O Tigre e o Camaleão escrita por Charichu


Capítulo 2
Capítulo II- O Tigre




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Capítulo II- O Tigre

                   

“Se eu pudesse ser como ele, o quão livre seria????”

 

  

         Segundo dia.  Os raios plácidos do sol atravessaram as janelas,  iluminando um humilde quarto. Uma cama, um guarda-roupa e uma escrivaninha eram todos os móveis deste recinto. Nada ali indicava que o quarto pertencia a uma adolescente de 15 anos. Nem fotos ou bichinhos de pelúcias. Nenhum enfeite.

         E amanhece mais uma vez... eu não suporto a claridade. A luz é como um espelho: mostra, sem piedade, as coisas como são. Não há como fugir da realidade durante o dia.  

         No entanto, este quarto pertencia a uma garota diferente de todas as outras, apesar dela aparentar que era, totalmente, normal. E, neste exato momento, ela se encontrava em sua cama, fingindo estar adormecida.

         - Jully! Juliana! Já amanheceu!- chamou, docemente, uma senhora.

         Por isso, prefiro a noite. As trevas invadem o nosso cérebro e distorcem tudo a nossa volta.  Os objetos mudam de forma a cada segundo. A escuridão tem o poder mágico de tornar real tudo aquilo que não é... A imaginação ganha asas e até mesmo o que é feio pode se transformar em algo, incrivelmente, belo.

         - Juliana,  é hora de acordar! Seu namorado veio lhe buscar!- disse a senhora.

         - O QUÊ?- gritou, assustada, Juliana.

         - Ah, minha filha! Você deveria ter me contado que tinha um! Anda! Não o faça ficar esperando! Vai deixá-lo envergonhado!

         - N...N...N..NÃO! A SENHORA ENTENDEU TUDO ERRADO! NÃO É NADA DISSO!- falou, rapidamente, a garota enquanto corava violentamente.

         - Éh??? Ele é tão bonito... eu mesma gostei dele.

         - Eu não estou interessada nisso...

         Mas, me interesso muito com o que ele pretende fazer. Acho que estou frita!!!!

         - Bom dia!- saudou, alegremente, Pierre quando Juliana, já vestida com seu uniforme, foi se encontrar com ele.

         - B... bom dia!- cumprimentou, baixinho, em resposta.

         - Ajudar você me deixa contente! Já faz tanto tempo que eu não acordo cedo para ver o sol nascendo.

         PELO AMOR DE DEUS, O QUE EU VOU FAZER??? Ele atrai atenção demais. Se andar com ele, as atenções se voltarão para mim também. As pessoas vão... elas vão.... ELAS VÃO FICA OLHANDO PARA MIM!!!

         - Não precisa fazer essa cara de preocupada! Eu vou lhe ajudar na escola, já disse!- disse Pierre, alheio aos pensamentos de Juliana.      

         - Hmmmmmmm- fez a outra.

         - Sei que muitos professores gostam de usar o quadro, por isso eu vou copiar tudo no meu caderno e depois para o seu. Você não vai gastar nenhum centavo com xerox e coisas do gênero!

         - Tudo bem... -respondeu Juliana, cabisbaixa como sempre.

Estou com um pouco de medo. Não consigo descobrir como ele está se sentindo sobre isso? Qual o motivo dele querer ser minha “sombra”? Será que ele tem pena de mim? Porque, além de feia, estou cega?

- Acho que vai ser melhor sentarmos na frente. Talvez você consiga enxergar melhor assim!

- Eu... - sussurrou  a garota, sem encará-lo.

Por que as pessoas falam tanto na frente dos outros? Eu não consigo nem dizer ao meu acompanhante o que estou pensando.

- O problema vai ser na hora da aula de Matemática. O professor Carlos cospe enquanto fala...

         - Pierre, eu... - tentou de novo Juliana, em um tom de voz baixo.

