O Tigre e o Camaleão escrita por Charichu


Capítulo 3
Capítulo III- Camaleão




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Capítulo III- Camaleão

  

“As lágrimas devem ter removido todas as barreiras mentais que eu tinha...”

 

  

 

         Não importa o que faça, ninguém nunca irá me notar. Isto porque eu não sou bonita e são os belos que estão no controle.

- Pierre, você não precisa ficar cuidando de Jully na escola. Nós podemos ficar com ela!- censurou Catarina. Apesar de se darem bem agora, ela ainda não tinha se acostumado com o excesso de zelo do garoto.

-Não! Não é do meu feitio deixar uma dama em uma situação tão inconveniente.

- “Uma dama”? Estou impressionada! Você é responsável mesmo. Antes, eu pensava que você era uma má pessoa, no entanto vejo que me equivoquei!- elogiou Clarice, sorrindo.

Fantástico!! Clarice sempre sabe como usar as palavras. Ela é bonita, inteligente, determinada e educada. Foi eleita a representante de nossa sala e é bastante popular, principalmente, entre os garotos.

- Ei! Eu sou um cavalheiro! Um espírito nobre é o meu objetivo! Não sou nenhum delinqüente!- protestou Pierre, mordendo um pedaço de seu sanduíche de presunto e queijo.

- E aqueles babacas que andam com você?- replicou Bruna.

Bruna é excelente em qualquer atividade física. Pode ser um simples jogo de baleado ou até mesmo um campeonato de caratê, ela arrasa. Tem feições agradáveis e um corpo bem desenvolvido para sua idade. Vai ver é por isso que ela namora um garoto mais velho.

- Você está enganada! Eles não são meus amigos!

- Por que, ás vezes, você cheira a cigarro?- perguntou Catarina, direta como sempre.

Uma pessoa cativante, esta é a melhor definição para Catarina. Tem um rosto angelical, é sincera e muuuuuuuito fofoqueira. É uma verdadeira “moleque” e tem amizade com um monte de garotos. Que inveja!!!

- É perfume! Estou experimentando uma amostra!- alegou o garoto, sorvendo um gole de seu suco.

As garotas saltaram gostosas gargalhadas.

- Você é estranho!- disse Catarina.

- Vocês acham?

Já faz cinco dias desde que Pierre quebrou, acidentalmente, o meus óculos. Desde então, eu tenho pensado muito...

- Droga!! Por que o intervalo dura tão pouco?- resmungou Bruna quando o sino bateu, anunciando o início de mais uma aula entediante.

- Pense positivo! Agora aula de Carlos! Podemos colocar a fofoca em dia!

- Se não prestar a devida atenção na aula dele, Catarina, você vai ficar de recuperação de novo!

- Oh! Desculpa por não ser “perfeita” como você, Clarice!

Apesar de estar sem óculos, tenho me esforçado em reparar no rosto de Pierre. Ele é muito bonito, sempre com ar sério, bem diferente dos garotos de sua idade.

- Juliana, você não deveria devolver esses livros hoje?- indagou Pierre, apontando para os livros que a garota carregava.

- Ah, não! Eu tinha me esquecido! E hoje é o último dia para devolvê-los!

         - Escuta, o professor sempre chega uns quinze minutos atrasado, por que você não aproveita e vai devolver o livro?- sugeriu Clarice.

         - Pode ser! Vocês vêem comigo?

         - Oh, não! Bruna e Catarina não entenderam nada da aula passada e eu vou explicar agora!- falou Clarice piscando, discretamente, para suas duas amigas.

         - É mesmo!- confirmou Bruna, tentando parecer convincente.

         Além disso, Pierre é um cara legal, forte e sabe manter uma conversa. Fico feliz em ter me tornado amiga... e  meio triste também...

         - Mas, não se preocupe! Pierre, vai com você!- disse Catarina, com um sorriso maroto no rosto- Não é, Pierre?

         - Vou sim!

         - Então, até mais tarde, Juliana!- despediu-se Clarice.

         - Até daqui a pouco!- falou Bruna

         - Comportem-se, hein?- brincou Catarina.

         Todos com quem ando não são apenas bonitos fisicamente, como também possuem qualidades fantásticas. Clarice, Bruna, Catarina e Pierre... Eu sempre tenho a sensação de que sou inferior a todos que estão a minha volta.

         -Eu, definitivamente, não entendo essas garotas!- comentou Juliana, no seu tom habitual de voz.

-Acho melhor irmos logo!- sugeriu Pierre, observando as meninas se afastarem.

- É... tem razão...

- Então, posso carregar esses livros?- ofereceu Pierre, sorrindo.

