Possible love escrita por Sion Neblina


Capítulo 3
A primeira tarde


Notas iniciais do capítulo

OLÁ QUERIDOS LEITORES,
MAIS UM CAPÍTULO! OBRIGADA SEMPRE PELO INCENTIVO DE VOCÊS E BOA LEITURA!
SION NEBLINA



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A primeira tarde

 Capítulo 3

Teria uma turma de 10 crianças de aproximadamente 7 anos e, como a turma da escola, elas se mostravam muito animadas. Começou o treinamento de maneira leve, querendo conhecer melhor os pupilos. Sua função seria a de introduzi-los à vida de aspirantes a cavaleiros, e Shun não queria assustá-los logo de início. Deixaria isso para que os mestres fizessem, dedicar-se-ia somente a orientá-los de forma branda. Estava tão entretido com o que fazia que não percebeu os dois cavaleiros de ouro que estavam na arena, observando tudo atentamente.

Eles chegaram sorrateiros e silenciosos, era uma rotina para os dois se sentar ali e observar a tarde de forma indolente, já que não possuíam discípulos a treinar e nem pareciam quer outra ocupação.

O loiro passou as mãos nos cabelos cacheados que eram agitados pelo vento e sorriu com malícia:

— E pensar que essa coisinha franzina foi capaz de me derrotar— disse Afrodite com desprezo. — Ainda não esqueci dessa ofensa...

Câncer riu. — Terá que viver com isso, amico.

— Será?

— Você sabe que não pode fazer nada, o moleque é protegido da deusa, se não fosse por ela, eu também daria um jeito naquela lagartixa chinesa discípula do repolho roxo...

Afrodite riu com a observação do amigo, mas continuou com os olhos azuis sobre Shun de forma analítica.

— Ele é bem bonito — comentou —, não tanto quanto eu, mas é bonito.

Câncer deu de ombro e calou-se, observando os movimentos de luta do rapaz oriental.

— Não acha, Mask? — insistiu o sueco, provocativo.

— Sabe que não sou chegado a macho — resmungou contrariado. Nunca se sentia à vontade com as provocações do cavaleiro de Peixes, mesmo porque, ele bem sabia do que e de quem o italiano gostava.

Afrodite riu de lado, charmoso, enrolando uma mecha do cabelo no dedo indicador.

— Como pode chamar uma gracinha daquela de macho?! É mesmo um carcamano! — indignou-se. — Poucas fêmeas são tão belas e delicadas quanto ele. Além do mais, não gostar de homens não o impediu de matar suas necessidade em corpos muito mais vigorosos que o desse menino.

Máscara da Morte bufou:

— Eu era um moleque e esse santuário não dava muita opção, caspita! — falou irritado, corando.

— Não vou discutir. Afrodite deu de ombros. — Mas agora me diz, você já o convenceu a ser seu professor? Confesso que minhas opções se esgotaram, se esse daí não aceitar...

— Ele aceitou. Falou o italiano, rápido, querendo que o assunto morresse logo.

Afrodite riu abertamente e da maneira sádica de sempre. Isso irritava Máscara da Morte porque, de alguma forma, sentia-se diminuído. Era como se o pisciano estivesse sempre zombando dele.

— Athena e suas excentricidades. Enfim; um cavaleiro de ouro terá como mestre um cavaleiro de bronze. Zeus, os céus estão caindo! — riu com sua refinada ironia enquanto se apoiava melhor na arquibancada. E o riso do sueco irritava Máscara da Morte cada vez mais.

— Vai à merda, Afrodite!

— Olha como fala comigo, carcamano! — advertiu o mais novo.

— Então não me provoque, caspita!

Afrodite revirou os olhos e balançou a cabeça.

— Você anda tão temperamental. Não me diga que a hostilidade dos demais ainda o incomoda?

— Não finja que não incomoda a você, sueco! Não se finja de forte!

