O Tigre e o Camaleão escrita por Charichu


Capítulo 4
Capítulo IV- Mudanças




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Capítulo IV- Mudanças

 

 “Mas, a cada risada que dava, lá no fundo do meu coração, eu tinha a certeza que, em breve, se transformaria em lágrimas”

                  

 

 

         Hoje, eu tive um teste de Matemática. Apesar de ter estudado muito, eu consegui tirar apenas 4,5. Admito que fiquei com muito medo de mostrar minha nota aos meus pais. Não porque eles são rigorosos e chatos, mas sim porque...

         - VIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIVAAAAAAAAA!!!!- gritou uma senhora gordinha, enquanto abria uma latinha de coca-cola. Na mesa, havia comidas apetitosas como bolo de chocolate, brigadeiros, docinho de coco, pãozinhos, pastéis, quibes, coxinhas...

         - Gostaria de saber o motivo da comemoração...- falou Juliana, bastante intrigada.

         - Ora, estamos comemorando o seu péssimo desempenho na prova de matemática!!!- respondeu um senhor careca.

         - Isso não é motivo para comemoração!- protestou Juliana.

         ... porque eles são completamente malucos. Tenho a estranha sensação de que nada na minha vida é normal.

         - Você não estudou?

         - Sim, mas...

         - Não sabia o assunto?

         - Sim, mas...

         - Então!!!

         - Então o quê?

         - Então vamos comemorar o fato de você ser um gênio incompreendido!!

         Apesar disso, meus pais são muito legais. Eles são bastante compreensivos e participativos em minha vida.

         - Mãe, eu não acho que é bem por aí...

         - Juliana, ao meu ver, não há a menor necessidade de você ficar chateada!- censurou o pai da garota.

         - Como não??? Eu estudei muito e sabia o assunto!! Se tirei nota baixa é porque sou burra!- concatenou Juliana, melancólica.

         - Não é não, Juliana! Desde pequena você nunca conseguia obter notas elevadas, embora estudasse bastante.

         Meu pai se chama Fernando. Ele tem 40 anos, é formado em Administração de Empresas e tem uma habilidade fantástica para línguas!! Ele fala fluentemente francês, inglês e espanhol!! Pelo o que minha mãe contou, parece que ele era o típico CDF que tirava as melhores notas.

         - Ou seja, eu sou burra! Não há como fugir da realidade, pai!

         - Não! Você apenas fica, extremamente, nervosa na hora de fazer a prova e, dessa forma, erra coisas simples que, no entanto, você sabia!

         - Pai, acorda! Estou no primeiro ano colegial e não consigo acertar uma conta de adição. Ou subtração, divisão, multiplicação...

         Fico imaginando se lá no fundo ele não fica decepcionado por ter uma filha tão incompetente...

         - Não seja tão rigorosa consigo mesma!- aconselhou Fernando.

         - Estou sendo realista!

         - Certo!! Então... vamos comemorar o fato de termos uma burra em casa!- exclamou a mãe da garota, sorridente!

Minha mãe, Júlia, é completamente diferente do meu pai. Ela é alegre, espontânea e acredita cegamente que estudos é total perda de tempo. Segundo meu pai, minha mãe só conseguiu se formar em Administração por sua causa. Parece que ele a passava as respostas das provas.

         - Querida, creio que isso só vai terminar com a escassa auto-estima de nossa filha!- disse Fernando.

         - Nem esquenta, pai! Ela já acabou há muito tempo...

         - Então, mais um motivo para comemorar!!! Vamos gente, ânimo!! A vida é bela!!!- gritou Júlia.

         Ela é super corajosa e não liga a mínima para o que os outros pensam ao seu respeito. Acho que deve ser uma decepção ter uma filha tão deprimida como eu.

        

 

 

         - Juliana, eu posso falar com você por alguns minutos?- pediu Fernando, após o jantar, quando Juliana já se encontrava em seu quarto, vestida com seu pijama.

         - Claro, pai! Fique a vontade!

         Fernando fechou a porta do quarto e sentou-se na cama, ao lado de sua filha.

         Sei que parece loucura, mas esses dias com Pierre me trouxeram sensações estranhas. A primeira de todas é um cansaço extremo. Eu, simplesmente, cansei de fingir ser alguém que não sou...