- Ah, não! Não precisa se incomodar!- agradeceu Juliana, abaixando mais a cabeça ao sentir seu rosto queimar.

Pierre está bem empenhado em me ajudar. Mas, fico pensando se... será que no fundo, ele não me acha feia?  

- Se fosse incomodar, eu não me ofereceria!- esclareceu o garoto.

- Eu posso carregar sozinha...- respondeu a garota, segurando os livros com mais força.

Pierre, apenas, suspirou.

- Você não precisa ser tão acanhada. Eu não sou mais um estranho para você, certo?

- Bem, de certa forma...- concordou Juliana, cabisbaixa.

         ROSTO!! ROSTO!! ROSTO!! ROSTO!! ROSTO!! ROSTO!! ROSTO!! ROSTO!! ROSTO!! O rosto é sempre o mais importante, independente do que se faça. Pensar isso de alguém pode ser meio estranho, mas não há nada que se possa fazer...

         - Você me parece um tanto tensa ao se relacionar com outras pessoas. Deveria relaxar mais! Tentar ser você mesma!

         - Pierre, você está ouvindo...?- perguntou a garota, tentando mudar de assunto.

         - Sim! Parecem risadas!- respondeu Pierre, se aproximando da janela do corredor- É, estou certo! Tem uns meninos jogando na quadra.

- Esse som...- sussurro Juliana, fechando os olhos.   

- Que som?

         - O som das risadas...- sussurrou a garota, fitando o rosto intrigado do colega. Uma brisa forte atravessou a janela, afastando os lisos cabelos castanhos do rosto pálido e melancólico de Juliana. As gargalhadas dos garotos ecoaram em sua mente, trazendo a tona as lembranças que ela queria esquecer.

 

         - Huahauahauahauahauahaauahahauaha!

         - Acho que Juliana gosta de você!

         - O quê?

         - Ela está até copiando as matérias para você!

         - Que amável!!

         - “Amável”? Eu não acho! Ela é tão feia... não fico nem um pouco feliz ao saber que ela me ama.

         - Hauahuahauahauahauahauahauaha!

         - Que maldade!

         - Até você diz isso!!!

        

         BAM

         Juliana caíra de joelhos, os livros se espalhando pelo chão. Ela acabara de rever suas lembranças, como em um filme.

         - O que foi?- espantou-se Pierre, ao ver sua colega levar as duas mãos ao rosto- Entrou alguma coisa no seu olho?

         - Por mais que eu tente, não consigo entender... Por que as pessoas estão sempre interessadas no rosto dos outros?- questionou Juliana, imóvel.

         - Eu nunca estou. Por quê?

         - Porque... porque... porque alguém me disse que sou feia! Eu queria ser como você, Pierre, mas não consigo... – respondeu a garota enquanto as lágrimas escorriam sem parar de seu rosto- Quando alguém me diz algo assim... eu não consigo suportar.

         Por que será que estou contando tudo isso para ele?

         Pierre não disse nada. Ajoelhou-se, subitamente, de forma que sua altura igualasse a de Juliana, levou suas duas mãos ao rosto da garota e a puxou para perto de si. Ficaram assim se encarando alguns minutos até a garota sair do seu estupor e levantar-se, bruscamente, afastando-se dele.

         - O que diabos...?

         - Hmmmmmmmmmmmm... eu não acho!- declarou o garoto, pondo-se em pé.

         Até agora sempre tentei manter isso em segredo...

         - Mas ainda me chamam assim. Dizem que sou feia, então é porque eu sou! Olhe de novo! Um cavalheiro não deve ser sempre honesto?- irritou-se Juliana, falando em um tom maior que o usual.

         - Eu estou sendo honesto! Como quem me criou foi uma velha de 80 anos, de alguma forma não tenho esses padrões.

         Eu devo ter encontrado forças para isso quando chorei...

         - Você é sempre tão triste assim?

         - Todos riem de mim! Só me consideram um objeto de gozação!- continuou a garota, aumentando um pouco mais o tom de sua voz.

         - Bem, seu companheiro cavalheiro não conta como um deles... Não há necessidade de se envolver com esse tipo de gente.

         As lágrimas devem ter removido todas as barreiras mentais que eu tinha...

         - EU SÓ NÃO TENHO NENHUM DIREITO DE VIVER, MESMO QUE NÃO DIGAM ISSO, EU AINDA TENHO ESSA MALDITA SENSAÇÃO!- gritou Juliana irada.

         - Pois, eu digo...- falou Pierre levantando, delicadamente, o rosto da garota e a olhando gentilmente-... que aqueles que não tem direito de viver neste mundo são esse tipo de gente.

