Possible love escrita por Sion Neblina


Capítulo 10
Presente diurno


Notas iniciais do capítulo

Olá, queridos, amados, salve,salve, leitores queridos!

Nem vou pedir desculpas, porque isso já virou rotina, então eu vou apenas agradecer àqueles que ainda estão acompanhando, sofrendo e suportando a demora.

Bem, não vou me demorar aqui. Beijos a todos, muito obrigada por cada review, recomendação, 'favoritação' XD, bem, obrigada a todos que gostam da história.

Boa leitura!



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Presente diurno

Capítulo 10


Passado o espanto inicial, Shun permitiu que o italiano vasculhasse sua boca. O beijo que começou rude tornou-se doce com o passar dos minutos e não demorou à língua tímida do rapaz mais novo ir de encontro à língua do mais velho num bailar lento e cuidadoso, tímido ainda.




As mãos de Shun migraram para os braços do italiano quando ele enlaçou sua cintura. Era como se Andrômeda procurasse manter um seguro distanciamento do corpo do cavaleiro de câncer. Ainda assim, o beijo não cessou.




Shun sentia-se febril, seus lábios e rosto ardiam levemente, mas a sensação era prazerosa, uma sensação de vida, de renascimento. Era um calor estranho, novo, mas bom. Ele gemeu levemente frustrado quando Câncer afastou os lábios dos seus e finalmente abriu os olhos — se dado conta de que os havia fechado — que foram parar dentro das safiras violáceas de Máscara da morte.


O jovem cavaleiro de bronze sentiu o coração bater mais forte ainda. Os olhos do italiano estavam úmidos, as pupilas dilatadas, e brilhavam da mesma ansiedade que o acometia.

Dio... Bambino... — O mais velho resmungou levando as mãos aos cabelos numa atitude confusa.

Shun ficou no mesmo lugar, estático. Baixou o olhar, envergonhado, sentido o coração bater desesperadamente no peito. Estava difícil até respirar e pensar qualquer coisa se tornava insuportável.

Eles ficaram em silêncio por um tempo até que Andrômeda resolvesse sair dali sem nada dizer. Era melhor fingir que nada aconteceu, ignorar, mas... Deuses! será que poderia?

Quando ele deu o primeiro passo, a mão forte do italiano já lhe segurava e o puxava para si. Shun viu-se preso contra os músculos fortes do torso do moreno, sem que tivesse condições alguma de escapar.

— Entenda que... — Câncer tentava falar, mas achava uma enorme dificuldade de dizer o que sentia naquele momento. — Droga, Piccoli! isso não deveria acontecer...

Ao ouvir essas palavras, o cavaleiro de bronze lutou para se afastar do cavaleiro de ouro, conseguindo com esforço. Máscara da morte cambaleou devido à força com que foi empurrado e mirou Shun, atônito. Não esperava aquela reação, não depois do garoto ter correspondido ao beijo porque, sim, ele correspondeu, ele também o quis-... Ou não? ou aquela sensação foi apenas sua e no meio da ânsia de ser correspondido, mais uma vez se confundia e atropelava os desejos alheios?

Piccoli...

— E-Eu... Eu tenho que ir... — gaguejou magoado. — Não deveria ter acontecido...

— Shun... — Câncer tentou novamente, mas não era bom com as palavras. Queria se explicar, dizer seus motivos para ter falado aquilo, pois compreendia que havia magoado aquele anjo de novo. Mas..., de novo! não sabia como se explicar. De novo! a rudeza de sua alma magoava pessoas boas. De novo! Shun estava saindo chorando de perto de si.

— Eu não queria! — ele gritou quando o mais jovem chegou à saída do jardim. — Não queria!...

“Beijar-me ou magoar-me?” Shun pensou em perguntar, mas não teve coragem suficiente. Estava novamente com os olhos cheios de lágrimas por causa de um cavaleiro. Era evidente que Máscara da morte não o queria. Aquela pulseira maldita foi uma ilusão que-... Deuses! nem sabia mais no que estava pensando. Voltou a caminhar rapidamente para fora do templo. Agora as lágrimas caíam de verdade, e Shun se sentia sozinho e dolorido novamente.

