Almas Prometidas escrita por ChatterBox


Capítulo 4
Capítulo 4




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/175119/chapter/4

M

eu pai chacoalhou-me na cama.

 - Anda filha, vai se atrasar pra aula.

Alertou. Eu esfreguei os olhos, olhei em volta até me lembrar de que estava no meu quarto, a luz do sol entrou pela vidraça quando meu pai caminhou até a janela e abriu as cortinas. Tapei os olhos com agonia:

 - Aaahh...! O sol!

 - Você não é morcego. Agora saia daí.

Ordenou, em seguida caminhou para fora do quarto. Soltei um grunhido para o quarto vazio, virei-me para o teto. Um fraco latejar batia em minha cabeça, flashes da noite anterior incomodavam-me. O som do tiro, a ligação atordoada pra Stella e depois Eric sorrindo em minha porta. Argh. Eric. Não podia pensar nele.

Tirei os cobertores de cima de mim e pisei no chão, estremeci, estava gelado. Minha nuca doía, meus olhos doíam, tudo doía. Mas me forcei a ir até o banheiro.

Saí de lá minutos depois arrumada pra escola. Desci as escadas, meu corpo ainda recusava-se a se mover, andava como um pinguim pela casa.

Num bocejo me aproximei da mesa do café da manhã e me sentei, minha mãe fritava ovos no fogão, a tv estava ligada no desenho do Bob Esponja, a qual Simon, meu irmão menor assistia ás gargalhadas sentado na cadeirinha ao meu lado e melando-se todo com um mingau posto em um prato de neném.

 - Bom dia, filha.

Mamãe cumprimentou enquanto revirava os ovos na frigideira.

 - Bom dia...

Respondi sem ânimo. De repente ouvi o som do noticiário de emergência, uma repórter apareceu na tela, não daria importância, mas me interessei ao perceber que estava em frente ao Diablo de Plata. Meus olhos sobrevoaram a mesa procurando o controle remoto, ao encontra-lo, meu braço se jogou em cima dele o agarrando.

 - Mãe, posso aumentar?

Cogitei.

 - Tudo bem.

Respondeu enquanto enxugava as mãos no pano de prato e apagando o fogo do fogão. Apertei na tecla “aumentar” e coloquei o volume perto do máximo.

 - “Ontem foi preso um dos traficantes de armas mais procurados pela polícia internacional. O criminoso, era conhecido na região pelo falso nome de “Marco”, foi preso ontem durante sua festa de aniversário que aconteceu aqui, na boate latina “Diablo de Plata”. – Minha boca ficou entreaberta. Ele era muito pior que tudo que pensei. Era traficante. De armas. – O nome verdadeiro do foragido era Antonio de La Peña, nascido no Peru, comercializava armas entre seu país e os Estados Unidos. Se encontrava procurado pela polícia peruana e estadunidense e foi encontrado aqui, ontem ás cinco e cinquenta da tarde. A polícia invadiu o local com a intenção de arrematar a gangue, mas não houve rendição, os policiais e os foragidos trocaram tiros e duas pessoas saíram feridas, uma delas um dos criminosos e a outra atingiu um dos policiais, a gangue foi desarmada logo depois, quando houve a chegada de reforços no local, ninguém inocente saiu ferido. Segundo a polícia, Antonio de La Peña dizia ser herdeiro de um hotel, que na verdade servia como território disfarçado para esconderijo de mercadoria ilegal que foi abatida hoje cedo pelos policiais.”

Ao menos um suspiro de alívio me invadiu ao saber que ninguém inocente tinha se ferido, mas era muito triste o que tinha acontecido, não gostava de nada que tivesse a ver com violência bruta.

Olhei pros meus pais esperando que não desconfiassem. Nada. Meu pai lia o jornal e minha mãe colocava ovos mexidos no meu prato. Suspirei de novo, aliviada. Dispus-me a comer meus ovos, de algum jeito, mesmo sem ter bebido muito ontem, eu estava com os mesmos sintomas de uma ressaca. Tinha que me alimentar ou senti que iria passar mal.

Meu pai levantou-se da cadeira agitado:

 - Terminei. Vamos pra escola.

Eu engoli o que restava no parto e me levantei.

 - Tudo bem, vamos.

O carro de meu pai parou em frente ao colégio. Road Castle High era o tipo de escola meio pitoresca, meio escura. Precisava de um reforma com certeza, porque as paredes já estavam com a pintura desgastada. Tinha uma escadaria de acesso e um gramado cheio de árvores em volta a onde os estudantes se espalhavam em grupos com quais apreciavam mais. Góticos, populares, rippies, skatistas, toda a atmosfera escolar de sempre. Virei-me para o meu pai para me despedir.

 - Boa aula.

Sorriu.

 - Obrigada pai. Tchau.

Beijei seu rosto e saltei do carro. A escola, por sorte, não era o meu pior pesadelo, não sofria com qualquer líder de torcida desocupado, tinha amigos, uns contatos, nada de mais, só não era uma excluída. Passei pela escadaria e entrei no colégio, podia conhecer as pessoas, mas não gostava de fazer parte de grupos, isso parecia muito limitado pra mim, preferia selecionar com quem eu queria me relacionar e só, não me prenderia a andar num grupo só.