         Juliana encostou sua testa no ombro do garoto e deixou cair às lágrimas que ela havia segurando por anos.

         Eu sei que, no fundo, Pierre nunca entenderá como me sinto, mas isso não tem a menor importância... Desabafar esta angustia que carrego há anos é a única coisa que quero no momento. Me faz senti tão bem... 

 

 

 

         - Eu sinto muito! Por minha culpa, acabamos perdendo a última aula!- lamentou Juliana. Quando eles voltaram para a sala, o professor já havia chegado e trancado a sala.

         - Tudo bem! Carlos é um péssimo professor! A gente não perdeu nada!- consolou Pierre, sorrindo.

         - É, mas... por quê a gente veio para essa lanchonete mesmo?

         - Bem, nós temos que esperar a aula terminar em algum lugar, não acha?

         - Hmmmmmmmmm...- fez Juliana, tomando uma colherada do seu sorvete.

         Aquele foi o meu primeiro amor. O modo como terminou me fez pensar que eu nunca amaria de novo...

         - Que olhar incrédulo é esse? –perguntou Pierre.

- Nada...

- “Nada”?

         - Eu só acho que não é uma boa idéia...

Escolhendo as roupas mais simples para vestir, escondendo o meu rosto, evitando ser notada... Eu fazia de tudo para camuflar no meio da multidão...

- Tem idéia melhor?

- Acho que não...

         - Então, relaxa!

         - Mas, um carro tocando “arrocha” nas alturas acaba de estacionar ao lado da lanchonete!- comentou a garota, apontando para além da janela.

         - Ah, fala sério!

         Pensei que dessa forma nunca me machucaria de novo... E eu não estava errada!!! Só que...

         - O que foi agora, Juliana?

         - A dona da lanchonete está nos olhando de forma estranha!

         - Normal! Eu também olharia se fosse ela.     

- É? E por que?

         - Veja bem, somos dois alunos cabulando aula! Na certa, ela deve estar achando que somos dois marginais!

         - O QUÊ?- espantou-se Juliana- Mas, não sou nenhuma marginal!!

         Só que eu acabei de perceber uma coisa...

         - Ela está lhe incomodando tanto assim? Mais do que o “arrocha”?

         - Sim... eu não gosto muito que olhem para mim...

         - E do “arrocha”?

         - Bom, disso também não, mas acho que isso não vem ao caso no momento.

         - Então, eu vou dar um jeito!

         - Como assim?

         Desse jeito, eu também nunca conseguiria ser feliz...

         Mas, Pierre não respondeu. Apenas aguardou, silenciosamente, a mulher espiá-los novamente e lançou-lhe um olhar feroz. Ela deveria ter pelo menos 70 anos.

- Agora, ela deve ter certeza absoluta de que somos marginais...

- Mas, vai parar de olhar!

         - Gostaria de saber encarar as pessoas como você...

- É só lançar um olhar feio.

         - Você fala como se fosse fácil!

         - E é! Experimenta!

Acho que andar com alguém totalmente diferente, me faz olhar o mundo com outra perspectiva.

- Experimentar?

         - Isso! Tente olhar para mim com seu olhar mais feio!

- Mas, eu não consigo!

- Apenas, faça.

- Ok!- concordou Juliana. Ela fechou os olhos por alguns segundos, concentrando-se nas carrancas que Pierre costumava usar no seu dia a dia. Depois, abriu os olhos e encarou o garoto com um olhar que imaginava ser feroz.

         Eu sou uma garota tão melancólica e não gosto nem um pouco disso...

-Huahauahuahauahauahauahauahauahauahuaahuah!-gargalhou Pierre com vontade.

- Eu disse que não sabia fazer...- murmurou Juliana, abaixando a cabeça, bastante, corada.

- Você só precisa de um pouco de treino!!- consolou o garoto.

-...

- É sério!!

- Acho melhor a gente voltar para a escola. A aula já deve ter terminado!- falou a garota, ficando de pé.

Foi assim que comecei a pensar: se não tivesse que usar óculo, será que eu seria bonita?

- Você não ficou chateada por ter rido de você, ficou?- indagou o garoto, enquanto acompanhava Juliana de volta para casa.

- Não... deve ter sido uma cena bem engraçada!- falou baixinho a garota encabulada.

- E foi!!!- concordou o garoto, sorrindo com a lembrança.

         - Pierre, eu...- começou Juliana.

         - Você...?

         - Eu queria dizer obrigada!

         - Pelo quê?

         - Nada demais! Só queria agradecer!- responder a garota, sorrindo.

         Se olhasse para mim novamente... Talvez, eu pudesse começar a gostar um pouco mais de como sou...


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