— Não estou fingindo. A deusa nos salvou e nos aceitou. Por que me incomodaria com seres mesquinhos como eles? — deixou um sorriso provocador ocupar os lábios formosos e depois fez um biquinho para completar. — Por que não vai até o espanhol e implora: Oh, per favore, Shura, aceite-me na Krypteia novamente, io gostava tanto de ser um espião do santuário!

— Cala essa boca, stronzo! — e começou a praguejar em italiano. Irritava-se consigo mesmo por Afrodite sempre conseguir tirá-lo do sério com suas provocações insensatas. Fosse outro cavaleiro e estaria morto.

— Não ouse a usar esse palavreado chulo comigo, italiano — riu o loiro com desdém. — Afinal, não estou dizendo nada fantástico! Você gostaria de voltar à krypteia, não gostaria?

A Krypteia era a chamada “polícia do santuário” e dela faziam parte alguns dos mais fiéis e fortes defensores de Athena: Shura de Capricórnio, o líder, Aldebaran de Touro, Milo de Escorpião, Kanon de Gêmeos, Algol de Perseu, Misty de Lagarto, dentre outros.

Esses homens eram responsáveis por viajar pelo mundo e colher informações sobre levantes políticos ou místicos, ou seja, desde problemas humanos à problemas com seres além da compreensão. Eram os espiões de Athena, aqueles que, a frente dos outros, sabiam tudo com antecedência, como intuito de preparar o santuário contra possíveis ataques.

No passado, o cavaleiro de Câncer fez parte daquele seleto grupo e participou de várias missões a mando daquele que agora era legitimamente o Grande Mestre. Ele e Afrodite mataram e perseguiram ilegitimamente em nome de Athena. Mestre Ares ou Saga de Gêmeos soube escolher os mais cruéis para realizar seus serviços sujos: Câncer, Peixes, Escorpião... Todos letais, frios, violentos.

Máscara da morte não respondeu à pergunta do amigo e viu o sueco se erguer de forma elegante e se afastar voltando em direção às doze casas sem também esperar resposta. Continuou na arquibancada, olhando o treinamento das crianças. Crianças! Nunca gostou muito delas e nunca tivera receio de matá-las quando necessário. Pensar nisso amargou seu espírito. Observou o jovem cavaleiro de Andrômeda correndo entre os pequeninos num treino que mais parecia uma grande molecagem. Ele também era pouco mais que uma criança; quantos anos deveria ter, quinze? Bem, nessa idade, ele, Máscara da Morte, já era um letal assassino. Continuou observando o rapaz sem saber muito bem o motivo. Percebia que apesar do sorriso constante, aquele jovem tinha uma alma terrivelmente machucada, mas aquilo era normal entre cavaleiros, nenhum deles poderia se julgar psicologicamente sadios.

Cavaleiros eram treinados para isso: resistir a todas as dores,  tornar-se indiferentes ao apelo dos inimigos. Matar sem hesitação. Foi isso que ele fez por toda a vida. Então, por que agora era julgado por seus atos? Por que sua própria consciência o julgava?

Shun dispensou os garotos quando o sol já estava se pondo. Máscara da Morte viu quando o irmão do cavaleiro mais jovem do Santuário se aproximou. Ele deixou a arena, e Câncer aproveitou para fazer o mesmo. No dia seguinte começariam as benditas aulas.

A noite chegou mais uma vez para Shun. Do seu quarto, ele olhava a bela lua cheia. Sentiu os olhos úmidos e se perguntou se Hyoga estaria olhando a lua também. Enxugou o rosto e riu com amargura. O russo escolheu deixá-lo. Por que não poderia simplesmente esquecê-lo?

Encolheu-se na cama e limpou o rosto. Hyoga o deixou por sua própria vontade, porque não o amava mais ou nunca amou. Mas por que ele não pôde amá-lo? Por quê? Será que não tinha nenhuma qualidade ou atrativo que pudesse fazer o russo ficar? A noite era sempre difícil, mas ele tentaria dormir por seus alunos. Sorriu com sinceridade ao pensar nos pequeninos e ouviu a porta do quarto ranger e logo em seguida Ikki apareceu com um copo de leite em uma das mãos.

