Confusões De Uma Vida Perfeita escrita por Miaka


Capítulo 2
Lembrança


Notas iniciais do capítulo

Gostaria muito de agradecer a todos que comentaram e pedir perdão por demorar tanto tempo para atualizar! Tirando as fics de hiatus, muito obrigada por acompanharem, pessoal! ^^



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Confusões de uma vida perfeita

Capítulo II: Lembrança

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Cheguei até o salão da mansão de Byakuya trazendo o futon que ele me deu enrolado debaixo do braço. Vestindo um yukata verde-musgo, também dado por Byakuya, eu chutei os muitos brinquedos que havia no ambiente, trazidos de Karakura por Misaki e Ginrei, para arranjar um espaço que, mesmo na sala com mais de dez metros quadrados, não tinha lugar por causa da bagunça que meus filhos causavam na casa do tio.

Lancei minha "cama" ao assoalho de madeira. Estendi o futon e naquele travesseiro duro e desconfortável, pousei minha cabeça, desejando que tudo fosse um pesadelo.

Porque só podia ser:

Perdi minha clinica, meus filhos eram dois delinquentes em potencial e eu estava sendo sustentado, vestido e alimentado por meu cunhado que me odiava. Ah, também fui expulso do quarto pela minha própria esposa.

Aquele teto não familiar era, no mínimo, incômodo ao estar sobre minha cabeça. Encarei o nada e me lembrei da vida tranquila que levávamos em Karakura.

Bem, não sei se você pode considerar tranquilo viver com seus filhos de sete e quatro anos correndo pela casa, berrando e se batendo e uma esposa que está ao menos 23 das 24 horas do dia emburrada. Na TPM, então, meu sofrimento dobra, aliás, triplica. Um mero 'bom-dia' que eu dê a Rukia é o suficiente para que ela me responda com chutes e socos.

Mas eu a escolhi. E simplesmente não consigo me ver vivendo com outra mulher que não seja ela.

Desde que a conheci, me apaixonei e decidi me casar com Rukia. Levei-a para viver comigo, tirei-a de seu mundo, mesmo sob os protestos de Byakuya e a transformei na senhora Kurosaki.

Rukia era linda, com uma beleza exótica e única. Um corpo de medidas sutis que cresceram com o tempo e a deixaram cada vez mais... tentadora.

Sua personalidade forte me cativava e me fortalecia também. Ela era perfeita.

Viver com Rukia era incrível, sempre fora desde que a baixinha surgira na sua vida.

E além de tantas qualidades que eu levaria horas, talvez dias descrevendo, devo ressaltar que ela é uma leoa na cama e somos muito... diria extremamente bem resolvidos na cama. E a prova está bem viva diante de nós, dois filhos muito saudáveis e dispostos a passar o dia inteiro correndo pela casa e nos enlouquecendo.

Não a culpava por estar tão estressada.

Rukia passava o dia todo cuidando de nossos filhos enquanto eu tocava para frente a clinica que achava ser nossa. Além de tudo, tinha de arrumar a casa, preparar a comida, coisas que eu não sabia que deixavam uma mulher tão enlouquecida quando via a Yuzu fazer.

Talvez porque não tivemos muito tempo apenas casados. Rukia já estava grávida quando nos casamos e em pouco tempo tínhamos inúmeras responsabilidades. Tive que me virar para concluir a faculdade em meio a troca de fraldas e choro do Ginrei. Mas aquilo tudo... me completava.

E me fazia feliz.

Era a vida que eu havia escolhido.

Ainda me lembro como se fosse hoje...

"

– A senhora volta na semana que vem se ainda continuar a tossir.

Terminava de atender uma senhora idosa de nossa vizinhança. Já passava das nove da noite quando olhei o relógio e vi como estava atrasado. Havia marcado de jantar com Rukia aquela noite e o que eu ainda estava fazendo ali?

Ultimamente só saia da clinica tarde, ao ponto de que quando voltasse para casa Rukia já estaria na cama ou tentando colocar nossos filhos para dormir.

Assim que a senhora saiu, recostei-me a cadeira e tirei o estetoscópio do pescoço e o lancei a mesa, levantando-me para retirar o jaleco branco e o pendurar na arara próxima a porta.

– A Rukia vai me matar... – e coçando a nuca sem jeito, farfalhei meus cabelos.

Atravessei a porta do corredor que dividia a clinica de nossa casa e, para minha surpresa, tudo estava na plena paz. As crianças não estavam gritando nem correndo ao meu redor quando entrei e Rukia... Onde ela estava?

