A Bordo Do Titanic escrita por Sara Matias


Capítulo 8
Capítulo 7 - Conversas e Reflexões...


Notas iniciais do capítulo

Mais um capítulo meus amigos. :)
Eu desta vez tenho tentado manter um ritmo fixo para não demorar muito a postar novos capítulos ^^
Somente a pensar em vocês! Para não vos deixar esperar muito :3
Este capítulo teve alguma base sobre os meus conhecimentos de História da Cultura e das Artes :3
Espero que gostem :))))
Beijinhos**
E uma boa leitura ;)



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Jasper

As frescas memórias na minha mente… das
pessoas, de sorriso largo e as mãos a acenar no ar numa despedida como tantas outras. Havia quem chorasse, havia quem excedesse nas suas manifestações de alegria, dizendo adeus aos seus familiares e a todos os outros que partiam no Titanic. Senti-me um pouco tonto com a grande mistura de sentimentos que se faziam sentir ali no Cais de Southampton. Tão diversificados, tão opostos, tão… humanos. Não que fossemos diferentes, apesar da nossa condição como vampiros. Senti-mos, vivemos as mesmas emoções que os humanos. Apenas um facto separa-nos tão distintamente como a água é separada do vinho… os humanos morrem e nós permanecemos eternamente sobre a fase da terra, vivendo, esperando… enquanto o tempo passa.

As mudanças vão acompanhando o rumo natural da História, surgem novas ideias, os conceitos vão renascendo e as cinzas do passado são imortalizadas. Para muitos o que importa é apenas o presente, nada mais, o passado pouco tem para ensinar. Devo dizer que atrevo-me a discordar com tal raciocínio. De tudo consegue-se extrair uma lição, quase sempre com um objectivo benéfico que tem decerto uma maior influência para as gerações vindouras. Na ocasião de embarcamos fizemo-lo calmamente, subindo a rampa de embarque numa outra porta que era igualmente destinada á 1ª classe. Por algum motivo que desconheço até agora, o Edward recusou-se a entrar pela mesma porta
onde aquela Madame com o chapéu emplumado entrara. Eu sentira a sua profunda irritação, a franca aversão que ele sentiu tão instantaneamente por aquela mulher extravagante. Quando Carlisle lhe perguntou qual fora o motivo de ele se recusar a subir por aquela rampa de embarque Edward preferiu não responder, mantendo todos nós na absoluta ignorância. Só o Edward poderia ler as almas dos que o rodeavam, só ele poderia ter o motivo plausível de não gostar deliberadamente daquela mulher.

A entrada que nós escolhera-mos para embarcar, reservada á 1ª classe desembocava numa sumptuosa sala de recepções, onde já várias pessoas, Madames e Cavalheiros distintos admiravam, e comentavam uns com os outros o quanto o interior do Titanic era esplendoroso e deveras luxuoso.

Emmet transparecia um verdadeiro entusiasmo, soltando de vez em quando uma risada mais satisfeita, Carlisle sorria aristocraticamente e ao seu lado Esme espalhava uma beleza intocável que facilmente chamou a atenção de uns quantos cavalheiros que se encontravam perto. A minha opinião era clara e com certeza sincera, jamais tinha visto um navio
como Titanic. Certamente que não havia mais nenhum que se lhe igualasse. Quem poderia lhe fazer rivalidade? Os rumores que agora mais se conseguiam ouvir, depois de todas aquelas exclamações sinceras da parte dos passageiros ao primeiro contacto com o navio terem atenuado, era a absoluta certeza de que o Titanic superava em termos de supremacia e luxo todos os navios actuais que cruzam os mares. Agora faltaria saber se o Titanic ganharia o mesmo reconhecimento no que tocava á força e na rapidez.

- Mas quem pode duvidar? – Exclamou um homem de barba branca de braço dado com a sua esposa, para um outro cavalheiro que conversava calmamente com ambos. – Este navio supera todas as expectativas meu caro senhor. Foi concebido para nunca ser desafiado…

Neste aspecto a opinião de todos os presentes era unânime. O Titanic era um navio que conquistara o pódio, quem questionasse a sua posição num lugar tão prestigiado certamente que seria apelidado de tolo. A sua imponência não podia ser desconsiderada, o próprio Carlisle dizia isso, mas havia aquele absurdo que todos comentavam.

- O que eu não compreendo… - reflectiu Carlisle. – é como estas pessoas, tanto as da 1ª como da 2ª e 3ª classes defendem a ferro e fogo que o Titanic é um navio que jamais correrá o perigo de afundar. Como podem ser tão seguros de si?