— Sempre ajuda a dormir — disse o mais velho, e Shun sorriu. O irmão estava sendo tão atencioso e carinhoso consigo que se sentia na obrigação de reagir. Não queria decepcioná-lo.

— Obrigado, irmão — pegou o copo e sorveu o líquido.

Ikki o olhou sério por um tempo e depois se sentou ao seu lado na cama.

— Shun, você precisa dormir — falou, mas o menor sabia que aquilo dizia muito mais do que as palavras. O irmão queria dizer que ele precisava encontrar a paz perdida.

— Eu sei, estou indo para a cama agora — respondeu como se não soubesse que Ikki falava bem mais do que as palavras diziam.

— Okay, boa noite — Ikki saiu do quarto e o mais jovem resolveu realmente tentar dormir; por ele, por seus alunos, por seu irmão.

No dia seguinte, chegou cedo ao santuário e preparou seu material de aula. Os alunos começaram a chegar animados e cumprimentavam o professor com carinhosos beijos. Marin olhava para eles satisfeita da porta da sala. Era raro aquelas crianças impossíveis demonstrarem tanto carinho por alguém como demonstravam por Shun.

Aiolia se aproximou da amazona, mirando também a turma do cavaleiro de bronze. Estava na sua ronda matinal e resolveu passar na escola para conversar um pouco com a ruiva antes de seguir para a arena.

— E então? — perguntou o líder da tropa do santuário*.

— Parece que tudo está correndo bem — disse a japonesa. — Eles aceitaram muito bem o Shun.

— Fico feliz, isso deixa Athena mais tranquila.

— Eu sei — concordou a mulher e se afastou com o cavaleiro de ouro, descendo as escadas em direção à arena.

Marin não usava mais a máscara torturante de amazona. Saori Kido, a nova encarnação de Athena, achou o costume ofensivo e discriminatório e por isso, agora o sol incidia sobre os olhos castanhos da ruiva, dando-lhe uma cor avermelhada enquanto eles conversavam.

— Aiolia, é verdade que Fênix agora é discípulo de Shaka? — ela perguntou, intrigada.

— Sim, é verdade — respondeu o cavaleiro dando de ombros.

— Nunca pensei que um cavaleiro como ele, depois de tudo que aconteceu, teria paciência para aceitar um discípulo difícil como Ikki.

Leão suspirou.

— Fênix tem grandes habilidades e um grande coração. Todavia, teve um mestre ruim e isso foi danoso à sua personalidade, que se tornou arredia e bruta. Acredito que alguém disciplinado como Shaka é o mestre ideal para direcionar toda a dor e fúria que ainda há no coração daquele rapaz. Além do mais, ele carrega uma grande reverência pelo cavaleiro de Virgem.

— Realmente torço para que não tenhamos mais desavenças entre os cavaleiros, estou cansada de separar brigas — lançou um olhar significativo ao cavaleiro de leão.

Aiolia torceu os lábios com desgosto.

— Para alguns é difícil aceitar as atitudes que outros tiveram no passado. Eu consigo perdoar Shura pelo que fez, mas pensar que Máscara da Morte e Afrodite estiveram ao lado de Ares durante a conspiração conscientes do que faziam... Isso realmente me deixa enojado!

— Eu sei, confesso que a mim também. Mas Athena os perdoou e nada podemos fazer contra isso.

— Sim, por Athena preciso tolerar a presença deles, mas ser simpático é algo que não consigo, na verdade, não consigo nem mesmo olhá-los. Eu perdoei Saga de Gêmeos a pedido de Aioros, por ele, tentei entender que o grande mestre estava dominado por seu lado perverso, mas qual a justificativa os outros, Marin?

— Tente ao menos ignorá-los, então — falou a amazona num suspiro.

— É o que estou tentando, mas como líder da tropa do Santuário, meu contato com os dois é constante, infelizmente.

— Não deveria cultivar tanta mágoa.