“Ah, deuses, esse sentimento de novo não... não!” Pediu completamente tolhido pela mágoa. Mágoa do destino que novamente o fazia amar quem não o amava.

Parou. Tremeu. Arregalou os olhos.

Amor? Como podia sentir aquilo novamente se nem ao menos conseguia tirar do peito o sentimento que devotava ao cavaleiro de cisne? Não, não podia estar-... Mas estava!”

Mirou em direção à casa de câncer.

Confusão. Dor. Indecisão.

O cavaleiro de ouro deixou que ele fosse. Onde estava com a cabeça? Como pôde fazer aquilo com aquela criança? Condenava-se agoniado. Todavia, a sensação de vazio que o tomava ao passo que o cosmo de Shun se tornava mais distante foi capaz de fazer-lhe dobrasse e entender que mentiu quando disse que “aquilo não deveria acontecer”. Deveria sim; aconteceu o que ele esperava, desde que Athena pediu para aquele menino ser seu mestre.

Tal constatação deixou o italiano meio desorientado, mas não havia chance de negativas. Ele, desde o começo, estava se apaixonando por aquele menino; em pequenas doses, mas estava. Irremediavelmente.

Ele esmurrou a mureta fazendo-a em pedaços e praguejou tudo que podia em italiano. Era irresponsável, indigno, um proscrito! Sofria.

Fora dali, Shun descia lentamente a longa escadaria. Sentia um vazio estranho. Não era dor, não era aquele sentimento de rejeição já conhecido, era algo diferente. Talvez decepção. A única certeza que tinha naquele momento era o de que sua mente não seria capaz de processar nada além da lembrança do beijo e do sabor dos lábios de Máscara da morte, e isso o assustava, fazia-o temer que aquela antiga dor retornasse. Ainda estava um pouco tonto pelo vinho, foi isso! o vinho o deixara louco. Era a noite de Dionísio e todos perdiam um pouco a razão.

Recostou-se à parede de pedra, um tanto trêmulo, e fechou os olhos, aspirando o aroma adocicado das rosas e flores de romã. Se fosse mais longe, diria que podia ouvir os sussurros e gemidos dos amantes espalhados pelo santuário naquela singular noite do ano. A noite em que o militarismo cedia à luxúria.

Gradativamente, a sensação de nada foi dando lugar à angústia, e o cavaleiro de bronze sentiu os olhos úmidos. Parecia que o destino queria pregar-lhe novamente a dolorosa peça da paixão, e agora de forma ainda mais cruel. Precisava se manter distante daquele risco, precisava.

Shun cobriu os lábios com a mão para sufocar um soluço e lembrou-se do ciúme e, agora, do beijo...

“Não! não! por favor, deuses, de novo não!eu não quero, eu não posso!” Implorou desesperado, deixando as lágrimas banharem sua face.

Máscara da morte pôs as mãos no quadril, um tanto mais calmo. Suspirou; não sabia o que fazer. Queria muito ir procurar por Shun e dizer a ele o que sentia, mas não seria capaz. Não era digno daquilo. Não podia se esquecer de quem era: frio, sádico, sanguinário, maldito. Ele era Máscara da Morte de Câncer. Nada mais que isso. Não havia outro nome, não havia outra vida...

Shun descia as escadas rapidamente agora, mas seu percurso foi interrompido quando ele quase se chocou com o cavaleiro que, completamente bêbado, vinha cambaleando.

O homem sorridente demais gingou na frente de Andrômeda, tentando manter-se de pé.

— Menino bonito! — disse Jamian. — Vamos beber juntos. Hoje é noite de festa!

— Não obrigado — respondeu o mais novo amigavelmente, tentando passar por ele, mas Corvo segurou-lhe o braço.

— Ah, menino bonito, hoje é festa, fica comigo, vamos dançar! — ele segurou Shun e começou um tosco bailado. Andrômeda se libertou dele sem saber se ria ou chorava e foi quando sentiu um poderoso cosmo, um estrondo e um clarão. Fechou os olhos e quando os abriu, Jamian não estava mais à sua frente, só havia um pequeno sinal de fumaça e as ruínas de onde antes havia um muro.

Os orbes verdes de Shun se arregalaram e ele virou-se para o homem que estava parado atrás de si. O olhar violáceo o encarou numa mistura de culpa e contemplação.