Demorou alguns minutos antes que o sinal tocasse e eu me dirigisse a minha primeira aula do dia: Química. Segui pelo corredor e entrei na sala, haviam algumas pessoas sentadas em pares, já que era aula de laboratório. Escolhi uma mesa vazia, Stella era minha parceira de laboratório então guardei lugar pra ela.

Mexi nuns cacarecos que estavam espalhados na mesa e os organizei antes que ela chegasse. Entrou na sala três minutos adiantada, vestindo uma calça jeans preta, blusa rendada e casaco, prendeu os cachos num rabo-de-cavalo aquela manhã. Quando me viu sorriu de lado como se tivesse recebido uma má notícia.

 - Adivinha quem eu vi no noticiário de hoje?

Indagou-me enquanto sentava na cadeira ao meu lado. Eu suspirei, Stella sempre ficava meio abatida quando seus relacionamentos não davam certo, ou seja, com muita frequência.

 - Não foi dessa vez que eu consegui um partidão. Não acredito que ele guardava armas no hotel, credo. Parece história de terror.

Fez uma careta.

 - Você vai achar alguém. – Encorajei. – É só ter calma, até que eu arranje alguém pra você, porque dos que você já escolheu, vamos dizer que não deu muito certo...

Ironizei. Ela fez biquinho.

 - Tudo bem, mas tem que ser rápido porque eu me sinto sozinha muito fácil. – Pediu. – E por favor, eu gosto de gatos com ar de perigosos, mas bonzinhos, se é que me entende, não quero outro Marco... Antonio, sei lá.

 - Fica fria. – Eu disse. – Não vou te colocar numa roubada, só tenha paciência. Não é tão fácil assim achar garotos do seu tipo.

Não era mesmo. Ela assentiu com cara de tédio, vimos o professor entrar na sala. Tomei um susto quando ela me perguntou de repente:

 - Ah! – Estremeci de susto quando ela exclamou. – Me conta! Como foi a ida do gostosão Burton na sua casa?

Baforei. Que droga, não queria pensar nisso.

 - Não aconteceu nada. – Falei com impaciência. – Disse que ele não queria nada comigo, foi só uma das coisas que os bad-boys fazem sem pensar.

 - Não é possível. Nem um climinha?

 - Não, só uma infeliz referência á minha vestimenta.

 - Como você estava?

 - De beibedol.

 Ela tapou a boca para conter o riso.

 - Eu não pensei nisso, ta bom! – pedi colaboração. – Estava indo dormir quando ele tocou a campainha.

 - Tudo bem... – Ainda tinha vestígios da risada na sua voz. – Posso dizer que sim, mas talvez tenha algum motivo pra ele ter faltado hoje.

Eu sabia o porquê, ele me disse ontem, estava de mudança, sabe-se lá pra onde e também não me importava. Ele tinha a mesma aula que nós aquele horário, e não estava lá, ao menos não mentiu, não tinha certeza se estava ou não mentindo sobre a mudança, mas sobre faltar, tinha certeza de que não estava.

 - Está se mudando hoje.

Expliquei, sem interesse. Stella abriu a boca.

 - Ora, ora, alguém sabe da programação de Eric Burton...

Insinuou. Torci o nariz, sem gostar do que ouvia.

 - Não seja por isso, só disse que tínhamos aula hoje e ele negou, dizendo que estaria de mudança, só isso. Nem tudo são cantadas, Stella.

 - Awn... Ia ser legal ver você se apaixonar, só uma vez pra variar.

 - O quê?? – Fiz uma careta, sem acreditar no que ouvia. – Não por ele.

Pronunciei com aversão.

 - Ah, todo mundo sabe que você tem essa mágoa toda porque ele se afastou de você na quinta série, e você gostava dele...

Maldita hora em que eu resolvi contar pra Stella sobre isso. Não estava mais apaixonada por ele, nem nunca estaria de novo, ponto.

 - Isso foi antes Stella. Agora eu cresci.

A convicção na minha voz me satisfez.

 - Ta bom, se é assim...

Ela finalmente deu a trégua, virando-se pra frente.

Não gostava de Eric. Não gostava de falar nele, não gostava de pensar nele, não gostava dele. Queria que explodisse e queria deixar isso bem claro. E me irritava ouvir Stella remoer o passado, um passado que claramente não fazia mais parte da minha vida. Mas que podia voltar a fazer parte, se ela continuasse citando. Estava difícil de mais continuar longe, tinha que deixar como estava.

Quando a aula terminou eu e Stella nos separamos, eu iria para a classe de história e ela para a de física. Mas tive de passar no meu armário antes, para descarregar alguns livros.

Fui surpreendida quando alguém se aproximou e parou ao meu lado. Virei para ver quem era. Jessica? Jessica Mayne? O que era isso? Esse casal resolveu me rondar agora?

 - Oi, Lara.