— Não cultivo, ela nasce sozinha — Aiolia sorriu de lado, e Marin balançou a cabeça. Os dois se separaram cada qual indo cumprir suas obrigações.

O calor naquele dia estava intenso no santuário grego, Shun dispensou as crianças que correram felizes para casa enquanto mirava o tarde convidativa. Pensou em fazer uma visita a Saori, mas a verdade era que não tinha vontade nenhuma de passar pelas 12 casas, não queria se lembrar das batalhas travadas ali e nem na morte de alguns. No dia anterior, tentou não se lembrar de nada daquilo quando foi encontrá-la, mas agora as lembranças se derramavam em sua mente...

Hyoga. Hyoga na casa de libra. Hyoga tão frio. Ele lhe doando calor, confessando que o amava desde sempre, mesmo que o russo não pudesse ouvi-lo. Uma lágrima desceu por seu rosto, brilhando sob a intensidade do sol grego. Balançou a cabeça e enxugou o rosto com dedos nervosos, voltando a caminhar. Estava se dirigindo ao refeitório quando um garoto de aproximadamente 10 anos se aproximou humildemente olhando para o chão.

— Cavaleiro, o meu senhor, o santo de ouro de Câncer, pede que compareça ao seu templo — disse o menino.

Shun engoliu em seco: era o que lhe faltava ter que ir àquela casa tenebrosa. Além do mais, era a hora do almoço, será que ele estava assim tão ansioso para aprender?

— Por quê? — indagou, erguendo uma sobrancelha, tal qual fazia seu irmão.

— Apenas trouxe o recado, meu senhor. Por favor, ele o espera.

O cavaleiro de bronze se resignou e com um suspiro, seguiu o garoto para o templo de Câncer. Parou na entrada, pensando se realmente queria entrar ali e a resposta foi um sonoro NÃO mental, mas obrigou-se a isso. Com certeza se aquele cavaleiro hostil o chamou ali era porque tinha algo importante a dizer.

Começou a andar devagar, com medo de voltar a ver aquele cenário que o assombrava até em sonhos. Fechou os olhos inconscientemente a cada passo. Entrou no salão principal e se surpreendeu, pois as cabeças haviam desaparecido. Era um local amplo e limpo como as demais casas zodiacais e não assustaria nem mesmo uma criança, ainda assim suas pernas continuavam bambas.

— Por aqui, por favor — continuou o servo, chamando-o para que entrasse por uma porta que os conduziu a um longo corredor até outra porta com o símbolo do signo de Câncer talhado na madeira — É aqui...

Quando a porta se abriu, Shun deparou-se com uma imensa sala, ampla, limpa e com poucos móveis: um sofá três lugares, uma estante onde havia poucos livros, uma TV e um aparelho de som, perfeitamente organizados. Um lugar funcional e sem nenhum luxo.

— Onde ele está? — indagou, observando o ambiente nervoso. — Eu tenho trabalho à tarde...

— No jardim, por favor — continuou o menino, e Andrômeda mais uma vez o seguiu, chegando a um amplo jardim, que tinha uma fonte e várias estátuas representando o caranguejo. O japonês percebeu que apesar de bonito, havia poucas plantas no local, algumas poucas flores lilases e outros arbustos ornamentais. Era um local árido, como se a fonte fosse um oásis perdido no deserto.

— Bom que não demorou.

A voz do cavaleiro de Câncer falou atrás de si, fazendo com que Shun se virasse abruptamente com os olhos muito aberto e o coração aos pulos.

Máscara da Morte não usava a armadura, mas com certeza usara a velocidade da luz para chegar tão perto sem que ele o notasse. Usava uma calça de tecido leve preta e uma regata da mesma cor e... estava tão perto, que o nariz de Shun roçou de leve em seu peito, fazendo o garoto dar um passo para trás constrangido.

— O...o que deseja? — gaguejou sem jeito, totalmente corado, o cavaleiro de Câncer continuava o encarando.

