Possible love escrita por Sion Neblina


Capítulo 11
Namorados


Notas iniciais do capítulo

Olá, queridos leitores, tudo bem?
Eu sei que demorou séculos, mas eu de forma alguma abandonaria a fic. Mais um capítulo que custou a sair por minha falta de tempo e tals e foi porcamente revisado pelo mesmo motivo, então perdoem os erros pelo texto, mas se eu continuasse a revisar não postaria nunca.
Obrigada a Ciça DF pela lembrança e carinho via facebook. Obrigada a todos que continuam aqui, lendo e torcendo.
Aviso: Alguns acontecimentos desse capítulo podem parecer tirar o foco da trama de DM e Shun, mas garanto que eles têm sim relação com os protagonistas e darão o norte dos próximos capítulos.
Obrigada a todos pelo carinho, compreensão e pela presença aqui.
Beijos a todos e muito boa leitura!
Sion Neblina



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Namorados

Capítulo 11

Tinha dez anos. Apenas isso, ao que se lembrava. Costumava ficar escondido atrás das pedras e ruínas próximas à grande arena. Não podia ser visto, ou, talvez, até pudesse; se realmente quisesse isso, mas não queria. Aquele não era seu mundo, não, não era. Aquele era um mundo que lhe fora privado por quinze segundos. Isso, quinze segundos, dissera o Grande Mestre uma vez. Era estranho. Pensava como ele sabia daquilo já que não chegou a conhecer sua mãe. Ao que sabia, e ele não sabia de tantas coisas, ela morreu logo após dar a luz. Sabia, todavia, que o simples fatos de ter nascido quinze segundos depois, o relegou às sombras e reservou a glória ao seu irmão.

No futuro, pensaria que tudo que fizera se devesse ao rancor, mas naquele momento, ele apenas conseguia observar Saga treinando os garotos mais novos. E havia aquele menino tão belo que parecia uma delicada rosa. Era lindo. Não menos que isso. De uma beleza tão etérea quanto seus olhos eram vivos, inteligentes e cruéis.

Ele percebia que ao contrário dos outros garotos que treinavam com uma seriedade impressionante, o belo sorria. Ria e desdenhava dos adversários, porque simplesmente não perdia, não era atingido. Nenhuma das mãos maculava sua pele de alabastro.

Soubera seu nome tempos depois: Afrodite. Por quê? Não entendia; embora fosse ele a personificação da deusa da beleza e carregasse em si a mistura sincrônica do masculino e do feminino: uma alma ardorosa, uma beleza sublime. Força e delicadeza.

Talvez houvesse se apaixonado, mesmo percebendo que aqueles olhos brilhavam na direção do seu irmão. Como não brilhariam? Saga era forte e perfeito como um deus. Com o tempo, com o trotar furioso dos cavalos dos anos e das batalhas, ele se esqueceu daquela fagulha infantil. Havia um mundo a conquistar, a dominar. Havia vingança. Mas depois de mais de vinte anos, aquela fagulha resolveu perturbá-lo e se fazer chama. E foi por isso que na noite, em que O Senhor do vinho e A Rainha da beleza resolveram se atracarem como amantes sedentos, tais chamas tornaram-se fogueira e o consumiram, levando-o a engendrar uma estratégia de aproximação.

Ele não era homem de inseguranças tolas e nem de sentimentos frívolos. Era um homem prático que não gostava de perder tempo e nem pensar em coisas que estavam além do seu poder. Poder. Sempre a questão central de sua vida.

Mais uma vez estava observando. Agora observava o cavaleiro de peixes dormindo tranquilamente em sua cama, embrenhado entre seus lençóis com sua linda feição de criança totalmente desarmada e suave. Se o desejava? Sim. Desejava muito. Mas Kanon sabia não ser capaz; nem ele e nem o outro. Havia feridas demais naquele lugar. Havia dores adormecidas e fantasmas indomáveis que levavam sanidade e sono. Todavia tentou, arriscou e teve o que queria. Ao menos havia saciado um pouco a sede que sentia desde a infância. A sede daqueles lábios, daquele corpo branco e perfeito como de uma estátua de marfim. Se estava satisfeito? Não. Ele queria mais, mais uma vez, mais um pouco... Uma chance? mas por enquanto era o suficiente.