Scusas— e a voz foi um murmúrio delicado.

— Máscara da Morte... — Shun tencionou murmurar, mas antes que seu pensamento se verbalizasse, foi puxado pelos braços fortes do italiano que o abraçou.

— Ele está vivo, mas...Da dea, Piccoli! se ele encostar em você novamente, eu o mato! — resmungou Câncer afagando os cabelos castanhos e macios do cavaleiro de bronze.

— E-Ele não fez nada, coitado! — disse Shun um tanto sentido e tão confuso que nem conseguia reagir.

O italiano se afastou para mirar os olhos dele. Levou os dedos grossos e calejados ao rosto do garoto, que estava marcado por lágrimas.

— Estava chorando não foi? Colpa mia...

Shun negou com a cabeça, mas sentia-se tão frágil naquele momento que chegava a se achar bobo. Queria voltar aos braços do italiano, ao seu ombro reconfortante. Queria que ele não dissesse nada, não falasse absolutamente nada. Mas naquela noite, parecia que Câncer, que nunca foi aberto a diálogos, possuía uma necessidade estranha de se comunicar.

—E-Eu entendo... Tudo bem... E-Eu estou bem... — ele tentou convencer o cavaleiro de ouro, contudo não convenceu nem a si mesmo.

Non, Bambino, perdonami... — Câncer falou trêmulo. Estava exposto, sem nenhuma máscara e disposto a desaguar toda a confusão que sentia para o jovem à sua frente — Io so... Io penso solo che... sou sujo demais para você e... Non entendo como alguém tão limpo possa- — interrompeu-se respirando fundo, sentindo o peito descompassado e dolorido — ...assim... Querer a mim...querer estar perto....

Câncer baixou o olhar. Shun sentiu novas lágrimas descerem por seu rosto. A mão trêmula do garoto migrou para o queixo do homem o erguendo, forçando-o a olhar em seus olhos. Máscara da morte visivelmente embaraçado segurou a mão que o tocava, tão pequena em relação a sua, e a levou aos lábios, o que fez um calor prazeroso subir pelo corpo de Andrômeda.

— E-Eu acho melhor não pensarmos em mais nada essa noite — disse o mais novo e foi novamente abraçado pelo mais velho. Shun acabou rindo nervoso, sentindo-se bem naqueles braços, bem demais. Parecia que toda sua angústia era dissipada pelo calor do corpo do cavaleiro mais velho.

Máscara da morte encontrava-se em igual torvelinho de emoções, mas sorriu satisfeito, experimentando o calor do corpo menor que tão bem se moldava ao seu.

Shun ergueu o queixo para mirar os olhos do cavaleiro de ouro, e Câncer não resistiu e beijou aqueles lábios rosados e macios, desejoso de sentir novamente seu sabor. Quando seu corpo começou a reagir demais àquele contato, o cavaleiro mais velho se afastou, segurando o mais novo pelos braços, o empurrando com delicadeza. Respirou fundo e mirou o rosto enrubescido, não sabia precisar se por vergonha ou excitação, de Andrômeda, sorrindo sem jeito.

— Vamos voltar para minha casa, sim? — pediu tentando uma delicadeza que não era sua.

— Eu... — Shun umedeceu os lábios com a língua tentando fugir daquela sensação. Seu corpo inteiro tremia.

“Deuses, eu tenho que deixar de ser idiota!” Dizia a si mesmo e tentava sorrir.

— Lá tem vinho? — indagou sorrindo para disfarçar o nervosismo.

Máscara da morte sorriu também. — Sim, tem todo o vinho que quiser, vamos! — passou o braço pelo ombro do mais novo e o levou escadaria a cima.

Shun se encolheu sob aquele braço forte sentindo um misto de hesitação e vontade insana de se aquecer com o calor daquele homem.


**00***00***





Vinho, luxúria e perdição. Assim eram as festas de Aphrodite e Dionísio. Chegavam momentos em que as pessoas que quisesse manter a sanidade deveriam abandoná-las e recolhessem. Não era recomendado ficar após a meia noite quando as “relações de poder” simplesmente desapareciam, e era concedida a Pan autorização de visitar e possuir qualquer corpo mortal e deixar-lhe ávido por sexo e devassidão.