— Você prometeu me ajudar com os livros hoje, esqueceu? — indagou com seu jeito ríspido, mas sem intenção de ser rude.

— Sim, mas pensei que você iria à escola...

Câncer soltou uma risada irônica.

— Um cavaleiro de ouro numa escola cercado de pirralhos? Acreditou mesmo nisso? — indagou, incrédulo. — As aulas serão aqui, picolli, em meu templo. Como ousou achar que me exporia a tal ridículo?

Shun engoliu em seco, mas resolveu não se intimidar.

— Aprender nunca é ridículo. Além do mais, se fosse melhor que eles não precisaria da minha ajuda...

O olhar raivoso de Máscara da morte parou sobre ele e Andrômeda estremeceu.

— Não ouse falar assim comigo — volveu o italiano em advertência. — Lembre-se que ainda sou um cavaleiro de ouro, não pense que porque os outros demonstram desprezo por mim que poderá fazer o mesmo sem arcar com as consequências!

— Eu... eu não pensei em nada disso... — falou Shun, sem jeito, verdadeiramente intimidado com a explosão daquele homem que demonstrava tanto poder, como se pudesse esmagá-lo com apenas uma das mãos. — Eu... eu só acho que... eu...

Dio, ma como gagueja! — revirou os olhos Câncer. — Podemos comer antes da tal aula?

Shun piscou os longos cílios por um tempo, muito confuso com as atitudes daquele cavaleiro, primeiro ele o ameaçava e agora o convidava para almoçar?

— Eu... eu já...

— Tão educadinho! — Câncer deixou escapar mais uma das suas risadas exageradas. — Mas não precisa mentir, eu sei que você não almoçou, ouço daqui seu estômago roncando. Venha, Acaio nos preparou uma boa refeição.

Ele, com um gesto de mão, mostrou uma ampla mesa posta para dois. Shun até aquele momento não havia percebido aquilo e ficou meio sem jeito, mas se obrigou a acompanhar o defensor da quarta casa.

A comida estava deliciosa e eles poucas palavras trocaram enquanto comiam. Shun percebia que apesar de rude, o cavaleiro de ouro sabia o básico sobre um bom comportamento à mesa; nem todos tiveram sua sorte em ter um mestre bondoso, que não apenas se preocupou com seu treinamento, mas também com sua educação. O cavaleiro de Câncer por um momento o lembrou de Ikki, seu irmão, cuja educação também foi relegada na infância e que agora tentava recuperar o tempo perdido.

Sem palavras, eles terminaram a refeição. Shun se ergueu assim que o anfitrião fez o mesmo.

— Aiolia já foi avisado que você chegará mais tarde à arena para treinar os aspirantes — ele declarou. — Eu disse que estarei responsável por você até esse horário.

— Responsável por mim?

— Sim, você ainda é... bambino.

Shun pensou que aquilo significava que ainda fosse menor de idade e não questionou. Teria mesmo que justificar seu atraso a Aiolia. Por um lado era bom que ele já soubesse disso.

— Não sou tão criança e, na verdade, nós cavaleiros somos todos emancipados, por assim dizer — contestou com suavidade.

— Teu fratello se preocupa, me disse a deusa, então tenho que garantir que esteja livre antes das três da tarde. Até essa hora, você é mia responsabilidade.

Shun não estava entendendo nada, afinal o que Saori e aquele cavaleiro louco queriam?

— Espera um pouco, Máscara da Morte! — falou zangado, fazendo o mais velho parar e se voltar para ele com as sobrancelhas franzidas. — Vo...vo...Você não pode ficar determinado o que eu faço ou deixo de fazer!

O italiano se voltou para ele e cruzou os braços.

— Saia.

— Quê? — agora que Andrômeda não entendia nada mesmo.

— É surdo além de gago? Saia, se não pode me ajudar, saia e me poupe de sua histeria, criança!

Shun piscou aturdido, mas sentiu um aperto no peito com aquelas palavras. Aquele homem rude e orgulhoso estava pedindo sua ajuda, sim, do jeito dele, mas estava. Não se negaria a ajudá-lo, mesmo que ele fosse grosseiro, intransigente e irritante.

