Naquela noite, nós esperamos que Derek estivesse dormindo. Com sorte ele não perceberia nada. Depois do jantar, nós nos retiramos para nossos quartos. Eu troquei de roupa e esperei que Sed me chamasse no meu quarto. Ele veio quase uma hora depois do jantar, disse que precisava ter certeza que Derek não nos ouvisse sair. Nós saímos cautelosamente, esperamos está estarmos na rua para falar.

Eu ainda não tinha observado a noite no Egito, pareceu-me calma, mas Sed disse que não era sempre assim e que tudo ficava movimentado durante a cheia do Nilo. Sed levava apenas uma tocha que iluminava nosso caminho, não encontramos ninguém na rua. Quando passamos pelo mercado, não parecia o mesmo lugar era tão quieto e organizado. Meu único temor foi acordar Anath, sua casa era ao lado do templo, mas por sorte ninguém nos viu entrar. No escuro eu não conseguia me guiar muito bem pelo templo, Sed cuidou disso, me guiando até a porta que Anath me mostrou como a biblioteca.

Tudo parecia conspirar a nosso favor, a lua clara no céu, a noite curiosamente silenciosa. Tudo isso só aumentava minha ansiedade e sede por respostas. Eu queria tanto encontrar ali uma forma de voltar para casa e tentei não me apegar à possibilidade de não encontrar nada. Nós andávamos cautelosamente pelos corredores escuros, evitando fazer qualquer barulho. Para mim o menor ruído se tornava um imenso barulho e eu estava nervosa demais com isso. Depois de alguns instantes de procura, nós achamos a porta e eu me permiti relaxar um pouco.

Sed suspeitou de que a sala pudesse estar trancada, mas havia apenas uma corrente fechando a porta com um rústico cadeado. Sed tirou de uma bolsa que ele carregava uma pequena chave e abriu a porta.

— Como você tem essa chave?

— Derek me deu.

— Não acredito nisso. — eu disse para ele, provavelmente Derek daria por falta da chave amanhã e ele saberia que nós a pegamos.

Nós entramos no corredor principal, mas a escuridão tomava conta do lugar.

— Fique aqui. — Sed me disse.

Eu esperei enquanto ele andava pelo lugar acendendo as tochas nas paredes que começaram a iluminar muito do que estava oculto. A biblioteca era imensa e maravilhosamente guardava artefatos e relíquias inestimáveis. Logo na entrada havia muitas mesas para os escribas, muitos rolos de papiro ainda em branco e potes de tinta. Logo depois havia mesas maiores, essas mais próximas da estante. Tão altas e tomadas por longos corredores. Tantas prateleiras, uma delas deveria dizer como eu faço para conseguir voltar para casa, essa era minha esperança. Porém com a magnitude desse lugar eu levaria anos até encontrar alguma coisa.

Agora eu podia entender porque no Egito as bibliotecas são chamadas de casa da vida, ela estava tomada de história e conhecimento, eu lamentei não ter tempo para explorar tranqüilamente. Havia seções com mapas, cópias de livros famosos, muitos documentos históricos, talvez até mesmo algo sobre Sed e sua linhagem real.

— Como você vai encontrar algo aqui? — Sed me perguntou.

— Eu conheço uma biblioteca como ninguém. — eu disse sorrindo. — Tudo a fazer é encontrar um índice.

Havia um grande balcão de mármore, eu achei que era um lugar promissor para procurar pelo índice e eu estava certa. Eu folheei um enorme volume, pesadíssimo com talvez milhares de páginas, posto num forte pedestal de madeira. Eu utilizava a tocha distante do livro. O calor e a fumaça poderiam danificá-lo terrivelmente e isso eu não permitiria. Depois de alguns momentos procurando eu achei o que eu procurava.

— Venha comigo. — eu chamei por Sed.

— O que você está procurando?