A quebra da moral era inevitável e, por isso, há Eras ancestrais, foi estipulado pelo grande mestre que os cavaleiros deveriam deixar a festa nessa exata hora da noite. Como defensores da deusa, os santos guerreiros deveriam ter uma conduta ilibada e insuspeitável. Esqueceu-se somente o grande mestre que, embora dignos, responsáveis e de força moral e física quase santa, eles eram humanos.





Kanon e Afrodite subiam a escadaria lado a lado. Calados. O sueco estava mergulhado na sua característica reflexão. Seu mundo interno estava embaralhado de tal forma que ele não conseguia encontrar o que precisava: a força e o senso de superioridade que sempre guiaram suas ações. Confusão. Ele que sempre teve certeza de todas as suas ações, de todos os seus métodos...


Lua cheia. Ela era a responsável. Ártemis desprezada, virgem e invejosa. Virgem como ele. Perseguidora do pecado. Luxúria. Pan.

— Vamos entrar.

A voz de Kanon o despertou dos seus pensamentos e só então o sueco percebeu que estava na entrada do terceiro templo; a casa de gêmeos. Afrodite umedeceu os lábios e sentiu o sabor do vinho consumido com abundância durante toda a noite. Não estava bêbado, era superior a isso, mas por mais sutil que fosse, o álcool sempre era capaz de liberar algo de dentro das almas.

— Por que eu entraria? — o loiro perguntou com um sorriso que imiscuía desprezo e descrença.

Kanon sorriu divertido, sim, Afrodite o divertia, e se aproximou do mais novo, falando baixinho, bem próximo aos lábios dele:

— Porque eu estou convidando.

O olhar que o sueco lançou ao ex-marina era sonso e reto, difícil de definir. Durante aquela noite, os dois conversaram algumas vezes, mas passaram a maior pare do tempo bebendo calados, cada qual preso às suas próprias questões e dilemas. Dividiam o vinho, não a intimidade.

— E se eu recusasse o convite?

— Seria estúpido a esse ponto?

— Não seja pretensioso, cavaleiro. Eu não pretendo ocupar sua cama essa noite. — Afrodite sorriu de lado erguendo levemente o queixo. — Não pense que as práticas permissivas que acontecem em outras casas, dão-se também no templo de Peixes.

— Não estou pensando nada. Apenas o convido para terminar essa noite de festa em meu templo. Nada mais. Por que parece ser tão difícil para você confiar nas pessoas?

— Talvez porque eu próprio não seja confiável — volveu o cavaleiro mais novo.— Sinceramente, Dragão marinho, eu prefiro ir direto para meu templo.

— Se você entrar por dois minutos, eu o convenço a passar toda a noite, quer apostar?

Afrodite franziu as sobrancelhas, estreitando os olhos azuis até eles se tornarem dois riscos perigosos.

— Isso pode ser pretensão ou tolice. Qual dos dois?

— Entre e será você mesmo a conceber a resposta — o ex-marina cruzou os braços com um sorriso ladino nos lábios. — E então?

O sueco encarou os olhos sarcásticos do outro tentando ler qualquer coisa que lhe explicasse o motivo daquele súbito interesse.

— Há vinho na sua casa, cavaleiro? — indagou começando a adentrar as sombras do templo.

— Sim. Todo o vinho que quiser e que precisar — sorriu Kanon o seguindo.


**00***00***





“Buddha, quanto mais os anos passam, mas eu tenho certeza que essa vida não é para mim, eu deveria estar dentro de um mosteiro.”







Shaka resmungava enquanto subia as escadarias em direção ao templo de virgem tendo Ikki ao seu lado. Não foi fácil convencer o discípulo de que a festa não era o lugar para cavaleiros de Athena. Ikki era naturalmente anárquico e não aceitaria suas imposições naquela noite, então precisou usar de todos os seus argumentos para convencê-lo e ainda assim, o japonês não parecia nada satisfeito em acompanhá-lo.





O jovem cavaleiro de bronze havia bebido demais. Bebera de tudo, como alguém que se afoga para não enfrentar os fantasmas que o esperam na ilha mais próxima.


