Contact escrita por Zchan


Capítulo 5
Não sei dizer o que é isso




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/178382/chapter/5

Eu nunca pensei que encontraria alguém que pudesse conversar comigo.

Todos esses anos, eu vaguei pelo mundo, sem razão, destino ou objetivo... Eu não queria nada. Só estava lá, existia, de um modo que ninguém mais podia me ver.

Bom, não é bem assim. Eu posso me tornar visível, por um curto período de tempo, ou até mesmo um pouco sólido. Mas isso cansa e não posso fazer os dois ao mesmo tempo. Só servia para assustar os vivos. E eu sentia que não queria que alguém me visse.

Era uma das poucas sensações que eu possuía com relação à quando estava vivo. Essa sensação de querer ser invisível. Querer sumir. Acho que quando eu estava vivo, queria ser um fantasma.

Mas isso não explica o porquê de eu não lembrar da minha vida.

Com o tempo, fui percebendo que a solidão não é tão legal assim. Eu queria, realmente queria, alguém que me visse. Que fosse meu amigo. Não muitas pessoas, apenas uma ou duas.

Percebi que era inútil assim que tentei falar com alguém pela primeira vez. As pessoas não aceitavam. Não eram legais. Elas gritavam, mandavam eu sumir, me chamavam de aberração. Até entendo, mas não precisava exagerar.

Quando notei que ele podia me ver, fiquei estupefato. Era impossível. De jeito nenhum isso poderia acontecer. Por isso, passei a evitá-lo, testando para ver se ele realmente me via ou era só minha impressão.

-- Você parece deprimido - Nicholas disse com um tom preocupado. Nós estávamos sentados perto do lago, vendo as náiades brincarem. Não me pergunte como eu sei o nome delas. Eu também não faço ideia.

-- É que... É diferente... Todos esses anos, o máximo de contato que eu tive com os vivos foi assustar gente sem querer. E além disso, estou com dor de cabeça. - murmurei.

-- Pessoas mortas podem ter dor de cabeça?

-- Sei lá. São as minhas memórias. Fragmentos do passado.

-- Leon, eu sei que parece grosseria, mas... Por que você não se importa com seu passado?

-- Eu não quero. Não quero saber. Pelo que eu sinto, minha vida foi uma droga. Eu não quero lembrar disso. Ainda mais agora, que estou... - não terminei a frase. Não sabia o que dizer. Feliz? Acostumado? Calmo? Não. O que eu sentia era outra coisa, e eu não entendo o que é.

-- O lago está bonito hoje.

-- Você diz umas coisas estranhas.

Nicholas sorriu.

-- Essa fala é minha.

-- Err... Então... Sobre o quê as pessoas normais costumam conversar? - perguntei, desconfortável. Estava com a impressão de estar aborrecendo.

-- E eu que sei? Nunca falei com elas.

Sorri. Isso também era diferente. Sorrir. Era como se eu nunca tivesse feito isso quando estava vivo.

Que tipo de pessoa eu era?

-- Aquele cara... O deus do vinho. Acho que ele me notou logo que cheguei aqui, mas parece não ter dado importância.

-- Ele provavelmente espera que os campistas fiquem com tanto medo que fujam.

-- Vocês vão contar aos outros que eu estou aqui?

-- Ei, esquisito! Tá falando sozinho, é? - uma voz em tom de deboche disse atrás de nós. Nicholas se virou com uma careta.

Era um garoto um pouco mais velho que nós. Quer dizer, que Nicholas. Eu sempre esqueço dessa coisa da idade, por minha aparência adolescente.

O garoto tinha cabelo castanho curto e olhos azuis. Segurava um bastão em uma das mãos, embora parecesse que o tinha apenas para fazer pose. Era bem bonito. Ei. Eu disse algo estranho?

-- Cale a boca, Teo. Volte para o seu palácio e treine mais antes de falar comigo, princesinha. - Nicholas cerrou os punhos e apertou os olhos.

-- Opa, opa! O zumbi se acha mais forte do que o cavaleiro? - Teo levantou o bastão - Que tal testar?

Vi algo se mover nas sombras das árvores atrás dele. Outros campistas admiravam a cena, alguns segurando facas ou espadas. Aquilo era uma emboscada.

-- Nicholas. Cuidado. Tem outros lá atrás, prontos pra dar uma ajudinha. - alertei.

Ele se virou e deu uma piscadela. Entendi perfeitamente.

Andei até o grupo e me concentrei. Sólido. Só um pouco, só alguns minutos. Senti um formigamento na mão.

-- Eu não sei do quê você está falando, princesinha. Alguém que vem cercado de capangas para pegar uma única pessoa não pode se dizer forte. Que foi? Ficou com medo, é? - Nicholas provocou.

-- Ora, seu...

-- Ai! - uma das garotas gritou de susto quado arranquei a faca da mão dela. Era uma bela peça, mas eu não tinha tempo para admirar a arma. Levantei-a acima da cabeça e comecei a balançar, chamando a atenção. Outros deram gritinhos de susto e saíram correndo.

-- Mas que infernos... - Teo se virou para ver o motivo dos seus amigos estarem fugindo. Apontei a faca para ele.

-- Não subestime um fantasma, idiota - eu disse, mesmo sabendo que ele não ouviria.

-- O fantasma disse - Nicholas abriu um sorriso enorme, entre o sádico e o divertido - para não subestimá-lo.

-- F-fan... F-fan... tasma? - Teo gaguejou, olhando arregalado para a lâminha próxima dos seus olhos. Abaixei a arma fazendo um corte na sua camisa, sem ferí-lo realmente. Ele deu um grito agudo e saiu correndo.

-- Acho que agora eu não preciso contar. Os outros já sabem que você está aqui. - Nicholas riu.

-- Argh... - resmunguei. A faca caiu no chão. Minhas forças acabaram.

-- Você não consegue ficar muito tempo, né?

-- É coisa... De prática... - ofeguei. Era muito esquisito se sentir assim quando já se está morto.

Nicholas olhou para o lado, parecendo desconfortável.

-- Qual o problema? - perguntei.

-- Eu não posso nem ajudar... - ele murmurou, provavelmente pensando que eu não conseguia ouvir.

Eu me senti mal quando ele disse isso. Ele estava incomodado porque eu parecia cansado? Eu não queria incomodá-lo. Eu não queria deixá-lo triste. É o que eu menos queria na vida. Na morte, melhor dizendo. Aaah! Vocês me entenderam.

Um campista passou cambaleando em direção à beira do lago. Lá, ele estendeu uma espécie de esteira no chão e se deitou, aparentemente dormindo imediatamente. Só podia ser filho daquele deus do sono... Hipnos. Nicholas franziu a testa, olhando para o garoto.

-- Lembrei! - ele gritou de repente.

-- Cara! Não faz isso. Se eu não estivesse morto tinha morrido de susto - brinquei.

-- Não, não, isso pe importante. Eu lembrei, o deus que tem olhos prateados. O irmão gêmeo de Hipnos, o deus do sono. Tânatos.

-- Tânatos? - arregalei os olhos - Mas esse não é...

-- O deus da morte. - Nicholas confirmou, me olhando com uma expressão divertida.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Contact" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.