– Afrodite – chamou sem se abalar da cadeira em que estava sentado, próximo à cama. – É dia. Você tem que voltar ao seu templo.

O cavaleiro mais jovem abriu os olhos lentamente e piscou os formosos e longos cílios antes de focar a imagem de Kanon, mas isso foi o suficiente para que as lembranças da noite o tomassem.

–Eu quero você, você sabe, por que resiste?

–Não estou resistindo... Estou aqui não estou?

Os lábios de Kanon tomaram os seus, e Afrodite gemeu faminto, entregando-se a ele, colando seu corpo ao do grego e praticamente fazendo suas roupas em pedaços, enquanto bebia de sua boca como se não fosse capaz de se saciar nunca. Kanon o segurou fortemente pela cintura e o ergueu, ele enlaçou as pernas no quadril forte, ainda o beijando, mordendo, lambendo de forma alucinada. O grego o levou para o quarto.

Afrodite sentou-se na cama, os lençóis cobrindo seu quadril. Kanon deixou escapar um leve sorriso. Ele estava ainda mais lindo naquele momento, os cabelos despenteados, o rosto pálido pelo sono, e os olhos azuis brilhantes como sempre.

Ah, como queria poder se aproximar e beijá-lo, mas a noite havia acabado. A festa e o encanto se foram.

O sueco mirou o cavaleiro de gêmeos por um tempo, um olhar enigmático; indecifrável. E então, se ergueu não parecendo incomodado com sua nudez.

– Onde estão minhas roupas? – indagou com uma voz neutra.

Kanon apontou para uma cadeira. Ele caminhou até ela e, sentando-se na cama, começou a se vestir em silêncio. Silêncio que o cavaleiro mais velho não fez questão de quebrar.

Ainda mudamente, Afrodite caminhou para a saída do quarto depois de amarrar as sandálias nos calcanhares. Não olhou para trás em nenhum momento, e nem Kanon se moveu do seu lugar. Nenhum deles tentou algum diálogo, não era preciso e nem era interessante naquele momento. Não havia o que ser dito, ao menos por enquanto.

O cavaleiro de peixes subiu as escadas para seu templo. As lembranças da noite de vinho e sexo em sua mente, martelando de forma dolorida e levando a si uma raiva tão profunda quanto assassina. Como pudera ceder aos encantos d’A noite dos proscritos? Como pudera macular seu corpo, algo que preservou por tanto tempo? Ainda mais com Kanon de gêmeos.

As unhas um tanto longas rasgavam a pele do cavaleiro mais velho. O mais novo gemia enquanto subia e descia sobre o corpo do outro, sem nenhum pudor ou controle e também sem nenhum carinho. Era sexo, sexo bruto e férreo, e suas ações não passavam pelo crivo das emoções, dentre elas, amor ou carinho. Era algo animal, instintivo. Kanon gemia baixo, gutural, e o penetrava forte e fundo, sentindo o corpo do sueco estremecer enquanto ele atingia o orgasmo o apertando dentro de si...

Não se lembrava quantas vezes fizeram, mas lembrava-se que novamente ele estava na cama, agora de joelhos, de quatro, tendo os cabelos puxados com força, domado pelo outro cavaleiro que arremetia fundo e firme, o puxando para si, e ele adorava, gritava e pedia mais transtornado pelo prazer.

Um barulho estrondoso! Com um golpe, Afrodite destruiu completamente uma das pilastras do seu templo, tremendo de raiva e revolta contra si mesmo. Como pôde? Aquela era uma conduta inaceitável. Sentia-se sujo, ferido em seu orgulho e frustrado pela impotência de não poder mudar os fatos.

Adentrou seus aposentos e pediu que um servo lhe preparasse um banho. Precisava se limpar, precisava sentir-se limpo daquela sensação angustiante, embora soubesse que água alguma fosse capaz de limpar os vestígios da noite passada, até mesmo porque, embora sua mente duelasse ferozmente, seu corpo se sentia satisfeito..., sereno.