“Não deveria ter comparecido a essa festa pagã. Não deveria.” Lamentava-se o asceta em pensamentos. “O álcool é capaz de fazer os homens perderem o controle como poucas coisas o são. Sinto-me derrotado, parece que nada consegui ensinar a esse garoto.”

— Você sabe onde fica o quarto de hóspedes, Ikki. Acho mais seguro que fique aqui por essa noite. — Declarou da mesma forma serena de sempre, continuando com os olhos fechados e o rosário entre os dedos.

— Não estou tão bêbado que não possa chegar à minha própria casa — rebateu Fênix, insolente.

— Não estou impondo que fique, foi somente uma sugestão. Em todo caso, estou me recolhendo. Amanhã as coisas voltam ao normal e os treinamentos serão no mesmo horário, ou seja, a escolha é sua.

— Escolhas... — Ikki disse rindo, pondo as mãos no quadril como quem pondera sobre algo. Shaka continuou parado com seu semblante inexpressivo, esperando que ele continuasse, mas quando viu que o rapaz não o faria, virou-se em direção ao seu quarto.

— Shaka, espera — a voz do discípulo foi impositiva e impaciente. Ikki era impositivo e impaciente, o indiano sabia e respeitava isso, mas, naquele momento, o garoto estava bêbado, e ele não arriscaria uma conversa.

— Eu já terminei, Ikki — disse somente, continuando o percurso.

— Que bom, porque é exatamente aí que eu começo. — O cavaleiro mais jovem falou em voz alta com o visível intuito de prender o mestre ali.

O virginiano parou e virou-se lentamente. Ainda mantinha os olhos fechados e seu semblante era frio e indiferente como o mármore.

— Então diga o que tanto deseja. Eu o escutarei.

— Quero saber o porquê. Por que quis me manter aqui essa noite? E por que está sempre se metendo tanto na minha maldita vida?

O indiano manteve-se parado como se analisasse profundamente o que era dito pelo cavaleiro mais novo.

— Sua vida? — ele indagou ainda com a suavidade de um iluminado. — Não. Não é mais sua vida. Sua vida agora me pertence, Ikki de Fênix, e eu gostaria que isso ficasse muito claro para você.

— Como?... Você só pode est-

— E se falar mais qualquer coisa eu o deixarei sem a fala por uma semana, a não ser que tenha realmente algo importante para me dizer, você tem? — Agora o iluminado cedia ao cavaleiro.

Ikki se aproximou dele da mesma forma felina e perigosa de sempre, só que de um jeito lento, como se estudasse o mestre. Chegou tão perto que sua respiração tocou o rosto do cavaleiro de virgem. Apesar de ter crescido bastante desde a última guerra, o japonês ainda era uns quatro centímetros mais baixo que o indiano.

— Sim, eu tenho. — O mais novo falou bem próximo aos lábios dele. — Mas só direi se você abrir os olhos.

— Por quê? — Shaka perguntou com indiferença.

— Porque a impressão que eu tenho quando você está com essa porra desses olhos fechados é de que está me ignorando, Mestre... — A voz foi entre dentes e irritada, mas isso não pareceu afetar o cavaleiro mais velho. Shaka deixou escapar um sorrisinho arrogante pelo canto dos lábios.

— Não está olhando diretamente para você não significa que o estou ignorando. Manter-me de olhos fechados me exime de julgar pela aparência, Ikki, e isso é fundamental a um cavaleiro. Mas, diga-me, por que ser ignorado por mim o incomoda tanto?

— Por quê?... — O mais novo indagou piscando, sua confiança cedeu à dúvida por um tempo, mas depois ele voltou à expressão fria e levemente irônica que sempre mantinha perto do loiro — Porque você é meu mestre, por que mais seria?

— Foi a pergunta que fiz — continuou a sorrir Shaka e logo depois se afastou do discípulo. — Vá dormir, Fênix, o dia não tarda amanhecer.

— Não me vire as costas... — a voz raivosa do cavaleiro mais jovem voltou a falar atrás do indiano. — Olhe pra mim...

