O Amor É Clichê escrita por Juliiet


Capítulo 30
Para Sempre Não Existe


Notas iniciais do capítulo

Então, começo pedindo desculpa pela demora. Mas vocês sabem que eu me mudei e comecei a faculdade, aí a coisa complicou. E quem tá no grupo do facebook sabe que eu fui plagiada D: Mas não se preocupem, que o site em que estava a história já tirou ela :)
Entããão, pra compensar minha demora, eu fiz um capítulo gigante. Sério, ele tá enorme, então não tem problema levar alguns dias para ler hasehasueaush (MAS DEIXEM REVIEWS, PFVR). Esse é - provavelmente - o penúltimo capítulo, então aproveitem pra se despedir da história :'(
Um obrigada super especial às pessoas que recomendaram a história *.*
— BadGirl
— Daphne
— Kchan-lm
— DarkWish
— Cah
— Isaías
Acho que só tá faltando mandar MP pra Cah e Isaías, e eu vou fazer isso já já, porque todos vocês me fizeram uma autora muito feliz *.*
Btw, têm duas músicas no capítulo porque...eu quis assim e pronto aheuaheuhae na verdade é porque elas estavam na minha cabeça e eu escrevi esse cap basicamente ouvindo só elas. Friday I'm In Love - The Cure e Never Let Me Go - Florence and The Machine, pra quem não conhecer e quiser ouvir ou procurar a tradução :)
Enfim, boa leitura.
OBS: Não revisei o cap por pura preguiça, ele tá grande demais D: então me virem algum erro, me avisem mesmo que eu ajeito, tá? :3



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Eu não conseguia articular um pensamento coerente. Estava uma verdadeira bagunça. Minha cabeça doía e meus dentes batiam. O frio era penetrante e eu estava morrendo de medo.

Isso mesmo, as risadas já podem acabar.

Qual o grande problema em se ter medo de trovão? Todo mundo tem medo de alguma coisa, certo? Tem gente que tem medo de baratas, de aviões, de altura, de bonecos assassinos e tomates mutantes.

Eu tenho medo de raios e trovões.

Um raio cruzou o céu, logo seguido por aquele estampido ensurdecedor.

Eu tremi e mordi as bochechas para não começar a chorar. Não podia parecer tão patética na frente do Vicente, não depois de tanto tempo.

Aquele não era nem um pouco o reencontro que imaginei.

Droga, não chore. Não chore, Maria Valentina, tenha um pouco de compostura.

Vicente não disse nem fez nada. Só ficou ali na porta, parado, enquanto a chuva fustigava meu corpo e eu tremia de medo e frio. Eu não conseguia ver sua expressão na penumbra e fiquei subitamente insegura. Meus óculos salpicados de gotas de chuva também não ajudavam. Não sabia o que ele estava pensando, o que estava sentindo. Uma minúscula parte de mim temeu que ele simplesmente fechasse a porta na minha cara e me deixasse ali para morrer eletrocutada naquela tempestade de raios.

Maldito Zeus, você bem que podia atirar chocolates do céu, não?

Ok, a racionalidade foi embora e não mandou lembranças.

Maria Valentina?

Pulei ao ouvir a voz familiar de Lucas, nem havia reparado que o garoto estava ali. Mas antes que eu pudesse falar ou fazer qualquer coisa, alguém apareceu atrás dos dois com uma vela, iluminando o aposento, mas não o rosto do Vince, que continuava de costas para a luz.

– Ei, quem está aí na porta? – o desconhecido perguntou.

E então outro raio cruzou o céu e eu choraminguei. Isso pareceu despertar o Vicente para a situação, porque ele me segurou pelo braço e me puxou para dentro, fechando a porta e ordenando a Lucas que pegasse toalhas para mim.

– Quem é ela? – o garoto que eu ainda não sabia quem era perguntou. Ele tinha cabelos loiros compridos e uma barba rala. Parecia ser mais velho, pouco mais de vinte anos.

– A namorada do Vince – Lucas respondeu e passou por ele, entrando num dos quartos, provavelmente para pegar as toalhas.

O título aqueceu algo bem pequenino dentro de mim. Sei que não era nada, afinal Lucas podia muito bem estar só provocando o amigo. Mas Vince não negou.

Na verdade, ele não fez nada além de me segurar fortemente pelo antebraço. Seus dedos pareciam ferro quente na minha pele molhada. Seu aperto doía, mas eu não disse nada. Não queria que ele me soltasse.

Lucas voltou com várias toalhas grandes nos braços e, atrás dele, vinha Pedro, um dos amigos de Vince do time de futebol. Na hora percebi a semelhança entre ele e o garoto mais velho que segurava a vela. Deviam ser primos ou irmãos.

Outro trovão, dessa vez mais alto e assustador, sacudiu a casa. Ou pelo menos foi isso que minha mente impressionável quis me fazer acreditar. Eu soltei um pequeno grito agudo e, antes que pudesse me impedir, rodeei o corpo de Vince com os braços, enterrando o rosto em seu peito e apertando os olhos.

Por um segundo, Vince não fez nada. Eu tremia e, mesmo com o medo insano, pensei em reunir coragem para soltá-lo. Mas antes que eu fizesse isso, senti sua mão em meus cabelos molhados.

E, pela primeira vez desde o momento em que entrei no ônibus que me trouxera ali, eu me senti segura.

– Vou levá-la pro quarto – ouvi Vince dizer, as palavras reverberando em seu peito. – Lucas, você pode fazer um chocolate quente pra ela ou coisa assim?

Não ouvi o que Lucas disse, se é que ele disse alguma coisa. Não deu para prestar atenção em mais nada no momento em que Vince colocou um dos braços nas minhas costas e o outro atrás dos meus joelhos e me carregou até o quarto que ficava no final do corredor. Ali a escuridão era completa e eu me perguntava como ele conseguia se orientar, já que andava sem tropeçar em nada.

– Fica aqui – ele mandou, colocando-me no chão ao lado do que parecia ser uma cama. – Vou pegar uma vela e já volto.

– Não! – gritei, apavorada com a perspectiva de ficar sozinha no escuro com a tempestade açoitando as janelas e os raios caindo a cada minuto. – Não me deixa sozinha, por favor – implorei, odiando o tom desesperado da minha voz.

Ele ficou parado por um segundo e então me fez sentar na cama, mesmo que eu estivesse completamente encharcada. Mas nesse momento, outro trovão ensurdecedor se fez ouvir e eu me agachei no chão, tapando os ouvidos e chorando baixinho.

Senti quando ele se agachou à minha frente e colocou uma toalha sobre os meus ombros e outra sobre a minha cabeça. Levantei os rosto e apertei os olhos para tentar vê-lo naquele breu, mas só podia discernir alguns traços do seu rosto. O resto estava mergulhado na escuridão.

– Fica calma – ele disse e sua voz foi suave e tranquilizadora. – Está tudo bem. Eu estou aqui.

Assenti, mesmo que ele não pudesse ver, e acabei me sentando no chão, abraçando minhas pernas vestidas com jeans encharcados e escondendo o rosto nos joelhos. Vince se moveu para sentar ao meu lado e começou a secar meu cabelo com a toalha.

– O que você está fazendo aqui, Maria Valentina? – ele perguntou de repente, sua voz soando insegura, confusa e cheia de dor. – O que... o que isso significa?

E nesse momento, eu fiquei feliz pela escuridão. Ela escondia as lágrimas silenciosas que percorriam meu rosto. Eu sabia que o tinha machucado. Eu o deixei para trás, o abandonei. Fui egoísta e covarde e imatura. Não, não me arrependo de ter ido embora. Me arrependo de ter ido por todas as razões erradas.

Achei que estava indo embora porque o amava. Mas não era por ele. Era por mim. Se eu tivesse sido honesta comigo e com ele desde o início, minha partida talvez não tivesse machucado tanto a nós dois.

Funguei. Era devastador perceber que o amor mais machuca que faz bem. Que eu tinha dado ao garoto que eu amava mais motivos para chorar do que para sorrir.

E eu continuava querendo amá-lo. Para sempre.

Mas quem era eu para prever o futuro? Achei que nunca faria o que minha mãe fez, nunca deixaria as pessoas que amo por simplesmente ter medo e acabei fazendo exatamente isso. Então quem pode dizer que não faria algo semelhante no futuro?

Eu queria o para sempre. Com o Vicente, o garoto que me fazia sentir inteira, como na lenda que a Gabrielle contou para o Iolaus naquele episódio de Xena. Como se eu tivesse passado toda a minha vida vivendo pela metade, procurando alguém para me completar, para me fazer eu mesma, completa. Para ser minha outra metade.