Entrou na banheira e fechou os olhos, deixando que a água morna relaxasse seus músculos tensos. Não queria pensar mais, não queria pensar naquilo, precisava espantar a angústia. Foi uma noite, uma única noite de erro numa vida perfeita. Não deveria se arrepender ou se sensibilizar com aquilo. Passaria, passaria como todas as dores da sua vida.

Entretanto, ao fechar os olhos, as lembranças do sexo, do prazer, do orgasmo se fizeram na pele, e ele ofegou e se maldisse.

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Sua cabeça doía, latejava fortemente quando ele abriu os olhos e percebeu que não estava em seu quarto. Estava num quarto simples, mas não era o seu. Então, as lembranças da noite começaram a povoar sua mente; a festa, o vinho...

Ikki sentou-se na cama resmungando um palavrão e sentindo a boca amarga. O sol já surgia alto pela janela, dando-lhe a noção de que havia perdido a hora. Ergueu-se e foi até o banheiro, lavando a cabeça e a boca, tentando fazer aquela sensação ruim ir embora. Pensava no que deveria fazer: ficar para o treinamento ou ir para Rodório. As lembranças da noite anterior retornavam, e ele não fazia ideia de como encararia o mestre depois de tudo. Ainda assim, saiu do quarto a passos firmes, não era homem de ficar se escondendo, e foi para o jardim da casa de virgem, onde encontrou o mestre em posição de lótus, flutuando a uma altura mínima do solo.

Ao sentir o cosmo do discípulo, Shaka abriu os olhos lentamente e desfez a posição. Ikki cruzou os braços e deixou escapar um sorriso irônico.

— Hoje, você abre os olhos sem dificuldade alguma. Interessante — falou, a voz lenta e rouca, como se analisasse aquilo em profundidade.

— Abro-os sempre que considero necessário e isso é quase nunca. — Replicou o discípulo de Buda, pondo-se de pé e caminhando lentamente até o cavaleiro mais novo. — Vejo que a Fênix também renasce de uma bela bebedeira.

— A Fênix renasce de muitas coisas. — Continuou o cavaleiro de bronze, mirando o outro com atenção.

— Sim, e de outras continua escrava. — Rebateu Shaka e parou a certa distância, encarando os olhos escuros do outro.

— Nada é capaz de me escravizar — resmungou o mais jovem sem se intimidar com o olhar sério do mais velho.

— Nem a culpa? Eu acho que não. — O indiano sorriu. — De todo modo, isso é um problema seu e só você pode resolvê-lo, Ikki. Vamos treinar?

— Sim. Eu só preciso de um café — respondeu, estranhando a súbita mudança de assunto. Conhecia Shaka muito bem, ele nunca fazia qualquer comentário sem ter intenções bem definidas por trás dele. O mestre não conversava, não precisava dessa futilidade. Sua rara fala era sempre certeira e com objetivos.

— Você não precisa de nada. Um cavaleiro está sempre pronto para o combate, apresse-se — o indiano disse ríspido, dando as costa ao discípulo.

— Mas eu pré-...

Ikki não conseguiu completar a frase. Shaka ergueu um dedo e um feixe de luz logo se tornou uma bola gigantesca que o atingiu em cheio, jogando-o para o lado oposto do jardim em que havia uma fonte que foi completamente destruída com o impacto.

— Se questionar minhas ordens novamente, eu farei com que sinta muita dor. Eu havia avisado, Fênix. Siga-me agora, sem mais reclamações.

Ikki mordeu os lábios, sentindo os ossos doerem enquanto se erguia. Estalou o pescoço se pondo de pé e sorrindo com sarcasmo.

— Eu já senti toda a dor que um homem pode sentir, mestre — tornou em desafio. — Sabe muito bem que a dor não me assusta.

Shaka permaneceu de costas em silêncio por um tempo. Um longo tempo de análise.

— Isso é ótimo, Ikki de Fênix — sua voz permanecia calma e cruel como sempre. — Creio que você já está apto a começar um treinamento de verdade. Viajaremos amanhã.

