A Bordo Do Titanic escrita por Sara Matias


Capítulo 7
Capítulo 6 - Partida do Titanic


Notas iniciais do capítulo

E aqui está mais um capítulo!!! ^^
Ainda não é desta que o Edward e a Bella, o Jasper e a Alice, o Emmet e a Rosalie se conhecem... :p
Mas posso garantir que muito em breve, um destes casais irá-se conhecer ;)
Neste capítulo recorri um pouco ao filme para descrever as Suites onde a Renée, a Bella e a Alice ficam, com algumas ligeiras modificações :)
Espero que gostem, boa leitura ^^
Beijinho *.*



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Bella

Quantos os lugares maravilhosos onde eu poderia estar… As hipóteses eram infelizmente infrutíferas, demasiado bons eram os lugares a onde realmente eu queria estar. Uma agradável realidade que não podia ser alcançada naquele tempo do presente. A onda de vergonha insistia em surgir, repetidas vezes, proporcionando desconforto. Poderia encarar essa mesma onda de vergonha como uma agulha impertinente, que me espicaçava e me obrigava a ter a plena consciência de que a realidade era mesmo aquela.  

 - Seria sensato da sua parte que nos dirigíssemos já para a porta de embarque da 1ª classe mãe… - Ripostei-lhe, fazendo os possíveis para ignorar os inúmeros comentários que Renée Bukater, minha mãe insistia em fazer acerca de uma família a nós obviamente desconhecida. – Certamente que não faltará muito para o Navio partir.

   Ela pareceu finalmente concordar com o meu aviso prévio. E na verdade, naquele momento não nos era disposto grande tempo até que o Titanic partisse finalmente. Desde que saíramos de casa que as velhas memórias de uma vida, agora deixadas para trás tão deliberadamente, assombravam-me profundamente. Por mais que renunciasse e as tentasse impedir que viessem ao de cima, elas conseguiam sempre teimosamente cumprir com o seu papel, serem recordadas uma vez, e outra vez. Isso mortificara-me deveras, abandonar a casa que me vira crescer não é propriamente fácil. O esforço requerido era de uma dimensão bastante avultada do que se poderia imaginar… Curiosamente, as memórias que com mais frequência me vieram á mente durante aquela breve viagem de carro, o que para mim pareceu ser uma tortuosa eternidade, foram as escassas, as que incluíram o meu falecido e querido pai.

   Outrora quase nunca me lembrara dele, já havia decorrido 9 anos desde que Charlie Bukater tinha deixado este mundo, na altura, eu com apenas 8 anos e a Alice com 7. Defendia agora que o simples passar dos anos, sempre divididos entre aulas de línguas estrangeiras, pintura, desenho, canto, música, dança, filosofia e literatura atenuaram as saudades… eu arriscaria mesmo a dizer que foram inconscientemente esquecidas… até agora, pois essas mesmas saudades, de uma só vez despertaram com toda a sua naturalidade… rasgando violentamente o meu peito e revelando um vazio demasiado enorme á muitos anos ocultado. A infância era uma etapa a onde a palavra “morte” ainda não fazia parte do nosso vocabulário… uma palavra tão grotesca, rude, nua e crua que jamais poderia fazer parte do meu mundo, um mundo criado pela minha mente de 8 anos… e muito menos da minha irmã mais nova, Alice. Os anos inocentes da infância nunca permitiriam que tivéssemos uma noção exacta do que era exactamente esse estado de condição humana que leva para sempre as pessoas e jamais as devolvia ao mundo em que nós vivíamos.

