Bons Motivos para Cometer Um assassinato escrita por Sixpence Angel


Capítulo 8
Capítulo 8: A Geração Perdida




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Scott era um ótimo trompetista. Naquela tarde, pedi-o para ouvir seu ensaio. Sempre tive grande admiração pela música da época, mas a única coisa que eu sabia tocar era banjo (e às vezes tinha vergonha de admití-lo), que aprendi com meu pai.

- O jazz de Nova Orleans[1], não? - perguntei depois que ele terminou de tocar a segunda música.

Orgulhoso, ele menou com a cabeça. Disse que havia aprendido "a arte do trompete" com um vizinho no Brooklin e mais tarde se encantou com a música de Nova Orleans.

Também me encantei com o jazz e todas as loucuras de minha geração. Enquanto morava no campo, sempre imaginava os grandes bailes, os hóteis luxuosos, as mulheres, o brilho da cidade diante da noite e todo o gostinho da vida na cidade, mas isso ficava só na imaginação.

Depois do trabalho, eu chegava em casa sem sequer pensar em dormir ou me deitar; meu descanço e diversão era sentar-me na varanda, ligar o rádio e ouvir músicas, novelas e até mesmo o noticiário. Tudo aquilo me encantava, me deixava nas nuvens, na esperança de um dia viver um pouco daquilo, só um pouquinho, nem que fosse por um dia.

Quando vi os olhos faiscantes e sonhadores dos moradores da pensão, me lembrei de todo esse tempo e o quanto lutei pelo reconhecimento e as pequenas coisas que eu valorizava e agora não dava a mínima. O dinheiro e a fama me deslumbraram, eu acabei mudando, conforme o mundo cedia às minhas vontades.

- Adam? - chamou-me Scott, acordando-me das doces lembranças do passado.

- Hã? - indaguei desnorteado - disse alguma coisa, Scott?

- Nada de importante, mas... que há de errado com você?

Ri-me do semblante preocupado de Scott.

- Estou tão ruim assim? - perguntei em tom brincalhão.

- Não, não está não; - ele sorriu - me parece até muito bem, até demais.

- He he, sua música é milagrosa, Scott. - brinquei - Deixe-me ouvir mais uma e juro que paro de te perturbar.

- Não é incomodo .algum, meu caro, - disse ele, alegre - jamais tive tão boa platéia como você.

Imaginei que isso fosse mesmo, tocar para um bando de bêbados não devia ser muito agradável, mas pelo menos já era um começo.

Quando Scott voltou a tocar, mergulhei novamente em minhas lembranças do passado. Quando terminou, reconheci em Scott os mesmos sentimentos que eu carregava quando era um pobre garoto da Geórgia.

- Sabe, Scott? Um dia verei seu nome em letreiros luminosos. - disse eu, parando na porta do quarto - Não desista, um dia vai ser famoso e reconhecido. E quando isso acontecer, é melhor você ter os pés no chão e não se deslumbrar com a fama.

- Fala com tanta certeza, como se fosse fácil. - ele riu.

- E não é, - afirmei - mas com muito esforço e um pouquinho de imaginação, qualquer um chega lá.

Scott não replicou, simplesmente ficou parado, com uma expressão que seria indefinível para a maioria, mas eu sabia perfeitamente, por pura experiência, que naquela hora seus pensamentos se voltavam para uma só frase: "Será mesmo?"

xxxxxxxxxx

 

Desci as escadas até a sala. Lá, havia uma mulher esguia sentada no sofá, anotando qualquer coisa em um bloco de papeis. Presumi que era a hóspede que trabalhava no quiosque que Vitor havia me falado.

Era uma mulher distinta, de beleza exótica. Era esguia, possuia um rosto de formato ovalar e olhos da cor de amendôas, seus cabelos eram da cor de cobre. Nesse dia, usava um vestido azul simples que realçava suas belas curvas, que não eram exatamente o padrão de beleza da época, mas não deixava de ser bonita.

- Boa tarde, senhorita. - pigarreei para que notasse minha presença.

- Oh! Boa tarde, me desculpe, não notei que o senhor...

- Não se preocupe - disse eu - quer ajuda?

Seu rosto se iluminou quando a ofereci ajuda. Notei que os papéis espalhados eram contas e as anotações cálculos.

- Muito obrigada, senhor! Não sou muito boa com contas e... desculpe, não me apresentei; meu nome é Emily Lestway, o senhor é aquele hópede francês que Annie me contou, não?

Annie era a outra hópede que dividia o quarto com Emily, eu já havia conversado um pouco com ela em meu primeiro dia.

- Sou sim - sorri - Adam Vollaire, muito prazer.

Beijei sua mão em um gesto tipicamente cavalheiresco e comecei a fazer os cálculos, enquanto os olhos apreensíveis de Emily acompanhavam cada movimento meu. Ao terminar, mostrei o resultado pra ela, que deu um gritinho apavorado.

- Onde vou arranjar isso?! - queixava-se ela para si mesma.

Apressei-me em oferecer lhe um chá como deixa para sair da sala.

"Chá...veneno talvez? É uma idéia..."

pensei enquanto me encaminhava para a cozinha.

xxxxxxxxxx

 

[1] Nova Orleans foi um dos lugares onde surgiu o jazz, que se espalhou pelos EUA e pelo mundo, tornando-se uma música de grande sucesso da geração dos anos 20.


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Notas finais do capítulo

Como eu gosto de ver filmes e livros sobre "a geração perdida"! Dando crédito mais uma vez ao livro O Grande Gatsby (álias, foi daí que saiu o "meu velho" de John, só que eu não lembrava qual era a frase exata) de F. Scott Fitzgerald.
Não se esqueçam de mandar reviews ^^



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