– Então, resta você e eu. - falou Chad, dando um grande suspiro em seguida. Ele segurava Ciel em seu colo como se o menino fosse o que o prendesse ao mundo.

– Ele significava tanto pra mim quanto pra você. - falei, ainda encarando o chão, com Alois mexendo em meu cabelo.

Chad não falou nada, mas percebi que, se Big D não tivesse uma certa importância pra ele, ele seria o primeiro a ficar de deboche.

Em silêncio, levantei-me, ainda presa no momento em que ouvi o tiro, o momento que perdi pra sempre um amigo. Havia sentido a gente fugir ainda? Fomos traídos e mortos, estavamos cansados.

– Por eles, Helen. - disse Chad, como se pudesse ler minha mente, pegando no meu braço.

Olhei para meus irmãos, os pinguinhos de gente que não sabiam por completo o que era dor e perda.

– Por eles, Chad. - assenti, deixando Chad colocar seu braço em volta de mim e me guiar para o fundo do necrotério.

***

" Frio, tão frio. Por que está tão frio?

– Acordou? - perguntou alguém ao meu lado. - Dessa vez de verdade?

– Está frio. - murmurei, encolhendo-me aonde estava. Não abri os olhos.

– Ainda não, mas falta pouco. Estarei te esperando aqui.

– Quem é você? Por que está tão frio? - perguntei, arriscando-me abrir um olho, mas tudo que eu via era escuridão.

– Você irá ver logo. Apenas durma de novo."

***

– Você fala dormindo. - disse Chad, na manhã seguinte ao sonho que tive enquanto eu procurava uma barrinha de cereal ou qualquer coisa comestivel nos armários brancos da cozinha.

Quem iria imaginar que um necrotério teria uma, hm?

– Jura? O que eu falei? - perguntei, fechando outro armário, já que tudo que tinha dentro era apenas objetos suspeitos.

– Que estava quase na hora. - ele falou, sorrindo, como se entedesse o que quis dizer.

Dei de ombros, pouco ligando. Estava mais preocupada com a comida e em como sairiamos dali. Sim, de fato achamos o portão que dava para o "mundo real", mas parecia que precisavamos dos trabalhadores para abrí-la.

Ainda estava bem cedo, mas eles deveriam chegar em breve. eram pessoas que conviviam com a morte como se fossem seus velhos amigos,e eles vinham lá de fora.

A gente só precisava esperar.

– Desista, acho que aqui não tem nenhuma comida. - falou Chad, esticando a cabeça pra trás, deixando a mostra uma cicatriz pequena em seu pescoço. Aproximei-me para ver melhor.

– Chad, o que é isso...

Ele bateu tão forte em minha mão que eu cai no chão.

– Nã-Não é nada. - ele falou, levantando a gola da camisa. - Apenas uma lembrança de épocas negras.

Ainda chocada por sua reação, assenti coma cabeça. "Cicatrizes estão cheia de histórias", pensei.

Sentei ao seu lado, olhando Ciel e Alois dormindo juntos, como se o mundo inteiro estivesse em paz. Daria tudo na vida para estar no lugar deles, para ter alguém que me protegesse enquanto dormia.

– Helen, o que fará depois que sairmos daqui? - perguntou Chad, de repente, pegando uma mecha do meu cabelo e enrolando no dedo.

– Procurarei bons lares para meus irmãos. E farei um funeral para Big D. - respondi, sem hesitar.

Chad sorriu.

– E depois?

– Comprarei remédios. Construirei uma vida.

– É um ótimo plano. - ele disse, pensativo, levando meu cabelo aos lábios. - Estou em algum ponto do seu futuro?

Comecei a rir, mas quando olhei para seus olhos, aquele castanho que geralmente estava ardente de sarcasmo e superioridade, eu vi que ele falava sério.

– Claro... Claro que não. - respondi, corando, olhando apressadamente para outro lado.

Chad gargalhou, soltando meu cabelo, e disse alguma coisa que eu não prestei atenção. Estava intrigada com a cama que possuia algo coberto com um lençol branco.

Levantei, andando diretamente até aquela cama, notando algumas manchas em vermelho no lençol. Estiquei a mão para puxar a coberta, mas Chad a segurou.

– Não, Helen. - ele disse.

– Por que? Eu só quero ver quem é. - falei, puxando minha mão da dele.

Antes que ele pudesse me impedir de novo, puxei o lençol e perdi o folêgo com o que vi.

A pele branca estava com alguns pontos vermelhos, mas não parecia a pele de alguém que morreu. O cabelo, cheio de cachos negros, estavam arrumado em um rabo-de-cavalo lateral. As mãos estavam juntas sobre o coração, segurando uma rosa.

Só dava pra saber que estava morta pelas olheiras profundas demais e o tom mórbido da boca.

– O-o que é isso? - perguntei, enquanto fitava meu próprio corpo, deitado naquela cama. Tudo começou a girar e eu fechei com força os olhos, porque eu ainda devia estar dormindo. Então eu tropecei e bati com a cabeça, e todo o resto ficou escuro.

***

Quando abri os olhos, estava em um quarto branco, com os pulsos presos. Olhei em volta, confusa, sem entender.

– Acordou?

Aquela voz, aquela voz do sonho.

Virei-me na sua direção, e vi uma janela com grades pretas em uma das paredes brancas. Arrastei-me até lá, olhando por entre as barras.

– Acordou. - a voz masculina disse, quase mostrando alegria.

– O-onde estou? - perguntei, ainda meio tonta. - Por que está tudo girando? Quem é você?

A pessoa apareceu, e tudo que conseguir focar foram seus olhos. Castanhos, quentes, com um toque de loucura.

– C-Chad?

– Sim, minha querida. - ele falou, passando a mão pelas barras para acariciar meu rosto, e sorriu.

– Onde estamos, Chad? Cadê meus irmãos? F-fomos capurados? - perguntei, começando a entrar em pânico, olhando os lados. - Os Mansion estão aqui?

– Shhh, Helen, se acalme. Eles não estão aqui. Nunca estiveram.

Olhei sem entender para ele.

– N-não entendo...

– Claro que não, esteve fora por muito tempo.

– Onde? Onde estive?

Chad demorou alguns segundos para responder, e nesses segundos de silêncio seus olhos permaneceram fechados. Quando ele, enfim, os abriu, mostrava aquela compaixão que eu só havia visto uma vez.

– Coisas ruins estão apenas na sua cabeça, Helen, e era lá que você estava.