   

    A ama que cuidara de nós nunca nos deixara entrar na ampla sala de visitas da mansão naquela manhã de 2 de Janeiro de 1903. Sei que era uma manhã marcada pela chuva, pelo céu cinzento e por uma tristeza inexplicável que pairava sobre todos nós. O nosso pai não se encontrava em parte alguma e eu lembro-me que nesse dia tinham-nos prometido que levar-nos-iam a dar um passeio pelos amplos jardins, em redor da fonte. Com alguma sorte, poderíamos permanecer alguns minutos no exterior e desfrutar de algum ar fresco. Quatro dias antes, com alguma insistência da minha parte, a nossa ama dissera que o nosso pai estava com uma indisposição que o obrigara a ficar resguardado no seu leito. Recordo-me que ficara um pouco triste, pois tudo o que queria era que a promessa que Charlie nos fizera se concretizasse. Tinha-nos prometido, a mim e á Alice, levar-nos a uma loja de brinquedos, a mais popular de Londres onde se dizia vendar as melhores e as mais bonitas bonecas de porcelana. Prometera-o com um largo sorriso, terno e paternal, afagando-me os caracóis do cabelo com ternura e pegando na Alice num gesto amoroso. Disse que nos amava dando a cada uma de nós um beijo, pousou a Alice no chão e virando depois as costas e saiu pela porta da frente da mansão… Tal promessa nunca chegou a ser cumprida.

Jamais voltei a ver o nosso pai… a Alice, sendo assaltada, dia após dia pela sensação cada vez mais consistente e real de que algo estava errado, começou a dar-se conta que a ausência de Charlie na mansão estava a ser estranhamente prolongada, eu seguira-lhes os passos. As perguntas não se demoraram a surgir, cada vez mais insistentes e directas mas não havia quem nos respondesse. Apenas olhares pesados e tristes… há muito que Charlie Bukater deixara este mundo e as suas amadas filhas. Curiosamente, a recordação do luto feito por parte da nossa mãe trazia á memória apenas a sensação de fachada. Hoje, já com 17 anos e com outra perspectiva de encarar as coisas deste mundo, arrisco a dizer que esse mesmo luto feito por Renée não passou de um simples protocolo. Não havia credibilidade nos seus sentimentos pesarosos por ter perdido o marido, muito pelo contrário. As feições do seu rosto mostravam leveza, alívio por ter alcançado novamente uma liberdade á muito perdida. Até mesmo as suas vestimentas negras testemunhavam a sua falsa conduta de viúva enlutada em profundo sofrimento…Renée sorria enquanto eu lamentava e a Alice chorava desamparadamente pela perda do nosso pai. Arriscaria a dizer que Renée talvez nunca tenha amado o homem com quem esteve anos debaixo dos laços matrimoniais.

   Preferi fazer aquela viagem em silêncio, Alice pareceu optar pela mesma via… A nossa mãe, pelo contrário, falou quase durante todo o tempo em que demoramos a chegar ao Cais de Southampton. As suas observações oscilavam entre qual seria a suite onde cada uma de nós ia ficar e o que nos esperava do outro lado do oceano, em Nova Iorque. Por vezes lançava um outro comentário acerca da paisagem, que consoante ela dizia, piorava consideravelmente de cada vez que atravessávamos zonas onde a vegetação era bastante mais abundante, e as casinhas rurais eram avistadas com uma maior frequência. Nessas ocasiões, no rosto de Renée conseguia-se ver o seu descontentamento e um ligeiro incómodo. Renée manifestava claramente ter preferência pelas paisagens urbanas de Londres, para ela todos aqueles edifícios cinzentos e sem graça eram o melhor que os olhos podiam contemplar. O seu lado snob, materialista e frívolo prevalecia sempre na sua personalidade. A chegada a Southampton por fim concretizou-se e posso dizer que não impedir-me de ficar espantada!

   Ali, mesmo á nossa frente exibia-se o Navio que todas as manchetes dos jornais falavam á semanas seguidas, imponente e completamente arrebatador. A nossa mãe, obviamente ficara rendida, deveras entusiasta… e foi então que o seu lado materialista tomou o seu lugar no trono. Inclusive a sua boca fugiu para a derradeira verdade, revelando num dos seus inúmeros comentários que ela já sabia quase desde o princípio que este seria o Navio a onde iríamos viajar. Certamente que aquele embarque seria muito mais suportável se fosse desprovido de todos aqueles comentários incomodativos… Mas Renée parecia fazer gosto em dize-los e repeti-los, mais uma vez decidi ignorar qualquer um deles, seria o melhor a fazer.

