Acordo Selado escrita por Ayame Tsukinoki
Não demorou muito tempo para que logo novos convidados batessem à porta do garoto Ciel. No entanto, naquela vez, não era para o frágil menino, mas para o seu fiel e dedicado mordomo.
A campainha tocou exatamente três vezes. Os demais serviçais haviam saído a mando de Michaelis e o próprio Ciel encontrava-se em seu curso matinal de etiqueta vitoriana, sim, o menino pedira que ao menos uma das aulas fosse dada por um professor diferente. Sebastian no começo recusou e insistiu que fosse ele a dar-lhe as aulas, mas Ciel resmungou e pôs-se firme em sua decisão, além de, claro, o local para as aulas fora escolhido a dedo, era um recinto a ser investigado, a pedido da Rainha.
O único presente na enorme mansão era o serviçal mestre. Ele atendeu à porta, soltou um suspiro falhado, pois mesmo antes de girar a maçaneta e abrí-la, já sabia de quem se tratava.
– Bom dia, Senhor Faustus.
– Hum. Bom dia.
– A que motivo, razão ou circunstância deve a sua visita?
– Posso entrar?
– Meu mestre não está e vejo que o seu também não.
Michaelis cruzou os braços e o olhava com um sorriso debochado e levemente esnobe nos lábios.
– Me diga um bom motivo para aceitá-lo dentro deste lar.
– Lar? Hum... já está se envolvendo mais do que devia, senhor Michaelis.
Sebastian deu de ombros e quando ia fechar-lhe a porta na cara, Claude segurou-a firme.
– Uma conversa particular, Sebastian. Entre conhecidos.
– Não tenho interesse algum. Bom dia.
– ...
Claude olhava-o sério e nem ao menos piscava, suas pupilas douradas deram lugar às avermelhadas, mais precisamente cor de sangue. Sebastian forçou a porta de forma a fechá-la mesmo que tal gesto arrancasse os dedos daquele, a seu ver, futuro invasor.
Sim, a porta foi finalmente fechada. Uma regra básica entre demônios, nunca devem entrar em locais nos quais não sejam convidados. Claude era tão apegado a estes costumes quanto Sebastian. O mordomo olhou pela janela e se surpreendeu que o outro o encarava do lado de fora.
– Mas que ser inconveniente.
Resmungou abrindo a porta e saindo dali.
– Estou aqui, o que quer?
– Negociar, em nome dos velhos tempos.
– Velhos tempos que prefiro esquecer.
– Nunca esquecerei... por mais que queira.
Claude ajeitou os óculos, fechou seus olhos por um tempo ficando pensativo, até que os abriu e comentou baixo e rouco.
– Não tenho como esquecer seus gemidos.
– Me poupe!
Michaelis deu uns dois passos para frente, cruzou os braços e mantinha uma feição angustiada.
– Um deslize idiota de minha parte, senhor Faustus. Nem faço questão alguma de me lembrar disso.
– Para mim foi extraordinário, cinco viradas da lua cheia e sanguinolenta. Seus gemidos, seus contornos, seu gosto, tudo completamente fascinante.
– Affe... veio para isso? Não acredito.
Michaelis colocou as mãos na cintura e batia ansioso um dos pés no chão, realmente parecia tenso e incomodado com aquela visita um tanto inesperada.
– Ficou no passado, Claude. Esqueça. Acredito que agora, sejamos rivais. Acorde.
– Duvido que um menino fraco e magricela satisfaça seu apetite volupioso.
Michaelis bufou, voltou a cruzar os braços virando-se de costas para o outro mordomo e abaixou a cabeça, sim, aquele golpe fora desferido no seu mais profundo ego.
Claude o abraçou por trás, tocava-lhe o meio do peito com as palmas das mãos, sussurrava ao pé do ouvido.
– Talvez sejamos inimigos agora, mas porque então não aproveitamos esse período de paz?
Ciel estava sentado em sua carteira, anunciavam o final da aula. Ele levantou-se e estranhou de Michaelis ainda não ter chegado, o que teria acontecido? O menino arranjou um telefone e ligou para sua casa e não obteve a resposta que esperava, apenas chamava, chamava e acabava por ficar ocupado.
– Onde ele deve estar?
Finalmente uma mão tocou-lhe um dos ombros.
– Perdoe o atraso, my lord.
Sebastian inclinou-se para frente se desculpando, Ciel consentiu com a cabeça, o menino não deixou de perceber que havia algo diferente nele, ele não havia sorrido como de costume. Parecia quieto, sério demais.
– Aconteceu alguma coisa, Sebastian?
– Hum?
– Está sério, quieto, moribundo. O que foi, Finny queimou novamente as árvores?
– Boochan...
Sebastian sorriu bem de leve, comentando baixo.
– Estou feliz de revê-lo, esta aula demora deveras...
– Mesmo assim se atrasou.
– Sim, menosprezei o tempo, o pudim demorou demais, pouca lenha dá nisso... mas não devo enchê-lo com meus descuidos. Vamos? Deve estar com fome, não é?
– Sim. Obrigado.
E ambos seguiram até a carruagem, o menino não deixava de notar o ar distante do mordomo e ele percebeu uma sutil marca pouco abaixo da orelha direita. O que seria? Michaelis tinha uma recuperação formidável, ágil, como ainda não havia cicatrizado? Pensava o menino.
– Sebastian. Seu... pescoço...
Ciel apontou com o indicador o seu próprio pescoço no exato local no qual encontrava-se aquela estranha marca.
– Hum? Pescoço?
– Sim, há uma marca.