- Todos os que acreditam em tal coisa,
que com toda a certeza só tem apenas ar de sensacionalismo, estão enfunados de uma ignorância voluntária… - respondeu Edward prontamente. – Quando querem os humanos são arrogantes e não se preocupam com o perigo que a ambição desmedida pode trazer.

Nas palavras de Edward era a razão que tomava os comandos, certamente que o homem nestes momentos cegos de poder tem a imprudente tendência de dizer: “Eu sou invencível, nada nem ninguém me pudera deter”, mas no entanto, e infelizmente, o homem não se dá conta que o seu próximo passo em frente pudera ser desastroso… É uma possibilidade incerta mas é um risco assiduamente frequente e quase sempre, esses acessos de sedenta ambição acabam numa queda vertiginosa do mesmo pedestal que outrora tinham alcançado. Mas o orgulho sempre foi e sempre será a maior das fraquezas humanas. Depois da queda ainda conseguem pensar que falhar é um risco a evitar, certamente não é uma opção, fracasso não pode ser um luxo, numa marcha de orgulho e poder, os ambiciosos continuam no seu caminho mesmo depois de um grande tropeço que com gravidade faz nascer danos quase irreversíveis. Depois da humilhação, ainda continuam a acreditar que a devoção dos inferiores permanece na sua pessoa.

O Titanic era um nome que andava nas bocas do mundo… sempre abordado com o nome “Inafundavel”. Carlisle comentara numa ocasião que estes humanos quando queriam ser malucos eram com toda a certeza de corpo e alma. Um navio que nunca afundaria? Tudo tinha um fim, tudo renascia e depois de um tempo morria. Porque é que o Titanic seria diferente? Com o tempo talvez surgissem outros navios tão igualáveis ao Titanic ou mesmo superiores, os ventos da mudança constante faziam-se sentir, o mundo encontrava-se numa ebulição de renovação, haveria sempre o surgimento de coisas inovadoras ou mesmo revolucionárias. O Titanic teria o seu tempo com certeza, mas não seria eternamente o centro de todas as atenções… Perderia-se com o tempo, nas recordações do passado, dependendo do futuro e das suas façanhas extraordinárias oriundas das suas vindouras inúmeras travessias marítimas. Seria recordado ou esquecido? Muita gente tinha a forte fé de que o Titanic
fosse com toda a certeza recordado, e na verdade era o futuro mais óbvio que lhe estava reservado… o Titanic ficaria para a história pelos motivos mais ilustres. Quem poderia esquecer um navio assim? Carlisle aproximara-se do Homem que continha a lista dos passageiros da 1ª classe, confirmando que o seu nome e o de toda a família Cullen faziam parte dela. O Homem saudou Carlisle com grande cortesia e verificou na vasta lista os nomes que Carlisle lhe indicava. Edward estava impaciente, os seus sentimentos apelavam por um lugar sossegado e um vasto momento de paz. Mas Carlisle não lhe fez logo essa vontade, muito pelo contrário… para aborrecimento do Edward, Carlisle propôs que fossemos todos ao exterior, num gesto de cortesia acenar aos que ficariam na plataforma do Cais de Southampton e uma forma discreta de, por uma última vez, despedir-nos das terras de Inglaterra. Senti vir até mim abruptos sentimentos de saudades antecipadas, tristezas e alegrias vindos de todas aquelas pessoas que acenavam incansavelmente para os que partiam. O apito ensurdecedor do Titanic fez-se ouvir finalmente, anunciando a tão esperada partida em direção ao outro lado do oceano. Estava tudo a postos, o Titanic começou a sua marcha lenta, para depois indo acelerando gradualmente á medida que ia saindo de Southampton. A imagem do Cais foi ficando minúscula ao ponto de já não se ver, teríamos apenas mar á nossa frente até chegar a Cherbourg, situado em solo francês.Já não havia nada a fazer no exterior, as despedidas tinham sido feitas devidamente, da nossa parte não competiam ser despedidas aos humanos mas sim a uma terra, um país que nos tinha acolhido durante 7
longos anos. Seguimos para as nossas suites, o Edward, sempre no seu habitual silêncio não olhava para nada, como se já fosse hábito, de tempos a tempos viajar num navio daquele género. Desinteressado, entrou atrás de Emmet, seguido por mim dentro da Suite A-46. Emmet não cessava com os seus comentários apreciativos de tudo o que nos rodeava, apenas eu lhe respondia com frases vagas mas o Edward permaneceu sempre calado, o que aborreceu o Emmet.