Subimos a rampa de acesso a uma das portas de embarque pertencentes á 1ª classe. Renée com um grande sorriso de satisfação percorreu-a com um porte que jamais poderei descrever com precisão, pois nesse momento tentava fazer um esforço em conter-me para que não pegasse na mão de Alice, corresse até ao nosso motorista e lhe implorasse para que nos levasse novamente para casa. A nossa mãe aproximou-se de um homem já grisalho, baixo e que detinha nas suas mãos a lista dos passageiros. O senhor, com um leve sorriso desejou-nos as boas vindas ao Titanic, Renée voltou a sorrir. O seu sorriso dessa vez foi mais aberto, detendo uma enorme satisfação, tentado exibir a sua pose mais aristocrática. Para aquele senhor que cuja sua tarefa era simplesmente receber os passageiros, bastaria passar longos minutos para depois daquele breve encontro inevitável, ele já não se lembrar do rosto de Renée. Com toda a certeza que ficaria mais focado na obrigação de desfazer-se em mil cumprimentos saudosos e repetir incansavelmente: “Madame, bem-vinda ao Titanic…” e “Cavalheiro, bem-vindo ao Titanic…”, desejando a todos os que embarcassem uma boa e agradável viagem. Visto da minha perspectiva, não valeria de muito á nossa mãe espalhar o seu charme e requinte a uma hora deveras tão matinal como aquela… mas o seu lado exibicionista conseguia sempre seduzi-la e faze-la ceder a inúmeras manifestações, anunciando a sua presença independentemente do lugar em que se pudesse encontrar.

    Percorremos apenas alguns metros quando um jovem muito bem-parecido aproximou-se de nós, com a sua farda bastante cuidada, o cabelo severamente penteado para o lado esquerdo.

- Sejam bem-vinda Madame ao RMS Titanic… - Saudou o jovem rapaz com uma pequena vénia.

Renée agradeceu com um ligeiro movimento de cabeça.

- Permita-me que lhe ofereça os meus serviços, ao qual fui incumbido de executar, para lhe indicar a suite onde permanecerá confortavelmente hospedada. – Prosseguiu o jovem.

- Oh é muito atencioso da sua parte. – Agradeceu Renée, ajeitando mais uma vez a estola de pêlo exuberante ao redor dos seus ombros. – E decerto que aceitarei os seus serviços. Poderá indicar-me então onde fica as suites B-52, 53 e 54?

- Com certeza Madame. – Acenou afirmativamente o jovem rapaz com cordialidade. – Por favor venha comigo.

O jovem virou-nos automaticamente as costas, ajeitando com um gesto rápido o casaco da sua farda e seguindo por um amplo espaço, onde já se encontravam vários passageiros distintos da 1ª classe. Alguns conversando calmamente, outros admirando a beleza do novíssimo Navio, lançando por vezes um comentário mais solene e apreciativo. O espaço era bem iluminado por um lustre não muito grande, dourado todo maravilhosamente ornamentado de cristais. Para além do lustre ainda havia três grandes janelas com vitrais coloridos, forjados minuciosamente e que preenchiam o ambiente com inúmeras cores. As paredes eram pintadas de branco e o tecto fora decorado com estuque pintado de dourado e branco, todo ele possuidor de rosas majestosas conjugadas com arabescos rameados que pareciam florescer a partir do centro onde fora colocado o lustre. O passo daquele rapaz era rápido e decidido, os seus sapatos engraxados faziam-se ouvir no soalho de madeira polida, aproveito para dizer que aquela madeira tinha um brilho magnífico….