— Se eu fizer isso, irei matá-lo. — Shaka respondeu ainda com tranquilidade, mas voltou-se para o cavaleiro de bronze. Ele abriu levemente os olhos deixando sair um feixe de luz que pegou Ikki desprevenido e o tonteou como se todo o vinho consumido à noite houvesse começado a circular em suas veias de repente. Ele cambaleou e, rapidamente, o indiano o apoiou com o braço, impedindo-o de desabar desmaiado no chão de pedra.

O asceta mirou o rosto do jovem adormecido em seus braços e franziu o cenho pensando quais as decisões que deveria tomar no dia seguinte.

“Durma criança, durma e esqueça seus fantasmas que esse velho aqui precisa meditar.” Murmurou e levou o cavaleiro de fênix para o quarto.

A aurora rompia a noite como uma mulher que dar a luz a um filho glorioso. Shun abriu os olhos; ele havia cochilado apoiado no peito forte do cavaleiro de câncer e somente com a claridão do dia percebeu que a intensa noite anterior não foi um sonho.

Depois que eles voltaram à quarta casa, não tocaram mais em nenhum assunto, apenas ficaram abraçados, trocando beijos, ora suaves, ora intensos, mas nada além disso. Era como se naquela noite de luxúria e delírio, um pacto cândido de amor e amizade houvesse se estabelecido entre eles. As mãos nãos ousaram, e lábios não foram mais que lábios para serem beijados. Havia apenas um veio de amor e cumplicidade, algo insólito para eles, mas que ambos resolveram não analisar; não pensar nos sentimentos e nem nas dúvidas; não pensar nas obrigações de cavaleiros e nem na noite de Aphrodite e Dionísio; não pensar nas razões para evitar e nem nos motivos para ceder. Decidiram não pensar no futuro e nem no passado doloroso e impossível de ser mudado. Talvez o dia pudesse oferecer um presente.

— Ei, italiano... — Shun se moveu e o chamou de leve. Já era dia e em outros tempos, talvez ele se sentisse constrangido por estar ali, talvez fugisse, mas naquele momento essa vontade não o tomou. Sentia-se bem estando onde estava, bem até demais para sua surpresa. — Já é dia, acabamos dormindo aqui mesmo.

Máscara da morte resmungou algo enquanto abria os olhos lentamente. Shun foi a primeira coisa que ele viu; na verdade, os olhos verdes que eram mais lindos e brilhantes que as preciosas esmeraldas.

Piccoli... — ele sussurrou. — Acabamos dormindo no sofá...

Shun sorriu com aquela constatação óbvia que repetia o que ele já havia dito.

— É, mas não me sinto mal com isso... quero dizer, eu não estou com dor no corpo! — Corou e adiantou-se a explicar.

Io também non... — murmurou Câncer afastando o mais novo com delicadeza e se espreguiçando. — Quer tomar café? Eu posso mandar alguém buscar suas coisas.

— Não! eu tenho que voltar! — Shun se sobressaltou e se pôs de pé. — Ikki deve estar uma fera, ele...

— Seu irmão está no santuário, na casa de virgem. Acredito que ele ainda dorme, fique calmo. — Volveu Máscara da morte se erguendo também.

— C-como você-

— Dormi bem depois de você ontem, piccoli, e pude sentir o cosmo do seu irmão se inflamando em Virgem e serenando logo depois. — Riu com malícia. — Ou Shaka o botou para dormir, ou tirou todos os seus sentidos. De qualquer forma, ele não passou a noite em Rodório.

Aquilo não aliviou Andrômeda, o preocupou. Como assim, Shaka tirou os sentidos do seu irmão?

— Ele está bem. — O defensor do quarto templo tratou de explicar, mirando a expressão preocupada do mais jovem. — Vamos tomar café?

Shun, ainda ressabiado, assentiu com a cabeça. O cavaleiro mais velho fez um gesto de mão, pedindo para que ele passasse pelo corredor em direção ao quarto.

— Tome um banho. Eu mandarei buscar suas coisas.

— C-Certo... — gaguejou o mais novo, entrando rápido no banheiro e fechando a pesada porta de madeira com o símbolo da casa.

Quando o garoto desapareceu das suas vistas, Máscara da morte levou as mãos aos cabelos e respirou fundo, mordendo os lábios. Desde o final da noite, quando Shun ressonava tranquilo em seus braços, ele se questionava se o que estava fazendo não era crueldade. Sim, se questionava pela primeira vez, coisa que foi ensinado por seu mestre que nunca deveria fazer.