– Rukia? – chamei, preocupado com a quietude daquela casa que, usualmente, era tão barulhenta.

– Ichi-nii!

E para minha surpresa, da cozinha vinha Yuzu. Minha irmã caçula sempre tão prendada vinha vestida com um avental rosa com estampas de morango. Apesar de ter se tornado uma jovem adulta digamos... extremamente atraente – e devo ressaltar que isso me incomoda muito! – Yuzu mantinha aquela ternura e doçura infantis.

– Yuzu! Que está fazendo aqui? – arqueei a sobrancelha, confuso ao vê-la ali. Yuzu não ficava muito lá em casa se não fosse pra cuidar das crianças.

– Ora, onii-chan! Falando assim nem parece que está feliz por eu estar aqui! – a loirinha sacudiu a colher-de-pau que tinha em mãos e que ameaçava varar na direção do mais velho. – Vim porque a Rukia-chan me pediu para cuidar das crianças! – explicou.

– Cuidar? – me lancei ao sofá. Estava exausto depois de um dia inteiro na clinica. – Mas nem vamos sair... – disse, retirando os sapatos.

– É. – minha irmã assentiu. – Ginrei e Misaki já estão tomando banho para dormir.

Não podia negar que minha irmãzinha tinha jeito com crianças. Ela tinha o poder de conter aqueles dois pestinhas. Que milagre um dia eu conseguir descansar.

– Vou ficar até tarde, já que... – e corando um pouco, ela apertou o cabo do utensilio de cozinha. – meu namorado está ocupado hoje à noite.

– NAMORADO? – perguntei em um sobressalto. – Não me diga que...

Ok, Yuzu já tinha 18 anos. Já estava mais que na idade de começar a fazer coisas mais adultas como... ir dormir na casa de amigas, err... Brincar de bonecas... Ok, ela tinha idade até para namorar. Mas o problema não era esse – não principalmente!

– Sim, é com ele mesmo, Ichi-nii! – a garota tímida abriu um singelo sorriso.

Bufei, cruzando as pernas e meus braços. Onde será que aquele velho doido estava com a cabeça de deixar que Yuzu namorasse com aquele trombadinha do Jinta?

– Olha, não sei quanto ao velho, mas eu não apoio isso! – resmunguei com o cenho franzido.

– Mas o otousan fez o Urahara-san jurar que ele ia cuidar bem de mim! – Yuzu protestou.

– Ahan! Acredite muito nas palavras daquele velho e do Urahara! – ironizei. – Bem, onde está a Rukia? – perguntei preocupado.

– Bem... – Yuzu desviou o olhar e aquilo me deixou mais tenso.

Não houve necessidade de responder. Logo Rukia vinha, em passos firmes, trazendo as sandálias brancas de salto que havia dado a ela em nosso aniversário de casamento. O cenho franzido e a expressão emburrada me fizeram cogitar uma hipótese... Não. Já tinha passado um mês, certo? Um mês atrás então... é, estava certo, ela estava naqueles dias.

Então fiquei a encarar a morena que me fuzilou com um olhar.

– Rukia! – me levantei. – Eu vim pra irmos jantar! – e sorri quando fitei o vestido vermelho de veludo que ela vestia, ele tinha mangas compridas e em estilo tubinho, deixando-a simplesmente... linda! Apesar daquela expressão carrancuda no meio do rosto levemente maquiado. Mas por que ela estava assim? – Onde está a comida? E que produção toda é essa? – ri.

Rukia tentava me ignorar, indo em direção a Yuzu, mas quando ouviu aquele comentário meu, sabia que havia assinado minha sentença.

– Por que estou assim? – Rukia se exibiu antes de se aproximar e ficar diante de mim. – Porque meu marido – e me bateu com a sandália em mão com toda sua fúria. – me disse que ia me levar pra jantar! – e continuou a me agredir.

– Rukia! Rukia! – eu tentei me defender com os braços, mas Rukia estava descontrolada. – Rukia, eu te disse que íamos jantar! Eu vim aqui! Onde está a comida? Yuzu! – chamei, mas minha irmã já havia desaparecido dali, ela sabia que quando Rukia se enfurecia, o melhor a fazer era sumir.

– Jantar aqui? – Rukia pousou as mãos a cintura. – Você me chamou pra jantar em casa?

– Claro! – afirmei o obvio. Rukia sabia que não tínhamos como esbanjar assim.

– Sabe que há quantos anos não me leva pra sair? – Rukia parecia indignada, mas ao ouvir a pergunta dela, decidi responder a altura.

– Eu te levei no mercado semana passada! – Que ingrata! Eu havia levado ela semana passada pra fazermos compras.