    Atrevo-me a dizer que pareceu-me ver a nossa mãe ter uma ligeira dificuldade em segui-lo. Mas não passou muito tempo, sendo-nos permitido estancar o passo quando nos encontramos defronte das portas pretendidas, próximas umas das outras, igualmente brancas, de linhas simples e elegantes, fazendo destacar as chapas douradas: “Suite B-52”, “Suite B- 53” e “Suite B-54”, o chão de madeira brilhante e bem tratada subitamente fora substituído por alcatifa creme e passadeiras feitas de carpete persa que oscilava entre o creme e o vermelho. Havia candeeiros de parede com abajures ao longo de toda a extensão do corredor, iluminando o nosso caminho. Toda aquela luz atribuía ao ambiente ao nosso redor uma atmosfera de leveza, requinte, luxo… como não podia deixar de ser. Olhei por alguns segundos para a Alice, nenhum comentário, nem mesmo um olhar na minha direcção em que ela pudesse mostrar que se sentia tão contrariada quanto eu por estar ali. Naquele momento conseguia sentir que a Alice sentia-se ainda mais nervosa do que antes… parecera-me menos agitada antes de embarcarmos. Naquele momento eu só desejei que conseguisse finalmente um momento, por mais efémero que fosse, para que finalmente a minha querida irmã Alice pudesse libertar o que lhe ia na alma que me parecia tão perturbada.

 - Chegamos Madame, aqui estão as Suites B-52, B-53 e B-54. – Declarou o rapaz, aproximando-se um pouco da porta da suite 52 e estendendo o braço num gesto elegante.

- Agradeço-lhe imenso. – Respondeu a nossa mãe, sorrido mais uma vez para ele. – Pode prosseguir com o que lhe compete. Não necessitamos mais de si.

- Muito bem Madame. Mais uma vez desejo-lhe uma boa viagem a bordo do Titanic.

O jovem afastou-se rapidamente de nós, percorrendo o corredor, saindo do nosso campo de visão. Renée tratou de depositar toda a sua atenção em nós. O seu sorriso continuava vivo e fresco e o seu ar de aristocrata distinta não a abandonara nem por um único segundo.

- É incrível! Minhas adoradas filhas! – Exclamou com grande admiração. – Atrevo-me a repetir que não há um único barco que se compare ao Titanic! É deveras um barco enorme e tremendamente luxuoso.

Olhei para a nossa mãe com uma ligeira indiferença. Até quando ela continuaria com aquele seu discurso vazio de bom senso? Será que para ela só importava o conforto extremo e a segurança de bens materiais?! Tinha forte esperanças de que ela abandonasse por fim as suas palavras de admiração ao qual não se cansava de retribuir ao Titanic. Sim… quem pode negar que é um navio deveras impressionante e luxuoso? Ninguém. Mas o Luxo não é tudo, e eu acho que nunca é demais optar por uma condição humilde. E se o rumo da história tivesse sido outro? Em vez de pertencer á 1ª classe, pertencesse-mos á 3ª classe? O seu discurso assoberbado, todo ele cheio do seu próprio orgulho, plenamente baseado no conforto que o dinheiro oferece seria o mesmo? Teria aquele brilho e toda aquela confiança desdenhosa? Certamente que não…

Eu não seria convencida a cair na persuasão de acreditar em tal coisa. Talvez fosse isso que fazia falta á nossa mãe. Um pouco de humildade e até mesmo merecer passar por uma situação mais semelhante aos que vivem na condição de 3ª classe e lutam por terem uma vida minimamente decente neste mundo tão cunhado pelo estatuto social.

   Poderia ser que aprendesse com o seu erro e lembrar-se de todas a vezes em que falou daquela forma que ela tinha acabado agora de falar. É vital lembrar que a segurança financeira não é um dado adquirido, muito pelo contrário, essa mesma segurança é provida de uma fragilidade que muitos preferem ignorar e optarem por viverem como lhes convir, até que essa pseudo segurança se esgote… aí a realidade dura e crua cai sobre esses mesmos ignorantes que decidiram por passar adiante e ignorar o salutar aviso, quando ainda tinham tempo para recuar e viverem as suas vidas com mais equilíbrio e juízo, não o fizeram. Renée Mary Dewitt Bukater estava condenada nesse aspecto, ela jamais se libertaria das grilhetas desse mesmo estado de consciência. Para ela os bens materiais era a base de tudo… para mim, basta tentar viver com os meus próprios ideais e acreditar que a vida não é tudo o que a minha mãe acredita.

- Mãe, sinto-me muitíssimo cansada. – Comentou subitamente Alice. Os seus gestos demonstravam claro desconforto. – Pode-me dizer qual é a suite onde eu ficarei, por favor?

