POV / Heby

Quando voltei para o quarto encontrei uma caixa prata de tamanho médio presa por uma fita de seda rosa.

O que será que era aquilo? Quem havia deixado ali?

Desfiz o laço e depois o nó, abri a caixa e encontrei um livro lá dentro. Em cima do livro havia um bilhete escrito com letra elegante:

Um livro é um dos melhores presentes que se pode receber.

Espero que goste!

Ass: Melody

Um livro? Melody me deu um livro? Fala sério, não tenho paciência pra ficar lendo! Ler é uma total perda de tempo!

E porque ela me deu um presente? Hoje nem é meu aniversário! Ah claro! É porque amanhã é natal...

Pisca-pisca, árvore, panetone, enfeites coloridos e bla, bla, bla.

O dia em que todos estão com um sorriso no rosto, um sorriso falso porque quando o natal acaba eles voltam a ser pessoas problemáticas e cheias de maldade.

Mas ela podia ter me dado algo melhor, deixa eu ver... Quem sabe uma medula nova? Era tudo o que eu precisava.

Tirei o livro de dentro da caixa. “Ponte para Terabítia” era o que estava escrito na capa.

A Melody só pode ta de brincadeira com a minha cara! Ela me deu um livro infantil? Ela acha o que? Que eu tenho 9 anos de idade? Aff!

E agora o que eu faço? Não posso devolver pra ela, afinal seria falta de educação. Talvez eu deva...

- Oi! – Melody entrou no quarto de supetão.

- O-oi! – Gaguejei meio assustada.

- Pelo visto já encontrou meu presente!

- É...

- E então, gostou? – Ela me olhou com aqueles olhinhos animados na expectativa de uma resposta positiva.

- Claro! – Menti sorrindo amarelo.

- Minha mãe costumava ler essa história pra mim quando eu era pequena! Bons tempos aqueles... – Melody fez uma cara de quem estava se lembrando dos momentos passados.

- É... – Eu murmurei.

- Agora vamos! Você tem exames de rotina pra fazer! – Ela me puxou da cama como se eu fosse uma boneca de trapos. – Você pode levar o livro pra ficar lendo enquanto espera sua vez de ser atendida! – Droga... Agora não tem mais jeito.

- Ta! – Peguei aquele livro idiota e quando nós chegamos no salão encontrei algumas pessoas conhecidas lá. Inclusive os velhos mau humorados que parecem ter algo contra mim, não sei porque. Chad também estava lá, não que a presença dele signifique algo pra mim... Eu só achei engraçado o fato dele estar fazendo uma queda de braço com o velhinho que por ironia do destino é o mesmo que esmagou meu pé com a muleta.

Depois de alguns minutos de espera Melody tinha saído e eu me senti meio entediada. Não que eu seja o tipo de pessoa hiperativa que não para quieta como o tal Chad aparenta ser, mas ficar muito tempo sem fazer nada nem que seja ver televisão é um pouco chato.

Resolvi então pegar o livro que Melody me deu. Só estava fazendo isso por causa do enorme tédio que eu sentia, além do mais só iria dar uma olhadinha...

- Ponte para Terabítia... – Ouvi alguém dizer e levantei meu olhar pra ver quem estava ali.

Vi que era Chad. Ele estava com a cabeça inclinada tentado visualizar melhor a capa do meu livro. O gozado é que eu estava tão entretida com a leitura que nem me dei conta de sua presença.

- Você não parece ser do tipo que gosta de ler... – Ele franziu a testa.

- Não entendi.  – Ergui uma sobrancelha.

Que história é essa de “ Vc não parece ser do tipo que gosta de ler”. O que ele quis dizer com isso? Que eu tenho cara de burra? Porque a maioria das pessoas que leem muito são inteligentes, não é? Mas que estupido! Só porque eu não leio não quer dizer que eu não seja inteligente! A já sei, ele deve ser um daqueles nerds que tiram sempre 10 nas provas e vivem com a cara enfiada nos livros. Credo!

- Eu só fiquei surpreso... – Ele disse normalmente.

- Eu não costumo ler muito... – O certo seria “Eu não leio nunca”  - Ganhei esse livro de presente de uma enfermeira.

- Que enfermeira? A Emily? A não espera... A Jessica! – Ele tentou adivinhar como se estivesse num jogo.

 - Não. – Eu ri do jeito engraçado que ele tinha, parecia até uma criança.

- Joanna, Loren, Dani... – Ele foi tentando e eu balancei a cabeça negativamente. – Ta bom, desisto.

- Melody

- Ah sim! Já tinha me esquecido! Ela é legal só um pouco maluca.