– No mercado? – ela cruzou os braços e rindo ironicamente. – Que lindo passeio!

– Não entendo, Rukia! – foi a minha vez de explodir. – O que você quer? Que eu te leve num restaurante de luxo? – retoricamente perguntei rezando para que ela não respondesse que sim. – Como você imaginou isso? Não tenho dinheiro! Temos dois filhos que comem mais que elefantes famintos num zoológico, gastamos muito com fraldas porque a sua filha com quatro anos ainda faz xixi nas calças! – ralhei.

Era a hora daquela patricinha que era minha esposa saber o que era a vida de verdade. Não um conto de fadas de um nobre que não fazia nada como Byakuya havia lhe dado como exemplo.

Minha filha? – aquela troca de pronomes possessivos em brigas era comum, Rukia sabia muito bem. – Nossa filha! Eu não sou uma chocadeira e não o fiz sozinho! – Rukia perdia a linha. – Já o seu querido Ginrei que tem sempre que comprar um videogame novo em cada vez que sai!

– Você não entende o que é importante para um menino! – protestei.

– Então não se meta com a educação que dou a Misaki! É a mesma, tão falha, que você dá pro Ginrei!

Rukia então se sentou furiosa na poltrona a frente do sofá. Permaneci de pé. Estávamos separados apenas pela mesinha de centro. Foi quando a fitei. Rukia usava a arma que eu jamais poderia vencer: suas lágrimas.

Meu coração se apertou ao vê-la chorar, borrando a maquiagem tão bonita. Rukia estava tão... linda. Que dó vê-la assim. Estávamos em uma situação difícil e realmente devia estar me ausentando como marido para ser mais pai e médico. Aquilo devia estar afetando ela.

– Rukia...

Eu me ajoelhei a sua frente, mas minha esposa era orgulhosa demais, então logo virou a cara para não me encarar. Mas a cada soluço que ela dava eu sentia meu coração ser comprimido. E ainda que ela evitasse, dedilhei cada lágrima que ela derramava, envolvendo a maçã do rosto alvo com a mão.

– Você quer sair, meu bem, então nós vamos, tá? – sussurrei, mas Rukia balançou a cabeça. – Vamos. Sei que é importante pra você! – Ok, meu cartão de crédito estava estourado já, mas eu não ia permitir que minha Rukia derramasse mais lágrimas por causa do marido incapaz de dar a ela um agrado que uma mulher precisa. Segurando-a dos dois lados, beijei sua fronte com carinho. – Vou tomar um banho rápido e você devia vir comigo, está com a maquiagem toda borrada!

– Banho com você? Faz tempo que não sei o que é isso! – Rukia parecia me desafiar com um sorriso maroto. – Você só quer saber das suas coisas agora!

– Eu tenho trabalhado muito, Rukia... Me desculpa se não tenho sido um bom marido pra você! Vou melhorar e vamos começar isso hoje! – anunciei, abraçando minha pequena. – Vamos, a noite está só começando.

Logo me dirigi as escadas com Rukia, enchendo minha amada esposa de beijos e carícias. Como era gostoso ama-la. Tão gostoso que quando ouvi a voz de Yuzu me chamar, quase não dei atenção.

Onii-chan! – gritava. – Tem uma correspondência aqui pra você!

– Tá, coloca em cima da mesa, Yuzu! – gritei, voltando a abocanhar a nuca de Rukia, afastando os cabelos negros de minha esposa enquanto íamos para o banho.

Lá a fiz minha. Intensamente como há muito não fazia. Geralmente Rukia estava cansada demais de cuidar de nossos filhos e eu cansado demais de trabalhar na clinica até altas horas. Mas quando podíamos, Rukia sempre demonstrava muito carinho e paixão e eu não podia retribuir de outra maneira que não fosse com a mesma ou maior intensidade.

Nem tendo dois filhos Rukia havia perdido aquelas suaves, porém sinuosas curvas que tanto me encantavam. Pelo contrário, parecia que a cada vez ela ganhava mais volume nos lugares certos.

Rukia me enlouquecia. Tanto como esposa, quanto mãe ou como minha mulher.

Após possui-la, enchi aquele corpo escultural com beijos e caricias! Envolvi-a com o meu sentindo cada pedacinho da pele de porcelana de Rukia. Uma paixão insaciável me dominava toda vez que a tinha daquela forma. Rukia me beijava com paixão quando várias batidas na porta chamaram nossa atenção, fazendo-nos parar.

– Mamãe! Mamãe! – a voz fina de Misaki chamava do lado de fora, me fazendo bufar, mas corresponder o sorriso que Rukia esboçou.