Ela cumprimentou sorridente. Jessica era uma boa pessoa, mas não nos falávamos, pelo menos não mais que um corriqueiro “me empresta um lápis?” na classe de matemática. Não sabia o que queria comigo, ao menos sabia que estava salva, talvez quisesse saber o porquê de eu também estar na festa, mas isso não fazia jus à ela, como eu disse, não nos falávamos.

 - Oi, Jessica.

Respondi, um pouco perdida.

 - Soube que estava na festa de ontem, que loucura, hein? Nunca imaginei que o Marco fosse traficante, muito menos Antonio de La Peña.

Dei risada. Ainda não entendia o porquê da conversa, mas seria útil para adquirir respostas que não arranquei de Eric ontem à noite.

 - Da onde você o conhecia?

 - Frequentávamos o mesmo bar, não era muito próxima, mas ele acabou me convidando. E você? Era amiga dele?

Quis saber, não entendia a razão do interrogatório, talvez fosse só uma estratégia para conseguir chegar na pergunta “O que estava fazendo com o carro do meu namorado?”.

 - Stella conhecia ele...

Iria dizer que ela estava ficando com ele á algumas semanas? Não.

 - Ah, claro, a sua amiga. – Lembrou-se. – Eu tenho aula agora, mas foi bom falar com você.

 - É, foi.

 - A gente se vê.

 - A gente se vê.

Assisti ela ir embora. Pra minha surpresa, realmente não tinha nenhum interesse mascarado na conversa que me lançou. Fechei o armário.

 - Lara!

Me assustei com alguém que me chamou atrás de mim. Virei-me. Era Rick, estava preocupado.

 - Você está bem? Stella me contou do tiroteio. Não devia ter ido embora.

 - Não aconteceu nada, Rick. – O tranquilizei. Não queria mais pensar naquilo, a pesar de que sabia que não ficaria livre de perguntas por um bom tempo. – Estou bem. Vou pra aula de história, te vejo no almoço?

Sorri pra ele. Ele franziu o cenho, sabia que eu estava escondendo a parte que alguém me tirou de lá. Preferiu não perguntar mais nada:

 - Claro...

 - Legal...!

Exclamei, indo pra aula.

Eram cinco da tarde quando desci do ônibus escolar. Alguns pássaros cantavam, o sol se punha no horizonte. Estava exausta, iria pra casa e não sairia de lá nunca mais. Atravessei o gramado com intenção de ir pra casa, quando uma voz me impediu:

 - Lara...?

Virei-me. A voz vinha do outro lado da rua, da antiga casa dos Becon, eles tinham-na vendido e a nova família viria naquele dia. Demorei alguns minutos antes de reconhecer a mulher que havia me chamado.

 - Lara?? Minha Nossa! Como está crescida! Se sua mãe já não tivesse vindo nos dar as boas-vindas não ia lhe reconhecer!

Exclamou do outro lado. Olhei de novo para ter certeza, sim. Era Sra. Burton. Mãe de Eric. Abri a boca, mas nada saiu. Meus olhos lançaram-se para o cenário do outro lado, o caminhão de mudança estava estacionado em frente á casa, ela tinha acabado de descarregar aquela caixa de lá e uma visão me fez gelar. O FIAT Freemont preto de Eric, estava lá, estacionado na garagem dos Becon.

 - Venha aqui, deixe-me ver você.

Ela pediu. Demorei alguns minutos até conseguir me locomover até ela. Me aproximei dela. Sra. Burton era uma boa pessoa. Tinha um par de olhos azuis, cabelos lisos castanhos escuros caídos nos ombros e a pele tão clara que parecia refletir no sol. Era muito bonita desde que era criança, hoje já tinha alguns sinais de rugas e marcas de expressão, mas não conseguiam matar sua beleza chamativa.

 - Minha Nossa! Está linda!

Abraçou-me gentilmente. Sorri.

 - Obrigada.

 - Eric está lá dentro, vou chama-lo, espere...

 - Não, não! Não quero incomodar, só...

Tentei impedir em pânico, mas ela não pareceu me ouvir:

 - Eric! Eric! Venha ver quem está aqui!

Eric apareceu segundos depois na porta de sua nova casa. Os cabelos escuros espetavam-se embaixo do seu boné de baseball, emaranhados. Vestia camiseta azul-marinho, calça jeans surrada e chinelos. Abriu um sorriso perverso ao me ver.

Era isso. Me escondeu que seria meu vizinho por gozação, estava tentando fazer piada.

 Se aproximou, seus passos eram preguiçosos sobre a grama.

 - Não é estranho? Á pouco tempo estavam correndo por nossa antiga casa.

 - É...

Tentei parecer feliz com as recordações, mas a raiva de estar vendo ele de novo não deixou.

 - Bom, eu vou deixar vocês á sós, tenho que colocar essas coisas lá dentro.

Mostrou a caixa. Eu não queria ficar sozinha com ele, não queria dá-lo a chance de rir de mim, ou pior, lembrar alguma coisa sobre ontem.

 - Ah, não, tenho que ir pra casa, tenho umas coisas pra fazer, e...

Fiz a tentativa, mas acho que a Sra. Burton não estava percebendo o meu desconforto.

 - Não seja boba, conversem um pouco. Eu volto já.