— Quê? — o cavaleiro de bronze piscou confuso.

— Isso mesmo. Mas antes, você passará por um pequeno teste. — Shaka continuava de costas e por isso Ikki não pôde ver o sorriso sádico que lhe enfeitou os lábios. — Você pensa que conhece a dor, mas posso lhe garantir que ainda não viu nem metade do que seja dor. O treinamento que lhe darei, fará Guilty se assemelhar a um pai piedoso, cavaleiro. E é bom que esteja preparado para chegar ao limite do que pode aguentar.

E dito isso, ele recomeçou a caminhada para a saída do jardim. Ikki ficou por um tempo parado, assimilando a informação, então sorriu. Dor. Aquilo seria divertido.

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Havia muitas ruínas naquele local. E a subida era erma e difícil para humanos normais. Talvez por isso, a grama crescesse alta e verdejante entre as colunas destruídas do império helênico. Era uma paisagem bonita, mas que lembrava destruição e guerra. Havia uma grande cabeça da deusa Athena enterrada no solo e seu corpo se repartia em pedaços por todos os lados.

Shun seguia Máscara da morte, observando tudo com atenção. Aquele local era relativamente distante do santuário e não havia nenhuma vila por perto também.

— Como descobriu esse lugar? — Perguntou o adolescente curioso, abraçado a cesta de piquenique que levava.

Bambinos são sempre curiosos, piccoli — explicou o cavaleiro de ouro, seguindo sem olhar para o outro. — Io costumava aproveitar qualquer tempo livre para explorar questas terras. Então encontrei esse lugar.

— É um lugar bonito — comentou Shun com um sorriso. — Acho que poucas pessoas devem vir aqui.

— Sim — resmungou o italiano. Eles chegaram ao pico do monte. Shun percebeu que havia fendas na rocha e que várias grutas formavam uma pequena galeria de pedra. — É incrível! — Ele disse maravilhado, e o outro sorriu.

— Vamos entrar, lá dentro ainda é mais bonito — disse Câncer se adiantando e sendo seguido prontamente por Andrômeda.

A entrada da gruta era uma fenda na montanha que se assemelhava a nave de uma igreja. O sol se refletia na água do pequeno lago que havia ali e lançava luz às paredes de pedras claras, parecendo cristais rochosos. Gotas d’água pingavam do teto cheio de estalactites. Shun ficou um tempo em silêncio, observando toda aquela grandiosidade.

— O que achou, piccoli? – a voz grave do italiano falou atrás de si, fazendo um pequeno sobressalto tomar o corpo do cavaleiro de bronze.

— Eu... achei lindo! — falou Shun, virando-se para ele, um brilho verdadeiro intensificando os olhos verdes.

O mais velho sorriu de leve e afagou o rosto claro e macio do rapaz mais novo com o polegar.

— Só você conhece esse mio segredo — falou com carinho.

— Afrodite não? — Shun perguntou sem pensar e sem outras intenções, mas imediatamente, o mais velho recolheu o dedo que lhe afagava o rosto e bufou.

— Por que estamos falando de Afrodite?

— Ah, desculpe! Eu não falei por mal! — volveu Andrômeda sem jeito. — M-Mas é que vocês eram amigos, melhores amigos! e eu pensei que...

— Afrodite nunca veio aqui, Piccoli, e vamos parar de falar dele, va bene?

— Certo — Shun moveu os ombros e retirou a mochila das costas, a abrindo e retirando de dentro dela uma toalha. — Você já tinha feito algum piquenique antes? — perguntou observando o cavaleiro de ouro mexer na cesta que trazia na mão.

Non, mas o que há de mais nisso? Vamos comer, não é? — ele interrogou, pueril.

— Sim, de certa forma — riu o mais novo e estendeu a toalha à beira da pequena lagoa de águas claras. — E o que temos para comer?

— Queijos, frutas e um ótimo vinho para acompanhar — sorriu o italiano.

Shun sentou-se na toalha com as pernas cruzadas, esperando que o cavaleiro de câncer terminasse de retirar as coisas da cesta e as dispusessem sobre a toalha.