- Caramba Edward! – Resmungou o Emmet.
          - Quando é que vais deixar de lado essa tua condição de que estás contra tudo e todos e que nada te agrada? Não foi suficiente o Carlisle ter te deixado trazer o teu querido piano de cauda?

Edward fez recair sobre a figura de Emmet um olhar assassino.

- Tu sabes que eu desde o princípio nunca concordei com esta viagem. – Resmungou Edward. – Dava tudo para permanecer, pelo menos uma vez nesta maldita eterna vida, num lugar durante uns bons anos.

- Tu próprio sabes que isso é impossível para nós. – Respondeu Emmet. – Nunca podemos ficar no mesmo lugar durante muito tempo.

Edward não lhe deu resposta, pelo contrário, manteve-se em silêncio o que fez Emmet aborrecer-se.

- Acho que vou apanhar um pouco de ar e apreciar a vista… - Murmurou.

Emmet saiu, sentindo o seu raro mau humor desvanecer-se á medida que se afastava da suite. Mantive-me no mesmo lugar, em pé, não muito longe a porta.

- Não mudarei a minha opinião. – Comentou Edward, interrompendo o silêncio efémero.

Aproximei-me dele. – Acharei sempre que isto é uma péssima ideia… Nada me fará mudar de ideias.

- Edward… - Iniciei mas ele foi mais rápido.

- Independentemente do que me vás dizer, não terá peso nem influência no que eu acho por ser o verdadeiramente correcto.

- Eu apenas acho que estás a ser demasiado melodramático. – Acabei por dizer.

O Edward sentou-se numa das poltronas presentes e encarou-me com um olhar sério que me deixou desconfortável.

- Diz-me Jasper, já alguma vez questionaste se te sentias bem em andar de um lado para o outro? Sentes-te bem em manter um segredo que não pode ser revelado a ninguém? Alguma vez chegaste a pensar no quanto é inútil viver? E mais do que tudo, saberes que não podes tirar a tua própria vida por mais que o desejes? – Ele não me deixou prosseguir, continuou a bombardear-me com aquele discurso incoerente. – Como se
nós tivéssemos realmente vivos… Tecnicamente estamos mortos! Para muitos de nós o coração já não bate á dezenas de anos. Louvaria e daria as minhas graças ao monstro que me transformou assim se tivesse tido o acto sensato de deixar viver a minha vida naquele dia em que me encontrou. Teria com certeza contribuído, e muito! Deixaria decorrer os anos da minha vida, com o tempo eu envelheceria e por fim morreria. Assim é o decurso natural das coisas! O que há de benéfico ser assim, um vampiro? – Edward apontou para si. – Eu sou isto, não tenho alma…
á muito que sinto que a perdi. Ao saber que não posso acabar cobardemente com a minha própria pseudo vida utilizando uma simples corda, tomando veneno ou atirar-me de um penhasco abaixo. Vivo contra a minha vontade, pois eu sei que não há nada á minha espera. Há 157 anos que vejo o mundo e ele desde então sofreu reviravoltas. Vê! Em tempos á muito vividos as pessoas vestiam-se de maneira diferente, pensavam de maneira diferente, os ideais eram diferentes, os meios de transporte eram diferentes… e será sempre assim. Resta-me viver, não esperando nada em particular na minha vida… só apenas esperando que o tempo passe e veja o mundo transformar-se diante dos meus olhos…

  
Tomei aquele discurso por um breve desabafo da parte de Edward. Eu sabia claramente que quando a questão era mudanças, ele ficava sempre igualmente perturbado e muito sensível. Para Edward a mudança de um lar para outro, num lugar diferente era sinónimo de reflectir e fazer o esforço árduo para aceitar uma nova partida, tudo o que ele queria era um pouco de paz. Assim, apresentava-se claramente de que a forma mais conveniente para alcançar essa mesma paz era permanecer no mesmo lugar, construir memórias, permanece-las fixas. Mas a nossa condição como vampiros actualmente não nos permitia tal acomodação. O preço seria demasiado alto… expor a nossa identidade era um dado adquirido e
isso não era definitivamente uma opção.

- Eu compreendo o teu ponto de vista. Mas é algo com que temos de lidar… mas atrevo-me a dizer que apenas estás a ver o lado pessimista de tudo isto. – Murmurei.