E, mesmo que eu só tivesse 16 anos, mesmo que eu fosse quase uma criança, inexperiente e boba, eu sabia que aquilo não era algo corriqueiro. Não era um amor banal, comum, ordinário.

Era o amor de uma vida. Que muitas pessoas perseguem durante a vida toda e poucas conseguem achar.

E eu achei.

Gostaria que isso fizesse as coisas serem mais fáceis. Mas não fazia. Só era mais difícil.

O para sempre que eu queria...essas coisas não existem.

– Por que você voltou? – ele perguntou, não parecendo aguentar mais meu silêncio.

Respirei fundo. Meus dentes batiam, meus lábios tremiam, meu sangue pulsava forte em meus ouvidos.

– Vicente, você tem que saber por que eu voltei – respondi, minha voz saindo mais vulnerável do que eu gostaria. – Você sabe.

Ele tirou a toalha da minha cabeça e se virou para me olhar. Suas mãos se ergueram e, suavemente, ele tirou os óculos molhados do meu rosto. Eu sentia os olhos dele presos em mim mesmo na escuridão e me perguntei se ele conseguia me enxergar.

– Eu gostaria de ouvir dos seus lábios.

Engoli e apertei os olhos por um segundo. Abri a boca, meus lábios trêmulos.

– Vince, onde você tá? – a voz de Lucas veio da porta do quarto.

Vince respirou fundo e disse:

– Aqui perto da cama.

E então os outros dois garotos apareceram atrás de Lucas, o mais velho ainda segurando a vela, quebrando um pouco a escuridão.

– Eu fiz um chocolate quente – disse Lucas, parecendo meio duvidoso. – Só não garanto que esteja bom.

Vince assentiu e se levantou para pegar a caneca que o amigo segurava. Ele também tinha trazido uma mochila, que Vince pendurou em um dos ombros.

– Ei, fica com isso aqui – o menino mais velho disse, entregando a vela para Vince. – Nós acendemos outras na cozinha.

Ele pegou a vela com a outra mão e agradeceu, colocando-a sobre a mesa de cabeceira ao lado da cama, perto de onde eu estava sentada.

– Ela está bem, cara? – Lucas perguntou, parecendo preocupado.

Estava tão cansada, confusa e assustada que nem me importei por ele estar falando como se eu não estivesse ali. De qualquer modo, se tivesse perguntado para mim, eu não tenho certeza de que conseguiria responder.

– Sim, está tudo bem – Vince respondeu.

Os garotos assentiram e saíram pelo corredor, nos deixando sozinhos. Vince fechou a porta e largou a mochila em cima da cama, para depois se sentar ao meu lado e me dar a caneca quente.

Segurei-a com as duas mãos e dei um longo gole.

Quase cuspi. Aquilo estava horrível.

– Que delícia – soltei ironicamente.

Vince riu baixinho. Foi a primeira vez que ouvi sua risada desde que entrei por aquela porta e o som me aqueceu mais do que aquele líquido quente não identificado.

Ele tirou a caneca das minhas mãos e colocou-a na mesma mesa onde estava a vela, onde também deixou meus óculos.

Sob a luz bruxuleante e amarelada, eu conseguia ver o rosto dele um pouco melhor, ainda que um pouco borrado graças a linda da minha miopia. Sua pele parecia mais pálida do que eu me lembrava e seu cabelo estava mais comprido, enrolando-se um pouco na nuca. Suaves olheiras marcavam seus olhos, que brilhavam como se tivessem luz própria.

Ele percebeu que eu o estava encarando e desviou o rosto, puxando a mochila da cama e tirando dela uma calça de moletom e uma camisa.

– Você tem que tirar essa roupa molhada – ele disse. – Eu vou sair e deixar você se vestir.

Eu não queria que ele me deixasse sozinha, mas quando outro trovão soou como uma explosão ao meu redor, eu não podia deixá-lo ir.

Agarrei seu braço e olhei para ele, suplicante. Não disse nada, mas ele pareceu entender. Seus olhos suavizaram e ele se inclinou e soprou a vela da mesa, fazendo com que o quarto mergulhasse novamente em escuridão.

Foi quase como se horas tivessem se passado até que senti as mãos dele tatearem minha cintura, até chegarem à borda da minha blusa. Eu nem sabia mais porque tremia tanto, se pelo frio, pelo medo, ou por ter Vicente tão perto de mim. Um arrepio me percorreu quando eu levantei os braços para deixá-lo puxar minha blusa para cima. Senti todo o sangue do meu corpo indo se concentrar no meu rosto e tentei dizer a mim mesma que estava tão escuro que ele não podia ver nada, mas eu quase sentia o olhar dele me queimando.

Ele descartou a blusa num canto do chão. Meu coração enlouquecido falhou algumas batidas quando seus dedos tocaram minha barriga gelada e nua. Minha respiração ficou mais pesada quando ele finalmente chegou até o cós dos meus jeans e o desabotoou. Eu sabia que podia muito bem fazer aquilo sozinha, mas não me movi um centímetro para pará-lo.

Eu não conseguia.

Lentamente, ele foi puxando meus jeans para baixo. Por causa da chuva, o tecido havia colado na minha pele. Eu o ajudei chutando as sapatilhas para fora dos meus pés, permitindo que ele passasse os jeans por eles. Teve o mesmo fim que minha blusa.

Eu abracei meu corpo e baixei os olhos. Passaram-se alguns segundos até que eu sentisse Vince secando minhas costas com uma toalha. Derramei algumas lágrimas quentes e silenciosas enquanto ele cuidava de mim. Não sabia bem por que, mas era como se meu coração estivesse sendo apertado, um pouco mais a cada segundo. Vince pegou a camisa seca que havia tirado da mochila e me fez vesti-la, seus dedos roçando a pele da minha cintura enquanto me ajudava. O mesmo com a calça. Suas mãos passavam tão suavemente por minhas pernas que eu quase podia pensar que era acidental.

Não era.

– Você ainda está com frio? – ele perguntou, a voz sussurrada e meio áspera.

Fiz que não com a cabeça, mas ele não podia ver, então gaguejei:

– Não.

Ele riu e encostou o nariz na minha bochecha.

– Mentirosa – sussurrou na minha orelha. – Você está tremendo.

Mordi os lábios e fechei os olhos. Soltei um ofego de surpresa quando ele se levantou e, novamente, me pegou em seus braços. Tropeçou nas minhas roupas molhadas no chão, mas conseguiu se equilibrar e não me deixar cair. Eu ri e ele também. E então ele me deixou suavemente na cama.

– Você quer dormir? – ele perguntou, puxando uma cadeira e se sentando nela, ao lado da cama. Ele já devia ter ido muitas vezes àquela casa, pois se movia com facilidade na escuridão, como se soubesse exatamente onde cada coisa estava.

– Não – respondi, mas meus olhos estavam pesados e eu me sentia tão cansada que meus ossos pareciam de chumbo.

Depois de um voo de mais de doze horas, de uma briga com meu pai e de mais sete horas num ônibus desconfortável até ali, eu estava acabada. Mas não queria dormir. Não queria perder cada segundo que tinha com aquele garoto que me fazia sentir como se o tempo parasse, como se tivéssemos o infinito a nossa frente.

Mesmo não podendo vê-lo, eu queria poder senti-lo.

– Até sua voz soa cansada, Maria Valentina – ele disse, segurando minhas mãos entre as suas, acariciando minha pele com seus polegares. – Pode dormir, eu vou ficar aqui com você até a chuva acabar.

– Até eu acordar – corrigi.

Queria que a primeira coisa que meus olhos vissem ao acordar fosse ele.

Estava tão cansada e apaixonada que nem podia impedir meus pensamentos de soarem bregas e ridículos. E nem queria.

– Até você acordar – ele concordou e levou minha mão até seus lábios, beijando minha palma.

Eu fechei os olhos, tentando impedir – em vão – que o sono me embalasse, sentindo o carinho suave do Vince em minha mão.

E sentindo-me, finalmente, completa.


...

Chegar em casa foi bom e difícil ao mesmo tempo. Eu sentia tanta falta da minha irmã e do meu pai que vê-los esperando por mim no aeroporto fez meu coração doer de amor e levou um grande sorriso aos meus lábios.

Geny correu até mim, afogando-me em seu abraço apertado. Os olhos cheios de lágrimas não derramadas. Seus cabelos estavam presos em duas tranças ao lado do rosto e ela me pareceu mais do que nunca como uma garotinha. Seu olhar parecia perdido, seu rosto sem a costumeira luz. Senti-me culpada por não ter notado nada de diferente nela pelos telefonemas, quando era claro que minha irmãzinha não parecia feliz.

