, mas... mais que nunca, achava que não nascera para ser um cavaleiro.



Continua...


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Notas finais do capítulo

Guima, Litha-chan, Kitsunekiki, SabakuNoGaara,Cici, ThaiAline, Ceres, RakBlack, MysticRainbow, nobody, Juli-Usumaki, Song HaMi, Kao, Kiba-Ino, marciabs, Su Cabral, AnaB, ddd, Alexia-Black, JuHaruno, Sarah.

A TODOS VOCÊS MEU SUPER MUITO OBRIGADA!!

Sion Neblina