Saiu seguindo pra dentro de casa.

Fiquei sozinha com Eric. Primeiro veio o silêncio, seguido do meu suspiro frustrado, depois o som estridente de sua gargalhada.

 - Então é isso. – Briguei. – Não passa de uma piada pra você?

 - Não diria piada.

Corrigiu.

 - Diria o quê?

 - Talvez surpresa. – Não respondi nada, só cruzei os braços.

Ele abafou um riso.

 - Por que precisaram se mudar?

 - Meus pais se separaram recentemente.

Explicou. Para o impacto da informação, ele não pareceu abalado. Mas eu pareci, agora entendi o porquê do olhar triste escondido nos olhos da Sra. Burton, ou melhor Srta. Burton. Não devia estar feliz em deixar sua casa, nem com sua separação.

 - Sinto muito.

Prestei condolências.

 - Não seja por isso. – Fez pouco caso. Mas algo me dizia que ele escondia a tristeza. – Mas tenho uma boa notícia... Está vendo?

 Mudou de assunto rapidamente. Apontou para uma das janelas de sua nova casa, depois moveu o dedo até a janela do meu quarto, na minha casa do outro lado da rua. Ficava em frente.

 - Meu quarto fica em frente ao seu.

Mordeu o lábio e me examinou. Eu soltei uma baforada sem acreditar. Ele tinha claramente me cantado desta vez. Não podia negar que Stella talvez tivesse grandes chances de estar certa agora. Mas eu não queria que estivesse certa. Não queria dá-lo a chance de tentar me enganar, não era uma das garotas ingênuas que ele costumava cantar. Eu conhecia bem ele.

 - Fique longe de mim.

Ordenei. Ele sorriu como se nada que estivesse dizendo fizesse diferença pra ele.

 - Eu não mordo, Cambrige. Não sem você me pedir.

Eu não consegui acreditar no que ouvi. Era só um jogo de cantadas baratas, um jogo de envolvimento, estava tentando me fazer de vítima.

 - Vou embora.

 Virei as costas, não queria perder nem mais um minuto conversando com ele. Era inútil. Caminhei direto pra casa.

 - Talvez faça isso depois do jantar na sua casa.

Ouvi ele gritar de lá. Jantar? Do que ele estava falando? Voltei-me pra ele, minha expressão era alarmada, sem fala. Ele riu, como se tivesse adorado ter conseguido me fazer voltar.

 - Jantar?

 Perguntei, perdida.

 - Sua mãe nos chamou para um jantar de boas-vindas hoje à noite.

 - Recusem.

Não fiz rodeios, não era segredo de que eu o odiava, não tinha que esconder isso.

 - Tarde de mais.

Sorriu, sarcástico. Suspirei com frustração.

Tinha esquecido que minha mãe tinha esse péssimo hábito de oferecer jantar de boas-vindas aos novos vizinhos. E como deve ter reconhecido a mãe de Eric dos velhos tempos, deve ter feito questão de convencê-los de ir ao jantar.

Eu voltei á andar pra casa. Grunhi de longe. Ainda ouvia a risada dele de longe. Devia estar adorando estar ganhando o jogo, aquilo era uma diversão pra ele.

Não conseguia imaginar aquela situação. Eu, sentada numa mesa com Eric Burton, rodeada por nossos pais, por uma hora. Argh. Não aguentava olhar pra ele, não dava pra evitar esse ódio que me rondava ao vê-lo.

Entrei em casa. Bati a porta e joguei minha mochila no sofá da sala. Não queria ouvir mais nada que não fosse minha respiração. Mas alguém atrapalhou:

  - Adivinha quem está morando na casa dos Becon?

Era minha mãe, ouviu a porta bater e veio me dar a “boa-nova”. Estava furiosa com minha mãe, tudo bem que ela quisesse ser educada, mas não gostei nada de ter sido com eles.

 - Os Burton?

Adivinhei, sem humor.

 - Já falou com eles? Convidei eles pra jantar aqui à noite, pode conversar com Eric, ele está gatão...

 - Mãe! – Berrei a interrompendo. Não aguentava ouvir mais nenhuma vez aquele nome. Eric. Queria ele longe de mim e ela não estava ajudando. Mas acabou se assustando com o jeito que gritei, respirei fundo tentando me acalmar antes de continuar falando. – Não devia ter feito isso. Não devia tê-los chamado pra jantar. Se esqueceu que eu e Eric Burton não somos mais amigos? Ele me abandonou na quinta série.

Tentei disfarçar a pitada de melancolia na minha voz. A verdade é que eu não sentia apenas raiva, sentia mágoa de Eric. A verdade é que ele não só se afastou, me rejeitou também, sem nenhum motivo, quando eu era apaixonada por ele e ele nunca soube. Passei quase todo o ano letivo da quinta série sozinha, chorei várias noites por ele. Até encontrar Stella e Rick e tudo melhorar. Cresci, me tornei mais sábia e prometi à mim mesma que nunca mais me aproximaria dele de novo, nunca mais o deixaria me machucar, nunca mais me apaixonaria por ele.