“Um cavaleiro não precisa de consciência. Um cavaleiro é um fantasma que cumpre apenas sua missão. Ele não precisa de orgulho, ele não precisa de piedade, ele não precisa do medo. Eu o ensinarei a perder todos os seus medos e todos os seus valores. Somente despido de todos os seus conceitos, será apto a ser um defensor cego de Athena e da justiça.”

E foi exatamente o que ele fez. E foi por isso que foi condenado. Condenado por acreditar numa justiça sem piedade, numa justiça a qual somente os fortes teriam direito. O grande conflito, entretanto, era: será que não seguia acreditando nisso, mesmo depois de tudo? Será que ainda não considerava amor, piedade e bondade como fraquezas humanas inadmissíveis a cavaleiros?

Lembrava-se da proibição expressa de cavaleiros se relacionarem entre si. Até o momento, ele não sabia se aquela era uma proibição do santuário ou de Saga. Cavaleiros que não se falam, não conspiram, não questionam e também não brigam. Até por que, todas as vezes que eles se encontravam, irremediavelmente, havia algum conflito. Agora, tal determinação não mais existia, e cavaleiros eram vistos juntos constantemente. É bem verdade que a tal proibição nunca impediu relacionamentos de se formarem, porque em época de guerra era simplesmente impossível não haver contato, ou mesmo antes disso. O grande mestre, ao contrário do que ele mesmo pensava, não conseguia estar em todos os lugares ao mesmo tempo.

Os pensamentos de Câncer foram interrompidos quando a porta do banheiro foi aberta e um Shun molhado, enrolado numa toalha, pela cintura, apareceu.

— E-Eu pens-ei que você não... — o garoto, corado como a mais bela e vermelha das flores, começou a falar.

O italiano não conseguiu evitar correr os olhos pela cútis branca, macia e arrepiada por culpa do vento que entrava pela janela aberta. Engoliu em seco e desviou o olhar tentando permanecer indiferente.

Io vou pedir ao Acaio que vá buscar suas roupas. Enquanto isso, você pode ficar aqui mesmo, será rápido.

Ele saiu sem olhar novamente para o cavaleiro mais jovem. Shun se sentou na cama, meio perdido e com o coração batendo forte no peito. Aquele olhar que recebeu foi um olhar de...Desejo?

O mais jovem dos cavaleiros sentiu a boca seca e o rosto quente ao pensar nisso. Nunca havia recebido um olhar daqueles, nem mesmo quando era mais jovem e treinava na Ilha de Andrômeda e muito dos aspirantes, meninos e meninas, o assediavam. O olhar de Câncer era diferente, não era um olhar de um desejo infantil e afoito, era uma análise de sua pele e de cada curva por onde a água escorria.

“Ai, minha deusa, o que está acontecendo entre nós dois?” Indagou-se aflito. Havia um sentimento bom, quente, mas havia também tantas dúvidas. Dúvidas que acordavam com o dia, sendo que ficaram completamente esquecidas entre os beijos sôfregos ou carinhosos que eles trocaram na noite anterior.

Uma batida suave na porta, trouxe a Shun a certeza de que já estava ali, mergulhado em indagações, há muito tempo.

— E-Entre — autorizou ajeitando a toalha.

O rosto infantil e meigo de Acaio apareceu. O menino sorriu, e Shun correspondeu ao sorriso.

— Eu trouxe suas coisas, mestre Andrômeda. Mestre Câncer disse que eu deveria ir a sua casa em Rodório, mas o cavaleiro de Virgem me disse que havia coisas suas no templo dele.

— Ah, como me esqueci disso! — Shun riu, recordando-se de que levara uma sacola com roupas e objetos pessoais para a casa de Shaka, quando fora se trocar lá, na noite anterior. — Obrigado, Acaio, tenho tudo que preciso nessa sacola.

— Qualquer coisa é só me chamar, mestre Andrômeda — o menino fez uma mesura respeitosa.

— Espere, Acaio — a curiosidade foi forte e ele deteve o garoto que o mirou desconfiado.