         -  ... e tem umas orelhas estranhas também. Eu acho que ele se parece com um macaco.- continuou o garoto, sem ouvir o que Juliana dizia.

         - ... - Juliana suspirou e continuou o caminho muda, apenas escutando os planos de Pierre.

          Eu realmente não tenho coragem de me abrir. Não quero me magoarem mais do que já magoaram...

 

 

 

         - Eiiiiii!!! Ver você andando com uma garota não é muito comum, Pierre! Ela é sua namorada??? Ela não é muito gatinha, né??- exclamou Vinícius, passando o braço pelo ombro de Pierre.

         - ... - Juliana abaixou ainda mais a cabeça, tentando esconder o seu rosto.

         - Caras de aparência nojentas como vocês estão deixando Juliana desconfortável. Mantenha distância, por favor!- mandou Pierre, friamente, sem nem olhar para o colega.

         - Putz! Isso foi cruel! Não somos amigos??- inquiriu, incrédulo, o garoto.

         - Não! Nós estamos em níveis completamente diferentes!- alegou, Pierre.

         Eu..... eu preciso admitir que os óculos eram um escudo para o meu coração. Quero entrar logo. PRECISO ENTRAR LOGO. Não quero que os outros me vejam.

         BAM

         Pierre abriu a porta da sala violentamente. Todos os alunos fizeram silêncio na mesma hora, olhando intrigados e admirados para o casal que acabara de chegar. Não demorou muito para os cochichos começarem.

         - Psiu! Olha!

         - Pierre e Juliana...

         -... será que estão namorado?

         -... eu nunca reparei nela até hoje...

         - Juliana, tome cuidado!- aconselhou Pierre, sorrindo

         Por favor.... já chega.....

        

 

 

-JULIANA, O QUE SIGNIFICA ISSO??- a voz de Catarina ecoava por todo o banheiro feminino. Assim que o sino bateu, anunciando o intervalo, ela, Bruna e Clarice arrastaram Juliana para o banheiro a fim de obter explicações sobre o que estava acontecendo.

         - Eu... me sinto muito mal com todos me olhando assim!- respondeu a garota, com a voz fraca.

         - O que ele quer dizer com “ser seus olhos”? Ele é um delinqüente juvenil!!!- protestou Catarina.

         - Será que ele vai fazer alguma sacanagem com Juliana?- indagou, preocupada, Bruna.

         - Hmmmm.... eu acho que não!- falou Clarice.

         - Como assim?- perguntaram Catarina e Bruna em uníssono, abafando o som do sino.

         - Veja bem... ele REALMENTE esta tentando ser os olhos de Juliana. Pierre acordou cedo, a trouxe ao colégio e ainda procurou uma cadeira para ela!!!  Ele está cuidado mesmo de Juliana... e hoje foi a primeira vez que o vi sorrir...

         - É mesmo!!-concordou Catarina.

         - Talvez, ele não seja uma má pessoa!- concatenou Bruna.

         - Talvez... - sussurrou Juliana, dirigindo-se com suas amigas à sala de aula.

         Mas,  mesmo ele sendo uma boa pessoa, as coisas não mudam muito. Elas e nem ninguém conseguirão entender como me sinto...

         - Muito bem, classe! Agora, Juliana, continue a leitura.

         - Sim!- exclamou a garota, levantando-se com o livro aberto.

         Porque ele...

         - É A PÁGINA 148, JULIANA!- gritou Pierre.

         PORQUE O PIERRE  NÃO DÁ A MÍNIMA PARA ELES!!!!

 

 

 

         - Eu preciso conversar com você, Pierre!- pediu Juliana, assim que a última aula do dia acabou e seus colegas saíram, apressados, da sala de aula.

         - Que foi?- inquiriu o garoto, visivelmente, intrigado.

         - Hummmm.... booom.....-começou Juliana, de cabeça baixa - Eu agradeço por tentar me ajudar... mas parece que estou conseguindo me virar bem sozinha.