 E agora, depois de tanto esforço, ele voltou, trazendo todos os pesadelos dos quais fugi a minha vida toda.

Balancei a cabeça expulsando as lágrimas que invadiram meus olhos.

 - Filha, isso já faz muito tempo. – Minha mãe me aconselhou. – São crescidos agora, tem a oportunidade de mostrar como superou isso. Consegue ser gentil essa noite?

Ela confiava em mim. Também era amiga da Srta. Burton e se afastaram só por nossa causa. Não era justo, não podia decepcioná-la. Também sabia que estava certa. Era hora de eu enfrentar esse fantasma, não podia deixar Eric Burton ditar o que eu faria na minha vida, não pra sempre.

 - Tudo bem.

Suspirei. Mas algo dentro de mim dizia que me arrependeria. Ouvi os passos de alguém se aproximando. Meu pai entrou na sala, todo sujo de graxa, limpava-se com uma flanela.

 - Argh. – Resmungou. – Parece que vou ter de mandar o carro pra oficina.

Anunciou. Eu arregalei os olhos. Ele me levava à escola de manhã, se o carro quebrasse teria de acordar mais cedo para pegar o ônibus, não estava com o mínimo de vontade de fazer isso.

 - Não! E a escola?

 - Pegue carona com a Stella ou então pegue o ônibus. Ele morreu.

Decretou enquanto saía da sala. Bufei. Não gostei nada disso. Não queria acordar cedo, nem incomodar a Stella. Precisava de um carro. Urgente. Tinha dezesseis anos, carteira, mas nenhum carro, aquilo era uma catástrofe.

Desci as escadas. Não tinha o mínimo de ânimo pra aquele jantar. Vesti uma blusa rendada de alça, vermelha-escura, calça jeans e sapatilhas, não queria impressionar Eric. Não queria nada com ele.

Tive tempo de refletir enquanto tomava banho e vi a realidade. Que era completamente insensato ter algum tipo de sentimento por alguém que não tem nenhum por ninguém. Eric era sujo, egocêntrico e aproveitador, não merecia meu amor, merecia meu nojo. E era isso que eu sentia agora, nojo. Tinha certeza disso.

A campainha tocou, me poupei de ir atender a porta, contornei o caminho e segui pra cozinha, comecei a pôr a mesa na sala de jantar.. Ouvi as vozes de meus pais cumprimentando os Burton, Bufei. Deixei de lado a visão de Eric pondo os pés na minha casa outra vez, e de que tinha sido convidado.

Me movi pela mesa pondo os talheres quando meus pais seguidos dos convidados entraram na sala de jantar. Eric passou as mãos no cabelo embaraçando-o enquanto olhava em volta ao entrar, distraído. Parecia cansado, dava passos preguiçosos pelo cômodo, seguindo sua mãe quando me viu. Abriu um sorriso sedutor e sentou-se à mesa. Quis vomitar. Estava pronta para recusar a qualquer tipo de cantada que ele ousasse inferir á mim. Nada funcionaria.

Terminei de pôr a mesa, Srta. Burton dava risada de alguma coisa que meu pai lhe disse quando me sentei, ironicamente a única cadeira vaga ficava em frente a cadeira onde Eric estava sentado, fui obrigada á sentar-me ali.

 - Você está um homem, Eric. – Minha mãe elogiou do outro lado. Que droga. – Ainda se lembra da casa?

 - Parece menor agora, com certeza.

Sua voz soou pela primeira vez na mesa, em formato de piada. Todos riram, eu não.

 - Eu vou buscar o jantar, volto já.

Minha mãe anunciou ao levantar-se da mesa e dirigir-se á cozinha indo pegar o frango no forno.

Meu pai e a mãe de Eric continuaram conversando. Eu ficaria em silêncio durante todo o jantar se ele não tivesse falado comigo. Falou aos sussurros como se não quisesse chamar a atenção de quem estava do lado:

 - Feliz em me ver?

Que típico. Minha vontade era cuspir na cara dele. Não tinha mais estômago para suas piadas sarcásticas. Peguei uma taça de vidro e comecei a passar o dedo pela borda, sem interesse.

 - Não muito.

 - Está linda.

 - Obrigada.

Agradeci, mas não tinha gratidão na minha voz. Fazia questão de ser fria, para mostrar o quanto não estava interessada. Era ainda mais ridículo vindo de um garoto que acabara de pedir uma garota em namoro.

 - Cresceu muito, Lara. – Olhou-me de cima á baixo, ainda sussurrava. – Muito mesmo.

 - É, acho que não podia ficar com a mesma altura pra sempre.

Ironizei, fria. Ele riu, acho que se divertia quando eu lhe dava um fora, pois parecia não cansar disso. Talvez fosse muito comum pra Eric sempre ser aceito em suas cantadas, por todas as garotas, o fato de que eu sempre o desdenhava, parecia uma coisa nova pra ele, servia-lhe como uma espécie de brincadeira.

Minha mãe voltou com o frango assado. Ajudei a pôr os acompanhamentos na mesa e depois comemos todos juntos. Eu fiquei em silêncio enquanto comia, rodeada pela conversa cheia de risadas entre nossos pais.