– Oi, querida! – Rukia exclamou, levando um dedo aos lábios para me sinalizar não falar.

– Eu quero fazer xixi! – gritou.

– Ué, ela não tá usando mais fr...

E as mãos de Rukia selaram meus lábios.

– Pede para a tia Yuzu te levar no lavabo do primeiro andar, tá?

– Mas eu tenho medo!

– Não tenha, querida! Pode ir! A Tia Yuzu está lá embaixo!

– Tá bom! – nossa filha gritava do outro lado da porta.

Após um tempo, decidi tomar coragem de falar num sussurro.

– Rukia, não me contou que a Misaki não tava mais usando fralda. – sorri com felicidade para minha esposa.

– É, afinal, você não quer me ouvir nunca! – Rukia brigou como de costume porque... oras, ela sempre briga comigo.

– Bem... – parei pensativo. – Então por que quando fomos ao mercado semana passada você comprou fraldas?

Sem responder, Rukia abriu a cortina do box e se pôs para fora em um segundo.

– Rukia! – estranhei a atitude dela que logo se enrolou na toalha vinho.

– Bem, vamos logo! Já está tarde e não temos reservas. – Rukia comentou enquanto ia até a bancada do lavatório e pegava um creme, despejando uma pequena quantidade em mãos, espalhando no rosto em seguida ao se fitar no espelho.

Senti meu peito doer. Não. Tomávamos todas as precauções, certo? Se bem que confiar na cabeça-de-vento da Rukia...

– Rukia... – chamei sério e fui respondido pela morena que virou com um sorriso amarelo em minha direção. – Não está acontecendo nada, não é? – cruzei os braços.

– Hm? – Rukia deu de ombros, voltando a se fitar no espelho. – O que poderia estar acontecendo?

– Você deve saber mais do que eu... – continuei a encara-la.

– Ué, não sei por que está parecendo tão encucado com algo que não existe...

– É, né? – e retirando a toalha azul do pendurador na parede, dei um passo a frente saindo do box.

Rukia devia estar louca se cogitava ter outro filho.

Os gritos de Misaki e Ginrei já haviam considerado a minha casa uma ameaça pelo Ministério da Saúde, já que eles ultrapassavam os 120 decibéis. Se você não sabe, 120 decibéis equivalem ao barulho da decolagem de um avião. Imagina termos mais um? No mínimo eu estaria falido e muito provavelmente louco.

– E o seu pai? – perguntou Rukia enquanto passava a base no rosto com a ponta de seus dedos.

– Ah, ele ligou hoje quando você estava na casa da Inoue. – eu não queria mesmo falar daquele maluco.

– E onde ele está?

– Ah, ele desembarcou hoje na costa do Brasil. – respondi enquanto fazia a barba com cuidado. – Parece que os cantores do cruzeiro que ele vai são de lá. – comentei, lembrei-me do encarte em que tinham dois homens de meia-idade com chapéus de cowboy e montados a cavalo.

– Não sabia que seu pai tinha gosto pra isso... – Rukia comentou delineando os lábios com o batom rubro.

– Nem eu. Ele inventa uma coisa a cada hora. – suspirei. – O que me preocupa é aquele trombadinha do Jinta atrás da Yuzu!

– Ora, Ichigo, já viu a idade dela? Já tínhamos um filho nessa idade!

– Tivemos um filho nessa idade! E não tínhamos! – ressaltei indignado.

– Ela é nova, quer se divertir! E o Jinta me parece ter boas intenções... – Rukia parecia animada.

– Você está me parecendo muito animada! – cruzei os braços. – Espero que não esteja incentivando minha irmã nisso! – franzi o cenho.

– Ela não tem mãe! O mínimo que posso fazer é ser uma boa amiga para ela! – Rukia parecia irritada com o comentário.

– Ela tem uma irmã!

– Que só sabe pensar na carreira dela jogando futebol profissionalmente!

– Qual é a visão que você tem sobre a minha família? – bati o creme de barbear na pia, ignorando o fato de que estava ridículo com metade do rosto coberto por espuma.

– Nenhuma, só quero ajudar e você está implicando! E pode esquecer! – ela fechou o batom com força, lançando-o a pia. – Não vou mais a lugar algum! Vou pagar a Yuzu o que combinei já que ela está sem o emprego de meio-período e a mandar sair com o Jinta!

– Quê?

Dei um passo a frente e me coloquei entre a porta e Rukia. Ela não faria essa loucura.

– Saia da minha frente, Ichigo! – Rukia vociferou, ela realmente me assustava.