- Mas minha querida? Como é possível já estares nesse estado de cansaço?! Ainda agora acabamos de chegar… - Ripostou Renée.

- Sinto-me indisposta mãe… - insistiu Alice.

- Muito bem… - disse Renée. – Tu e a tua irmã Bella ficam nas Suites B-53, 54. Eu fico na Suite B-52. Descansa então minha filha, se o dizes então arrisco-me já a adiantar que bem vais precisar pois mais logo teremos o nosso primeiro jantar a bordo do Titanic!

Alice contemplou a nossa mãe por dois segundos e depois concordou num vago acenar de cabeça. Depois, Renée desviou o seu olhar na minha direcção e disse:

- E o mesmo digo a ti, Bella. Aproveita até á hora de te preparares para o jantar para descansares… certamente que também serás merecedora de um agradável descanso. – Aconselhou-me. – E claro, estares com uma aparência deslumbrante, aliás, como é devido na tua idade.

Não lhe dei uma resposta concreta, mas acenei em concordância… apesar de haver a clara possibilidade de não seguir o seu conselho. Renée entrou na sua suite, a Alice optou por ficar na suite B-53 e eu fiquei na única suite ainda livre a suite B-54.

   Detive-me mais um pouco de tempo no corredor, não tinha a mínima noção se o Titanic já tinha dado início á sua partida ou se ainda se encontrava no Cais de Southampton, muito sinceramente isso era um pormenor pouco interessante, que pouco me prendia a atenção. A Alice entrou dentro da sua suite, não me dando uma única oportunidade para falar e mesmo perguntar o porquê de durante todo aquele tempo ela encontrar-se tão nervosa. Olhei incognitamente para um ponto distante do corredor, vendo tudo e não vendo nada, deixando a mente voar por pensamentos que nem se fixavam o tempo suficiente para serem mais tarde recordados devidamente. Há entrada do corredor surgiu um casal, acompanhados do mesmo jovem rapaz que nos tinha acompanhado até ali. Resolvi entrar o mais rápido que me foi permitido dentro da suite que me tinha sido reservada, o que aquele jovem pensaria se me encontrasse ali, sozinha no meio do corredor praticamente vazio? Uma coisa bastante provável era que o próprio viesse de encontro a mim e pedir de alguma forma uma explicação do porquê de ainda não ter entrado. Eu não queria falar com ninguém, não queria distribuir saudações afáveis e comentários delicados quando na verdade tudo o que queria era gritar a plenos pulmões e dizer que não era isto que eu realmente queria. O desconhecido assusta-me, não sei o real motivo que me leva a atravessar um vasto oceano até alcançar Nova Iorque, eu não compreendo a súbita atitude da minha mãe, quando ela se dirige a mim de uma forma muito mais afável, mas com a minha irmã Alice os seus afectos esfriam instantaneamente. Algo se passa e eu não consigo saber o quê, algo está á minha frente e eu não consigo ver o que é. Um obstáculo? Uma decisão crucial que mudará, talvez para sempre a minha vida? As questões podem formar uma vasta lista mas não há uma única resposta para qualquer uma delas e é isso que torna tudo isto realmente assustador.