— Não pode me expulsar, Saori disse para eu ajudá-lo e é o que farei! — tornou zangado.

O cavaleiro de ouro chegou, rapidamente, bem perto dele. Tão perto, que Shun acabou encostando as costas instintivamente numa parede enquanto o encarava assustado. Seus olhos miraram o mar escuro dos olhos de Câncer; ele tinha um olhar febril, o olhar de um louco, e o pequeno de bronze estremeceu, embora não conseguisse desviar o olhar dele.

— E se eu disser que se você não sair agora mesmo, eu vou cortar seu pescoço e pendurar sua cabeça lá no salão tal qual fazia no passado? — falou de forma baixa e ameaçadora. — Você ainda se lembra, não é? Posso sentir o terror em você, o medo... seu coração disparado, o sangue gelado nas veias...

— Pare com isso! — gritou Shun e o empurrou com toda sua força.

Sem esperar pelo golpe, o cavaleiro de ouro foi arremessado violentamente contra uma parede que quase foi ao chão.

Máscara da Morte ficou um tempo sentado no chão, encarando o menino que estava trêmulo e lívido. O cosmo de Andrômeda se manifestava de maneira ainda tímida, fazendo uma áurea rosada se espalhar ao seu redor. O cavaleiro de ouro se ergueu sem nenhum resquício de raiva ou nervosismo. — Ótimo saber que tem sangue e não águas nestas veias, Picolli, não gosto de lidar com fracotes, agora vamos, a biblioteca fica ali.

Ele passou por Shun e enveredou por um corredor estreito e escurecido. O cavaleiro de bronze obrigou-se a segui-lo para o andar superior, ainda meio aturdido, mas à medida que subia as escadas, sua mente serenava e ele voltava a ser o rapaz doce e tranquilo de sempre.

— O que você precisa aprender exatamente? — indagou, fazendo Câncer parar os passos por alguns instantes antes de continuar a subida.

— Melhorar no grego... quero dizer, na escrita, eu falo bem, mas escrevo mal. — explicou, e Shun sorriu de leve ao notar que confessar aquilo era embaraçoso para o cavaleiro mais velho.

— Tudo bem, eu também tive problemas no começo — falou suavemente. — Podemos começar com o alfabeto se quiser...

— Sim, pedirei a Acaio que sirva a sobremesa aqui — falou o mais velho sem nenhuma cordialidade, seguindo na frente e esperando que Shun fizesse o mesmo.

Andrômeda achou por bem não contrariar mais aquele homem de quem já conhecia o gênio explosivo. Seguiu-o, chegando à biblioteca.

Máscara da morte o conduziu até uma mesa grande onde havia vários livros abertos.

— Tenho estudado sozinho — respondeu à pergunta muda de Shun. — Preciso aprender mais um pouco de grego e História.

— Certo, então quanto antes começarmos melhor — disse o mais novo, sério. — Poderia me responder uma coisa?

O italiano o olhou por um tempo antes de acenar com a cabeça.

— Por que estudar agora? Você é um cavaleiro, não precisa de uma formação acadêmica para fazer bem a sua função.

Máscara da Morte emudeceu e Shun achou que ele ruborizou um pouco com a pergunta.

— Não sou eu quem quero, isso é coisa da Athena. Estou muito bem sem saber nada disso!.

— Você no fundo se sente inferior aos demais... — concluiu o garoto, ignorando a resposta e fazendo o mais velho franzir as sobrancelhas.

— Inferior? Está louco, Picolli? Eu nunca me sentiria inferior a esse bando de maricas empoados! Lembre-se de quem eu sou, moleque! Sou Máscara da Morte de Câncer, um Santo de ouro, o cavaleiro mais poderoso desse santuário!