 - Parece que muitas coisas mudaram nesses dois anos. – Minha mãe citou. – Sinto muito pelo divórcio, Cyntia.

Cyntia Burton, a mãe de Eric soltou um suspiro conformado.

 - Não seja por isso. – Dejá Vú? – Mas e vocês? Nesses dois anos?

 - Tivemos outro filho, Simon.

Meu pai sorriu. Cyntia berrou um suspiro de admiração:

 - Awn!!! Que ótimo, quantos anos ele tem?

 - Dois. – Minha mãe respondeu. – Está dormindo agora. Já lhe dei o jantar.

Terminamos de comer. Comecei a juntar os pratos uns em cima dos outros, sem interesse na conversa.

 - Mas você pode conhece-lo, venha, é só não fazer barulho.

Minha mãe convidou a Srta. Burton para conhecer meu irmão, ela bateu palmas animada e levantou-se da cadeira. Os três saíram em direção ao quarto de Simon. Eric ficou. Mas isso não era nenhuma novidade. Fiquei sozinha com Eric na sala de jantar.

No primeiro minuto, silêncio, só olhei para a cara dele com desdém.

 - E aí? – Debruçou-se na mesa, abrindo outro sorriso torto egocêntrico. – Sentiu minha falta no colégio hoje?

Com a aproximação de Eric pude ver bem de perto seus olhos, pareciam mudar cada vez mais bruscamente de cor. Estavam cinzas agora. Suas órbitas podiam ser comparadas á um céu sem estrelas, nada mais que escuridão. Mistério, podia absorver tudo sem que lhe arrancasse nada.

Nada me irritava mais que o jeito que Eric se achava o último biscoito do pacote. Não era mentira sua boa aparência, mas não gostava nada do jeito que ele usava isso contra nós, garotas, que incondicionalmente, acabávamos sem ar, exatamente como eu fiquei naquela hora.

 - Acho que sua namorada, Jessica, deve ter sentido muito mais do que eu, com certeza.

Insinuei. Ele se recostou nas costas da cadeira, relaxando os músculos, depois tamborilou os dedos na mesa, acompanhado pelo seu suspiro de desinteresse.

 - Acho que eu e Jessica... Não vamos dar muito certo.

Revelou, cuspi uma baforada, sem acreditar no que ouvia. Ouvir era pior do que saber, era como se e tivesse alguma pitada de esperança que desaparecia ao confirmar a suspeita ruim.

 - Não enjoa disso? – O indaguei, firme. – Não quer dar um tempo nessa de partir o coração das garotas? Nunca cogitou... Amor?

Me senti meio ridícula com aquele papo melodramático pra cima dele, mas se não fosse eu, poderia ser ninguém que lhe daria aquele choque de realidade, não podia deixar mais aquela passar em branco. Talvez fizesse a menor diferença pra ele, mas se eu nem ao menos tentar, serão ainda mais garotas de coração partido por Eric Burton.

 - Exatamente. – Concordou. Por um momento, fiquei surpresa. – E eu e a Jessica... Não é amor.

 - Começo a acreditar que você é incapaz de sentir isso.

Sibilei.

 - Errado. Na verdade eu sou a pessoa mais apaixonada do mundo e é por isso que eu faço tudo que eu faço.

 - Do que está falando?

 - Tem uma garota... – Dobrou-se para deitar-se na mesa de novo, fitou meus olhos bem de perto. – Pela qual eu sou completamente louco, mas... – Pairou no ar, lamentando-se. – Não posso tê-la.

Dei uma pausa para ter certeza de que ouvi. Olhei bem para ele, examinando seu olhar. Pela primeira vez, ele parecia sincero.

 Mas eu ainda hesitava em acreditar nele. Era o mestre em enganações, poderia ter dito isso para milhares de garotas como eu. Tudo uma mentira para nos fazer acreditar que ele era vítima, sentir pena dele, e achássemos que não era a intenção dele ser um canalha.

 - E isso justifica as garotas com quem fica?

 - Claro. Me divirto com outras garotas enquanto a que eu realmente quero não está disponível. Sofreria de mais ficando sozinho.

 - Ela tem outro cara?

  - Não. Só isso não me impediria.

 - Então o que é? Ela não quer você?

Me arrependi no mesmo momento em que cogitei isso. Tudo bem que tinha grandes chances de que estivesse mentido, mas se fosse verdade, talvez estivesse sendo cruel de mais.

 Eric ficou um segundo em silêncio depois do que eu disse. Ao menos não pareceu magoado. Deu a resposta depois, um simples:

 - Você não entenderia, Lara. – Num movimento levantou-se da mesa. – Eu vou indo.

 - Tudo bem.

Deixei, talvez eu tivesse ido longe de mais com a minha rejeição, era melhor que fosse embora, percebia que a mágoa estava começando a me deixar incapaz de ser piedosa com ele.

Eric saiu pela porta da sala de jantar, mas antes que fosse realmente pra casa, esbarrou com nossos pais voltando do quarto de Simon.

Houve o breve silêncio de surpresa em encontrar o convidando saindo antes do fim da festa. A mãe dele indagou-o já quase dando-lhe um sermão:

 - Onde está indo?