   O jovem rapaz não pareceu notar a minha presença ali no meio do corredor, pois não se fez ouvir qualquer pancada na porta da suite. Respirei de alívio, mas rapidamente perdi o fôlego quando o meu olhar prendeu-se sobre o que tinha á minha frente e em redor de mim. Tudo o que consegui ver foi uma ampla sala de estar, bastante confortável. Ao centro tinha uma mesa de madeira brocada a dourado, sobre ela repousava uma elegante jarra cristal repleta de rosas vermelhas perto dela estava um pequeno sofá de veludo da mesma cor das rosas, de madeira escura e em cada lado repousavam uma poltrona forrada do mesmo veludo delicado. Do meu lado direito, com toda a certeza foi com o que eu mais fiquei maravilhada, erguia-se uma lareira. Digo em toda a verdade que possa existir, que nunca vira uma lareira tão bela como aquela… em madeira escura brocada com relevos dourados e pedra mármore cor creme. Sobre ela repousava um relógio igualmente de madeira polida e brocado dourado, fazendo um conjunto deveras inconfundível. Atrás de si erguia-se um enorme espelho com toda a sua moldura dourada ornamentada de ramos de videira entrelaçadas quase a ocupar a pequena parede da lareira, em cada lado do espelho havia um candeeiro vistoso fazendo-me lembrar as raízes de árvores a despontar da terra. Todas as paredes daquela divisão maravilhosa eram em madeira brilhante e o dourado reinava sem dúvida ali. Fitas de cetim dourado entrelaçavam-se em grinaldas douradas, cornucópias nasciam do nada percorrendo as paredes de madeira, pormenores e mais pormenores que não tinham outra cor a não ser o dourado. Movida pela curiosidade atravessei a porta que separava aquela divisão daquele que seria durante dias o meu quarto. O quarto era bastante mais agradável, dado que o dourado tinha dado claramente lugar ao vermelho escuro. As paredes forradas com tecido vitoriano de veludo vermelho, a cama era enorme, de dossel. Claro que não tão grande, comparada com a que eu tinha deixado naquela que era agora a minha antiga casa. O leito era ocultado por cortinas de veludo vermelhas… a madeira esculpida com traços simples mas finos, não muito longe tinham colocado um tocador um pouco mais complexo em comparação á cama. Tinha apenas um único espelho entalhado na madeira escura, sobre a superfície da mesa apenas se encontrava o vazio… nada tinha sido disposto sobre a mesa até agora, eu seria a primeira a faze-lo.

    Reflecti, e silêncio, olhando em redor e pensando novamente em tudo mas ao mesmo tempo em nada. Sai do quarto, voltado á sala de estar dourada e do meu lado esquerdo vi que existia uma porta, de cada lado da mesma havia duas janelas escondidas pelo pano das cortinas apanhadas dos lados com fitas de cetim. Já me aproximara dessa mesma porta e estendido a mão na direcção da maçaneta quando fez-se ouvir uma pancada firme na porta. Detive o movimento que me preparava para executar e instintivamente perguntei:

- Quem é?

Do outro lado fez-se ouvir uma voz masculina.

- Madame, trouxe-lhe as suas malas. Se me permite…

- Ah com certeza. – Interrompi.

Alisei a saia do meu vestido, dirigi-me á porta de entrada e abri a porta. Á entrada um Homem de feições marcadas trazia os meus pertences e atrás de si detinha-se dois grandes caixotes rectangulares esverdeados.

- Trouxe os meus quadros, tal como eu tinha perdido senhor? – Questionei educadamente.

- Com certeza Madame. – Respondeu o Homem.

- Muito bem, traga tudo para dentro e depois pode-se ir embora.

- Sim Madame…

O Homem fez o que lhe competia e saiu solenemente da suite, fechando a porta suavemente. Ignorei completamente as malas, deixadas ali, prontas para serem desfeitas… certamente que iria aguardar pela minha criada. Mas não me pude conter quando assim que o meu olhar recaiu sobre os dois caixotes grandes rectangulares. Retirei o chapéu da minha cabeça, colocando-o sobre uma das poltronas e aproximei-me de um dos caixotes. Vagarosamente retirei a tampa e comecei a retirar, um a um, todos os quadros que tanto eu gostava…

   Uma das minhas grandes paixões é a Arte, a Pintura consegue ter a magia de dar significado a uma vida sem sentido e consegue preencher uma que seja demasiado vazia. Defendo que cada pintura aprisiona a sua mensagem, retém o seu próprio significado e transmite ao mundo aquilo que cada um quer ver.

   Elisabeth Vigée-Lebrun, François Boucher, Renoir, Van Gogh, Vermeer, Fragonard, Degas… tantos e tantos que admiro, cada um com a sua mensagem, cada um conta a sua vida por aquilo que pintou. As suas memórias não são mais que pinturas em telas… memórias imortalizadas…

Volto a ouvir uma pancada na porta, desta vez é uma pancada mais suave. Pergunto novamente quem é mas ninguém responde, em vez disso a porta abre-se e do exterior surge a cabeça de Alice.