         - Escute, eu andei pensando... o que você acha de estudar em grupo?

         - Mas, o meu problema não é estudar e sim fazer a prova!!!- protestou a garota.

         - Eu sei! Apenas, escute com atenção! Se você estudar em grupo, poderá ter uma noção de quanto seus colegas sabem e, dessa forma, você não ficará mais tão insegura ao responder a prova!

         - Hmmmmmmmmmmmmmm!- fez Juliana, pensativa.

Tudo que eu mais desejo é... FUGIR. Fazer as malas, pegar um avião e ir para um lugar para onde ninguém me conheça. Ou sair pelas ruas correndo, chorando e gritando. Fazer o que eu quiser, da forma que eu bem entender, sem me preocupar com as conseqüências. Sonhar! Amar! Viver!

         - É só uma sugestão. Pense a respeito e, se possível, experimente! Às vezes,  necessitamos expandir mais nossos horizontes e encarar a vida com outra perspectiva.

         - Certo, eu vou tentar!- prometeu a garota.

         - Excelente!- exclamou Fernando, levantando-se- Eu não quero mais tomar o seu tempo! Apesar de sua mãe discordar, não acredito que seja saudável você dormir muito tarde!

         Mas, fugir é algo inteiramente inconveniente. Não adiantaria nada eu ir para um lugar desconhecido, se continuasse a agir dessa forma. Cometeria os mesmo erros e não conseguiria ser feliz.

- Certo...

- Boa noite, Juliana!- desejou Fernando, beijando a testa de sua filha.

         - Boa noite, pai!

Fernando apagou a luz e saiu, deixando no recinto uma confusa adolescente de 15 anos, imersa em seus pensamentos.

Acho que finalmente abri meus olhos. Ou melhor, Pierre abriu meus olhos e eu, em fim, compreendi tudo...

 

 

 

- Grupo de estudo??- perguntou Bruna.

- É! A gente poderia se juntar, algumas vezes por semana, para estudarmos algumas matérias chatas, como Matemática, Química, Física...

         - Você deve estar brincando!!!- exclamou Catarina, incrédula.

         - É só uma sugestão!!!- falou baixinho Juliana, desconcertada.

         É muito fácil desviar os olhos do presente, fingir que está tudo bem e ir para a direção mais agradável. No entanto, por mais que você ignore, a verdade irá lhe perseguir. Cedo ou tarde, você vai ter que encará-la.

         - Me parece uma ótima idéia!

         - Por quê, Clarice?

         - Veja bem, Bruna, sempre há uma matéria em que temos dificuldade e...

         - Peraí! A miss. Sabedoria tem alguma matéria que não gosta?- espantou-se Catarina.

         - Sim, mas, ao contrário de você, eu estudo! Por isso, nunca vou para recuperação!

         - Hmmm... talvez você não seja tão sábia assim!- respondeu Clarice.

         Pierre me mostrou a verdade que tanto temia: eu não sou feliz. Deixar a minha felicidade nas mãos de Deus, aceitando tudo o que vier porque tenho medo de lutar e, principalmente, me ferir, não é o caminho certo.

         - E onde seria essa reunião?

         - Não sei, Bruna. Pode ser na minha casa. Ela fica vazia porque meus pais estão sempre ocupados com a casa de chã.

         - Certo! Para mim está bem!- concordou Bruna.

         - Vai ser uma experiência interessante!- comentou Clarice

         Deus ajuda quem SE ajuda. E eu não tenho me ajudado muito... estou sempre me criticando, me menosprezando, me rebaixando...

- Beleza! Eu to dentro! E a gente ainda pode montar um grupo de fofocas, que tal?

- Sem comentários, Catarina...

- Clarice, você sabia que a fofoca é algo essencial à humanidade?

- Ah é? E por quê?

         - Porque sempre esteve presente, em qualquer época!

Fiz de tudo para não mudar, permanecendo imóvel o máximo possível. Eu achava que se tomasse uma iniciativa, se abrisse o jogo ou fizesse algo inesperado, haveria uma dor muito pior me esperando. Por isso, sempre escolhia a estrada já trilhada....

- Juliana, cadê a sua sombra?- inquiriu Bruna, antes que Catarina e Clarice começassem a discutir como sempre.