— Não imaginei que você fosse... sofisticado! — riu novamente Andrômeda, surpreso com as taças e a forma como tudo estava arrumado.

Io non! Quem escolheu tudo isso foi o Acaio. Io non entendo de nada queste coisas! — riu também e mirou Shun com carinho. — Espero que goste de tudo.

— Eu já estou gostando — respondeu o cavaleiro de bronze corando e desviando o olhar.

Máscara da morte sorriu levemente e tratou de abrir o vinho, oferecendo uma taça a Andrômeda que aceitou e pediu um brinde.

— A quê? — Câncer perguntou franzindo as sobrancelhas espessas.

— Hum... A paz no santuário e... nos nosso corações? — indagou inseguro.

O italiano se aproximou dele, se sentando ao seu lado e encostando sua taça na do garoto.

— Então brindemos...

Os olhos verdes de Shun se ergueram para mirá-lo nos olhos. Eles se calaram, ficaram apenas trocando aquele olhar intenso e quente, tão terno que era quase uma carícia.

— S-Seu coração está em paz?... — Shun perguntou baixo, engolindo o nó na garganta e tentando se livrar da inibição que lhe era tão acentuada. — D-Digo... você se sente bem... em paz, ao estar aqui... com-comigo?

Câncer riu de leve.

Bambino, Io nunca me senti tão bem com alguém questa vita... — disse baixo e rouco, os lábios muito próximos dos lábios do mais jovem. — Agora... pare de falar, sim?

— Ah, sim senhor! di-digo... Sim... eu...

Cáspita... — Máscara da morte sorveu um pouco do vinho e depois segurou o queixo de Andrômeda e o beijou, calando-o finalmente.

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Era escuro. Era quente. Era o inferno. Ikki andava com lentidão e cuidado pelas ruas devastadas em que um vento forte e abafado soprava as chamas contra seu corpo. Não vestia sua armadura, mas a Fênix era capaz de suportar aquilo com seu cosmo. Aquele era um mundo estranho e hostil, um mundo sem piedade.

O cavaleiro de fênix foi cercado pelos seres infernais. Ele tentou lutar, mas parecia que, naquele lugar, suas forças eram diminutas. O primeiro golpe que recebeu quebrou os ossos de sua mandíbula lhe levando uma terrível dor; do segundo, ele desviou e golpeou de volta, mas estava fraco e a cada golpe que recebia suas forças pareciam menores. Estava cercado, derrotado, morreria... morreria...

Mas ele era a Fênix.

O sopro de uma chama mais ardente que as chamas que ardiam nos céus aquele mundo o envolveu, e ele foi capaz de vaporizar os inimigos. Caiu de joelho em seguida, sentindo o suor e o sangue pingarem do seu corpo.

“O ambiente infernal é criado pela agressividade. É um mundo de terror onde reina um sentimento de insustentável claustrofobia e onde os seres se veem, uns aos outros, como inimigos. O calor é sufocante e o céu está em brasa. Mas não é eterno, quando o karma se esgota, renascemos em outro local. Estarmos no inferno é de nossa responsabilidade, por termos alimentado estados mentais agressivos e paranóicos. Você é responsável por estar no inferno, Ikki de Fênix.”

— Tire-me daqui! Eu venci! — gritou contra a voz calma, divina e cruel que lhe falava, mas ele não conseguia ver o mestre.

“Sim, sairá daí. Você passou pela primeira prova...”

De repente, a paisagem ao seu redor mudou. Ikki viu-se num amplo jardim e percebeu que estava vestido com uma roupa elegante. Havia convidados ali, muitos dos companheiros de batalhas estavam igualmente elegantes e sorriam para ele. Ouviu uma música de violinos e a enxergou. Ela estava sorrindo e com um lindo buquê de flores violetas nas mãos.

Tão diferente estava daquela menina maltrapilha que lhe limpava os ferimentos, mas era ela. Sim, era ela.

— Esmeralda?! — Ele exclamou, atônito. A menina vestia um belo vestido de noiva e o esperava. O coração o cavaleiro de fênix disparou no peito, ele não sabia como agir, seus pés pareciam moverem-se sozinhos de encontro à noiva, mas a cada passo, ela parecia ficar mais distante...