Só Deus sabe o quanto eu queria ajuda-lo, aos meus olhos o Edward parecia uma alma penada, que vagueia por um limbo terrestre. Como ajuda-lo, como ver o lado positivo das coisas? Nem tudo era sofrimento, nem tudo era tristezas. Veio-me á mente de que a permanência em Londres durante todos estes 7 anos só lhe tinha feito mal…

- Aí é que tu te enganas Jasper… - Disse Edward com a voz subitamente calma. Tapou o rosto com as duas mãos e murmurou. – No princípio pode ter sido, como todas as outras ocasiões, doloroso e desconfortável. Mas eu aprendi a acompanhar a rotina de Londres, passei a habituar-me a desdenhar dos seus habitantes e aos ratos nojentos das sarjetas, adoptando-os como um inevitável alimento…

- Ainda insistes que Londres continua a ser a cidade perfeita para os da nossa espécie? Edward, não reconheço essa tua opinião… Tu, que fazes tanta questão de usar a racionalidade em todas as questões.

- A minha racionalidade diz-me que Londres…

- Londres é uma cidade moribunda para os vampiros Edward. – Interrompi-o. – Já nada mais tem para nos oferecer.

- E a América Jasper? – Edward retirou as mãos do rosto, ripostou com um sorriso irónico a dançar-lhe nos lábios. – Será que a América tem melhores qualidades que Londres? Tem algo de melhor para nos oferecer?



- Só a nossa chegada a Nova Iorque nos
poderá dar essa resposta Edward… - respondi firme.

Os seus sentimentos recentes, sentimentos naturalmente conflituosos, impulsivos e tempestuosos tinham voltado. Desde o dia em que Carlisle nos tinha anunciado que iríamos partir, depois de uma breve oposição, os mesmos tinham-se supostamente rendido e consequentemente desvanecido gradualmente, tornando a presença dos mesmos quase invisível. Sentimentos adormecidos que despertaram subitamente e voltavam com toda a sua força… Edward era teimoso e muito dificilmente conseguiria demover a sua opinião e os seus ideais respeitantes daquela viagem. Pareceu-me que Edward estava pronto para contra atacar com novos argumentos quando a porta da suite abriu-se e um Emmet satisfeito entrou. O seu sorriso vacilou um pouco quando viu que o ambiente ali presente era tenso mas depressa se recompôs.

- Ainda amuado querido maninho? – Perguntou Emmet.

O Edward fez-se ouvir num resmungo desprovido de palavras e depois disse:

- Não é assunto que te diga respeito.

Emmet encolheu os ombros e eu fiz o mesmo.

- Sabes que não vale de nada permaneceres assim, com um humor péssimo e como se o mundo inteiro estivesse a planejar e a conspirar algo de terrível contra ti. – Ripostou o Emmet depois de uns segundos efémeros de silêncio total.

Para além do conteúdo daquela afirmação, o tom que Emmet empregou na sua voz foi o suficiente para que Edward arrastasse o seu olhar de um ponto fixo algures da suite e fintasse o Emmet com o mesmo olhar com que me fintara á minutos atrás.

- Não repetirei o meu discurso… - rosnou Edward num esgar de desdém. – Seria inútil faze-lo, pois tu Emmet és possuidor de uma ironia sem precedentes. Ridicularizarias qualquer parte dele, alegando uma parvoíce qualquer, tornando-o patético.

Emmet arregalou os olhos, olhando para mim instintivamente, tomando a ousadia de revelar um ligeiro sorriso, como se tivesse sido apanhado desprevenido por algo súbito. As suas palavras obviamente
tinham afetado de certa forma o orgulho e a segurança com que Edward acalentava a sua firme opinião no que tocava a esta viagem. Como seria de esperar, Edward tomou isso como sendo uma ofensa.

- Edward creio que desta vez excedeste-te. Alguma vez ridicularizei um dos teus discursos sentimentalistas – Disse Emmet, mantendo o sorriso nos lábios. Ele sabia o que dizia, pois já tinha a plena certeza que tinha desencadeado a familiar irritação em Edward… Emmet só queria divertir-se um pouco com o mau humor do nosso irmão.

- Acabaste de o fazer agora… - Ripostou Edward com uma calma que poderia ser tudo, menos verdadeira. – Ao referires-te aos meus… como tu dizes, “discursos sentimentalistas”? Não mencionei nem uma
palavra dele e tu já o estás a converter numa paródia absolutamente ridícula. Diz-me Emmet… gostarias de que alguém desvalorizasse aquilo em que acreditas ser o lógico e transformasse a tua teoria numa simples arte apenas com o único fim de fazer rir terceiros?

O espanto de Emmet pareceu aumentar ainda mais. O seu sorriso naquele momento pareceu-me mais um rastilho perigosamente ligado a um barril de pólvora do que um simples sorriso de gozo. Edward poderia não suportar por muito mais tempo, rebentaria numa explosão de insultos e pragas que recairiam directamente em Emmet.