Papai, como a grande e forte muralha que era, parecia o mesmo. Mas ele também me abraçou apertado durante algum tempo, coisa que não costumava fazer. Mas nunca tínhamos passado tanto tempo separados antes.

– Você está linda, Tina! – esclamou Geny, secando os olhos.

Eu me sentia linda. E o melhor, sentia-me bem.

Estava vestindo jeans justos – mas não do tipo que parecia que tinha sido costurado no meu corpo, como os que Roberta usava na escola –, uma blusa de malha fina, azul marinho, com mangas até depois do cotovelo. Ela também se ajustava ao meu corpo perfeitamente e me deixava parecendo mais como uma garota normal de 16 anos, não uma garotinha tímida e pequena de 12, como eu costumava parecer. Também estava usando as sapatilhas vermelhas que Narcisa havia me dado de presente. Eu me sentia confortável com elas, não só por elas serem confortáveis, mas porque me faziam pensar na minha amiga e no quanto ela se importava comigo. Meus cabelos estavam soltos em suaves cachos sobre os ombros e minha franjinha terminava bem em cima dos meus óculos novos.

– Você parece uma mulher, Maria Valentina – meu pai disse, surpreendendo a Geny e a mim. – Como eu não percebi o tempo passar?

Eu sorri para ele e dei de ombros.

– Pais nunca percebem quando os filhos crescem – eu respondi. – Não é da natureza deles.

Papai devolveu meu sorriso com um pequeno e quase imperceptível curvar de lábios.

– É verdade. Você vai sempre ser minha garotinha.

Eu não conseguia parar de sorrir. Sentia-me aquecida e amada. Eu sempre soube que meu pai se importava comigo, mesmo que ele não fizesse questão de demonstrar. Mas o amor precisa ser demonstrado.

E talvez a maioria das garotas de 16 anos se sentisse diferente, mas eu adorei ouvir meu pai dizer que eu sempre seria sua garotinha. Eu queria ser sempre sua garotinha.

Mas tudo estava muito bom para durar, é claro.

O problema começou pouco tempo depois de chegarmos em casa.

Até o momento, eu me sentia muito bem e feliz. Papai não estava sendo o ogro de sempre, não havia reclamado da minha aparência e nem parecia aborrecido.

Mas então, depois de colocar minha mala no quarto, eu desci para pegar a bolsa que havia deixado na sala. Geny estava lá.

– Hey – ela disse, sorrindo fracamente. – Está tudo bem?

Eu me aproximei e passei meu braço pelos ombros dela. Eu ainda era alguns poucos centímetros mais alta antes de viajar, mas agora éramos exatamente do mesmo tamanho.

– Eu que devia perguntar isso – respondi, fitando o rosto meio abatido dela. – Você não parece bem. Aconteceu alguma coisa?

Ela desviou o olhar.

– Ah, o de sempre – respondeu. – A escola é um saco, mas pelo menos eu saía de casa e conversava com as pessoas. Agora essas férias estão prometendo ser infernalmente entediantes.

– Papai está sendo difícil?

– Você ainda pergunta? Duvido que ele me deixe sair de casa por um só dia.

Suspirei e abracei-a em solidariedade, apesar de sentir que ela não estava me contando tudo.

– Tina? – Geny chamou. Eu a soltei para poder olhá-la. – O que você vai fazer agora? Sobre...ele?

Eu não precisava perguntar quem era ele. Geny e eu não havíamos conversado muito sobre isso, mas ela sabia como eu me sentia e que um dos motivos por eu estar tão feliz em voltar, era ele.

Meu coração bateu um pouco mais depressa só com o pensamento. Ele estava tão perto agora. Há apenas alguns quarteirões de mim.

Tão perto.

– O que eu vou fazer? – eu repeti e então sorri, nervosa e confiante ao mesmo tempo. – Eu vou atrás dele, Geny. Eu vou fazê-lo ver que eu não posso viver sem ele. Que eu o amo.

O rosto de Geny subitamente ficou pálido enquanto ela fitava algo atrás de mim. Eu me virei rapidamente e dei de cara com o papai. Ele estava há poucos metros de nós, completamente parado, os olhos fixos em mim. Frios. Vazios.

E, de alguma forma, feridos.

– Maria Eugênia – ele disse, a voz controlada. – Vá pro seu quarto.

Percebi que minha irmã ia protestar, mas apertei sua mão e acenei quase imperceptivelmente com a cabeça. Havia chegado a hora de acertar algumas coisas com meu pai. E aquela era a minha briga, não dela.

Geny suspirou e, apertando rapidamente minha mão de volta, se arrastou pelas escadas até seu quarto.

Papai e eu ficamos em um silêncio tenso e desconfortável por alguns minutos, até que ele deu dois passos em direção a mim e perguntou, a voz calma, mas eu podia perceber o aperto em sua mandíbula:

– O que você tem na cabeça, Maria Valentina? O que acha que está fazendo?

Era o mesmo pai que eu temi durante toda a vida. Que eu quis impressionar, nunca decepcionar. Sempre quis ser perfeita para que ele me amasse. Mas ele me amava e eu esperava que mesmo com todas as minhas imperfeições. Mesmo com as coisas que eu estava prestes a dizer.

Mas ao mesmo tempo, não parecia ele. Ao mesmo tempo em que aquele parecia ser uma bronca como todas as outras, também não parecia ser. Pela primeira vez, percebi que meu pai estava cansado. Talvez da situação, talvez dele mesmo. Algo me dizia que aquela briga não seria como todas as outras.

Mas eu não estava assustada.

Eu estava pronta.

– Na cabeça? – repeti, com o queixo levantado. – Pela primeira vez na vida, eu posso dizer que não tenho nada. Nada mesmo. E eu acho – não, acho não – eu sei que estou querendo ser feliz.

Sua expressão passou de controlada para frustrada...quase inconformada.

E eu estava esperando fúria.

– O que diabos aconteceu com você? Onde está a minha filha? A Maria Valentina que eu conheço nunca diria essas besteiras...

– Papai – eu não deixei que terminasse. – Que besteiras? Desde quando ser feliz é uma besteira? Qual o problema nisso?

– Maria Valentina...

– Não, escute! Eu cresci, pai. Eu mudei. As pessoas mudam, elas se tornam mais maduras e mais estúpidas. E mesmo sendo contraditório, eu me sinto exatamente assim. Eu me apaixonei.

Ele passou a mão furiosamente pelos cabelos e soltou o ar pelo nariz em desdém.

– Amor? Paixão? – disse com desprezo. – Você não precisa disso. Nenhum garoto egoísta e estúpido vai fazer você feliz. Sua felicidade depende apenas de você mesma, de mais ninguém. Depositar seu amor e esperança em outra pessoa é insano. É inútil.

– Mas, pai – eu insisti – ninguém pode ser feliz sozinho!

– Eu sou sozinho.

– E não é feliz.

Ele ficou calado e fechou os olhos por um instante, que para mim, pareceram horas. Seus cabelos estavam meio pra cima, de tanto que ele passou as mãos por ele. Doía-me ver meu pai tão transtornado, tão...perdido. Era a primeira vez em toda a minha vida que eu vi uma rachadura naquela muralha. E isso machucava tanto a ele quanto a mim. Quando ele abriu os olhos, porém, já parecia quase em controle de si mesmo.

– Esqueça. Você não vai ver esse garoto. Você vai para o seu quarto. E é lá que vai passar o resto das férias.

– Não.

Papai olhou-me estupefato.

– O que disse? – perguntou com sua voz perigosa.

Eu respirei fundo e o encarei com firmeza.

– Eu disse que não.

Há seis meses, eu teria medo dele. Eu estaria tremendo. Eu nunca pensaria em enfrentá-lo.

Agora eu precisava. Não só por mim e Vicente, mas por minha irmã, por minha mãe. E por ele mesmo.

Eu sentia mais pena que medo.

– Pro quarto. Agora.

– Não.

Eu podia ver que ele me olhava numa mistura de choque e raiva, sem saber o que fazer.

– Eu estou protegendo você, filha – ele disse finalmente. – Estou fazendo isso pro seu bem.

– Eu sei – respondi, e era verdade. Eu sabia tanto disso que senti pontadas atrás dos olhos e precisei respirar fundo para manter minha postura e não desabar. – Eu sei que você pensa que está fazendo o melhor pra mim, pai. Mas não está. Eu amo –

– E o que você sabe sobre o amor?! – ele me interrompeu, gesticulando com as mãos, frustrado. – Você tem 16 anos! Você não sabe nada! O dito amor te suga, te consome. Faz mal, não bem. Você não pode confiar nas pessoas, Maria Valentina. Elas só vão te machucar. Elas vão te deixar.