         Eu vou aparecer muito... eu vou aparecer muito... eu vou aparecer muito... eu vou aparecer muito... eu vou aparecer muito... eu vou aparecer muito... eu vou aparecer muito... eu vou aparecer muito...  EU NÃO QUERO!!!

         - Eu quero que nós sejamos... amigos. Você até copia as coisas para mim, então...- falou Juliana, sem saber, exatamente, o que dizer a Pierre.

         - Ah, você não precisa ser tão tímida! Aquilo foi um acidente horrível e eu sempre quis cuidar de uma moça!- interrompeu Pierre, sorrindo.

         - Ah, mas... mas... eu tenho amigos que moram perto de casa, então vai ficar tudo bem...-disse Juliana

         Que medo.... como será que ele vai reagir???

         -Aaah, entendo! É ruim para você quando estou por perto?- indagou o garoto.

         Juliana arregalou os olhos e levantou um pouco o rosto.

         - Então, vou tentar não chamar tanta atenção. Mas, eu ainda sou responsável por você. Por isso, irei lhe acompanhar de longe!- declarou o garoto, enquanto pegava as mochilas dos dois.

         Durante o caminho de volta,  o silêncio reinava. Juliana ia à frente, de cabeça baixa, pensando no que acabara de acontecer, enquanto que Pierre a seguia de longe.

         Não é isso... eu não quis dizer isso.... por quê nunca consigo dizer com exatidão o que sinto? Por quê não consigo transpor essa muralha que cerca o meu coração?

        

 

 

O terceiro dia transcorreu normalmente. Pierre a seguia em todas as partes, como um cão extremamente sisudo, mas, consideravelmente, longe para que os olhares não chegassem a Juliana.

         - Juliana continue a partir da página 198.

         - Si....

         - PROFESSOR!! PROFESSOR!!!- gritou Pierre, levantando-se da cadeira- DEIXA QUE EU LEIO!! POR FAVOR, ME DEIXE!!!

         -Leia, então, Pierre.

         Juliana sentou, enquanto uma onda de olhares que deveria ser para ela, dirigiu-se a Pierre.

         Ele deve ter percebido que não gosto de chamar atenção e agora, faz tudo para que ninguém me note.. Pierre é realmente um cavalheiro... eu não estou sendo muito legal com ele...

        

 

 

-Tem certeza que você quer que ande ao seu lado?-perguntou Pierre enquanto acompanhava Juliana no caminho de volta.

         - Sim, não é justo que você fique lá atrás, sozinho...

         - Mas, não vai chamar muita atenção para você?

         - Não. O colégio todo já sabe que você é a minha “sombra”, então não faz muita diferença você andar ao meu lado.

         - O que??? Ah, não! Eu continuo lhe incomodando!  Desculpe, vou fazer tudo direitinho amanhã.

         - Você não... não fica nem um pouquinho preocupado na frente das outras pessoas?- perguntou Juliana abruptamente.

         - Não mesmo!- alegou Pierre.

         Que estranho... nesse exato momento, senti algo estranho pelo Pierre. Uma pontada de invejo, acho... se eu fosse tão corajosa assim....

         - Você é como um tigre, Pierre!

         - Tigre??

         - Os Tigres são independentes. Apesar de andarem sozinhos, estão sempre bem. Eles são muito fortes e ágeis. Posso estar exagerando um pouco, mas comprando a mim, eu sou só uma fracote...

         -  Tigre??? Até que seria legal...

         Se eu pudesse ser como ele, o quão livre eu seria????

 - Acho que você não é um marginal, como dizem...- falou Juliana, sorrindo.

         - O que? Por que você...?

         -...- em resposta, Juliana abaixou mais a cabeça, sentindo seu rosto corar.

         Depois daquilo, Pierre não perguntou mais nada. Ele deve ter percebido.... Desde que me lembro, nenhum garoto foi tão legal assim comigo. Quando tinha certeza que ninguém perceberia se eu morresse... comecei a reconsiderar isso um pouco...


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