-Ali!- respondeu Juliana, apontando para um garoto alto e sisudo, no meio de uma multidão de estudantes, tentando chegar ao balcão da cantina.

         - É no intervalo que nós, adolescentes, voltamos à pré-história e somos obrigados a lutar para conseguir comida!- comentou Clarice, enquanto observava, junto a suas amigas, Pierre escapar por um triz de ser esmagado por dois gigantes do terceiro ano.

         Esses dias com o Pierre me trouxeram um pouco de coragem. Pela primeira vez em toda minha vida, tive o desejo de trilhar um novo caminho, de mudar...

         - Por quê ele não traz o lanche de casa?

         - Ou come dos outros, né Catarina?

         - Clarice, eu estou em fase de economia!!!

         - Você está em fase de economia desde a primeira série...

         - Não precisaria estar, se eu ganhasse a sua mesada!

         - Minha mesada não é tão alta assim! Eu apenas não a gasto comprando besteiras como balas, chicletes, chocolate...

         - Mas, a graça da vida é se encher de besteiras!!!

         Eu sei que isso não vai acontecer como uma explosão ou algo do gênero. Provavelmente,  será algo pequeno, quase imperceptível, do tipo que só alguém que me conhece a muito tempo irá perceber.

         - Juliana, quando a gente começa esse grupo de estudos?- perguntou Bruna, antes que Catarina respondesse  ao protesto de sua amiga.

         - Grupos de estudo?- inqueriu uma voz grave- Como assim?

         Pierre se encontrava atrás de Bruna, com o cabelo, totalmente, bagunçado e a respiração meio ofegante.

         - O nosso herói épico saiu vitorioso do duelo mortal!!- brincou Clarice, ao ver que Pierre trazia consigo um sanduíche e um copo de suco.

         - Como?

         -  Nem tente, Pierre! Eu mesma nunca consegui entender a Clarice e olha que a gente se conhece desde alfabetização!- exclamou Catarina.

         Mas, pouco me importa se as pessoas vão notar. Eu sei que dentro de mim, a diferença será enorme. Só espero que, finalmente, consiga ser feliz para sempre e, assim, não tenha que mudar de novo...

         - Pierre, Juliana teve uma idéia legal da gente se reunir algumas vezes por semana para estudarmos juntos!- esclareceu Bruna.

         - Sei...- disse Pierre.

         - Eu sugiro que a gente comece logo hoje! Temos prova de Química daqui a quatro dias! Tudo bem, Juliana?- opinou Clarice.

         - Tudo! Que tal às duas??

         - Ah, não! Eu tenho treino de basquete! Posso chegar mais tarde? Umas três e meia?- perguntou Bruna.

         - E eu também vou chegar um pouco mais tarde! Tenho aula de piano!- justificou Clarice- Mas, você pode ir começando a estudar outra matéria, como Matemática, com a Catarina!

         - Ih, nem dá!

         - Por quê, Catarina?- indagou Juliana, com o cenho, levemente, franzido.

         - Porque eu tenho que dormir. Sono de beleza, sabe?

         - Você é tão boa assim em Química que nem precisa estudar?

- Não, Jully. Mas, o meu nome começa com C, se esqueceu?

         - E daí?

         - O nome de Clarice também. A gente sempre fica na mesma sala, então, na hora h, é só colar.

         - Nossa, Clarice! Eu não sabia que você aceitava passar cola!

         - Eu não passo, Bruna! Mas, a Catarina sempre consegue pescar mesmo assim!!!

         - Eu não sou fã de James Bond por acaso, meninas! Entendo tudo de espionagem!- brincou Catarina,  piscando.

         - Então, ninguém vai para minha casa às duas!

         - Eu vou!- afirmou Pierre.

         - Por quê, Pierre? Você tira nota máxima em todas as provas!- surpreendeu-se Bruna.

         - Não é legal deixar Juliana sozinha até vocês chegarem.

         - Eu sempre fiquei sozinha em casa!

         - Mas, eu não sabia! Agora que sei, é diferente!

         - Diferente por quê? É a minha própria casa!!!

         - Mesmo assim...

         - Então, vamos nos reunir na casa de Juliana e todo mundo chega na hora que puder, ok?- combinou Bruna.