Eu senti as lágrimas encherem meus olhos dessa vez, tornando-se impossível de controlar. Eu sabia por que ele estava falando isso. Eu sabia que ele ainda estava machucado. E só queria me poupar dessa dor.

E mesmo assim, ele precisava entender que eu não queria ser poupada.

Mas, de algum modo, o que saiu foi:

– Só porque a mamãe foi embora, não quer dizer que ela não te amava.

Os olhos de papai pareceram pegar fogo. Ele – que já tinha começado a dar voltas pela sala como um tigre engaiolado – parou de chofre.

Algo passou por seus olhos. Uma escuridão, uma dor que eu não entendia. Que eu nunca sofrera. Uma mágoa eterna. Uma ferida aberta, que consumia e sufocava. Sangrava. A rachadura se alargou, os sentimentos – por um segundo – puderam ser lidos claramente nos olhos do meu pai. E eu nunca...nunca havia imaginado a profundidade deles.

Ele lutou para se conter. Para voltar ao normal.

– Nunca mais repita isso. Não defenda aquela mulher – sua voz era dura.

Eu odiava ver meu pai sofrer, mas precisava fazê-lo entender, fazê-lo ver. Ainda havia felicidade para mim. Para ele. Para nós. Ainda havia perdão.

Aquela mulher é minha mãe. E ela amava você, pai. Ela cometeu um erro, sim, mas não por falta de amor. Talvez por medo, por ingenuidade, por...

– Cale-se! Você não tem ideia do que está falando! Você nem a conheceu!

– Conheci sim – tremi enquanto sussurrava. – Aliás...conheço.

Dessa vez meu pai enlouqueceu. Pegou-me pelos braços com tanta força que eu sabia que ficaria com hematomas. Eu quase gritei.

– Do que diabos você está falando?! – ele gritou na minha cara, os olhos loucos, ferozes.

As lágrimas desciam por meu rosto enquanto eu respondia.

– Eu a conheci na Romênia. Ela ficou comigo na casa do vovô durante todo esse tempo. Eu a amo, pai. Eu a amo como amo você. E, como você, ela também é infeliz.

Papai soltou-me tão de repente que era como se eu tivesse alguma doença contagiosa. Foi tão abrupto que eu caí no chão. Minha bolsa – que eu ainda estava segurando – abriu e meu celular escorregou para fora.

Eu fiquei no chão, tentando controlar minha respiração, minhas lágrimas. Meu pai parecia derrotado. Acabado. Parecia ter desistido.

Do quê?

Eu nem saberia dizer.

Sua raiva se fora, seu desprezo, sua frustração. Ele parecia ter murchado. Seus ombros caíram. Ele parecia o homem mais triste do mundo. Como se tivesse suportado uma dor excruciante que – de repente – havia se tornado demais. Demais para que ele continuasse suportando-a, para que continuasse seguindo em frente.

– Vou falar com seu avô – papai disse, sem fitar-me, a voz oca. – Conversamos depois, você vai pro seu quarto agora – seus olhos então se voltaram para mim, calmos como o mar após uma tempestade, mas turvos, sombrios. Então ele completou, ainda naquela voz sem vida. – E, se depender de mim, você nunca mais vai ver sua mãe. Nem esse garoto estúpido por quem acha que está apaixonada.

Depois de dizer isso, ele pisou no meu celular, despedaçando-o. Deu-me às costas e foi em direção ao seu escritório.

Eu me levantei e ignorei meu celular destruído no chão. Peguei minha bolsa e sequei meus olhos. Caminhei dignamente até a porta e chamei:

– Pai!

Ele parou e se virou para mim.

– Ainda bem – comecei, determinada. Havia ido muito longe para recuar agora. Era a minha felicidade, minha vida, que estava em jogo – que essas decisões não dependem de você.

Ele suspirou audivelmente.

– Se você sair por essa porta – ele disse e sua voz agora saía quase torturada. – Não é mais minha filha.

Eu engoli as lágrimas e sorri para ele, girando a maçaneta.

– Apenas outra coisa em que você está enganado. Eu sempre vou ser sua garotinha.

Saí de casa e bati a porta atrás de mim.

E chorei o caminho inteiro até a casa do Vicente.


...

Tive um certo problema para me situar no tempo e no espaço quando acordei. Porém, ao ver uma mão apertada na minha e uma cabeça morena sobre o lençol, eu percebi que realmente não importava onde eu estava, muito menos as horas.

Vicente havia dormido numa cadeira ao lado da cama, inclinado sobre ela, os cabelos castanhos e bagunçados cobrindo parte do seu rosto. Um fiapo de luz do sol se infiltrava pela janela fechada e pintava de dourado alguns dos seus fios. Sua boca estava ligeiramente aberta e ele respirava tão profundamente que mais parecia que estava suspirando.

A luz da manhã deixou-o ainda mais bonito.

Levantei a mão livre e passei os dedos suavemente por sua testa, tirando o cabelo do seu rosto. Seus olhos estavam fechados e os cílios grandes e cheios sombreavam suas maçãs do rosto. Sorri. Ele não havia largado a minha mão nem dormindo.

Percebi que estava vestindo uma camisa azul folgada, com a gola tão grande que caía por um dos meus ombros, e uma calça de moletom que passava dos meus pés.

Oh Deus.

Dizer que eu corei enquanto as lembranças da noite anterior pipocavam em minha cabeça seria o cúmulo do eufemismo. Senti minha pele esquentar só de lembrar os lugares em que Vince me tocara, mesmo que de leve. Havia algo de tão ingênuo e quente naquele toque, como dois opostos se encontrando. Ele havia feito com que eu me sentisse tão segura...mesmo que os raios e os trovões me assustassem, eu sentia que nada no mundo poderia me machucar enquanto ele estivesse ao meu lado. Sentira-me vulnerável e forte.

E só ele conseguia me fazer sentir isso.

Talvez eu tenha feito algum barulho, porque a mão de Vicente de repente se apertou na minha e ele se mexeu. Seus cílios tremeram e ele abriu os olhos devagarinho. Piscou, como se – do mesmo jeito que eu – estivesse tentando se localizar no tempo e no espaço. Então levantou sua cabeça e pousou os olhos em mim. Imediatamente um sorriso doce se formou em seus lábios. Ele levantou o tronco, apoiando-se no cotovelo, e usou a mão que não estava na minha para afastar uma mecha de cabelo revolta do meu rosto.

– É você mesmo? – perguntou, a voz ainda rouca de sono.

Eu ri.

– Sim – foi só o que respondi.

Por um momento, o momento mais longo que eu já vivi, ficamos apenas nos encarando. Os lábios suavemente inclinados para cima num sorriso fraco, mas verdadeiro. Os olhos de Vince brilhavam, mais castanhos que nunca. Nossas mãos continuavam juntas, como sempre deveriam ter ficado. Como eu queria que continuassem.

Nosso momento vamos-olhar-um-para-o-outro-como-dois-bobocas-apaixonados foi brutalmente interrompido quando um ser maligno do espaço abriu a porta com um estrondo.

– E aí, pombinhos? – Lucas disse, vestindo apenas uma bermuda, um avental florido e um sorriso sem vergonha. – Vão ficar o dia todo na cama apagando o fogo um do outro ou vão aproveitar o dia lindo que tá lá fora?

Eu não sabia se ria ou corava. Vince xingou e jogou um travesseiro no amigo, que riu enquanto desviava.

– Ok, ok, tô saindo. Desculpa atrapalhar o momento de vocês...

Vicente jogou o outro travesseiro que, dessa vez, bateu na porta que Lucas acabara de fechar.

– Ah, só um aviso – a voz dele soou claramente do outro lado da porta. – Não façam muito barulho. As paredes são finas, sabe...

Vince e eu trocamos olhares e coramos, desviando o rosto rapidamente.

Lucas, se um dia eu te pego num beco escuro...

Vince se levantou subitamente da cadeira e pigarreou:

– Err...bom, acho melhor nós nos juntarmos aos outros para o café da manhã – ele disse, evitando me olhar e passando a mão nervosamente pelo cabelo. – Eu vou deixar você pra trocar de...

Aí ele se tocou de que eu não tinha nenhuma roupa pra vestir.

Olhei para o chão, procurando pelas minhas roupas molhadas, mas não as vi em lugar nenhum. Uma batida na porta desviou-me da minha busca.