– Não saio! – e tranquei a porta, balançando a chave.

– Seu...

E num esforço patético, Rukia tentava tirar a chave de mim e era óbvio que ela, muito mais baixa, não conseguia pega-la. Cantarolei enquanto via a pele alva de Rukia ficar vermelha e ela, raivosa, rosnar para mim.

Onii-chan!

Batidas na porta chamaram minha atenção e não tive escolha quando Yuzu me chamou.. Abri a porta e no mesmo instante, sem cerimônias, Rukia saiu furiosa em direção ao nosso quarto.

– Que foi, Yuzu? – perguntei preocupado.

– É a carta que chegou. – ela balançou um envelope grande e outro médio.

O menor tinha como remetente o Hospital de Karakura e era endereçado a Rukia. Aquilo me assustou. Mas quando vi o outro, notei que havia um... selo do governo nele? Me assustei.

– Carta? – peguei o envelope e analisei antes de ler o remetente. – Conselho de Medicina? Ordem... de despejo? – gaguejei descrente no que lia.

Afastei Yuzu e cruzei o corredor até nosso quarto.

Tamanha força que fiz ao entrar fez a porta bater em um estrondo. Estava alucinado. Farfalhando os cabelos no alto da cabeça e tremendo enquanto tinha aquele envelope em mãos. Apenas os abajures dos dois lados de nossa cama de casal estavam acesos e a janela estava entreaberta, deixando entrar uma brisa.

Rukia estava sentada na cama, os pés sobre o colchão de molas, passando creme em suas pernas quando adentrei o quarto.

– Que aconteceu? – Rukia perguntou preocupada ao ver meu estado – Está pálido.

– Olha o que eu recebi. – e lancei os envelopes no colchão.

Rukia se esticou para ver e arregalou aquele par violáceo quando leu os dois. O que era endereçado a ela, Rukia rapidamente escondeu assustada. Aquilo me assustou também, mas estava em pânico com a notícia do outro.

– Estão te despejando? – ela exclamou preocupada, tomando o envelope em mãos para abri-lo e retirar várias folhas de oficio que continham nele.

– Nos despejando. Tanto da casa quanto da clinica! – eu andava de um lado para o outro sem rumo, preocupado e desesperado com o que faria com minha família e meu trabalho.

– Falta de pagamento do alvará? Não tem licença para funcionar a clinica? – Rukia estava em choque.

– Pois é. Estamos trabalhando ilegalmente. – conclui com pesar quando me lancei a cama ao lado dela. – Rukia, estamos perdidos.

– Aqui diz que não podemos tirar nada de dentro da clinica. Tudo será doado ao sistema público de saúde. – Rukia lia.

– Que maravilha! Sabe quanto custa cada equipamento? – apoiei meu queixo a mão enquanto os cotovelos estavam sobre os joelhos. – Não tenho nem mais como trabalhar! E não temos casa também! Como faremos com as crianças?

Eu estava angustiado. Estalei a língua, desesperado. Havia solução? Onde moraríamos? Alugar uma casa com tantas despesas que não sobrava nem para eu dar um McLanche Feliz para a Misaki ou pagar os passeios do colégio de Ginrei, já que Byakuya exigia que ele estudasse no colégio particular mais caro de Karakura, já que não podia cuidar da educação dele. Sentiu-se desolado. E Rukia? Mal conseguia satisfazer as vontades de mulher dela. E agora nem casa tinham...

– Rukia... – suspirei. – Não acredito que o velho fez isso!

– Calma, vamos ligar pra ele! – Rukia tentou consolar, rolando pela cama e pegando o telefone da mesinha de cabeceira. – Vamos tentar.

Fiquei a observar as várias vezes que minha esposa tentava entrar em contato com o pilantra do meu pai que, a essa altura, estava cantando música sertaneja em um cruzeiro com passistas de escola de samba brasileiras.

– É, realmente ele não atende... – Rukia parecia tão inquieta quanto eu.

– Amor, tem algo que queira me contar? – decidi perguntar, afinal, se a vida estava me dando tantos golpes, por que poupar de receber mais um?

Rukia apenas balançou a cabeça, mas sua expressão condenava que ela mentia. Suspirei tenso enquanto peguei o telefone das mãos dela. Vamos ver se tenho mais sorte...

E mal segurei o telefone e ele tocou. Estalei a língua quando vi o número que chamava. Entreguei a Rukia.

– Deve ser a Inoue querendo falar com você. – sinalizei.

– Geralmente a Inoue liga do celular dela, mas estão ligando de casa mesmo. Talvez seja o Ishida.