- Bella… posso entrar? – Perguntou-me.

- Oh claro que podes! Entra… - Incentivei-a.

Sobre o olhar de Alice paira algo inquietante, algo perturbador. Algo que me incomoda por motivos que desconheço… Talvez eu não queira realmente saber, mas a minha curiosidade e o amor que tenho por Alice faz-me querer ir na direcção contrária. Ao longe começa-se a ouvir as primeiras composições da orquestra ao serviço do Titanic. Isso é um claro sinal de que partimos finalmente de Southampton.

Emmet

Estava farto de Londres, isso era uma verdade. Aliás, a já bastante tempo que estava farto destas redondezas. Mas o Carlisle parecia-me estar bastante confortável no mesmo sítio e durante muito tempo nunca mais tocou no assunto a que envolvia mudanças… A cada dia que passava o aborrecimento instalava-se. A comida era aborrecida, os homens aborrecidos, as crianças aborrecidas, as mulheres aborrecidas, até o gato da esquina que pertencia á família que vivia ao lado da nossa mansão era aborrecido. Todos os dias eu morria num tédio tremendo. E é então que, subitamente a pergunta surge meus amigos. Para que serve viver eternamente, se depois passamos dias inteiros aborrecidos?

O Jasper preferia ficar no seu quarto a fazer… bem, não sei. Mas coisa boa não é! E o Edward? Bem, o Edward passa os seus dias a resmungar como um velhinho de 71 anos, e só tem apenas 17 anos! Bem… tecnicamente essa foi a idade com que ele foi transformado. Pode-se dizer, e eu nunca me engano, que a única coisa que o Edward vê á frente e não resmunga é unicamente o seu precioso piano de cauda. Ninguém, excepto ele, pode tocar nele… nem mesmo com um dedo.

    Então o que fazer para ter uma distracção decente? Os espectáculos na Ópera já não tinham grande interesse para mim, o Teatro muito menos… A ideia surgiu-me na mente de uma forma tão abrupta que eu achei-a quase demoniacamente deliciosa… Arreliar o Edward. Comecei por coisas pequenas, mas rapidamente passei para a artilharia pesada, como fazendo pequenas observações aos seus comentários, aos seus resmungos por algo em que ele próprio não estava de acordo… E o certo é que o conseguia irritar.

Depressa começou a ser muito mais divertido irritar o Edward do que frequentar a Ópera e o Teatro… mas o velhinho resmungão do Edward começou a ser mais cuidadoso e ponderado no que dizia. O aborrecimento voltou com toda a sua força e eu estava mesmo quase a começar a bater com a cabeça nas paredes quando o Carlisle lançou a notícia… Mudanças!

   Juro que quase consegui ouvir vozes celestiais vindas dos céus a cantarem um Aleluia tão grande quanto a minha alegria. Obviamente que quem não estava satisfeito era…. o Edward. Colocou advertências, deu sugestões mas mesmo assim a opinião e decisão de Carlisle não vacilou. Abençoado seja o Carlisle.

A expectativa era grande e quando chegou o grande dia, eu não conseguia caber em mim de tão contente, enquanto o Edward continuava com aquela cara de aborrecido.

A sua atitude não mudou quando chegamos ao Cais de Southampton e muito menos quando embarcamos no Titanic, o actual navio mais afamado e o preferido de todos… excepto do Edward claro. Carlisle e Esme ficaram na Suite A-45, eu, o Jasper e o Edward ficamos na Suite A-46. Todos nós ficamos satisfeitos excepto… bem, acho que não vale a pena mencionar quem é que não ficou satisfeito não é…

  

    O navio partiu, centenas de pessoas, as que ficaram para trás em Southampton saudaram as que partiram a bordo do Titanic, desejando uma viagem óptima até a Nova Iorque. Feitas as despedidas, que nunca parecem ser as suficientes, o Titanic começou a sua viagem… Próxima paragem seria em Cherbourg, a seguinte em Queenstown só depois então o grande e titânico navio enfrentaria o vasto Oceano Atlântico como um gigante dos Mares.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado ^^
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Beijinho *.*



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