– Estão decentes? – Lucas perguntou e, sem esperar resposta, abriu um pouco a porta e colocou sua cabeça sorridente para dentro.

Vince bufou.

– E só agora você lembra de bater na porta – murmurou.

Ele fingiu que não ouviu e entrou no quarto, ainda estranhamente vestido naquele avental florido, mas agora segurando roupas cuidadosamente dobradas nas mãos.

– Então, quando vocês estavam ocupados fazendo sexo selvagem ontem à noite, eu precisei entrar para pegar minhas coisas – ele apontou para a mochila jogada num canto do quarto, na qual eu ainda não havia reparado. Nem sei se era possível, eu corei mais ainda com o comentário e com pensamento de que ele me viu dormindo agarrada à mão do Vicente. – Aí eu acabei tropeçando nessas roupas molhadas e pensei que talvez você fosse precisar delas hoje, Maria Valentina.

Mesmo que meu rosto estivesse tão vermelho e quente que parecia que alguém tinha me enchido de chineladas, eu sorri pela gentileza dele.

– Obrigada – murmurei enquanto Lucas colocava meus jeans e minha blusa na beirada da cama.

– É um prazer, milady – ele disse, fazendo uma reverência floreada que arrancou uma risada de mim e um rolar de olhos de Vince. – Mas eu temo não poder levar todo o crédito. Foi Henri que as lavou e passou. Ele sabe tudo sobre trabalho doméstico. Fez uma omelete agora que...juro, se ele não fosse um cara, já tinha pedido o desgraçado em casamento.

Eu ri enquanto ele saía. Então virei-me para Vicente, ainda de pé ao lado da cama.

– Quem é Henri? – perguntei, ainda com um sorriso meio idiota na cara.

– É o irmão mais velho do Pedro – respondeu e eu assenti, lembrando de como achei Pedro e o garoto de cabelos compridos parecidos.

– Então – continuou Vince –, como o problema das suas roupas está temporariamente resolvido, eu vou te deixar sozinha. Tem uma escova de dentes nova no banheiro e toalhas limpas no armário, se você quiser tomar um banho.

Assenti, tão envergonhada quanto ele, mesmo sem saber o porquê disso, afinal, não havíamos feito nada. Mas acho que dormir segurando a mão de alguém era algo íntimo o bastante, que significava algo.

Vince saiu apressadamente do quarto e só então eu me levantei. Foi uma boa coisa, porque assim que eu fiquei de pé, as calças caíram da minha cintura e foram parar no chão. Rapidamente as puxei para cima e dei um nó de qualquer jeito para prendê-las. Peguei minhas roupas e fui para o banheiro. Tomei um banho bem quente, demorando para desembaraçar meu cabelo depois de ter dormido com ele molhado. Vesti-me e usei a escova de dentes nova que estava na pia. Arrumei os cabelos molhados com as mãos e voltei ao quarto, à procura dos meus óculos e das minhas sapatilhas.

Depois que já estava pronta, sentei na cama e simplesmente tentei assimilar aquilo tudo.

O que raios eu estava fazendo?

Eu estava ali para conseguir Vicente Müller. Mesmo que eu nunca fosse admitir em voz alta, a ideia que eu passava pela minha cabeça quando eu pensava em nosso reencontro envolvia uma paisagem idílica no fundo, uma música romântica, eu me jogando nos braços abertos do Vince (por alguma razão, minha imaginação insistia em deixá-lo sem camisa), beijando-o apaixonada e loucamente e depois dizendo que eu o amo.

E até agora nada disso havia acontecido.

É, decepcionante.

Mas aquilo iria mudar agora. Eu iria sair daquele quarto e, mesmo sem a paisagem idílica e a música de fundo, ia me jogar loucamente nos braços de Vicente e beijá-lo até deixá-lo sem ar.

É, certo. Coragem. Eu tinha que fazer isso.

Claro, se minhas pernas fossem capazes de se mexer.

Eu fiquei sentada por mais alguns minutos, respirando fundo e tentando reunir coragem, antes de me levantar – as pernas balançando feito gelatina – e sair do quarto.

Foi no mesmo momento em que a porta do quarto mais próximo também se abriu, de onde saiu um Vince que vestia uma bermuda clara e uma camiseta azul marinho. Seu cabelo estava molhado, como se ele tivesse acabado de sair do banho.

Ele se virou para mim, como se sentisse que eu o olhava, e sorriu. Um sorriso incerto, hesitante, mas...esperançoso. Esse sorriso me aqueceu e eu me peguei sorrindo de volta.

Agora, Maria Valentina.

Mas justo quando eu tinha dado dois passos na direção dele, a porta da sala – que era visível do corredor – se abriu e uma pequena e barulhenta multidão invadiu a casa.

Reconheci todos como sendo do colégio onde eu estudava até recentemente. Todos amigos do Vicente. Entre eles o outro garoto que jogava futebol com ele, Fábio, e a namorada nojenta dele, Diana.

E, é claro, Roberta.

– E aí, Vince? – ela perguntou, aproximando-se dele com um sorriso brilhante. – Se divertindo?

E então eu descobri algo completamente chocante sobre mim mesma.

Não importava que eu soubesse que Vince não gostava da Roberta. Não importava que eu soubesse que a garota era passado. Não importava que eu soubesse que Vince era meu, que ele passara a noite comigo, apertando minha mão cuidadosamente entre as dele. Eu sabia que ele gostava de mim. Ele me amava.

E ainda assim, eu era muito, muito ciumenta.

Oh, droga.


...

Eu pensei que, quando finalmente reencontrasse o Vicente, o tempo pararia, o mundo não giraria, e eu não conseguiria conter a felicidade dentro de mim.

Bom, meu dia havia sido uma grande merda até o momento.

Como Lucas havia dito, no entanto, o dia estava lindo. A tempestade da noite anterior parecia que nem tinha existido, o sol brilhava no céu azul claro e, apesar de estar um pouco frio para nos arriscarmos a entrar no mar, o clima estava agradável.

Mas por que todas aquelas pessoas tinham de estar ali?

Claro, depois fiquei sabendo que aquilo tinha sido combinado há meses. Aliás, segundo Lucas havia me dito quando fugi irritada para a cozinha, eles costumavam passar bastante tempo naquela casa de praia nas férias, com todo o pessoal do colégio. Eu devia ter imaginado algo assim quando corri até a casa do Vicente só para ouvir daquela prima intragável dele que ele estava passando as férias na casa de veraneio do melhor amigo.

Mas não, não pensei em mais nada além de fazer a garota vomitar o endereço do lugar e correr para a rodoviária para pegar o primeiro ônibus para lá.

Certo, eu não estava arrependida. Não era para tanto. Mesmo de longe – Vince estava rodeado de amigos do outro lado da sala enquanto eu estava sentada com os braços cruzados e cara emburrada no balcão da cozinha – eu podia ver que ele estava desconfortável. Eu podia ver que ele me olhava como quem pede desculpas, como quem dizia “eu preferiria estar com você”. Mesmo assim, ele continuava lá enquanto eu precisava controlar meu temperamento para não jogar água quente em todo mundo e sair arrastando Vince de lá.

Céus, eu nunca poderia imaginar que era capaz de ser tão possessiva.

– Você está assustando o cara, sabia? – Lucas sussurrou para mim enquanto misturava os ingredientes para um bolo.

O garoto havia tomado como uma ofensa o fato de eu ter absolutamente odiado aquele cosplay de chocolate quente que ele havia feito para mim na noite anterior. E, aparentemente, estava invejando as qualidades de Henri na cozinha, que havia feito um café da manhã incrível para todos. Então, agora ele estava decidido a provar que também podia ser uma ótima dona de casa.

Meninos. Vai entender.

– O que você quer dizer com isso? – perguntei, irritada.

Ele deu de ombros.

– Ele só não mandou todo mundo ir lamber um prego para vir aqui e ficar com você por causa dessa sua cara de que vai arrancar a jugular dele no momento em que ele se aproximar.

Bufei, ainda mais irritada em admitir para mim mesma que o garoto provavelmente tinha razão. Eu estava mesmo olhando com raiva para ele. Mas eu não podia evitar! Toda a visão da cena romântica que eu tinha imaginado durante tanto tempo tinha ido para o ralo. Isso seria o suficiente para irritar qualquer pessoa, certo? E o jeito que a Roberta tocava no braço dele como se fosse a coisa mais normal do mundo estava me deixando com muita vontade de vomitar.

Em cima do cabelo bem cuidado dela.