— Esmeralda! — ele voltou a gritar, estendendo as mãos.

— Ikki! — Esmeralda chamou de volta, sorrindo ainda com mais candura, vendo-o correr e se tornar cada vez mais distante.

Ainda que dentro de si, Ikki soubesse que aquilo era somente mais uma ilusão, suas emoções naquele momento, ao revê-la, apagaram toda sua racionalidade. Ela estava ali. Ela, a pessoa de quem não possuía nem mesmo uma foto como lembrança. Não possuía nada que não fosse as recordações das mãos cálidas e gentis, do sorriso amoroso, do olhar terno e complacente. E por isso, ele foi ao seu encontro.

“O mundo dos espíritos ávidos é resultado do desejo incontrolável. Todos que nele caem são atormentados pela fome e pela sede sem jamais se sentirem satisfeitos.O sentimento dominante é a frustração. Quer tenhamos um objeto ou mil, temos sempre a impressão de que nos falta o essencial e assim que nos apropriamos de um objeto, ele perde o interesse, suscitando outros desejos.”

Finalmente ele segurou as mãos da noiva, mas de repente, tudo se desfez e ele estava novamente na Ilha da morte, no momento em que Guilty aplicava o golpe fatal que ceifou a vida de Esmeralda. Seus olhos pararam na imagem da garota agonizando em seus próprios braços. Ele via a cena à parte, como um fantasma.

“Um futuro que não aconteceu, nem acontecerá. A sensação de frustração e vazio é tão intensa que conduz os habitantes desse mundo à loucura...”

— Não! Não! — Ikki gritou desesperado, caindo de joelhos. Suas lágrimas vertiam agora. Em seu peito, uma grande dor e frustração.

Enquanto ele gritava de dor e culpa, sombras o cercaram. Os cavaleiros negros, renegados começaram a golpeá-lo com velocidade e força impressionantes.Guilty ria somente, seu sorriso cruel, enquanto o discípulo era massacrado.

Ikki sentiu o sangue vertendo de si, mas não tinha forças para lutar. Caiu. Entregou-se.

O cavaleiro de bronze deixou-se dominar, aquela dor não era nada, não era nada comparada a dor da culpa. Agora eram espíritos que devoravam-no, seu sangue vertia, e ele queria a morte. Fechou os olhos, entregou-se, então tudo cessou.

O som da chuva... Uma chuva fina de verão caía no santuário de Athena. Ikki abriu os olhos. Estava deitado no centro do salão principal da casa de virgem. Já não sentia dor, apenas um torpor estranho.

Ele ergueu-se devagar, sentou-se no chão e viu o mestre sentado em seu trono em posição de lótus. Ele estava de olhos fechados e emanava seu cosmo. Vestido na armadura de virgem, a visão transcendental de Shaka era assustadora como a de um deus.

O cavaleiro de bronze se pôs de pé e deu o primeiro passo em direção a ele. Estava atordoado e não sabia o que fazer. As lembranças. Os sentimentos. A culpa. A raiva.

— Mestre...

— Ainda não está pronto para o treinamento que preciso te oferecer — a voz calma, arrogante, fria, falou. — Tanto tempo de treinamento e você deixou mais uma vez que seus sentimentos patéticos interferissem na sua conduta como cavaleiro.

— Patéticos? Você sabe do que me obrigou a recordar?! — Ikki crispou os punhos, enfurecido. — Você sabe o tamanho de sua crueldade ao me oferecer um futuro ilusório como aquele? Você não tem coração?

— Coração? — Shaka sorriu com o canto dos lábios. — Eu não preciso de um, Ikki. Sou um cavaleiro. Agora recomponha-se, treinaremos novamente amanhã e creia que o treinamento será muito mais rígido do que essa brincadeira de criança da qual foi reprovado.

— Brincadeira de criança? É isso que considera os sentimentos dos outros? Você não tem o direito de brincar com minha vida! — bradou o cosmo elevando-se em fúrias.