— Observe. — eu disse sorrindo. — Cada prateleira dessas é numerada por assuntos e importância do livro. Quanto maior o número mais importante e se eu não me engano deve haver uma prateleira exclusiva para esses livros.

— Isso não responde a minha pergunta. — ele insistiu.

— Procuramos um livro raro e de acesso restrito. — eu expliquei.

— Sim, entendi. — ele disse isso e depois resmungou algo que eu não compreendi.

— O que foi? — eu disse nervosa.

— Nada. Eu só estava imaginando porque você estaria em algum livro raro. Será que você é tão importante assim? — Minha vontade era poder contar o que realmente eu tinha que fazer, mas não podia.

— Eu imaginei que as pessoas não leriam coisas sobre mim facilmente porque Derek quer me manter em segredo, apenas por isso. — eu me dignei a dizer.

— Faz sentido. — ele concordou.

Nós agora andávamos por um dos corredores mais afastados. Eu virei a direita e continuei até atingir a última prateleira, depois de horas de pesquisa eu estava muito perto agora. Retirava papiros dos lugares e tentava identificar algo sobre mim ou até mesmo sobre a antiga profecia de Sed. Eu pensei em procurar por feitiços ou algo parecido.

Há muito Sed cochilava numa das mesas e eu continuava a espalhar papiros ao meu redor, mas nenhum deles continha a informação que eu precisava. Eu imaginei que seria muito mais fácil, encontrar alguma pista, mas foi em vão. Uma longa busca sem resultados. Ele acordou algum tempo depois, eu ainda estava perdida em livros que não me diziam nada. Ele se aproximou de mim e tocou meu ombro. Olhei para ele tentado esconder minha decepção, mas duvido que tenha conseguido. Eu quase quis dizer a ele que eu queria ficar, que não sairia dali até descobrir algo útil, mas precisávamos voltar. Já amanhecia e Derek perceberia nossa ausência e eu não poderia dizer a ele a verdade.

— Temos que ir. — ele me disse. — Está amanhecendo, precisamos voltar.

— Está bem. — eu concordei.

— Eu sinto pela sua busca, lamento que você não tenha encontrado. — ele disse tocando meu ombro.

— Tudo bem, eu não desisti. Eu ainda vou encontrar uma forma de voltar para casa.

Estávamos na entrada de casa algum tempo depois, eu não falei nada no caminho, era desnecessário. Eu estava tão confiante quando comecei a procurar, mas agora eu voltava para casa de Derek de mãos vazias e sem tanta esperança.

Antes que Derek pudesse levantar, Sed guardou a chave dele no devido lugar e ficou comigo na sala. Ele me olhava com um misto de pena e compreensão, mas isso não ajudava em nada. Sei que ele tentava dizer algo para me confortar, mas o que ele entende disso? No fim ele acabaria dizendo algo que me fizesse sentir pior.

Eu queria chorar, mas jamais faria isso na frente dele. Portanto eu ainda continuava com uma expressão séria no rosto e estava devastada por dentro. Era frustração demais e eu quase não conseguia lidar com isso. Se eu tivesse achado algo, um fragmento de papel que fosse…

— Você devia dormir. — ele falou.

— Talvez depois, eu ainda quero pensar um pouco.

— Porque você precisa tanto voltar para casa? — me parece óbvio esse motivo, mas ele era muito insensível.

— Eu conto se você me disser porque não gosta de mim? — eu retruquei.

— Você não desiste, não é? A verdade é que você é uma completa estranha, que está mudando totalmente nossas vidas, sem contar que você não pertence a esse mundo, seu lugar não é aqui.

— Eu entendo seu ponto de vista. Obrigada por me contar. Agora eu vou dormir. — eu disse me levantando do sofá.

— Espere — Sed chamou. — Você disse que ia me contar sobre essa sua vontade de ir embora.

— Verdade. No entanto você não me contou seus verdadeiros motivos. Por isso eu não conto os meus.