Sim, sim, eu não podia deixar de ver que ele sempre a afastava, mas me irritava mesmo assim. Não, não era com ele que eu estava irritada. Era com as circunstâncias. Respirei fundo e saltei do balcão. Eu precisava de um pouco de ar puro.

E precisava resolver algumas coisas também.

– Lucas, você pode me emprestar seu celular? – pedi, lembrando do meu aparelho despedaçado.

Ele sorriu e me entregou o dele. Eu agradeci e atravessei a sala, sem olhar para ninguém, saindo da casa. Fiquei ali mesmo na varanda, onde o barulho de dentro não era ouvido e liguei para minha irmã.

– Geny? – falei quando ela atendeu. – É a Tina.

Por um instante eu achei que ela tivesse desligado, porque a linha estava muda. Mas então ela disse, a ironia pingando em cada sílaba:

– Ah, é você? Resolveu dar um sinal de vida?

Aquele tom me pegou completamente de surpresa.

– Geny, o que foi? – perguntei, confusa.

– O que foi? – ela repetiu. – Sério, o que você esperava?

– Do que você está falando?

– Eu ouvi sua conversa com o papai – ela revelou finalmente.

Oh, não.

– Geny, não é... –

Ela me interrompeu, soando ainda pior que antes.

– Não é o quê? Você vai negar agora? Vai continuar mentindo pra mim?

– Mas eu não menti, eu...

– Ah, quer dizer que, em todas as vezes que conversamos por telefone, você acidentalmente esqueceu de mencionar que estava com a mulher que nos deu à vida ao seu lado? A que foi embora antes mesmo que eu soubesse falar? A que nos abandonou?

Eu não sabia o que dizer. Eu não sabia como agir. Sim, eu tinha escondido dela, mas não foi porque eu quis...

Mamãe me pediu. Ela queria conversar com Geny pessoalmente.

E eu não me arrependia de ter atendido ao seu pedido, só não queria que isso tivesse machucado tanto a minha irmã. Ela não deveria ter escutado minha conversa com papai...

Mas agora estava feito. E eu tinha que tentar consertar as coisas.

– Geny – eu disse finalmente. – Não é o que parece. Desculpe não ter te contado antes, mas mamãe quis assim. Ela mesma quer falar com você.

Uma risada seca e sem humor soou do outro lado da linha.

– Como se eu fosse querer falar com ela! Você acha realmente que eu sou tão idiota como você? Que eu vou simplesmente abrir os braços de dizer “oh, olá mãe, tudo bem que você tenha sumido durante toda a minha vida, vamos ser uma família agora?” Ela nos abandonou, Tina. Ela não quis a gente. Como você...?

Respirei fundo. O ódio e o rancor de Geny eram grandes demais. Profundos demais. Estavam nela há tanto tempo que não seriam curados em um dia, com apenas as minhas palavras. Se é que poderiam ser curados.

– Eu sei como você se sente, Geny. Eu também fui relutante, a princípio. Mas a vida é muito curta, principalmente para aqueles que não sabem perdoar. Eu perdoei nossa mãe, sim. Você não é obrigada a fazer o mesmo e sua decisão não vai mudar o que eu sinto por você. Eu te amo e você é minha irmãzinha. Eu vou estar sempre aqui por você.

Ouvi os soluços no outro lado da linha. Ela ficou bastante tempo sem dizer nada. Eu também não sabia o que mais poderia dizer, o que poderia fazer para protegê-la, para fazê-la sentir-se amada e querida. O abandono da mamãe a deixou com um sentimento de rejeição tão grande, tão maior que o meu, que eu não sabia se era possível que ela o superasse.

Mas eu a ajudaria. Faria o que precisasse. Eu só queria que minha irmãzinha fosse feliz.

– Papai está maluco – ela finalmente disse, depois que os soluços acalmaram, ainda tentando manter a voz fria e indiferente. – Desde que você saiu. Acho que ele não acreditou mesmo que você fosse realmente sair por aquela porta. Ele ligou para o vovô. Os dois tiveram uma discussão terrível.

Fechei os olhos e apertei a ponte do nariz com o polegar e o indicador. Eu deveria ter imaginado...

– Ele saiu, mas disse que, se você ligasse, era para eu fazê-la dizer onde está – ela continuou, a voz ainda distante, ainda magoada.

Eu disse. Não tinha realmente nada a esconder. O que papai faria? Iria até ali e me levaria embora à força? É claro que ele poderia fazer isso. Ele sabia e eu também. Mas isso só me faria ficar mais determinada. Isso só me faria sair de casa de novo. Isso só faria crescer o ressentimento entre nós. Até o dia em que ele não teria mais o direito de me levar de volta para casa.

Eu sabia disso. Esperava que ele também.

Assim que eu disse onde estava, Geny murmurou um “ok” e desligou. Sem se despedir. Não podia culpá-la. Ela tinha todo o direito de estar confusa e chateada. Pensei em voltar para casa para conversar com ela direito, mas a ideia de confrontar o papai novamente me deixava nauseada. Bom, eu teria de fazê-lo de qualquer jeito, se ele resolvesse vir me “resgatar”.

Sabia que estava sendo egoísta ao colocar meus sentimentos em primeiro lugar justamente quando minha irmã precisava de mim, mas não sabia o que fazer. Acabei decidindo que ficaria ali só por mais aquele dia – isso se papai não aparecesse com os policiais, os bombeiros e o presidente para me levar de volta e me trancafiar em casa – e iria embora no dia seguinte.

Só esperava que houvesse tempo para ficar sozinha com Vicente, para dizer tudo o que eu precisava dizer a ele.

– Hey.

A voz do garoto que estava nos meus pensamentos fez com que eu me virasse para vê-lo andando até mim, com um meio sorriso.

– Hey – eu disse de volta, também tentando sorrir.

Ele se aproximou, mas não o suficiente. Hesitou, como se não soubesse o quão perto de mim podia chegar.

– Desculpe por aquilo – ele indicou a casa, onde seus amigos estavam. – Fazia muito tempo que eles não conversavam comigo, então me prenderam daquele jeito.

Franzi o cenho, confusa.

– Como assim? – perguntei. – Vocês não se viam todos os dias na escola? E nos treinos de futebol?

Ele coçou a nuca e desviou o olhar de mim, ficando vermelho.

– Bem... – começou, parecendo desconfortável. – Eu meio que larguei o futebol. E fiquei quase sem tempo para sair com meus amigos.

O QUÊ?!

Acabou que eu disse isso alto. E ele riu do meu espanto.

– Mas você ama futebol – insisti, completamente sem ideia de por que ele largaria algo que amava tanto.

– Eu precisava estudar – respondeu com um ar de ombros, como se não importasse, mesmo que eu pudesse perceber por sua voz que sim, importava. – O futebol tomava muito do meu tempo e eu preciso estudar se quero ser alguém na vida e passar minhas férias num cruzeiro pelo Caribe.

Eu fiquei absolutamente sem ter o que dizer e ele finalmente se virou para mim e riu da minha cara de babaca. Levou uma mão até o meu rosto e acariciou minha bochecha.

– Uma garota me disse isso uma vez – ele contou, agora me olhando fixamente. – Eu não a levei muito a sério naquele momento. Mas agora eu vejo como ela estava certa.

Meu coração se enterneceu e eu segurei a mão dele quando ele a afastava do meu rosto. Sorri fracamente, só o que eu podia fazer para evitar as lágrimas.

Eu já não aguentava chorar. Parecia que eu derramara mais lágrimas nos últimos meses do que em toda a minha vida.

Mas eu não conseguia evitar.

– Ei, vocês dois! – alguém gritou por uma das janelas. – Entrem, o almoço tá pronto!

Eu me assustei e soltei a mão dele, corando. Acabei dizendo que era melhor entrarmos, quando tudo o que eu queria dizer era algo como “vamos fugir”.

– Tudo bem – ele disse e meu coração parou, pensando que eu tivesse dito aquilo alto.

Mas não fiz isso dessa vez, e nós entramos na casa.


...

É claro que todo mundo estranhou o fato de eu, a nerd que sumiu da escola, estava lá, no meio deles. Aparentemente, ainda falavam de mim graças à ceninha triste que Vince armou semanas antes de eu ir embora – e que eu tentava esquecer com todas as forças. Não, ninguém teve problemas para me reconhecer, eu não era Tiffany. Era eu mesma, só não mais escondida atrás de roupas que eram três vezes maiores que eu.

Ouvi algumas pessoas dizendo que eu estava bonita e que parecia outra pessoa, mas a verdade é que eu – ainda – não chegava aos pés da ex-namorada do Vicente.

E eu não me importava nem um pouco.