        

 

 

         O resto do dia foi normal. Mas, dessa vez, Pierre não só me acompanhou até em casa, como almoçou lá também. Apesar de tomar café e jantar com meus pais, costumo almoçar sozinha. Por isso, ter uma companhia em casa, especialmente o Pierre, foi algo estranho. Estranhamente divertido, eu diria...

         - Então, este aqui é o seu quarto?- indagou Pierre, entrando em um humilde recinto, com poucos móveis.

         - É...- confirmou a garota, constrangida.

         Os dois ficaram em silêncio, por algum tempo, Juliana observando, sem graça, Pierre examinar o seu quarto minuciosamente.

- Interessante!- comentou o garoto, por fim.

         - “Interessante”?

         - É! Dizem que os quartos refletem nossa personalidade!

         - ...?- Juliana apenas olhou para Pierre, bastante intrigada.

         - O seu quarto reflete o seu jeito de ser!

         - Como assim?

         - Bom, os quartos das garotas, normalmente, são cheios de bichinhos de pelúcias, bonecas, essas coisas. O seu tem só o básico, sem enfeite nenhum, totalmente simplório. Ele é... hmmmmmmmmmmmm... como eu posso definir? Ah! Ele é discreto demais, assim como você!- falou Pierre, sorrindo.

         Juliana arregalou os olhos, estupefata, e encarou Pierre.

         Impressionante! Em apenas sete dias, Pierre conseguiu me compreendeer perfeitamente. Estar com ele é reconfortante. Parece que estou com alguém que me conhece há muitos anos...      

         - É... acho que você tem razão...

         - Eu sei! Eu sempre tenho razão!

         - “Nem se acha”...

         - Bom, se eu não me achar, quem vai? Afinal...

- ... “as pessoas só gostam de quem se gosta”!- completou Juliana.

         - É isso aí!

         É... ele tem razão. O meu quarto é diferente do das garotas normais, mas... espere aí! Como ele sabe disso? Será que ele já esteve em outro quarto de garota?

         - Hmmmmmmmmm.... e onde a gente vai estudar?- indagou o garoto, olhando em volta- Não dá muita gente no seue quarto...

         É bem provável que ele já tenha estado. Quero dizer, o Pierre é bonito, inteligente e cavalheiro. Aposto que muitas garotas devem ter se apaixonado por ele...

         - Acho que é melhor a sala, não? Lá tem mais espaço! O seu quarto é bem pequeno, Juliana!

         Será que ele não tem namorada? Não deve ter, porque ele está sempre sozinho. Isso não é normal. Será que ele... ele está apaixonado por alguma garota?

         - O que você acha, hein Juliana?

         Acho que deveria perguntar a ele. Afinal, se eu quero mudar, tenho que começar logo, né?

-Juliana? Juliana, tudo bem com você?- preocupou-se Pierre,  estranhando o silêncio de sua amiga.         

         - Pierre, eu estava pensando em algo...

         - Eu também! Não faço idéia de onde a gente pode se reunir para estudar. Talvez, seja melhor na sala.

         - Não era nisso o que eu estava pensando!- interrompeu a garota, rapidamente.

         - Ah, não? Então, o que era?

         - Por acaso você... você não... hmmmmmmmmmm... você sabe...- começou Juliana, sentindo seu rosto corar.

         - Sei...? Tem certeza?

         Força! Coragem! Vamos! Eu consigo! Eu consigo! EU CONSIGO!!!!

         - O que eu quero saber é se você já.... já.... já... acha que não está na hora de eu colocar uns enfeites no meu quarto???- terminou a garota, totalmente vermelha e sem graça.

         - Era nisso que você estava pensando?- perguntou Pierre, passando a mão pelos cabelos, o cenho totalmente franzido- Bom, eu acho que ficaria legal, sei lá... não entendo bem dessas coisas.

         - Ah, então está certo...

         BURRA! BURRA! BURRA! BURRA! BURRA! BURRA! BURRA! BURRA! BURRA! BURRA! BURRA! BURRA! BURRA! BURRA! BURRA! BURRA! BURRA! BURRA! BURRA! BURRA! BURRA! BURRA! BURRA! BURRA! BURRA! BURRA! BURRA! BURRA! BURRA! BURRA! BURRA! BURRA! BURRA! BURRA! BURRA!

         - Acho melhor irmos para sala!- sugeriu Pierre, pegando os livros.