 - Ahm... – Eric pigarreou, sem graça. – Pra casa, tenho escola amanhã.

A menção da escola livrou Eric de mais explicações rapidamente. Até ali não tinha aprova via de como se saía bem mentindo, era óbvio que não estava nem lembrando-se da escola até que se tornou uma informação útil.

 Ainda por cima conseguiu arrancar o sorriso de admiração de meus pais, a mãe assentiu orgulhosa.

 - Ah, é mesmo, precisamos ir.

Srta, Burton começou a despedir-se dos meus pais.

 - Ah, é, tínhamos até nos esquecido de que Lara também tem escola amanhã. – meu pai mencionou. – Amanhã ainda terá de acordar mais cedo pra pegar o ônibus já que meu carro quebrou.

 - Awn, que pena.

Srta. Burton lamentou.

 - Posso dar uma carona pra Lara amanhã cedo. – Eric se ofereceu. Aquelas palavras soaram terrivelmente em meus ouvidos, como se de repente, tudo desabasse. Gelei. – Se ela quiser, claro.

Não podia ser possível de que ele sempre iria arranjar um jeito de me obrigar a ficar na companhia dele.

Já era tarde de mais para negar. Meus pais abriram um sorriso de admiração maior ainda ao ouvir o pedido de Eric. O teatro dele era tão perfeito que conseguia parecer que não se passava de um ato de cavalheirismo.

 - É ótimo, Eric...

Pronunciou meu pai, com tanta admiração que quis vomitar.

 - É claro que ela vai. – Antes de fizesse alguma coisa minha mãe respondeu por mim. – Não é filha?

Me vi sem saída. Não poderia recusar agora, não quando Eric já tinha reproduzido a perfeita imagem de um par perfeito para meus pais, se recusasse, Eric ia sair-se como a vítima da história que só quis oferecer ajuda e foi mal recebido. Seria julgada mal-educada pelos meus pais que iriam me dar um sermão depois, além de ficar com a imagem manchada pra Srta. Burton, que agora me observava esperando cheia de expectativa, a minha resposta.

 - Claro.

Aceitei, enquanto tentava me conformar com o meu sorriso pouco convincente. Todos sorriram extasiados. Olhei para Eric, escondia a satisfação no seu sorriso torto enquanto saía de casa com sua mãe.

Teria de pegar carona com ele amanhã, não tinha outra saída. Teria de me conformar em passar vinte minutos dentro do carro de Eric, com Eric.

Sabia que ficaria sendo vista pelo colégio como uma piranha que estava servindo de passatempo pra Eric Burton enquanto ele enganava Jessica Mayne. E também provavelmente deixaria de ser para Jessica alguém que compartilhou de sua terrível experiência no Diablo de Plata pra ser uma das maiores traidoras que já teve. Ninguém merece.

Eu segui pro meu quarto, dormir era a melhor escolha que podia fazer naquele momento. Mas naquela noite, nem nos meus sonhos eu tive paz. Um pesadelo me atormentou.

A visão era nítida, as cores debulhavam-se perfeitas em frente aos meus olhos. Não se parecia um sonho, lembrava-me bem daquele lugar, era uma lembrança, uma forte lembrança que projetava-se em meu sonho, exatamente a lembrança que tentara afastar da minha memória durante os últimos quatro anos.

Estava no estacionamento do colégio. Não o Road Castle High. O Road Castle Elementary School. Estava na quinta série do ensino fundamental dois, quatro anos atrás. Eram por volta das quatro e cinquenta e cinco da tarde e o sol estava começando a querer se pôr no céu. Eu estava lá, rodeada por milhares de estudantes espalhados em grupos encostados nos carros dos professores, conversando e dando gargalhadas altas, mas ninguém me via, percebi isso quando uma garota de cabelo ruivo preso em marias-chiquinhas atravessou meu corpo segurando um sorvete. Não percebi nada, nem minha roupa ficou suja de sorvete, só estava revendo aquela memória sem participar dela.

Foi quando o que eu mais temia aconteceu. Eu me vi. Não á mim no presente, mas no passado, com doze anos de idade, sabia muito bem o que iria acontecer ali.

Eu estava de camiseta azul e bermuda e segurava uns livros com a mochila pendurada no ombro, caminhei segura aproximando-me do carro do professor de matemática, onde um grupo de garotos estava reunido, entre eles, Eric. Também mais novo, conversava com os garotos bad boys do colégio, encostado no carro falando sobre alguma coisa de garoto.

Não gostava de rever aquela cena, pois sabia exatamente como me senti quando aquilo aconteceu.

 - Oi Eric.

A versão mais nova de mim mesma cumprimentou Eric sorrindo, eu não me importava com os garotos ao redor dele, pra mim, Eric continuava sendo o mesmo, mesmo estando rodeado de playboys porradeiros. Mal sabia eu que estava completamente enganada e foi nesse dia que acabei descobrindo isso.

 - Lara? – Ele olhou pro lado ao me ver. Depois grunhiu como se não gostasse de me ver ali. Se afastou do grupo de garotos e me pegou pelo braço afastando-me também. – O que faz aqui?