- Um pouco? – Perguntei arqueando as sobrancelhas e nós dois rimos.

- Heby Campbell! – Ouvi meu nome sendo anunciado.

- Ta na minha vez. – Eu falei olhando para o Chad.

- Não se esquece de voltar, eu ainda tenho que te mostrar as coisas por aqui, não esqueceu né? Eu te disse isso ontem.

- Não me esqueci

- Posso ficar com seu livro por enquanto?

- A vontade! – Joguei o livro pra ele. Eu já estava querendo me livrar daquilo mesmo.

Fui andando até o consultório do médico.

(...)

- Olá mocinha! – O doutor Peter disse.

- Oi! – Eu sorri e me sentei em sua frente.

- Como está se sentindo?

- Bem!

- Algum enjoo durante esses dias?

- Não.

- Isso é bom! – Ele sorriu olhando para a sua prancheta.

(...)

Depois de muito falar sobre a minha saúde, vômitos e desmaios enfim aquela consulta acabou.

- Eae, já fez sua cartinha pro Papai Noel? – Ele perguntou sorrindo enquanto nós caminhávamos pelos corredores enfeitados com luzes nas paredes, bolas coloridas no teto e guirlandas pregadas nas portas dos quartos.

- Até parece. – Eu revirei os olhos. – Não acredito mais naquele velho gordo desde que eu tinha 7 anos de idade.

- Quem destruiu seus sonhos? – Ele perguntou zombeteiro.

- Minha mãe, eu fiquei trancada no meu quarto chorando por uns bons dias.

- Isso é meio triste...

- Até que não. Minha mãe sempre foi muito realista.

- Eu nunca diria para as crianças do hospital que o Papai Noel não existe, eu sei que ele não é real, mas elas acreditam muito nele. Acho que seria cruel contar a verdade...

- Uma hora ou outra elas vão descobrir Chad, as pessoas crescem, a vida é assim. – Eu disse e ele me encarou

- Mas não precisamos antecipar as coisas, não é? – Ele sorriu de lado.

- Tanto faz. – Eu dei de ombros.

- Porque tem tanta raiva do Papai Noel?

- Não to nem aí pro Noel, ele nem existe. Eu não gosto mesmo é do natal.

- O que??? Todo mundo gosta do natal! – Ele franziu a testa e ficou me olhando como se eu fosse um ser de outro mundo.

 Ooooh! Todo mundo ama o natal! Grande coisa.

- Eu não sou todo mundo e odeio o natal. – Afirmei.

- Pra mim é a melhor data do ano! Aqui sempre neva em dezembro! – Ele disse todo animado.

- Que bom né. – Eu revirei os olhos e ouvi um barulho alto.

- Eles chegaram! – Chad disse sorrindo.

- Quem? – Eu perguntei e ele me puxou pra perto da janela.

- Os outros! – Ele disse. Eu limpei a janela que estava embaçada por causa do frio e pude ver um ônibus no meio da névoa. De lá saíram vários meninos e meninas.

- O que eles estão fazendo aqui? – Perguntei confusa.

- Eles também são pacientes, ou você pensou que só nós dois fossemos os únicos adolescentes do hospital?

- É, mais ou menos...

- VEM! – Ele me puxou pela mão tentando me levar lá pra fora.

- Não... – Eu afastei minha mão.

- O que foi? – Ele me olhou sem entender.

- Eu não vou lá. – Aff, porque eu iria lá? Nem conheço aquele povo!

- Porque não?

- Porque... Porque... – Pensa, pensa, pensa! - Está nevando muito... – Péssima resposta.

- E daí?

- Eu to vazando garoto, a gente se vê! – Eu acenei e me levantei pra ir embora.

- Hei calma Heby! – Ele segurou minha mão. - Espera aqui, eu já volto. – Chad falou e saiu correndo pra encontrar com seus amigos.

Que ótimo, lá estava eu sozinha de novo. Mas tudo bem, já estou costumada.

Senti meu estomago embrulhar de repente. Então eu tive uma pequena vertigem.

Fui andando pelos corredores e me sentei no chão. Encostei minha cabeça na parede, fechei os olhos e respirei fundo.

Fiquei la pensando na minha vida. Não tinha nada pra fazer mesmo naquela droga de hospital.

- Você está bem?

Fala sério, será que eu não posso ter nem um segundo de paz?

Abri meus olhos e vi que era... Woooow.

- Está tudo bem? Você está passando mal? – Um garoto de cabelo escuro e olhos azuis me perguntou. Será que eu estou vendo uma miragem? Ou será um anjo?