- Oh Edward, não te julgava demasiado sensível... – Disse.

Emmet parecia ter seleccionado o dia de propósito, infelizmente não era a escolha mais acertada se as suas intensões era arreliar o Edward, o que já eram tomadas como uma certeza da minha parte. Aproximei-me e toquei no ombro largo de Emmet, pressionei-o com força, tentando transmitir a mensagem de que não era o momento adequado para o  fazer… Só faria com que Edward reagisse de uma forma ainda mais hostil e aí o ambiente na suite ficaria muito mais desconfortável e pesado do que estava presentemente.

Quando queria o Emmet era compreensivo e aquela ocasião foi uma delas. Refreou os seus impulsos de uma nova tentativa maçadora com o objetivo de irritar o Edward e tratou de desvanecer o sorriso trocista que adotara assim que entrara. Edward soltou um leve suspiro de
impaciência, levantou-se da poltrona de onde estivera instalado e sem hesitar dirigiu-se a uma porta que dava para uma espécie de alpendre no exterior, abriu-a e fechou-a atrás de si, deixando-nos aos dois na sala de estar… A sensação de haver entre os dois um rastilho de pólvora que conduziria inevitavelmente a uma explosão tinha-se de um momento para o outro desvanecido e o ambiente voltou a ter o seu ar mais leve.

- Caramba Emmet… - Resmunguei depois de fazer questão de lhe dirigir um olhar reprovador.

- Que culpa tenho eu? É mais forte que eu Jasper… Irritar o Edward é, como tu sabes, uma das minhas fraquezas. É adorável vê-lo a deitar fumo pelas orelhas. Quase que poderia servir de locomotiva a carvão… - Ironizou Emmet, soltando uma das suas gargalhadas.

- Um dia não terás tanta sorte… - adverti. – Tu sabes que ele leva muito a peito insinuações como as que acabaste de fazer...

- Mas eu não compreendo Jasper. – Interrompeu-me. – Se ele defende tanto a lógica, como é que ele não consegue ver que esta viagem foi a melhor opção que Carlisle tomou para todos nós? Qual
é o motivo que o faz ser tão contra esta viagem?

Raciocinei por uns longos segundos antes de dar a resposta. Mas por mais que desse voltas e voltas na minha mente, eu não conseguia encontrar o verdadeiro motivo e sobretudo a mais lógica das explicações para compreender a aversão de Edward pela decisão de Carlisle. Sentia que lá fora Edward tentava manter-se alheio o mais possível aos meus pensamentos, a sua raiva ainda era um sentimento bem presente no seu espírito.

Alice

Parecera minutos tortuosos desde a nossa chegada a Southampton, a visão daquele navio que povoava os meus sonhos, que no mínimo conseguiam atemorizar-me por completo parecera ter encarnado numa realidade demasiado macabra. A incredulidade tomou conta de mim, gelando-me o espírito, impossibilitando de eu reagir a qualquer manifestação por parte de terceiros ou mesmo manifestar a minha própria opinião. Era o mesmo navio dos meus terríveis sonhos! O mesmo tamanho, as mesmas cores com que fora pintado… não havia uma única diferença entre o navio que me aterrorizava á noite após
noite e o que se apresentava diante de nós. Na minha cabeça apenas conseguia raciocinar e gritar as palavras: “MAU PRESSÁGIO!”

O meu primeiro instinto foi contar a Bella os meus receios. A Bella
ouvir-me-ia, saberia o que fazer. Dar-me-ia ouvidos e iriamos novamente para a mansão, para a nossa casa. Mas como o faria com a nossa mãe presente? Uma ousadia dessas da minha parte e a nossa mãe apelidar-me-ia de louca. Agora que reflito sinto que no lugar dos recentes acontecimentos há uma espécie de nevoeiro que me impossibilita de visualizar com precisão e certeza. Não me recordo propriamente de ter saído do carro ou mesmo ter subido a rampa de acesso ao navio… Os acontecimentos ao meu redor passaram completamente ao lado. Se alguém me perguntasse eu não saberia responder de todo, a minha mente fora ocupada nesse espaço de tempo com as visões sinistras que até então me tinham atormentado noites seguidas e pelo pânico crescente de ter mesmo á minha frente o navio imponente e atemorizante dos meus sonhos materializado na minha frente. Não havia nada que tivesse a ousadia suficiente e invadisse a minha cabeça com a misericordiosa tarefa de me livrar daquele desconforto atemorizante, só conseguiam subsistir os pensamentos deturpados e perturbadores das minhas visões da noite. As palavras do carácter tipicamente snob da nossa mãe conseguiam ser agora leves aparições que eu não tinha a segura certeza se realmente tinham sido proferidas, afinal poderiam ter sido só fruto da minha
imaginação… ou não? Conseguiam ter aqueles contornos de quase inexistência, como se fizessem parte de um sonho já quase totalmente desvanecido. Nascia da minha alma uma constante incerteza…