Perguntou furioso.

 - Ai! – Reivindiquei, soltando meu braço de suas mãos. Mas não estava chateada, achava que estava só brincando. – Nada, vim te perguntar se quer ir comigo pra casa, dessa vez eu acho que tenho grana pro sorvete, mas na verdade eu...

Eu sorria enquanto falava, costumava me sentir descontraída na companhia dele, e também achava que ficaria com ele sob controle sempre, porque costumava ser assim. Mas ele me interrompeu bruscamente:

 - Chega, Lara. Não fala mais nada.

Foi quando fez aquele tom que eu percebi que não estava brincando. Eu mesma, virei-me de costas para a cena, não queria ver aquilo de novo, sabia tudo que aconteceria agora e não suportava ter de ver outra vez.

Mas ainda conseguia ouvir. Tapei os ouvidos na tentativa de me isolar daquela situação, mas não funcionou, o som atravessava as minhas mãos com ainda mais altura.

 - O que foi, hein?

Ouvi eu mesma mais nova falar atrás de mim, eu lembrei como estava segura, não tinha medo de Eric a pesar de tudo e achava que conseguiria confrontá-lo naquele momento. A primeira lágrima rolou pelo meu rosto pela memória do que vinha a seguir.

 - Lara, você... – Eric parou de falar para respirar e procurar as palavras, ele parecia preocupado em não me machucar a pesar de tudo, foi o motivo de eu ter ainda tido esperança na nossa amizade por muito tempo, ainda acreditava que podia se arrepender. Não adiantava estar de costas, pois na minha mente eu conseguia lembrar do que eu via naquela hora. – Não podemos mais ser amigos.

Outra lágrima rolou meu rosto, podia sentir tudo que senti naquele momento, a sensação de que pela primeira vez ele iria me deixar de verdade, lembrava de que ele já tinha dado muitos sinais de que não queria mais ser meu amigo antes, mas que eu ainda achava que ele só estava fazendo gozação, não acreditava que poderia estar falando sério, até que ele disse aquilo e não consegui acreditar que podia ser definitivo.

 - Como assim...?

Aquela foi a primeira vez, que minha voz falhou para Eric, pela primeira vez senti medo dele. Não sentia medo de nada que pudesse fazer, á não ser me deixar e quando isso aconteceu, me senti completamente sem chão.

 - Não somos mais os mesmos. – Explicou. – Já não nos encaixamos mais um com o outro.

O vazio tomou conta de mim, sentia todas as emoções de uma garota de doze anos. Não conseguia entender, as palavras falhavam na minha cabeça. Me veio o medo:

 - Como assim...? – Sentia as primeiras lágrimas invadirem o meu antigo rosto. - Não pode me deixar assim do nada, somos amigos desde o maternal, Eric.

Lembrei de como queria que minha voz soasse autoritária, mas ela me traiu ao soar como se estivesse implorando pra que não me deixasse.

 - É, desde o maternal e olha só onde estamos, na quinta série. É a hora em que todo mundo se separa pra encontrar os grupos em que se identificam mais, eu fui pro bando deles. – Apontou pra os playboys porradeiros. – E o seu, qual é?

Daí, me veio o ódio:

 - Então é assim, não é?? – Gritei, limpando as lágrimas que rolavam meu rosto, tomada por um ódio misturado com uma enorme mágoa que se expandia pelo meu corpo cada vez mais rápido. – Você vai ficar com esses caras?? Tudo bem, talvez você deva ser um deles mesmo! Você nunca mais foi o mesmo desde que entramos no colégio elementar, já que você quer fazer parte de um bando de idiotas e me deixar, vá em frente! Eu não preciso de você... – Puxei a saliva e cuspi nos pés dele. – Não passa de um idiota!

Eu, mais nova, bateu os livros com força contra o peito dele, ele os agarrou. Era o livro de história que ele tinha esquecido na sala de inglês, e eu lembro que o peguei horas antes com a intenção de devolver, lembrei-me muito bem de como me senti tola por isso. Virei as costas e saí, limpando as lágrimas com raiva. Iria pra casa agora, e choraria no meu quarto a tarde toda.

Acordei num pulo de desespero, as lágrimas corriam pelo meu rosto depressa, uma angústia se espalhava em meu peito enquanto eu ainda tentava me situar de que tinha sido um sonho. Liguei a luminária do meu criado-mudo e limpei as lágrimas do meu rosto. Foi só um sonho... Foi só um sonho... Tentava me confortar enquanto me deitava de novo na cama para tentar dormir.

No meu peito, uma terrível dor de mágoa vinha para a atual Lara Cambrige, uma dor que me dizia com todas as letras que devia odiá-lo pra sempre. Tinha de me lembrar do que ele fez, tinha acabado com a minha quinta série e agora não podia resolver voltar assim do nada, querendo um recomeço, ele não merecia isso, não tinha sequer mudado, seria ainda mais fácil ficar longe dele a partir dali. Era um canalha, só isso. Um canalha.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Ih... Vizinhos, é?
Será que isso vai dar certo? ;p