Mas Shaka ergueu o dedo e uma forte luz emanou e lançou o cavaleiro de fênix contra as paredes de templo de forma violenta. Virgem se ergueu, caminhando com sua imponência na direção dele.

— Cale-se, você não tem o direito de falar agora. — Virgem continuou. Ikki riu, cuspindo sangue e se erguendo com dificuldade.

— Você não tinha o direito... — não completou a frase novamente. Mais uma vez, Shaka ergueu o dedo e deferiu o golpe que o arremessou longe.

— Cale-se. Não mandarei novamente, Fênix. Eu tenho todo o direito, eu sou seu mestre e se não se lembra disso, eu o farei lembrar.

— Você é um louco genocida e sádico! — Ikki cuspiu se ponde de pé. As ilusões de Shaka foram capazes de devastá-lo como poucas coisas. Fênix admitia que o mestre fizesse qualquer coisa, mas não admitia que ele brincasse com as lembranças que possuía de Esmeralda. Virgem havia passado dos limites.

— E você será um homem morto se continuar a abrir a boca – a voz não se alterava. Baixa, tranquila, quase amorosa.

– Dane-se seu filho da puta, eu quero que você...

Rendição divina!

Do seu templo, Saori arregalou os olhos e ergueu-se do trono. Saga retirou a máscara de grande mestre e rapidamente se aproximou da janela, vendo a explosão dentro da casa de virgem.

— Saga, o que- — Saori estava horrorizada, o grande mestre preocupado.

— Não se preocupe, Athena — ele disse, tentando captar os cosmos envolvidos naquele evento. — Ele está vivo.

Quando caiu sobre as pedras do templo, parecia que seu corpo tinha sido feito em pedaços. Tudo doía, e ele não conseguia mover um só músculo. Sentia gosto de sangue nos lábios e tossiu, achando que acabaria se engasgando nele. Não estava preparado para aquilo, não vestia nem mesmo sua armadura. Sentia que morreria.

Shaka deu as costas ao discípulo que parecia muito ferido. Andou confiante para a entrada do tempo.

“Shaka, o que aconteceu?” Ouviu a voz de Athena e a de Mu de Áries ao mesmo tempo em sua mente.

“Treinamento. Apenas um treinamento. Nada de grave aconteceu aqui, eu asseguro.” A voz imponente do cavaleiro de virgem não deixava dúvidas.

O cosmo de Fênix está tão fraco...” Mu replicou preocupado.

“Do meu discípulo, cuido eu, Mu de Áries. Não há com que se preocupar.”

“Eu confio em você, Shaka.” A deusa disse e voltou ao seu templo, tranquila.

O indiano se voltou para o cavaleiro de bronze que não movia um músculo, embora ele soubesse que Ikki estava consciente. Com um suspiro sofrido, o discípulo de Buda voltou a se aproximar do garoto, sentindo seus sentimentos voltarem ao eixo gradativamente, mesmo que ninguém fosse capaz de perceber que eles sequer se alteraram. Pegou Ikki nos braços e o levou para seu quarto. Em seguida, o indiano livrou-se da armadura e telepaticamente chamou o cavaleiro de leão ao seu templo.

Aiolia apareceu alguns minutos depois.

– Fênix, no primeiro quarto à direita – informou o indiano sem encarar o outro cavaleiro,voltando a sua posição de lótus no trono.

Aiolia não perguntou nada, foi na direção que ele informou e voltou alguns minutos depois.

– O que ele fez dessa vez? – indagou o líder da tropa.

– Estávamos em treinamento. – Informou o budista com tranquilidade.

– Shaka, pare de matar seus discípulos – Aiolia falou enquanto saía da casa de virgem. – Está ficando difícil recrutar novos aspirantes.

– Só serão mortos se não se mostrarem dignos de serem discipulados por mim, Leão – Replicou Virgem.

– É o caso de Fênix? – indagou o grego curioso.

– Fênix? Não. Fênix é um grande desafio apenas.

Aiolia deixou escapar um sorriso ladino.

– Tome cuidado.