         - É! Tem razão!- murmurou Juliana, de cabeça baixa.

 

 

 

         Já se passou uma hora desde que tentei fazer aquela pergunta a Pierre. Nós resolvemos começar a estudar Matemática, revisando os assuntos antigos. Sei que deveria estar me concentrando para recuperar minha nota baixa. No entanto, volta e meia me pego perguntando se Pierre está apaixonado por alguma garota ou não.

         - Que foi?

         - Hm?- fez Juliana.

         - Você está me olhando de forma esquisita hoje!- alegou o garoto.

         - Estou?

         - Está sim!

         -...

         Não consigo entender a razão de estar tão curiosa... Por que a resposta dele importa tanto para mim?

         - Tem alguma coisa esquisita no meu rosto?

         - Não tem nada de errado no seu rosto. Só achei você um tanto alegre hoje.

         - Éh? Estou alegre?

         - Sim, está mais falante que o normal.

         - Sério?

         - Sério.

         A conversa está seguindo o caminho certo. Agora é só perguntar, discretamente, se ele ama alguém. Não deve ser muito difícil dá uma indireta!!

         - Pierre, por caso o motivo dessa felicidade não seria uma pessoa um tanto... “especial”?

         - Não achava que estava tão evidente...- comentou o garoto, mais para si mesmo que para Juliana.

         - Eu acertei?

         - Sim! Esse almoço me fez lembrar dela.

         Eu sabia!!! O motivo era uma garota. Aposto que ela deve ser bem bonita, alegre e inteligente. Diferente de mim...

         - Dela quem?

         - Mas, acho que estou mais feliz pelo fato de ter almoçado uma comida caseira tão deliciosa do que ter me lembrado dela!

         - Você prefere a comida a ela?- indagou Juliana, estupefata.

         - Nossa! Parando para pensar, já faz tempo que eu não como comida caseira!

         - Por quê?

         - Meus pais são muito ocupados. Ás vezes, passo semanas sem vê-los. E, como eles nunca estão em casa, tenho que comer fora. Já faço isso a mais de seis meses...

         - Seis meses?- espantou-se Juliana- Mas, isso não é bom!!

         - Até então eu vivia com minha avó. Mas, ela morreu de repente antes do ano letivo começar. Foi por isso que faltei nas primeiras semanas de aula.

         - Isso é... terrível!!!- lamentou a garota.

         - Ah, tudo bem! No inicio, eu fiquei muito mal, mas depois superei. Acho que a gente nunca sabe a força que tem, até chegar o momento.

         Eu não acredito nisso... De onde Catarina tirou a idéia de que ele era um marginal?? Coitadinho, ficou com fama ruim no colégio só porque passa por um momento ruim. Eu gostaria de dizer alguma coisa bem legal para ele agora...

         - Eu... eu sinto muito!- lamentou a garota, sentindo-se uma anta por não saber como consolar o garoto.

         - Era minha avó que cozinhava lá em casa. Só que a comida dela era diferente da sua. Tinha uma aparência e cheiro horrível.  Mas, até que era gostosa.

- Imagino...

Então, a “pessoa especial” era a avó dele??? Algo me diz que ele não está sendo totalmente verdadeiro comigo...

- Pensando bem, eu fico surpreso de nunca ter sido internado por intoxicação alimentar!!!

         - Aiiiiiiiiii! Que maldade!!!

- É sério!!! Minha avó era muuuuuuuuuuuuuuuuuuuito estranha.

- Pobrezinha...

         - Ela tinha uns 80 anos, mas acho que a mentalidade dela estacionou nos 15 anos.

- Pierre!!!

         - Ela era preguiçosa, molenga e gostava de mordomia. Vivia dormindo ou assistindo televisão...

- Que espécie de neto você é?

- Ela era assim, mas...

- O que: Tem outro “elogio” que você esqueceu de mencionar?

         - Eu gostava muito desse jeito sossegado dela. Minha avó nunca se estressava e nem ficava zangada com nada. “Para tudo tem um jeito”, ela vivia dizendo isso, sorrindo.

- Você gostava muito dela, não é?

- Gostava. Apesar das brigas que a gente tinha.

- Brigas? Por quê?- inquiriu Juliana, cada vez mais interessada na história.

- Porque eu costumava transformar as pessoas em estranhos, independente de quem seja. Minha avó me enchia, dizendo que tinha que mudar esse jeito ou ia me arrepender.