– Tudo. Que. Eu. Não. Quero. É. Falar. Com. Ele. – deixei bem claro demonstrando todo meu mau-humor com uma veia dilatada na fronte.

– Alô? Ishida? Tudo bem? – ouvi Rukia cumprimentar de forma simpática. – Não... Não, ainda não. Pode deixar, eu passo lá amanhã mesmo. – do que ela estava falando? Rukia parecia tão... Será que ela estava me traindo com aquele quatro-olhos de uma figa? Franzi o cenho e a encarei. – Ok, não posso falar agora. – ela sussurrou e aquilo me intrigou mais ainda. – Sim, levo tudo. Também estou ansiosa! Ainda não abri! Desculpa, assim que abrir mando uma mensagem para o celular da Inoue avisando! Me desculpe, sei que está tão ansioso quanto eu! – e soltou uma risadinha. – Vou passar pra ele! Mande um beijo na Inoue e avise que já estou preparando os docinhos pro chá-de-bebê dela.

– Chá de bebê? – exclamei em pânico.

– É, do bebê da Inoue! – Rukia explicou e eu suspirei aliviado.

Ishida e Inoue tinham se casado alguns anos depois de nós, três anos depois para ser mais exato e esperavam seu primeiro filho. Não tinham problemas algum na vida que não fosse aguentar as loucuras de Inoue, já que Ishida tocava o hospital do pai que decidira se retirar do serviço depois de tantos anos dedicado aquilo.

Rukia me estendeu o telefone e pisquei, atônito, ao vê-la cometer tal... suicídio? Porque eu ia mata-la se me passasse o telefone e... Ela não queria mesmo que eu falasse com ele, certo?

Peguei o telefone, bufando.

– Diga, Ishida.

– Como está, Kurosaki? – o ouvi comentar animado do outro lado. Claro, ele não tinha problemas, estava sempre feliz. Mas ah, tenho certeza de que o filho deles dará muito trabalho! E ai ele vai ver o que é bom... e... – Soube das novidades já. – ele interrompeu o meu pensamento insano e psicótico.

– Quê? – indaguei confuso. – Que novidades?

– Perdeu a clinica do seu pai. – ele comentou animado. – Já soube.

– Ah, e você fica feliz com isso? – perguntei, já estava irritado e Ishida vinha a calhar para eu descontar toda minha ira.

– Claro. Você é o melhor pediatra que eu conheço e sempre quis tê-lo na minha equipe. – ele parecia bem feliz. Maldito...

– Eu não trabalho como pediatra hoje em dia. Sou clinico geral, atendo de tudo. – respondi com ar de superior.

– É, você nunca atendeu a sua especialização. Mas adivinhe, estou justamente com uma vaga na minha pediatria e ela é sua!

– Eu não vou trabalhar pra você! – neguei na hora. Eu nunca quis trabalhar ao lado dele. Atura-lo na faculdade já havia sido difícil demais.

– Que eu saiba você foi despejado e expulso. Também perdeu sua clinica. Tem dois filhos pra criar e mais... – Ishida se engasgou e aquilo atraiu minha atenção.

– Mais o quê? – e fitei, receoso, Rukia que permanecia a ler os documentos, mas olhou por cima dos papéis disfarçadamente. – Me conta, Ishida!

– Mais... muitas despesas, Kurosaki. Muitas mesmo! – ouvi do outro lado da linha. – Ou devo dizer Doutor Kurosaki, o melhor pediatra que eu já conheci na vida e futuro chefe da pediatria do Hospital de Karakura?

Tudo que fiz depois desse elogio ridículo foi desligar o aparelho e joga-lo longe.

– O que está fazendo? – Rukia perguntou exasperada.

– Esse idiota me oferecendo emprego naquele hospital de quinta dele! – disse entre os dentes.

– E você não aceitou? – ela parecia indignada, levantando-se da cama. – Como pretende sustentar nossos filhos assim? Ele ligou com boa vontade!

– Como ele soube? – bradei irritado. – Ligou e fez fofoca com a Inoue, não é?

– Eu nem sabia desse envelope, seu idiota. – Rukia retrucou e só pude concordar com a ofensa que ela fez a mim.

– Não vou trabalhar pro Ishida! – bati o pé ao me levantar.

– Então eu estou saindo de casa! – a resposta imediata de Rukia me chocou.

– O quê? – inquiri puxando-a pelo braço. – Rukia! Do que está falando?

– É isso mesmo! Não posso viver com alguém que não tem condições de me manter! Vou pra casa do nii-sama!

