Coração Protetor escrita por Amanda Angel
Notas iniciais do capítulo
Lila cresceu tendo de aprender a conviver com o dualismo dentro de si. O que fazer quando se descobre que não é quem acreditava ser? E como ter certeza de que agora sabe quem é e não está se enganando de novo? Escolhas que influenciam a toda a vida não são nada fáceis...
Lila e Borwaju caminhavam em direção a Izlude, mas precisavam passar pelo deserto de Sograt. Lila ouvira sobre aquele lugar nas histórias do seu tio e sabia que o grande Satã Morroc dormia ali perto. Só de pensar nisso, sentiu um calafrio na espinha. Quando chegaram ao deserto, ela não se sentia uma guerreira. Havia lobos, sorrateiros, escorpiões e coisas que nunca tinha visto, mas reconheceu pelas descrições nas histórias.
O sol era insuportável, e por várias vezes sentou-se no chão, fraca, desanimada, à mercê das feras e Borwaju estava sempre atenta para protegê-la. Ela podia matar qualquer uma daquelas criaturas com uma técnica estranha usando o chicote e flechas incandescentes. Borwaju parecia muito delicada e indefesa, mas era mortal, o que impressionou a jovem arqueira.
— Eu não sei como dizer isso – começou Borwaju – mas... estamos perdidas.
— O que?!? Por acaso você me trouxe aqui pra morrer, é?
— Não. É que... eu sou pé–ssima em geografia.
De repente, Lila gritou:
— Cuidado! Atrás de você!
Era um Freoni. Lila sabia que era impossível até mesmo para Borwaju matá-lo.
— Foge, Lila! Eu vou distraí-lo!
— Não, você vai ser morta!
O Freoni deu um golpe que derrubou a odalisca facilmente. Ela gritava, usava o chicote com flechas, mas nada adiantava. Lila estava paralisada. Não sabia o que fazer. Então, o Freoni petrificou Borwaju.
Aquilo não podia estar acontecendo! Lila não podia morrer ali! Tinha acabado de se graduar como arqueira e iria se tornar uma Atiradora de Elite, se tornaria uma lenda! Não podia acabar assim. Borwaju não podia estar morta. Estava começando a gostar dela, apesar do mau gosto pra roupas.
“Quando nada mais lhe restar, apenas seu coração terá força.”
Lila ouviu a voz do seu instrutor em sua mente.
“Invoque o poder do seu coração. Esse é seu verdadeiro poder.“
É isso, pensou. Se eu invocar o poder do meu coração, poderei vencer e salvar Borwaju. Mas... como se faz isso?
O Freoni se aproximou dela muito rápido com seus mobs e Lila recuou, tropeçou em um destroço de um templo em ruínas escondido sob a areia e caiu sentada. Não tinha jeito. Ia morrer ali mesmo. Tudo o que pensou em fazer foi gritar.
E Lila gritou. De olhos fechados, gritou o mais alto que suas cordas vocais podiam. Gastou todo o ar de seus pulmões. Nunca gritara assim em toda a vida.
Quando acabou, abriu um olho. Depois o outro. O Frioni e seus mobs estavam bem à sua frente, quase tocando seu nariz. Estavam parados, com cara de idiotas. Lila se arrastou pra trás com um careta.
— Que medo!!
— Rapido, corre! - Borwaju tinha voltado ao normal. As duas correram tão rápido que passavam por lobos e eles nem se davam ao trabalho de ir atrás delas. Depois de um tempo, olharam pra trás e não viam mais o Frioni. Caíram exaustas na areia.
— Pensei que fosse o fim! – disse Borwaju.
— Eu não entendi nada. Ele tava lá parado!
Borwaju olhou pra ela.
— A gente chama isso de Escândalo.
Lila olhou pra ela com cara de interrogação.
— É uma técnica que nós odaliscas usamos pra deixar os inimigos tontos e incapazes de se mover. Em suma, é um grito tão insuportável que os deixa tontos. Chamamos de Escândalo por motivos óbvios, né? Nas feiras de Morroc, quando algum mercador tenta passar a perna em uma de nós, gritamos como loucas! “Lá vem as escandalosas”, eles dizem quando vamos fazer compras.
— Ah... entendi, você paralisou o monstrengo!
— Eu não. Você.
— Heim?
— Olha, preste atenção ao que vou dizer. O Freoni é um monstro muito forte. Monstros como ele não caem nesse truque. Ninguém jamais conseguiu usar o Escândalo nele ou até mesmo em monstros mais fracos.
— E daí?
— Você não entendeu ainda, né? Pelas barbas de Odim, como você é burra!
Lila fez uma careta e mostrou a língua.
— É o seguinte. Você tem esse poder aí dentro... dentro da sua garganta. Sua voz é a mais perfeita que já vi para usar o Escândalo. A prova disso é que você conseguiu paralisar o Freoni, coisa que nenhuma odalisca jamais conseguiu antes.
— Ah, não... eu apenas me lembrei do que meu instrutor me disse e invoquei o poder do meu coração. O Frioni ficou paralisado de medo – Lila fazia uma cara de orgulhosa que foi se transformando aos poucos em expressão de preocupação – Você não ta querendo me dizer que... não... nem pense nisso!
— Seu instrutor também percebeu. Aliás, é difícil não perceber. Você nasceu com o dom das odaliscas. Mas ele preferiu respeitar sua escolha e te deixar livre para decidir. E então? Ainda quer ser uma caçadora?
Aquilo não era uma decisão difícil, Lila abriu a boca para dar a resposta óbvia. Seu sonho sempre fora ser uma guerreira, e não uma dançarina. Embora Borwaju parecesse forte, ainda estava muito atrás de um caçador ou um Atirador de Elite. Mas ao invés de uma decisão firme, Lila começou a entrar em conflito com seus pensamentos e sentimentos.
— Mas... eu queria ser uma guerreira lendária e matar muitos inimigos! – disse quase chorando.
— Querida, nós somos guerreiras, mas usamos nossa beleza e charme pra ajudar nossos companheiros e atrapalhar os inimigos.
— Mas eu nem sou bonita! E sou gorda! – Desatou a chorar. Borwaju deu uma risada – Tá rindo de que?
— Você é linda, e não é gorda. É que seu corpo tá virando corpo de mocinha. E então? O que vai ser? Posso te levar pra Hugel, mas também estamos a caminho de Comodo, onde eu mesma treino as odaliscas e ensino as danças que podem até recuperar a energia dos aliados ou enfraquecer os inimigos.
— Meu instrutor me disse “Ouça o seu coração, e não apenas sua mente”. Eu ouço várias vozes, mas não sei qual é a do coração e qual é a da mente.
— Você saberá, criança. Por que não passa uns dias na minha casa? Assim poderá decidir com mais calma.
Lila concordou, e por um lado não se arrependeu: Comodo era uma cidade encantadora e sedutora. As comidas e bebidas, as danças, as festas, os fogos de artifício... parecia um sonho. Demorou para Lila se acostumar com o fato de que a noite ali era eterna. Não havia dia ou sol, afinal, era uma cidade dentro de uma caverna. Isso fazia o sangue dos habitantes eternamente fervente de amor pelas festas e entretenimento. Borwaju morava na beira da praia, perto de onde as festas eram mais agitadas, e Lila, mesmo dormindo, podia ouvir a música dos bardos em seus sonhos.
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Revisando essa história (já mencionei que ela é antiga?) percebi o quanto ela é "old times". Quem joga ragnarok vai entender o que eu quis dizer ;)