— Pois não?

— Você não teve medo quando foi posto a serviço do cavaleiro de câncer? — foi direto.

— Ah sim, tive — o garotinho riu corando. — Mas depois eu o compreendi.

— Compreendeu?

— Sim. Compreendi que no fundo, mestre Máscara da morte tem um bom coração.

“Se fosse eu com sua idade, sairia correndo no primeiro dia.” Pensou Shun sentindo-se envergonhado. O menino saiu em seguida, e ele então se vestiu, escovou os dentes e deixou o quarto. Nem mesmo sabia como fora parar ali, já que não conhecia aquela casa direito. Todavia, conseguiu chegar à sala de estar onde havia passado a noite. Máscara da morte já estava lá, ele também estava de banho tomado e vestia-se numa calça folgada e uma regata branca que deixava pouco do seu peito definido e braços a cargo da imaginação.

— A mesa já está posta, Piccoli, vamos comer. — Ele disse quando Shun se aproximou, e passou o braço ao redor do ombro do mais novo, o guiando para o jardim como fizera muitas vezes, mas nunca com aquela intimidade.

Os dois comeram em relativo silêncio, havia uma tensão entre eles. Na verdade, era mais a reação de pessoas que não sabiam como se portar dali em diante.

— Eu acho-...!

Io queria-...!

Eles falaram ao mesmo tempo e se calaram. Câncer riu depois, passando as mãos nos cabelos.

Io queria te mostrar um lugar, Piccoli... — disse um tanto sem jeito. — Se você puder ir comigo, claro.

— E-Eu? — gaguejou. — E-Eu tenho treino hoje à tarde...

Máscara da morte sorriu, mas não o sorriso cruel que geralmente ele demonstrava, Shun reparou; ele sorriu de forma até um tanto doce, uma coisa realmente um pouco absurda para alguém como ele.

— Athena quer que eu o ajude com os treinamentos, lembra-se? Eu o levarei para treinar em um lugar antigo.

— Antigo?

— Sim, um lugar que conheço há muito tempo. Na verdade, é meu refúgio e só eu vou lá.

Shun sentiu o peito aquecer. Sentiu-se especial, sentiu-se amado, sentiu-se nas nuvens com aquelas prosaicas palavras.

— E-E por que quer me levar a um local tão especial? Q-Quero dizer... Eu sei... M-Mas eu não sei se estou entendendo di-direito e não quero entender errado-... Na verdade, eu ainda estou confuso sobre você... sobre n-nós...

As mãos se contorciam enquanto ele falava, ficava vermelho e gaguejava sem parar. O italiano olhava todas aquelas reações e achava-as lindas e delicadas. Shun parecia a ele aquelas imagens das flores de cerejeiras sendo levadas pelo vento em sua delicadeza. Era uma imagem romântica e tola, ele sabia, mas isso não o impedia de imaginar.

Câncer, que estava do outro lado da mesa, se ergueu e se aproximou do mais novo, puxando uma cadeira e se sentando ao seu lado.

Shun calou-se, engoliu em seco, e entreabriu os lábios quando o italiano segurou seu queixo delicado.

Piccoli, o que acha de não pensar em nada hoje? Absolutamente nada, só por hoje?

Ainda olhando nos olhos do outro cavaleiro, Shun assentiu com a cabeça. Suas pálpebras foram gradativamente se fechando à medida que os lábios do mais velho se aproximavam. Um beijo lento e suave irrompeu e, como muitos da noite passada, eles não quiseram evitar.

O mais velho se afastou delicadamente depois, e Shun abriu os olhos, enrubescendo ao perceber que o outro cavaleiro continuava próximo, o mirando.

— O-O... C-Café... – volveu o mais novo trêmulo.

Máscara da morte sorriu apaixonado, ainda o encarando.

Ma come gagueja... — murmurou se afastando dele com um sorriso, mas permanecendo sentando ao lado do adolescente, enquanto um servo vinha servir o desjejum. Shun o olhou de lado e sorriu também.


Continua...

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



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Notas finais do capítulo

Obrigada a todos que estão acompanhando, em especial àqueles que deixam sempre seu incentivo aqui.

Sério...

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SION NEBLINA

POSTADO EM 24/05/2013