Só depois de ter entrado na suite que estava reservada a mim é que senti finalmente o peso da realidade recair sobre mim. Como se tivesse levado um desconfortável beliscão fui despertada para o que me rodeava. Senti uma violenta necessidade de reunir-me com Bella, falar com ela e expor todas as minhas preocupações, o que me mortificava profundamente. Obtive a sólida certeza de que as palavras de nossa mãe tinham sido afinal proferidas, que tudo o que eu pensara ter sonhado tinha afinal acontecido mesmo. Eu estava realmente a bordo do Titanic, o famoso navio que nunca afundaria. O meu espírito encontrava-se agitado, um sentimento de pânico gritava-me para que saísse dali e de alguma
forma, inexplicável e extraordinária, saísse do Titanic.

Confiar cegamente nos meus sonhos… poderia dizer que era a base do sentimento de urgência e para o meu comportamento. Não hesitei, abri a porta da minha suite, saindo para o corredor e batendo sem hesitar na porta da suite B-54. Ouso a voz de Bella questionar quem é
que se encontra do lado de fora da porta, eu não lhe respondo, em vez disso opto por abrir a porta da sua suite e atrevo-me a espreitar para o seu
interior…        

- Bella… posso entrar? – Perguntei-lhe com uma voz insegura. Estaria Bella demasiado ocupada para ouvir as minhas estranhas preocupações?

- Oh claro que podes! Entra… - A sua voz afável consegue tranquilizar-me, mas não o suficiente. Dentro de mim não consigo extinguir a minha perturbação, manifesta-se de uma forma persistente, não sentindo qualquer espécie de piedade dos meus nervos.

Posso ver que o sorriso inicial com que Bella me saudou ao ver-me surgir na sua suite desvanece gradualmente. Receio de que ela tenha-se apercebido efemeramente de que algo se passa de errado. E efectivamente passa-se algo de errado… Aqueles sonhos das noites anteriores eram demasiado assustadores para serem ignorados, as coincidências eram óbvias. Mas a minha querida irmã encontrava-se naquele preciso momento rodeada pela sua avultada bagagem que ainda nem sequer fora aberta e pelos dois grandes caixotes rectangulares que estavam já obviamente abertos. Sobre um grande sofá já se encontravam pelo menos uns 3 quadros e o seu rosto espelhava uma completa felicidade que só poderia demonstrar o quando ela gostava de levar sempre consigo a sua colecção nas ocasiões em que viajava.

 Bella nunca viajava sem os seus quadros, para a ligeira irritação e desconforto da nossa mãe. Por segundos uma subitamente vontade de soltar uma pequena gargalhada foi mais forte, mas quando o fiz pareceu ser tudo menos uma gargalhada bem-disposta e recheada de bom
humor, antes parecia uma gargalhada provida de falsa boa disposição.

Bella observou-me com uma curiosidade peculiar, eu tentei disfarçar… Senti mais uma vez o peso da realidade sobre mim, era escusado encher a minha irmã com as minhas próprias preocupações de uma maneira tão abrupta, eu sabia o quanto era importante para ela e o quanto ela gostava de apreciar horas seguidas a sua enorme colecção de pinturas. De certa maneira era uma forma de ela encontrar alguma razão e algo de familiar num meio onde ela não se sentiria de todo familiarizada.
Talvez não fora muito boa ideia ter seguido os meus impulsos e ter ido ter com Bella…

- Vejo que já estás entretida com a tua colecção de pinturas Bella… - Comentando, tentando de alguma forma decepar as minhas preocupações e fazendo por esquecer o verdadeiro motivo que me levara ali.

Bella voltou a sorrir novamente, tirando mais um quadro de um dos caixotes.

- Sim… - respondeu. – Sinto que a minha colecção, nestes momentos menos agradáveis, dão-me conforto. É agradável sentir que tenho algo comigo que é familiar no meio de tantas novidades, tantos recantos desconhecidos… E este navio é suficientemente enorme para me sentir completamente descolocada.