Talvez eu tivesse me tornado arrogante, mas não achava que era isso. Eu apenas apendera a confiar no garoto que eu amava. E, mais importante, em mim mesma.

Então que importava que eu não fosse alta, loira e cheia de curvas? Eu tinha algo muito mais importante.

É, isso mesmo. Mas não vou ser – mais – brega e dizer.

No fim, mesmo que achassem estranho, todos acabaram aceitando minha presença. Ainda que Roberta e Diana me lançassem olhares ácidos de vez em quando.

Essas duas nunca iriam gostar de mim mesmo.

Depois do almoço, os garotos decidiram ir surfar. As meninas – sempre mais inteligentes, mesmo que eu não gostasse daqueles espécimes em particular – se recusaram a mergulhar com aquele frio e resolveram ir fazer compras.

E eu teria ficado completamente perdida e sem ter o que fazer, mas aí Vicente se aproximou e eu tinha quase certeza de que ele se ofereceria para ficar comigo, quando a porta se abriu e uma Lana sorridente e linda apareceu.

– Parece que a diversão está por aqui – comentou, o olhar passando de Vicente para mim.

Eu ainda não sabia qual era a daquela garota, mas Vince não pareceu contrariado com sua presença, ao contrário de Lucas.

– Quem disse que você era bem vinda? – perguntou, aproximando-se dela com uma colher de pau e ainda com o avental florido, que agora estava totalmente sujo.

O bolo havia explodido nele.

Ela deu de ombros.

– Você mesmo me convidou – respondeu simplesmente, colocando a mala cuidadosamente ao lado do sofá.

– Isso foi antes – retrucou, balançando a colher de pau. – Eu sou o dono da casa! Posso expulsar você daqui se quiser.

Ela baixou os enormes óculos de sol que usava e fitou-o com os olhos semicerrados.

– Tente – provocou.

Lucas ficou calado.

Uau. Ou eu tinha ficado maluca ou havia alguma coisa entre os dois.

Lucas, agora extremamente contrariado e irritado, começou a empurrar Vince para longe de mim.

– Vem, vamos à praia. O ar aqui de repente ficou irrespirável.

Vince me olhou triste e eu sorri em encorajamento. Tudo bem, eu ainda teria tempo para falar com ele...

Levantei-me da mesa e coloquei meu prato na pia extremamente lotada. Já que eu iria ficar ali sozinha, bem que podia lavar a louça. Porém, quando peguei a esponja, Lana se aproximou e a arrancou da minha mão.

– O que você pensa que está fazendo? – perguntou, arqueando uma sobrancelha.

– Atravessando o Canal da Mancha a nado – respondi, tentando pegar a esponja de volta.

Ela jogou a esponja do outro lado da cozinha.

– Bom, isso vai ter que ficar pra depois – falou, começando a me puxar para fora da cozinha. – Porque você e eu vamos às compras.

Ok, a garota era louca. Alguém para interná-la, por favor?

– E por que eu iria às compras com você? – perguntei com desprezo, lembrando de como ela havia sido uma vadia completa quando nos conhecemos.

Ok, quando ela conheceu a Tiffany. Mas algo me dizia que ela sabia de toda a verdade.

– Porque tem uma festa na praia hoje à noite – ela revelou. – E um garoto chamado Vicente Müller vai estar nela, você talvez o conheça. E, ah, você tem algo para vestir?

Vadia.

Mas ela tinha um ponto.

– Ok, vou pegar minha bolsa – concordei.

Ela sorriu enquanto eu ia até o quarto onde tinha dormido e procurava minha bolsa – molhada – pelo chão. Agradeci mentalmente quando a achei e vi que ela estava apenas úmida e que quase tudo dentro dela havia sido poupado do pior da chuva. Exceto pelo meu exemplar de O Homem do Terno Marrom, cujas páginas haviam sido irremediavelmente destruídas. Mas eu não tinha tempo para chorar por ele, então o tirei da bolsa e corri para fora com Lana.

Fomos a pé – e num silêncio que, pelo menos da minha parte era constrangedor – até as lojas da cidade. Não era muito longe, apenas uma meia hora de caminhada. As lojas também não eram nada muito especial, mas qualquer coisa que eu achasse ali seria melhor que nada.

Entramos em várias, mas nenhuma parecia agradar minha companheira de compras. Ao que parecia, a garota era mesmo exigente. Depois de algumas horas, finalmente entramos numa loja que pareceu agradá-la e só quando ela pegou várias roupas e as jogou em cima de mim, eu percebi que, o tempo todo, ela estivera procurando roupas para mim.

– Por quê? – foi só o que eu perguntei, quebrando nosso silêncio interminável e fitando-a com verdadeiro espanto.

Ela deu de ombros.

– Eu amo meu primo – respondeu. – E ele te ama. Ele ficou destruído quando você foi embora e, agora que você está aqui, eu quero mesmo que se acertem. E resolvi ajudar do único jeito que sei.

Fiquei calada por um momento, absorvendo aquela informação. Quando finalmente fitei a garota parada à minha frente, vi-a com outros olhos. Sem o preconceito que, mesmo sem querer, eu sempre associava a garotas muito bonitas e vaidosas.

Ela, de repente, fez-me lembrar de Narcisa.

Eu sorri.

– Obrigada.

Ela rolou os olhos e mandou que eu me apressasse.

No fim, eu acabei comprando um vestido. Sim, um vestido. Assim que o coloquei no corpo, me apaixonei. Era estampado com pequenas corujas e chegava até quase meus joelhos. Também comprei um cardigã para colocar por cima, no caso de eu sentir frio. Isso definitivamente acabou com todo o meu dinheiro, mas eu não me importei. Lana disse que eu ficara linda com o vestido e assim eu me sentia. Ele me deixava feminina e confortável ao mesmo tempo.

Na volta, paramos para tomar frozen yogurt – eu joguei o meu fora depois de uma colherada, aquilo era nojento – e, quando finalmente voltamos para casa, todos já haviam voltado e estavam se arrumando para a festa na praia. Olhei ao redor, mas não vi Vicente em lugar nenhum. Pretendia procurá-lo, mas Lana foi logo me empurrando para o quarto onde eu dormira, o que tinha banheiro, antes que alguém tivesse a mesma ideia.

Eu tomei banho primeiro, tendo o cuidado de não molhar os cabelos, e fui me vestir enquanto Lana tomava o dela. Quando saiu e terminou de se vestir, a garota tentou me atacar com pincéis, lápis de olho e rímel, mas eu fui categórica:

– Estamos na praia, eu não vou passar essas coisas na cara de jeito nenhum. Um gloss serve.

– Eu nunca vou entender o que Vince viu em você – murmurou enquanto me jogava um gloss cor de rosa.

Terminamos de nos arrumar e saímos do quarto. A casa não estava tão cheia como antes, então supus que algumas pessoas já tivessem ido para a festa. Vince não estava em lugar nenhum.

– Ele já deve ter ido, vamos – Lana me puxou para fora no momento em que Roberta saía de um dos quartos vestindo um short minúsculo e uma blusa transparente.

Ela estava bonita, mas eu estava decente.

E não, eu não estava sendo maldosa, só orgulhosa.

A festa já estava rolando quando chegamos, apesar de ter poucas pessoas. Ficava num bar à beira da praia, com um toldo grande na areia e algumas poucas mesas espalhadas. As pessoas pareciam mais velhas, mais ou menos da idade do irmão do Pedro, e era raro eu ver alguém sem um copo de cerveja na mão.

Eu não percebi o quanto estava nervosa até chegarmos lá, mas a verdade é que minhas pernas tremiam e meus olhos varriam o lugar à procura de um garoto alto, com lindos cabelos escuros e profundos olhos castanhos. Negros naquela luz fraca.

Mas ele não estava em lugar nenhum.

E quando eu percebi, Lana havia sumido. Ótimo, agora eu estava sozinha numa festa na praia com pessoas bêbadas, sem nenhuma ideia do que fazer. Eu não podia estar mais deslocada. Bom, pelo menos a música era legal. Eu estava esperando o pior – festas de praia não são famosas pela excelente seleção de músicas, eu ouvi, pois nunca tinha estado em uma – mas estavam tocando uma boa lista de rock antigo.

E num minuto eu estava ali, sozinha, nervosa e deslocada, e no segundo seguinte minha cabeça se esvaziou completamente.

Vicente estava do outro lado da “pista de dança” sorrindo para mim. Quando ele percebeu que eu o tinha visto, seu sorriso se alargou e meu coração bateu acelerado. Ele vestia bermuda e camiseta, e seu rosto estava ligeiramente vermelho de sol, mas era difícil imaginá-lo mais bonito. Acho que era só na minha cabeça, mas ele sempre parecia mais charmoso a cada vez que eu o via. Seu sorriso, no entanto, era o que mais me fazia derreter. Eu queria arrancá-lo daqueles lábios.