– Quê? Vai morar com Byakuya! – mas eu estava com tanta raiva que fiz como dizem, dei linha na pipa. – Vai, só que vai deixar nossos filhos comigo! – exigi.

– Não mesmo! Meus filhos vão comigo! – e novamente ela usava o pronome possessivo apontando a si mesma.

– Eu não sei o que está acontecendo! – expus a ela irritado.

– Nem eu! Você não tem responsabilidade!

– Você está cheia de segredinhos com o Ishida!

– Segredinhos? – Rukia se pôs a frente. – Eu só converso com ele! Somos amigos, sempre fomos! Você que é um bicho do mato que nem queria ir no casamento dele com a Inoue! Aliás, quem tem sorte é ela! Tem um marido atencioso e que está animado com o filho que está vindo, não igual a você que só reclama dos seus! – Rukia choramingou.

– Rukia... – mordi os lábios. Que idiota que eu era! Queria socar a mim mesmo várias vezes. – Olha, vamos esquecer isso! – e me aproximei para abraça-la. – Vamos dar um jeito, ok? Talvez eu fale com o Ishida e dependendo quanto ele me pague... Ele me ofereceu a chefia da pediatria dele. – suspirei. – Não devo ganhar mal. Mas... – fitei aquele outro envelope que estava na cama. – Por que tem um envelope do hospital para você?

– Hm? – ela piscou confusa quase se afastando quando a encarei. – Não é nada. Apenas exames que eu fui fazer lá. – Rukia riu, aquele mesmo riso amarelo que recebera no banheiro.

– Temos uma clinica. – pausei. – Tá, mesmo que ela não seja legalizada... – corei. – Não tem sentido ir fazer exames em outro lugar que não seja aqui comigo! – enfatizei. – Ao menos cuidados médicos eu ainda posso te oferecer, Rukia! – expliquei.

– Eu sei... – ela corou. – Mas... eram coisas de mulher e Inoue se ofereceu para ir comigo e...

– Não há intimidade sua que eu não conheça, não é? – levantei as sobrancelhas num riso. – E se Inoue queria ficar com você, poderia tê-la chamado aqui. Me conta...

Eu a soltei, sentando na cama para pegar o envelope e vi os olhos de Rukia se arregalarem. A morena segurou meu braço com firmeza.

– Ichigo! Não leia! – ela exigia e aquilo me preocupava. Será que Rukia estava doente? Tinha tanto medo quando me lembrava de que sua irmã havia falecido com uma doença tão grave.

– Hm? Por que não? Você provavelmente não vai entender nada do que está escrito aqui! – zombei, abrindo o envelope enquanto via o rosto de Rukia se contorcer em pânico. Retirei os papéis que havia dentro e comecei a ler. – Bem, vamos ver...

Não.

Não era possível.

Era uma brincadeira, certo?

Devia ter uma câmera escondida em nosso quarto.

Rukia estava mais que apreensiva. Ela se virou de costas parecendo pronta a ouvir.

– Rukia...

– Diga.

– Esses exames... – reli o nome dela e a palavra "positivo" abaixo. Não precisava ser nenhum profissional para entender o que dizer. – São seus mesmos?

– S... sim... – ela gaguejou e eu suspirei profundamente. – O que diz? – me questionou ainda de costas.

– Bem... vamos ser pais de novo! – eu revelei tentando esboçar um sorriso enquanto sentia meus olhos começarem a se encher de lágrimas. – Ou esse filho é do Ishida? – cai em mim para que minha esposa logo me desse um soco.

– Baka! – ela ralhou, mas chorosa logo se derreteu antes de pedir uma confirmação: . – É? – Rukia me encarou e acho que ela não esperava me encontrar chorando. – Ichigo...

Ela veio até mim e me abraçou, fazendo meu choro se intensificar mais. Droga, as mulheres não entendem que quando fazem isso nos fazem chorar ainda mais?

Não podia negar aquela felicidade.

Ter um novo filho com Rukia... Era o recomeço daquela loucura deliciosa que era tê-la como esposa e mãe de seus filhos. Uma nova criança para gritar em meus ouvidos, para me irritar, para me chamar de pai, para ensinar a andar, para me abraçar quando chegasse em casa... e para dizer que me amava.

– Me desculpe... acho que esqueci algum dia de me prevenir e... – ela se explicava quando capturei seus lábios em um beijo. Larguei os papéis e a envolvi em um abraço.

– Não me peça desculpas por me dar essa alegria! – sorri para ela, tentando secar aquelas lágrimas insistentes. – Estou muito feliz! Apesar... de tudo! – suspirei, voltando a abraça-la.