Renée nunca compreenderia este hábito e muito menos compreenderia e aceitaria o recente gosto por arte moderna de Bella. Limitava-se a ridicularizar a maioria da sua colecção particular e afirmar que sobre aquelas telas apenas se apresentavam simples borrões. Borrões feios e deselegantes que tinham o grutesco despeito de ridicularizar o que era realmente a verdadeira arte. A minha irmã Bella nunca levava as insinuações da nossa mãe a peito. Muito pelo contrário, ridicularizava-as e ainda conseguia ter argumentos suficientes para lhe responder á letra.

- A nossa mãe já se atreveu a ver as tuas mais recentes obras Bella? – Questionei, tentando sorrir.

Bella sabia ao que eu me referia. Era costume que Renée surgisse sempre na ocasião em que a minha irmã estava na árdua tarefa de retirar ou a colocar nos caixotes a sua estimada colecção de quadros. Bella voltou a exibir o seu sorriso encantador e olhou para mim, os seus olhos tinham um brilho de malicia.

- Como não poderia deixar de o fazer… - Respondeu-me. – Surgiu na ocasião em que eu estava a supervisionar o encaixotamento dos meus quadros antes, de partirmos…

- O que é que ela disse desta vez? – Perguntei-lhe já com a minha curiosidade a despontar.

- Bem… Como sabes, adquiri novas obras para a minha colecção. De um pintor muito conceituado, o seu nome é Vincent Van Gogh…

- Suponho que só pelo nome a nossa mãe tenha detestado...? – Ironizei.

Bella soltou uma gargalhada. – Não só detestou o nome como também, e como já se era de esperar, as suas obras. Ora vê.

A minha irmã retirou de um dos caixotes um quadro que tinha cores puras, vibrantes e perturbadoras. Vislumbrei um céu em ebulição, numa agitação perturbadora… parecia em constante movimento e em vários pontos destacava-se círculos alaranjados, verdes, azuis e amarelos, que eu depressa associei a estrelas. Do lado direito da tela consegui discernir que fosse a lua e sobre aquele céu revolucionário subjugava-se uma aldeia aparentemente e completamente tranquila. Tudo era pinceladas, curtas e perturbadas, aquele quadro parecia exclusivamente saído de um sonho, conseguia-me confundir mas ao mesmo tempo tinha a habilidade
de prender a minha atenção com uma força incrível, até porque eu nunca tinha visto algo semelhante em toda a minha ainda curta vida. Poderia imaginar o que tinha dito a nossa mãe se tivesse visto aquele quadro. Não, Bella não se tinha atrevido a mostrar-lhe aquele quadro… ou teria?

- Estava precisamente com esta bela obra em mãos quando a nossa querida e adorada mãe surgiu na sala contígua aos meus aposentos da Mansão. Obviamente que permiti que ela entrasse, assim que ela pôs os pés para dentro da minha sala, dei-lhe a mostrar este quadro de Van Gogh.

Deixei a minha boca descair em espanto, Bella continuou com o seu relato, nunca abandonado o seu sorriso.

- “Não acha minha mãe, que a suite onde ficarei instalada precisará um pouco de cor?”. Ao que ela me respondeu: “Oh meu Deus! Não… Bella, minha querida, novamente essas pinturas que parecem ter sido pintadas pelos dedos?! Tu sabes perfeitamente a minha opinião. São pinturas… esquisitas e certamente um desperdício de dinheiro! Diz-me que não as vais levar contigo Bella…”. Como sabes minha querida Alice, eu não lhe poupei o tão “terno elogio” e apresentei-me á altura de lhe devolver tão elegante gesto de afecto por parte de uma mãe… “Sabe minha mãe, a diferença entre mim e você no que toca ao gosto numa coisa tão sublime como a Arte é que eu tenho algum.” Posso dizer minha querida irmã que a nossa mãe pareceu ficar profundamente sentida com as minhas palavras. “Bella Dewitt Bukater! Estás a querer insinuar que a tua mãe não tem qualquer conhecimento no que toca á Arte?!” Obviamente que eu não estava propriamente a acusar a nossa mãe de ignorância… “Não minha mãe… apenas tenho a clara opinião de que você possuí gostos muito limitados. Há que expandir, abranger os mais recentes estilos. Não nego que á primeira aparição podem parecer objectos de arte sem valor mas arrisco a dizer que no entanto, depois de uma breve análise conseguimos perceber que este tipo de arte na verdade retrata aquilo que é a realidade. Sem embelezamentos e artifícios. ” A nossa mãe depois desta breve e pequena explicação continuou na resignação de achar que o que eu dizia não era válido. Foi então que decidi mostrar este mesmo quadro de Van Gogh… “Veja minha mãe, parece saído de um sonho ou algo semelhante… Diz a verdade em cada
pincelada mas no entanto é desprovido de lógica. Não acha? A este estilo de pintura chama-se Expressionismo.
” Posso dizer que de nada serviu Alice – Disse Bella com um sorriso. – Insistiu que era definitivamente um desperdício de dinheiro e depois lamentou ter-me deixado ir àquele último leilão de pintura.