- Acho que ela exagerou. Você é tão forte e independente, aposto que seria capaz de superar tudo...

- Ela não exagerou. Estava certa, como sempre. Sabe, quando ela faleceu, eu senti uma dor enorme e fiquei muito triste. Mas, não tinha com quem compartilhar isso, porque esse meu jeito afastou todo mundo de mim...

- Compreendo...- falou baixinho Juliana, olhando gentilmente para Pierre.

- Quando você tem alguém com quem possa dividir seus sentimentos, é muito mais fácil superar uma fase de angústia. Sua dor... ela fica mais leve, mais fácil de superar. Mas, quando você está só... é muito ruim. Você olha para os lados e não tem ninguém que possa lhe ajudar a se levantar. Você não pode desabafar, se livrar desses sentimentos ruins. A única coisa que resta é ignorá-los. Eles até somem em alguns momentos, entretanto você sabe que eles estão lá, porque ficam o tempo todo lhe perturbando... lhe provocando. E, se for enfrentar outro obstáculo, terá que suportar não só a nova dor, como a antiga também. É como se... acumulasse. E você tem que fazer tudo sozinho, com o pouco de força que lhe restou. É uma experiência terrível.

- Eu não fazia idéia disso...

         - Antes de admirar esse meu jeito “auto-suficiente”, escute o que eu tenho a dizer. O que tem de bom em viver sozinho? Porque eu..

- Você...?- indagou Juliana, tentando encarar o rosto de seu amigo. Pela primeira vez desde que o conhecera, Pierre não estava olhando-a nos olhos. Ele fitava o chão, os cabelos negros e lisos cobrindo-lhe o rosto.

- Eu não...- continuou Pierre- Você está ouvindo? Acho que tem alguém batendo na porta.

- Hm...?- fez Juliana, apurando os ouvidos. Era verdade. A companhia estava sendo tocada, várias vezes, e alguém batia, violentamente, na porta. Como ela não ouvira?

         - Quer que eu vá abrir?- ofereceu-se Pierre.

- Não precisa, obrigada!- agradeceu Juliana, levantando-se da cadeira- Eu mesma vou.

Enquanto caminhava em direção a porta, Juliana se arrependia, amargamente, de ter convidado as meninas para o grupo de estudo. Mais alguns minutos a sós com Pierre e ele, com certeza, revelaria algum segredo.

- Que cara é essa? Aconteceu algo?- perguntou Bruna assim que Juliana abriu a porta.

         - Não! Nada não!- respondeu Juliana, tentando disfarçar.

         Clarice e Bruna trocaram olhares misteriosos.

         - Podemos entrar?- indagou Clarice.

         - Claro! Eu e o Pierre estamos estudando na sala!

         Depois que Bruna e Clarice chegaram, não havia mais clima para continuara a conversa com Pierre. Que pena! Acho que ele queria desabafar, mas... por quê logo comigo? Será que ele confia em mim? Nem sei o que pensar...

         - Juliana, você acertou o raciocínio da questão, mas errou nos cálculos!- observou Clarice, após examinar a prova de sua amiga.

         - Normal...- suspirou Juliana.

         - Pierre, agora que a gente está aqui, você já pode ir para casa!- disse Bruna.

         - Eu estou atrapalhando algo?- perguntou o garoto.

         - Não, acho que eu e Clarice é que estamos atrapalhando!!!

         - Com certeza!- concordou Clarice, em meio a gostosas gargalhadas.

         Ao ouvir  isso, Juliana corou, violentamente, derrubando o livro que estava usando no chão.

         - Desculpe, eu não entendi!

         - Pierre, você pode tirar notas elevadas, mas não é muito bom em “outros assuntos”!- observou Clarice.

         - Que “outros assuntos” você se refere?

         - Gente, podemos, por favor, voltar aos estudos?- convidou Juliana, tentando, desesperadamente, mudar de assunto.

         Mas, não conseguimos estudar muito, pois Catarina logo chegou, espantando nossa vontade de estudar com suas “fofocas quentíssimas”. Acho que foi a primeira vez que me diverti tanto. Mas, a cada risada que dava, bem lá no fundo do meu coração, eu tinha certeza que logo se transformaria em lágrimas.


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