Sebastian tocou ali por um tempo e ao retirar a mão, a mesma sumiu. Ciel arrepiou-se, aquele ser, às vezes, era um tanto bizarro. O menino avermelhou de leve, sentiu uma certa afobação e acabou por calar-se encarando sua janela ao lado. Sebastian o encarou por um tempo.
– “Ele, se preocupando comigo? És muito gentil, mestre”
Finalmente o mordomo sorriu como era de costume, o menino olhou-o rápido e quando se deu conta, o homem de preto estava diante de si e apertava a palma de uma de suas mãos em sua testa.
– SEBASTI...
– Está corado, deve ser febre.
O menino realmente estava com a face levemente ruborizada, e, inclusive agora, com a aproximação, estava vermelho que nem um tomate.
– Sebastian, não tenho nada, vamos, sente-se!
O mordomo ajoelhou-se ali examinando-lhe a face.
– Estou realmente preocupado, my lord.
A carruagem balançou o suficiente para que Sebastian caísse parcialmente sobre o colo do menino, o seu peito encontrava-se entre os joelhos do pequeno que logo recuou com o corpo para trás com as bochechas coradas, sua respiração já encontrava-se descompassada e seu coração aos pulos, engoliu em seco e segurou-lhe os ombros de forma que o homem, ali, diante de si, não se movesse muito além do que já havia.
– Cuidado. Segure-se em mim...
– Yes, my lord.
E acabou por Michaelis acomodar sua face, mais precisamente uma das bochechas na cocha do menino e a segurando de leve com uma das mãos, ele tinha uma fisionomia de paz, de entrega completa, o que fez com que Ciel sentisse vontade de tocar-lhe os fios negros a afagá-los.
– Realmente... aconteceu alguma coisa. Geralmente sou eu que peço carinho e apoio.
O mordomo levantou a face o olhando atordoado, sim, só agora se dera conta do que fazia.
– Está tudo bem, pode relaxar um pouco, afinal, você merece.
– O... obrigado, boochan, mas... não posso falhar como... vosso servo principal e...
– Pare de besteiras.
E o menino forçou-o a recolocar a cabeça sobre seu colo morno e continuou afagando-o.
– Está tudo bem. Está tudo bem.
– ...
Sebastian olhou-o surpreso. Finalmente a carruagem chegou, no entanto ambos permaneceram ali, na mesma posição e se encaravam no mais tênue silêncio. Sebastian abaixou a face, Ciel a levantou segurando-lhe o queixo.
– Prometeu que nunca mentiria para mim. O que aconteceu?
– ...boochan...
– Me diga, é uma ordem.
– Meu passado dói demais... e... ele me causa urticária. Tudo o que fiz... posso dizer que me arrependo... mas... estou feliz de certa forma, pois graças a ele... lhe encontrei.
E o mordomo sorriu-lhe gentil, Ciel não se convenceu de que era aquilo mesmo e insistiu.
– Sebastian, vai me desobedecer?
– Mestre, meu querido mestre... conviver contigo me faz desejar ser diferente, ser outra pessoa. Vossa companhia... me é um deleite. É a única que adoro ter. A única...
E abraçou-o pela cintura. Ciel se contentara com aquela resposta, puxou-o para si.
– Realmente merece ter minha alma no final e...
Sem mais se conter, Sebastian o beijou, um beijo demorado, devagar, afinal o menino não estava acostumado àquele tipo de interação e deveria aprendê-la mais cedo ou tarde. Ciel não recuou, não o afastou e resolveu aceitar a lição que lhe estava sendo dada. No término do ato, o mordomo segurava-lhe a face com as palmas das mãos e o menino, olhando-o nos olhos, disse baixo:
– Muito bem... agora poderei interagir com minhas ladies.
Sebastian empurrou-lhe de forma que ele tocasse bruscamente as costas no encosto do assento.
– Sebastian, o que pensa que está fazendo?
O mordomo levantou-se, ajeitava as luvas com uma face nem um pouco amigável. Olhava-o “de cima” com um ar superior e irritadiço. Retrucou rudemente:
– Tomara que seu gosto desperte logo, estou com muita fome. Se demorar mais tempo, posso virar faquir. Acha que tenho talento para tal coisa?
Ciel levantou-se e o empurrou de forma que Sebastian caísse no assento oposto ao do menino.
– Que cruel, Sebastian, muito cruel.
– Ainda não cheguei aos vossos pés, my lord... Mas um dia, espero alcançá-lo.
Ciel sorria-lhe debochado e Michaelis fazia o mesmo. Os demais serviçais já haviam chegado e estranharam ainda os dois não terem descido, até pensaram se ambos houvessem morrido ali, mas esta dúvida logo foi retirada conforma a carruagem balançava devido ás interações ocorridas dentro dela.
– Bem, vamos?
Michaelis o olhava ainda sentado, um olhar magoado, será que foi pelas insinuações de seu mestre? E Ciel também o olhava tenso, ansioso. Afinal, o que aquele ser escondia por detrás de sua maquiagem perfeita?
– Sim, vamos.
O homem de preto ainda não se levantou e olhava-o com uma face abatida. O menino franziu os celhos.
– Você realmente está muito, mas muito estranho.
O mordomo levou uma das mãos ao peito, suspirou. O menino o olhava desconfiado, ele pensava no que estaria fazendo-o sofrer daquela forma. Tocou a face daquele ser, Michaelis levantou as pupilas vermelhas e o menino agachou-se mostrando que aprendera a lição.
Não demorou muito mais tempo para que o principal servo daquela casa saísse da carruagem com seu Mestre nos braços. Ambos mantinham uma face feliz o que causou o alívio dos demais funcionários daquela mansão.
Enfim, o dia acabara bem.
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