Bella riu-se mais uma vez e eu acompanhei-a nas suas pequenas gargalhadas.

- A nossa mãe nunca compreenderá… - Comentei. – Receio que ela tenha estagnado no tempo nesse aspecto.

- Pior para ela… - Respondeu Bella. – Tenho pena que a sua mente não consiga alcançar esse aspecto. Van Gogh é um artista brilhante, a sua técnica de pequenas pinceladas, os seus traços rápidos presentes em cada obra, as cores vivas... Para mim, Van Gogh representa a procura da inovação, da Modernidade, afirmando a autonomia da criação artística…

O olhar de Bella ficou vago, por momentos a sua mente voara para muito longe dali, sendo embalada em pensamentos onde só a sua colecção de pinturas reinava. Apercebi-me de que ao longe começa-se a ouvir os primeiros acordes da orquestra ao serviço do Titanic. Esses mesmos acordes trouxeram novamente para terra a minha irmã…

- Desculpa… por vezes tenho estes momentos em que abandono completamente a terra e a minha cabeça fica completamente nas nuvens… - Desculpou-se.

Assegurei-lhe de que isso não era de todo uma ofensa para a minha pessoa. Há muito que já tinha abandonado a ideia de acorrer-lhe, em busca de algum auxílio. Fiz a intensão de sentar-me prontamente numa das poltronas, enquanto Bella retirava de cada caixote os seus quadros, um a um.

- Alice… - Exclamou Bella, fazendo-me sentir de uma inexplicável pateta e desprevenida.

- Sim…? – Murmurei. O tom de voz da minha irmã mudara. Já não era aquele tom alegre e despreocupado, que fazia escarne inocente dos gostos conservadores da nossa mãe. Agora era um timbre sério…

- Tu não vieste aqui simplesmente para me veres a desencaixotar a minha colecção de pinturas… - Declarou por fim. – Eu sei que o motivo é completamente diferente…

Automaticamente o meu espírito alterou-se, agitou-se novamente numa rebelião inquietante e perturbadora. A repentina abordagem de Bella fizera-me relembrar o verdadeiro motivo que me levara até á sua suite.

- Bella… tu estás demasiado ocupada para ouvires as minhas queixas e preocupações… - Iniciei. Mas ela fez questão de me interromper.

- Minha querida e amada irmã, achas que estou demasiado ocupada ao ponto de não te ouvir e ajudar?

- Mas, e a tua colecção…

- A minha colecção é uma prioridade secundária comparada contigo Alice. Ela pode esperar, terei todo o tempo que desejar para retirar todos os quadros e dispô-los a meu belo prazer. Vamos lá, diz o que se passa contigo… desde que chegamos ao cais de Southampton, notei que algo de errado se passava contigo.

E de facto Bella não falhara nesse aspecto. Senti-me comovida por saber que Bella era capaz de abandonar o que fosse para me ajudar e amparar-me, independemente da situação e da ocasião. Ela estivera atenta ao meu desconforto e estava ansiosa por saber o que é que me perturbava tanto.

- Bem… - Iniciei. – Desde que começou tudo isto, tu tens tido conhecimento ao pormenor dos meus sonhos… As pessoas congeladas á minha volta, sobre um mar gelado, o barulho estranho debaixo de nós, os gritos das suas almas a reclamar por socorro, navio que não tem nome…

- Sim, e o que é que os teus sonhos têm em comum com Southampton?

- Com Southampton? Não há nada de comum entre os meus sonhos e Southampton Bella… Mas e se me atrevesse a mencionar-te que descobri finalmente o nome que pertence ao navio dos meus sonhos?

O silêncio de Bella foi o incentivo que precisava para que tivesse a força suficiente para dizer o nome que eu mais temia agora no momento presente.

- Titanic.


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Notas finais do capítulo

Gostaram? Por favor deixem os vossos reviews pleaseeeee :D
Deixem a vossa opinião. Acreditem, quantos mais reviews deixaram mais me dará forças e entusiasmo para escrever ^^
Obrigado por tudo.
Beijinhos****