– Que bom! Pensei que ia odiar... por isso fui com a Inoue quando desconfiei até o Ishida... – Rukia explicou, não hesitando em abrir um largo sorriso que logo esmaeceu. – Mas e agora, Ichigo? Temos mais essa criança e não temos nem casa. – ela riu de forma triste.

– Bem... vamos pro único lugar que nos resta... – cocei a cabeça, sem saída.

– Onde? – Rukia piscou.

– A Soul Society! Bem... se seu irmão aceitar... – e lembrei quem era o irmão de Rukia.

– Ele vai querer! Só... acho melhor não contarmos do novo bebê! – precavida, ela ressaltou.

– É mesmo. Mas antes eu vou ver quanto é o salário que o Ishida vai me oferecer lá. Se der para alugarmos um apê nem que seja pequeno que dê pra gente...

– Não se esqueça do nosso contrato de casamento! – Rukia lembrou.

Ah, mas como me esquecia disso.

Com uma veia saltada na fronte, quase explodindo, lembrei que Byakuya me fez assinar um contrato pré-nupcial que deixava bem claro que eu não podia levar Rukia para morar em uma casa com menos – isso mesmo: menos de 300 metros quadrados. E você está me perguntando: minha casa tem 300 metros quadrados? Não! Mas havia pago propina ao corretor que Byakuya mandou vir da Soul Society e ele mediu até o teto e as paredes em troca de uma coleção de discos velha do meu pai – acredite, na Soul Society ainda há tocadores de vinil! Mas daquela vez... não conseguiria comprar nada nem ninguém porque eu simplesmente não tinha um centavo no bolso.

Peraí. Eu tinha sim!

– Rukia, me lembrei da poupança que meu pai está fazendo pra faculdade do Ginrei! – com um estalo exclamei. – Podemos sacar o dinheiro e pagar parte! – peguei o papel novamente. – Aqui diz que se eu pagar parte da dívida, eles podem revogar a decisão e nos deixar aqui por um tempo! – anunciei.

– Que ótima ideia, Ichigo! – Rukia sorriu ainda admirando os resultados que comprovaram que seria mãe de novo. – Amanhã você vai ao banco e...

– Não. Meu pai não guarda no banco. – interrompi. – Ele mantém na clinica. Todo mês ele vem e deposita numa lata de biscoitos que ele guarda num canto lá.

– Uma lata de biscoitos? A clínica, se não fosse fechada por falta de alvará, seria por insalubridade... – Rukia comentou indignada.

– Vou lá!

Fomos juntos, ambos vestindo apenas um robe, o meu de cor laranja e o dela cor-de-rosa com estampas de chappies. Chegamos a clinica que até meia-hora atrás era nossa e acendemos as luzes. Fui até um dos armários e esticando os braços, peguei a lata de biscoitos um tanto quanto enferrujada.

– Eu disse que vão interditar isso por insalubridade! – Rukia ralhou.

– Bem... – e tentei abrir a caixa que parecia tão leve. – Tá difícil de abrir.

E mais umas tentativas, consegui arrancar a tampa que a selava.

E lá havia um pequeno envelope branco com uma fita vermelha em volta. Dinheiro nenhum.

– Mas...

E antes de protestar, abri o envelope e retirei o pequeno papel que tinha dentro dele. A letra inconfundível, os garranchos de todo médico, meu pai.

"Quando Ginrei estiver crescido, você já terá juntado mais que o dobro do que já juntei para bancar seus estudos. Vou viver meu sonho. Me desculpe, Ichigo. Te amo. Papai."

E para meu pavor havia... uma marca de beijo de batom na assinatura do meu pai? O que tinha dado nele?

Com muita raiva, lancei aquela lata ao longe e xinguei o máximo que pôde.

"

Recapitulando...

Desempregado, com minha linda esposa brigada e grávida e sustentado por meu cunhado que me odeia. Não era possível. Simplesmente sentia falta dos dias estressantes que podia resmungar de Ginrei brincando com Misaki que deveria estar aos prantos enquanto Rukia vinha sempre tão carinhosa e a pegava em seu colo e pedia silencio já que eu estava cansado de tanto trabalhar.

Acabou que o dia amanheceu, os primeiros raios de sol começaram a aparecer e eu não dormi pensando apenas naquilo. Ou havia dormido pouco tempo que acabei pensando não ter dormido. Mas estou extremamente exausto... Melhor...

– Volte aqui!

– Papai! – ouvi o grito de Ginrei e num sobressalto me levantei.

– Ginrei!

Continua...


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Notas finais do capítulo

Uffa, segundo capítulo concluído e prometo que o terceiro não demora a sair!!



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