Shun se calou. Não sentia mais medo daquele homem, agora sentia algo estranho, uma mistura de solidariedade e algo que não conseguia definir muito bem, talvez uma leve simpatia. Suas ações eram impulsivas, percebia isso. Talvez tudo que ele fizera no passado fosse fruto de um impulso, afinal, ele era tão jovem, tinha menos que sua idade por suas contas.

— Eu sei disso, desculpe se fui... inconveniente — pediu tímido. — Vamos começar a aula.

Shun se sentou com Câncer ao seu lado e começou a abrir os livros. Por incrível que lhe parecesse, eles tiveram horas agradáveis. O italiano era uma pessoa curiosa e muito inteligente. O mais novo tinha certeza que se ele não havia aprendido até ali, fora somente por falta de interesse.

No final, à tarde de estudos foi muito tranquila. Câncer era um aluno atento e disciplinado. Andrômeda lhe ministrou alguns exercícios que corrigiria no dia seguinte e deixou seu templo na hora marcada. Depois de treinar os aspirantes, encontrou o irmão na entrada das 12 casas o esperando para que voltassem à Rodório.

— E então? Creio que sobreviveu àquela casa fedida? — provocou Ikki, fingindo uma tranquilidade que estava longe de ter. Não gostava mesmo daquela história.

Shun sorriu de leve.

— Você sabe que ela já não é mais a mesma casa, agora é como as outras.

— Sei. — disse Ikki, interessado. — E Câncer? Como ele se comportou?

— Bem. Realmente ele parece outro homem, irmão — falou deixando um sorriso maior invadir-lhe o semblante, coisa que Fênix percebeu com o canto do olhar. Claro que não contaria a Ikki que precisou arremessar o cavaleiro de ouro contra uma parede para que ele lhe tivesse respeito. — Não parece mais aquele maníaco de antes e acho que no fundo, ele só busca se redimir das coisas ruins que fez no passado.

Fênix riu incrédulo.

— Parece que vejo Mestre Shaka falando!

Shun riu gostosamente, e o mais velho ficou feliz por vê-lo sorrir de verdade depois de tanto tempo.

— Ambos somos virginianos, deve ser isso! — chegou à conclusão e mirou o irmão com mais atenção — E você gosta de nós dois, não é? - Viu Ikki chegar da cor vermelho pimentão com seu comentário e ficou sem jeito tentando se corrigir.  — Todo discípulo gosta do mestre, não é? — volveu Shun, desviando o olhar, também incomodado com as próprias palavras.

O mais velho suspirou e meneou a cabeça de lado.

— Não diria que gosto dele, mas tenho muito respeito por sua sabedoria e admiração por sua força, só isso. De onde tirou essa ideia de que “gosto” do Shaka? Ele é apenas meu mestre.

— Foi isso que quis dizer, que você gosta dele como... Mestre — explicou Shun, nunca farias insinuações sobre o relacionamento do irmão com o indiano, pois estava claro que o relacionamento era mesmo somente esse: mestre, discípulo. Além de tudo, Ikki nunca deu a entender que gostasse de homens, melhor, que gostasse do ser humano em geral, e Shaka... Bem, Shaka era uma espécie de monge assexuado.

— Escolha melhor as palavras que usa — rebateu Fênix de forma neutra, mas logo depois mirou o irmão e afagou seu cabelo. — É bom ver que hoje seu humor está melhor.

Shun suspirou e deu de ombros.

— A vida continua!

O mais velho apertou os lábios numa expressão pensativa, enquanto envolvia os ombros do mais novo e continuava a andar com ele em direção à Rodório.

 

 




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Notas finais do capítulo

NOTAS IMPORTANTES:.
AIOLIA DE LEÃO como líder da tropa do santuário, eu vi numa fic da Andreakenner chamada A proposta gostei e peguei a ideia emprestada.
A KRYPTEIA era a polícia secreta de Esparta que cuidava de vigiar todos os Hilotas. Aqui na fic acho que já dei a explicação.
BEIJOS A TODOS QUE ACOMPANHAM, COMENTAM E INCENTIVAM A AUTORA.
ATÉ A PRÓXIMA!
SION NEBLINA