Com os meus.

Senti como se tivéssemos ficado uma eternidade apenas nos fitando de longe, até que, como se fosse combinado, ambos andamos lentamente até o meio da pista de dança e paramos a meros passos um do outro. Não sei bem quem quebrou a distância entre nós, mas a próxima coisa que eu soube foi que ele me tinha em seus braços e nós estávamos dançando.

Dançando.

A música que estava tocando era Friday I’m In Love, do The Cure e ele me fazia dar voltas e voltava a me segurar pela cintura, fazendo-me balançar de maneira capenga no ritmo da música, como fizemos uma vez no meu quarto.

Eu sorri com a lembrança e deixei-o me rodar mais uma vez.


I don't care if Monday's blue

Tuesday's grey and Wednesday too

Thursday I don't care about you

It's Friday I'm in love


E de repente, não estávamos mais sorrindo, ríamos. E podíamos estar em qualquer lugar. O mundo ao nosso redor desapareceu e era quase como se estivéssemos de novo no meu quarto, sozinhos, sem nenhuma preocupação, apenas felizes por estarmos nos braços um do outro.


Monday you can fall apart

Tuesday, Wednesday break my heart

Thursday doesn't even start

It's Friday I'm in love


E cantávamos juntos com a música, não nos importando com o que as outras pessoas iam achar daqueles dois malucos. Eu era maluca sim e Vince não ficava muito atrás.

Nós nos amávamos, apesar de todas as diferenças, de todos os motivos que tínhamos para odiar um ao outro. Não dava para ser mais maluco.


Saturday wait

And Sunday always comes too late

But Friday never hesitate


Meus olhos estavam trancados nos dele. Eu sentia calor onde suas mãos me tocavam. Eu me sentia no céu e no inferno. Estava prestes a voar com pés bem presos no chão. O escuro daqueles olhos me faziam acreditar em tudo. No possível e no impossível. Aquela noite parecia nosso primeiro encontro e, de certa forma, era. Porque ele sabia exatamente quem era a garota que tinha nos braços. E – eu assim esperava – era essa garota mesmo que ele queria ali.

– Você está linda – ele falou no meu ouvido, sua voz sobrepujando a música.


Dressed up to the eyes

It's a wonderful surprise

To see your shoes and your spirits rise

Throwing out your frown

And just smiling at the sound

And as sleek as a shriek

Spinning round and round

Always take a big bite

It's such a gorgeous sight

To see you eat in the middle of the night

You can never get enough

Enough of this stuff

It's Friday I'm in love


– Me tira daqui – foi o que eu respondi, também no ouvido dele.

Nossos olhos voltaram a se encontrar e ele sorriu. Segurou minha mão bem apertado e me puxou para fora do toldo e das pessoas que começavam a lotar o lugar.

Começamos a andar na areia, nos afastando da festa, de mãos dadas como um casal de namorados. Acho que essa comparação é certeira, porque eu certamente me sentia assim. Tirei as sapatilhas no caminho e Vince fez questão de segurá-las para mim. Andávamos a esmo, não importava aonde íamos chegar, desde que chegássemos juntos.

A lua crescente brilhava por entre algumas nuvens, iluminando precariamente a superfície da água e a brancura da areia.

– Eu adoro dançar com você – confessei.

Ele parou e riu.

– Achei que você não soubesse dançar – comentou.

– E não sei.

Ele largou minhas sapatilhas na areia e tirou o celular do bolso. Pude vê-lo ativar a reprodução aleatória e colocar o aparelho em cima das minhas sapatilhas. Aproximou-se de mim e estendeu a mão, o gesto tão natural que eu não podia recuar.


Looking up from underneath

Fractured moonlight on the sea

Reflections still look the same to me

As before I went under


Coloquei minha mão na dele e fui puxada para seu peito.

– Não dá pra dançar essa música – reclamei.

– Podemos dançar no nosso próprio ritmo, Maria Valentina – foi a resposta.


And it's peaceful in the deep

Cathedral where you cannot breathe

No need to pray, no need to speak

Now I am under all


E foi o que fizemos. Encostei minha cabeça em seu ombro enquanto nós balançamos totalmente fora do ritmo da música, mas dentro do nosso próprio. Perdidos no nosso mundinho. E foi então que eu percebi que o tempo congelara. O mundo parara de girar. E só havia nós dois, dançando na praia sob a pálida luz da lua.


And it's breaking over me

A thousand miles onto the sea bed

I found the place to rest my head


A paisagem idílica. A música de fundo. E apenas nós dois. Exatamente como eu tinha imaginado. Bom, não exatamente, afinal Vince não estava sem camisa.

Bom, nada é perfeito.

Uma brisa gelada passou por nós e ele me apertou mais em seus braços, as mãos enterradas em minha cintura começaram a passear por minhas costas.

– Vince – sussurrei, pronta para expor meu coração. Para colocar em palavras tudo o que ele podia ver nos meus olhos.

– Shh – ele colocou um dedo nos meus lábios.


And the arms of the ocean are carrying me

And all this devotion was rushing over me

And the crushes of heaven, for a sinner like me

But the arms of the ocean delivered me


– Por que você foi embora? – perguntou de repente, tomando-me de surpresa.

Por todas as razões pelas quais deveria ter ficado. Porque te amo tanto que tive medo.

– Isso realmente importa? Eu estou aqui agora.

Ele fechou os olhos e inspirou profundamente em meus cabelos. Então, enterrando o rosto no meu pescoço, disse com a voz quebradiça:

– Promete que não vai me deixar de novo.

Meu coração despencou. Eu teria de ir embora ao fim das férias. Meu castigo ainda não havia acabado e, depois de toda aquela briga com papai, suspeitava que ele seria eterno. Ou pelo menos até que eu tivesse idade para não precisar viver sob suas ordens.

– Não posso prometer isso – respondi sincera, afastando apenas o suficiente para poder olhá-lo nos olhos. Aqueles olhos escuros e quentes, profundos e viciantes. – Mas posso te dizer uma coisa. Eu te amo. Eu te amo, Vicente Müller. Aqui. Agora.

Sua mão se apertou em minha cintura, até eu ter certeza de que ficaria com a marca dos seus dedos na pele. A outra tirou uma mecha do meu cabelo que o vento insistia em jogar no meu rosto.

– Eu também te amo, Maria Valentina. Aqui. Agora. E pra sempre.


And it's over

And I'm goin' under

But I'm not givin' up

I'm just givin' in


Oh, slipping underneath

Oh, so cold but so sweet


– Para sempre não existe – eu me ouvi dizendo.

– Existe... –

Eu o interrompi.

– Por favor, sem a frase brega “existe quando eu estou com você”.

Ele riu e me girou – ainda estávamos dançando – e depois parou, colando seu corpo ao meu.

– Tudo bem. Eu não ia dizer isso mesmo – murmurou, fingindo estar emburrado. Então ficou sério e segurou meu rosto com uma mão. – Mas sabe de uma coisa? Pode ser brega, mas é verdade.

E então me beijou.


Never let me go, never let me go

Never let me go, never let me go

Never let me go, never let me go

Never let me go, never let me go


And it's over

And I'm goin' under

But I'm not givin' up

I'm just givin' in


Oh, slipping underneath

Oh, so cold but so sweet


E naquele instante, vivemos uma eternidade. Não eram só seus lábios que tocavam os meus. Era sua alma que tocava a minha. E era como beijá-lo pela primeira vez e não era ao mesmo tempo. Suas mãos me prenderam nele, e as minhas passaram por seu pescoço, terminando mergulhadas em seus cabelos. Seus lábios cobriam os meus com uma força e uma vontade que, até agora, me eram desconhecidas. E eu me via respondendo com a mesma força poderosa, incendiária. Meu corpo estava em chamas.

E eu só queria queimar mais.

Seus dentes prenderam meu lábio inferior enquanto minhas mãos desciam de seus cabelos para passar a explorar seu peito. Os beijos dele desceram pelo meu queixo e pescoço, deixando uma mordida dolorida em meu ombro. Minhas unhas curtas se enterraram na pele dos seus braços e seus lábios voltaram aos meus.

Oh, eu podia beijá-lo para sempre.

Para sempre não existe.

Nós estávamos provando que isso era uma mentira.

Porque durante aquele breve momento, fomos felizes para sempre.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado :3
Beijos e até o próximo capítulo :**