– Não preciso de conselhos, Aiolia. Se quiser ajudar alguém, diga isso a Fênix quando acordar. – O loiro falou e se ergueu do trono, indo em direção ao seu jardim. Aiolia resolveu voltar aos seus afazeres, mais tranquilo por saber que o cavaleiro de bronze sobreviveria. Sabia que se o indiano quisesse, o discípulo estaria morto.

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O som da água juntava-se ao canto de algumas andorinhas, que da gruta faziam abrigo, e do mar, mais distante, batendo na base da montanha.

Eles haviam bebido do vinho e comido dos queijos e das frutas até estarem fartos, entre conversas íntimas e doces. E assim foi toda à tarde. Apenas conversa, risos, histórias.

Quem os visse, se ali houvesse alguma testemunha, não teria dúvida de que se abrigava naquela gruta um casal apaixonado. A tarde foi extremamente agradável, mas ela findou, e era necessário retornar à realidade militarista, rude e cruel do santuário de Athena.

Shun mirou o por do sol e suspirou ao sentir os braços fortes do italiano circundarem sua cintura de forma terna e possessiva enquanto os lábios carnudos beijavam sua nuca, deixando um arrepio prazeroso se espalhar por sua pele.

– O que faremos amanhã, piccoli? – a voz grave interrogou, parecendo levemente preocupada.

Andrômeda virou-se nos braços de Câncer e sorriu meigamente.

– Não sei. Hoje o dia foi tão especial que prefiro não pensar no amanhã.

– Mas... – o mais velho pigarreou se afastando um pouco para mirar os olhos verdes que eram banhados pelo dourado sol de fim de dia. – É que... Io preciso saber se... amanhã...?

Shun mordeu os lábios, confuso. – Amanhã?...

Io quero saber se amanhã... se Io...

Andrômeda começou a rir com o rosto vermelho, o que fez Máscara da morte parar com as tentativas e o encarar sem jeito.

– Agora é você quem não para de gaguejar! – caçoou o mais novo, continuando a rir.

– Ora... Cáspita! – resmungou o italiano, mas acabou rindo também. –Pare de rir!

– Não consigo! – e Shun ria ainda mais. Câncer então o ergueu pelo braço com uma única mão, como se ele fosse uma criança. – Pare, me põe no chão! – pedia o adolescente rindo sem parar.

– Então pare de debochar de mim! – disse Câncer, mas sem estar chateado.

Shun agitou os pés e se esforçou para parar de rir, então foi posto no solo com cuidado. Depois, o mais velho voltou a enlaçar sua cintura e o olhar nos olhos. O mais novo ficou preso naquele olhar, prestando especial atenção. Sem rir.

Io quero saber, piccoli, se... amanhã, Io posso... chamá-lo de mio... mio ragazzo...

Shun entreabriu os lábios. Estava sendo pedido em namoro pelo cavaleiro de câncer, era isso mesmo? Há alguns meses, acharia isso no mínimo bizarro, mas agora, seu coração disparava e ele sentia seu peito aquecido como nunca imaginou ser capaz.

– E-Eu... – engoliu em seco e pigarreou na tentativa que algo saísse de sua garganta. – Eu acho que... é bom começarmos assim..., namorados – riu sem jeito. – Sim... namorados!

Máscara da morte sorriu mais abertamente.

, namorados... – ele puxou o mais novo para si e o beijou com ardor.

Shun correspondeu ao beijo, pensando que eles ainda tinham um longo caminho a percorrer até que houvesse uma verdadeira intimidade e um companheirismo capaz de apagar e esquecer todo o passado. Mas ele se daria essa chance. Achava que merecia uma segunda chance de viver sua história de amor e quanto a Máscara da morte, bem... ele merecia a chance de provar que era muito mais que o sanguinário cavaleiro de câncer.

Os dois permaneceram naquela colina até o sol se por, muito alheios ao que acontecia no Santuário, onde Athena e o grande mestre tomavam importantes decisões para seus cavaleiros.

Continua...

 

 

 

 

 


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Notas finais do capítulo

Obrigada a todos que passaram por aqui. Beijos e até a próxima!!!

Sion Neblina

Postado em 10/09/2013